Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
90/20.0T8GMR-A.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: CONTRATO DE FINANCIAMENTO
VENCIMENTO ANTECIPADO DA DÍVIDA
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Às quotas de amortização do capital, integrantes das prestações emergentes de contratos de financiamento, aplica-se o prazo de prescrição de 5 anos previsto no art.º 310º, al. e), do C. Civil, ainda que se verifique o vencimento antecipado das mesmas decorrente do incumprimento do devedor, e não o prazo ordinário de 20 anos.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

V. R. e R. M. vieram deduzir oposição, por embargos de executado, à execução intentada por X – ..., S.A., visando a extinção do processo executivo.
Alegam, para sustentar a sua pretensão, que a cessão lhes é inoponível, por não terem sido notificados da mesma, o que torna a exequente parte ilegítima, que já procederam ao pagamento integral do crédito, que prescreveu o crédito exequendo e, sem prescindir, que sempre teriam prescrito os juros vencidos há mais de 5 anos.

Citada, veio a exequente contestar, sustentando terem sido os executados notificados da cessão, a qual, sem prejuízo, se considera eficaz com a citação para os autos executivos e a inexistência da prescrição do capital, atenta a natureza do contrato celebrado. Quanto ao cumprimento, impugna o mesmo, do qual não tem conhecimento.

Por se entender que os autos continham todos os elementos necessário para o conhecimento do mérito, na fase de saneamento foi logo proferida sentença, que julgou verificada a prescrição do crédito exequendo e, em consequência, julgou procedentes os embargos de executado e determinou a extinção da instância executiva.

Inconformada com esta decisão, a exequente dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com efeito meramente devolutivo e subida nos próprios autos – arts. 852º, 853º,1, 627º,1,2, 629º,1, 631º,1, 637º,1,2, 638º,1, 639º, 644º,1,a), 645º,1,a e 647º,1, todos do CPC.

Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

1. A recorrente não se resigna com a douta decisão, em que considera verificada a prescrição do crédito exequendo, e consequentemente determinou a extinção da instância executiva.
2. Entende o distinto julgador que o pagamento se encontra fraccionado em prestações, e que no nosso entender se encontra correcto, contudo o que não se concorda é que obrigação seja fraccionada.
3. Mais a fundamentação jurisprudencial parte de uma obrigação cuja sua natureza é desde logo fraccionada, e não a contraprestação estar prevista ser realizada de forma fraccionada.
4. Existe no nosso entender uma mistura entre duas naturezas distintas de obrigações no qual que se aproveita uma norma jurídica que tem como pressuposto uma natureza obrigacional distinta da qual foi peticionada na execução.
5. Entre os argumentos vertidos da sentença recorrida, encontra-se que a norma que fundamenta a decisão “visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor”.
6. A ora recorrente não peticiona qualquer montante referente ao fraccionamento, mas sim a obrigação integral por incumprimento do contrato, elemento este que foi dado como provado.
7. Não se poderá deixar de repetir uma vez mais que aplicação do art.º 310.º, alínea e), do Código Civil, não será aplicável in casu, porquanto não estão a ser peticionadas prestações, mas sim o valor de capital.
8. Não só advém da lei, mas também do contrato que o incumprimento implica o direito do credor peticionar o valor global em dívida, e não apenas as prestações que se encontram em atraso.
9. Considerando que foi dado como provado o incumprimento, não se compreende como é que a decisão aplica uma norma que é aplicável a uma obrigação de natureza diversa daquela que foi peticionada nos autos principais.
10. Considera-se que o prazo de prescrição a aplicar ao caso concreto deverá ser sim o de 20 anos.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, por via disso, revogar-se a douta decisão recorrida, substituindo-se por uma outra que decida em conformidade com o preconizado nas presentes alegações.

Não foram apresentadas contra-alegações.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, a única questão a decidir consiste em saber se ocorreu a prescrição do crédito exequendo.

III
A decisão recorrida considerou provados, com relevância para a decisão a proferir, face ao acordo das partes (e à aceitação expressa do alegado) os seguintes factos e dinâmica processual:

a) Por Contrato de Cessão de Carteira de Créditos, outorgado em 27.12.2018, a CAIXA ... – CAIXA ... BANCÁRIA, S.A. (adiante abreviadamente designada por CAIXA ...) cedeu à FINANCE ... os créditos decorrentes da operação n.º ....................000, bem como todas as garantias a eles inerentes, conforme contrato de cessão de créditos, junto ao requerimento executivo como documento nº 1 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
b) Posteriormente, a 12.04.2019, a FINANCE ... cedeu à X ... SA, os créditos acima identificados, bem como todas as garantias a eles inerentes, conforme contrato de cessão de créditos e respectivo anexo com identificação da operação n.º ....................000, junto ao requerimento executivo como documento nº 2 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
c) O Banco cedente (CAIXA ...), no exercício da sua actividade bancária, celebrou, em 28.08.2007, com V. R. e R. M., um contrato de crédito individual que corresponde à operação n.º ....................000, mediante o qual aquele mutuou o montante de € 8.953,67, conforme contrato junto ao requerimento executivo como documento nº 3 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
d) No âmbito do aludido contrato, os Executados comprometeram-se a reembolsar a quantia mutuada em 96 prestações mensais, constantes e sucessivas, conforme resulta das Cláusulas Particulares do contrato referido em c).
e) Em 29.01.2011, os Executados deixaram de efectuar os pagamentos a que estavam obrigados, ficando nessa data em dívida o valor de € 5.758,45, a título de capital.
k) A exequente peticiona juros desde 29.01.2011, data que identifica como de incumprimento.
l) A execução foi intentada em 8/1/2020.
m) A exequente remeteu, para morada dos executados, cartas registadas dando conhecimento das cessões referidas em a) e b).

IV
Conhecendo do recurso.

Olhando para o título executivo (contrato de mútuo entre a CAIXA ... – CAIXA ... BANCÁRIA, S.A) e os ora embargantes celebrado em 28.8.2007, verifica-se que pelo mesmo o Caixa… (doravante referido assim, por comodidade) lhes emprestou o montante de € 8.953,67, creditado na conta dos mutuários na mesma data. Das cláusulas particulares consta que a TAEG é de 8,21463%, que o prazo do empréstimo era de 96 meses, e que o reembolso do empréstimo seria feito em 96 prestações mensais de € 126,21 cada, sendo a primeira prestação devida a 28.9.2007.
Como se pode ler na sentença recorrida, os embargantes invocaram a prescrição dos créditos exigidos com fundamento no art. 310º,1,e CC.
Ora, como é sabido, o prazo ordinário de prescrição é de 20 anos (art. 309º CC).

O art. 310º, porém, como norma especial, consagra prazo mais curto. Assim, dispõe tal artigo que:
Prescrevem no prazo de cinco anos:
a) As anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias;
b) As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;
c) Os foros;
d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
f) As pensões alimentícias vencidas;
g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis”.

Ou seja, os embargantes defendem que o prazo de prescrição é de 5 anos, enquanto que a embargada argumenta que o prazo é de 20 anos.

Quid iuris ?

Como dispõe o art. 298º,1 CC, estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
A razão de ser da prescrição, como ensinava o Prof. MANUEL DE ANDRADE, “reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo, negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de protecção jurídica”, acrescentando ainda, a “certeza ou a segurança jurídica”; a protecção dos obrigados “especialmente os devedores, contra as dificuldades de prova”; e ainda “exercer uma pressão ou estímulo educativo sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efectivação, quando não queiram abdicar deles”. (in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, Almedina, 1974, págs. 445-446).
Escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, citando Manuel de Andrade, em anotação ao art. 310º CC, que “não se trata, nestes casos, de prescrições presuntivas, sujeitas ao regime especial estabelecido nos artigos 312º e seguintes, mas de prescrições de curto prazo, destinadas essencialmente a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor”.
A situação dos autos cai em pleno na previsão da alínea e) supracitada: prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros. A ratio legis deste prazo prescricional mais curto, como já dissemos, é proteger o devedor, colocando-o a salvo de situações em que o credor deixasse acumular muitas prestações sucessivas, de forma a exigir de uma só vez um montante tão elevado que o devedor não pudesse de todo solver.
Assim se decidiu, por exemplo, no Acórdão do STJ de 12.11.2020 (Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado), no qual se pode ler: “este artigo consagra prazos especiais e mais reduzidos de prescrição extintiva, uma vez que as situações ali elencadas têm, em geral, por objecto, prestações periódicas, o que justifica reforçar a tutela do devedor por forma a evitar que se veja confrontado com o acumular de prestações de montante que lhe fosse impossível pagar. No que se refere à alínea e), do art. 310º, do CC estabelece-se um prazo prescricional único, de curta duração, aplicável ao capital e aos juros correspondentes, que devam ser pagos de forma conjunta. Na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração”.
No mesmo sentido decidiram os Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 27.3.2014, processo nº189/12.6TBHRT-A.L1.S, de que foi Relator o Juiz Conselheiro Silva Gonçalves e de 29.9.2016, processo nº 201/13.1TBMIR-A.C1.S1, relatado pelo Juiz Conselheiro Lopes do Rego.
E no mesmo Acórdão supra citado acrescenta-se, com especial relevo, que “tem sido igualmente entendido por este Supremo Tribunal que a circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, em consequência de patologias ocorridas no plano do (in)cumprimento do contrato, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição – cf. neste sentido o ac. de STJ de 4.5.1993, publicado na Colectânea de Jurisprudência (STJ), Ano I, T.II, pág. 82, relatado pelo Juiz Conselheiro Santos Monteiro, de 18.10.2018, proc. nº 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1, relatado pelo Juiz Conselheiro Olindo Geraldes e de 23.1.2020, proc. nº 4518.17.8T8LOU.A.P1.S1, relatado pelo Juiz Conselheiro Nuno Pinto de Oliveira”.

Na Doutrina, esta solução foi defendida por VAZ SERRA (BMJ nº 107, pág. 285): «I. O legislador equiparou a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fraccionada por numerosos anos, como o mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – art. 310.º, alínea e), do Código Civil II. A circunstância de tal direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos de prescrição. (…) na verdade, desde há muito que a prestação englobando quotas de amortização de capital e juros, numa proporção variável, tende a ser perspectiva de um modo unitário, com a aplicação do prazo comum de cinco anos para a verificação da prescrição. Esta prescrição destina-se a evitar a ruína do devedor, pela acumulação da dívida derivada designadamente de quotas de amortização de capital pagável com juros. Numa situação destas, a exigência de pagamento de uma só vez, decorridos demasiados anos, poderia provocar a insolvência do devedor a viver dos rendimentos, nomeadamente do trabalho, e que o legislador, conhecedor das opções possíveis, quis prudentemente prevenir, colocando no credor maior diligência temporal na recuperação do seu crédito».

No mesmo sentido ainda, o Acórdão deste TRG de 08/07/2020 (Fernando Fernandes Freitas), onde se pode ler: “aplica-se este prazo prescricional a todas as situações em que se tenha convencionado que o capital será pago em prestações, simultaneamente com os juros, “não tendo qualquer relevância para a prescrição quinquenal das quotas de amortização serem os juros contados como antecipados ou poscipados – o que importa é que sejam pagáveis com as quotas de amortização”, nos termos referidos pelo Acórdão do S.T.J. de 04/05/1993, que decidiu ainda que “o facto de vencida uma quota e não paga, se vencerem todas as posteriores, nada releva para o problema em causa, porque, nesse caso, a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização não ao todo em dívida” (in C.J., Acs. do S.T.J., ano I, Tomo II, pág. 84)”.
Finalmente, o sumário do Acórdão do STJ de 10/9/2020 (P. 805/18.6T8OVR-A.P1.S1), citado por Miguel Teixeira de Sousa, in blogippc.blogspot.com é o seguinte:
Às quotas de amortização do capital integrantes das prestações para amortização de contratos de financiamento aplica-se a prescrição quinquenal prevista no art.º 310º, al. e), do CCiv, ainda que se verifique o vencimento antecipado das mesmas”.
Na fundamentação do Acórdão pode ler-se que “este entendimento inspira-se no conhecido estudo, inserido nos trabalhos preparatórios do Código Civil, do Prof. VAZ SERRA sobre prescrição e caducidade publicado nos BMJ n.ºs 105 e 106 (e também em Separata do mesmo, sob o título “Prescrição Extintiva e Caducidade – estudo de direito civil português, de direito comparado e de política legislativa”). A passagem mais conhecida deste Estudo é a que consta do BMJ n.º 106, pg. 119 (pg. 322 da Separata), quando é referido que a prescrição especial quinquenal “se destina a evitar que, pela acumulação de prestações periódicas, se produza a ruína do devedor”, pois os juros podem suplantar o valor do capital; por modo que ela deve ser aplicável “sempre que se trate de prestações periódicas derivadas de uma determinada relação jurídica”.
Miguel Teixeira de Sousa analisa a questão em causa, escrevendo: “é, também, pacífico que num contrato de financiamento (tipicamente para aquisição ou construção de imóveis ou veículos automóveis) estamos perante um caso de obrigação fraccionada ou repartida, que é única mas cujo cumprimento, normalmente por conveniência do devedor, se protela no tempo, através de sucessivas prestações, a pagar em datas diferidas, que não têm de ser regulares no tempo, até que o montante da dívida se encontre completamente pago, e não perante uma obrigação periodicamente renovável ‘stricto sensu’; no entanto se o cumprimento dessa obrigação única é efectivado em prestações fraccionadas no tempo, como é o caso das prestações mensais sucessivas que constam de um plano de amortização, acordado entre as partes, compostas por uma parte de capital e outra parte pelos juros é aplicável às quotas de amortização do capital o regime da prescrição quinquenal estabelecido na al. e) do art.º 310º do CCiv”.
De seguida aquele autor elenca a esmagadora jurisprudência dos Tribunais superiores que foi no mesmo sentido, bem como a Doutrina que também defende tal solução.
Porém, acrescenta, “essa unanimidade só se verifica, no entanto, na medida em que o plano de amortização inicial se mantém inalterado; se, porventura, por via do seu incumprimento, ocorre antecipação do vencimento de todas as prestações esse consenso desvanece-se, entendendo uns que se continua a aplicar a prescrição de curto prazo e outros que passa a aplicar-se ao capital em dívida a prescrição ordinária”.
A primeira posição, que é a que iremos seguir aqui, é a que vem sendo seguida pelo STJ, com argumentação quanto a nós inteiramente convincente, e que vem exposta v.g. no acórdão de 04MAI1993 (CJ/STJ, 2/93, 82), em que estava em causa o incumprimento de um plano de amortização em prestações do capital e dos juros, e em que o Supremo considerou que na falta de pagamento das prestações «a prescrição não pode pôr-se em relação às quotas em dívida como um todo, mas em relação a cada uma delas, pois o seu pagamento ficou assim escalonado» e que «o facto de vencida uma quota e não paga, se vencerem todas as posteriores, nada releva para o problema em causa, porque, nesse caso, a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização não ao todo em dívida».
Acrescentaríamos ainda que esta é a melhor solução do ponto de vista sistemático, pois não faria quanto a nós sentido que o prazo de prescrição de obrigações emergentes de um contrato de mútuo fosse um prazo flutuante, começando por ser de 5 anos, durante a fase “saudável” da relação, mas mudando para 20 anos na fase “patológica”, por força de vicissitudes como v.g. o incumprimento pelo devedor.
Teixeira de Sousa cita de seguida alguma jurisprudência das Relações em sentido divergente, para de imediato se afastar dela, escrevendo, no que, com a devida vénia o acompanhamos, que “o vencimento imediato de todas as prestações por via da falta de pagamento de uma deles, nos termos do art.º 781º do CCiv, implica apenas e tão só isso mesmo: o vencimento imediato, com perda do benefício do prazo; não tem por efeito alterar a natureza da dívida, repristinando a anterior obrigação única que foi substituída por uma obrigação fraccionada. O que é devido continua a ser todas as quotas de amortização individualmente consideradas e não a quantia global do capital em dívida. E o facto de as quotas de amortização deixarem nessa situação de estar ligadas ao pagamento dos juros (cf. AUJ 7/2009, DR, I, 05MAI2009), por via dessa antecipação do vencimento, não interfere, em nosso modo de ver, com o tipo de prescrição aplicável em função da natureza da obrigação, que não é alterada pelas vicissitudes do incumprimento. Por outro lado, se é certo que se logrou um dos fundamentos da aplicação da prescrição quinquenal (o evitar a acumulação dos montantes em dívida tornando o pagamento excessivamente oneroso para o devedor) não deixa de subsistir a necessidade de uma acrescida diligência do credor na recuperação do seu crédito, tendo em vista, numa óptica do ‘favor debitoris’ imanente ao CCiv, evitando a perpetuação, com a consequente incerteza e insegurança, da situação do devedor”.

Assim, já estamos em condições de dizer que assiste inteira razão à sentença recorrida, quando refere que “o título que se pretende executar prevê a restituição do capital (acrescido de juros e despesas/comissões) em 96 prestações, que devem ser submetidos ao prazo de prescrição mais curto de cinco anos, sob pena de se desvirtuar a sua ratio, que visa estimular uma cobrança imediata e célere dos montantes fraccionados, impedindo um avolumar de dívidas de capital e juros. É o caso paradigmático deste processo que é instaurado, pelo menos, mais de 4 anos após a data de termo prevista e 9 anos após a declaração de incumprimento. Prescreveu, pois, o crédito exequendo, sendo que tendo prescrito o capital, não pode o mesmo vencer juros, tendo-se igualmente extinto o direito de reclamar as demais prestações acessórias desse capital”.
E, inevitável e consequentemente, entendemos que não colhe a argumentação apresentada pela recorrente, quando afirma que “existe uma mistura entre duas naturezas distintas de obrigações no qual que se aproveita uma norma jurídica que tem como pressuposto uma natureza obrigacional distinta da qual foi peticionada na execução”. Como explica Teixeira de Sousa no estudo supra citado, e repetindo, “o vencimento imediato de todas as prestações por via da falta de pagamento de uma deles, nos termos do art.º 781º do CCiv, implica apenas e tão só isso mesmo: o vencimento imediato, com perda do benefício do prazo; não tem por efeito alterar a natureza da dívida, repristinando a anterior obrigação única que foi substituída por uma obrigação fraccionada”.
Não colhe a insistência da recorrente em repetir que não estão a ser peticionadas prestações, mas sim o valor de capital, por duas razões: a primeira, é a que Teixeira de Sousa explica, na citação acabada de fazer; e a segunda é que não se pode afirmar, em bom rigor, que está a ser peticionado o capital; isso só aconteceria se fosse peticionado o capital integral, incluindo o valor das prestações já pagas, que não é o que sucede nem neste caso nem noutro qualquer: o que é peticionado é apenas a soma das prestações remanescentes, até ao fim do período acordado -por força da perda do benefício do prazo- mas não as que já foram pagas.
Assim, sendo o prazo prescricional de 5 anos, tendo a acção executiva entrado em Juízo em 8.1.2020, sendo o contrato de crédito de 28.8.2007, e tendo os executados deixado de efectuar os pagamentos a que estavam obrigados em 29.01.2011, é por demais evidente que decorreu na íntegra o prazo prescricional.
Donde, a sentença recorrida não merece qualquer censura.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente, e confirma na íntegra a sentença recorrida.

Custas pela recorrente (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 15/6/2021

Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Alcides Rodrigues)
2º Adjunto (Joaquim Boavida)