Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
133286/14.7YIPRT.G1
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: MASSA INSOLVENTE
CUSTAS
APOIO JUDICIÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/22/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO
Sumário: 1- O fundamento de nulidade da sentença invocado ao abrigo da al. c) do nº 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, não se confunde com a mera discordância relativa à solução jurídica encontrada.
2- A Massa insolvente de uma sociedade comercial não está isenta do pagamento de custas numa ação que interpõe contra um devedor da sociedade insolvente, ao abrigo das al.s f) e u) do nº 1 do art.º 4º do Regulamento das Custas Processuais.
3- A concessão de apoio judiciário não é do conhecimento oficioso, antes pressupõe sempre a iniciativa da parte interessada e com legitimidade para o efeito.
Decisão Texto Integral: I.
MASSA INSOLVENTE DE…, LDA., com sede na…, Coimbra, instaurou processo especial de injunção contra V…, LDA., com sede na…, Guimarães, alegando essencialmente que a sociedade B…, Lda. forneceu à Requerida diverso material do seu comércio, relativamente ao qual foram emitidas as faturas n.º 2012000046 e 2012000047, ambas em 06.02.2012, com vencimento nessa mesma data, no valor de € 10.074,59 e de € 34.932,52, respetivamente. Por tal motivo encontra-se em débito a quantia de € 45.007,11 a título de capital, montante ao qual acrescem os respetivos juros de mora pela falta de pagamento atempado das faturas em questão, calculados à taxa supletiva, desde a data de vencimento, no valor global de € 8.754,80€ (€ 1.959,71 + € 6.795,09, respetivamente), somando a quantia total de € 53.761,91.
A esta quantia acresce ainda o montante de € 40,00 devido a título de indemnização pelos custos de cobrança de dívida, nos termos do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, bem como todos os valores pagos a título de taxas de justiça com o procedimento injuntivo, pelo que o valor total em débito se cifra em € 53.954,91.
A Requerida deduziu oposição, alegando essencialmente que ambas as sociedades forneciam reciprocamente produtos do comércio de cada uma delas, sendo a Requerida credora da Requerente pelo valor de € 90.828,37 na data da declaração de insolvência da B…, Lda.; nessa ocasião, a Requerida até já havia compensado o montante relativo às faturas que agora reclama, pelo que nada é devido pela Requerida à Requerente e a ação deve ser julgada não provada e improcedente.
A Requerente informou o tribunal “de que… não liquida nem junta comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida uma vez que, ao abrigo da alínea u) do n.º 1 do art.º 4, do Regulamento das Custas Processuais está isenta do seu pagamento”.
A Requerida pagou taxa de justiça e juntou o respetivo comprovativo.
O M.mo Juiz proferiu então a decisão que se transcreve, ipsis verbis:
«A Requerente, Massa Insolvente de…, Lda, intentou providência de injunção contra a sociedade V…, Lda, não tendo autoliquidado a taxa de justiça e invocando a sua isenção de custas para não o fazer, nos termos do disposto no artigo 4º, nº 1, al. u), do RCP.
A Requerida deduziu oposição e os autos foram remetidos à distribuição.
Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o artigo 4º do RCP que:
1 - Estão isentos de custas:
(…)
u) As sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, nos termos da lei, salvo no que respeita às acções que tenham por objecto litígios relativos ao direito do trabalho.
(…)
4 - No caso previsto na alínea u) do n.º 1, a parte isenta é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, em todas as acções no âmbito das quais haja beneficiado da isenção, caso ocorra a desistência do pedido de insolvência ou quando este seja indeferido liminarmente ou por sentença.
Nas palavras de Joel Timóteo Ramos Pereira (in: Regulamento das Custas Processuais e Legislação Complementar, Quid Júris, 2012, pg. 39), «importa distinguir entre empresa/sociedade que se apresente à insolvência ou recuperação e, posteriormente, a massa insolvente (enquanto modificação subjectiva da instância).
O artigo 304º do CIRE estabelece que a massa insolvente paga custas, contrariamente à empresa que se apresente à insolvência.
Aliás, verificando o administrador de insolvência que a massa insolvente é insuficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente dá conhecimento do facto ao juiz (artigo 232º do CIRE), o que significa que a massa falida é susceptível de pagar custas e não goza de qualquer isenção, designadamente da derivada da alínea u), do nº 1, do artigo 4º.»
Na verdade, o próprio nº 4 do artigo 4º, esclarece que a parte isenta (a sociedade em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa), deixa de beneficiar da isenção caso ocorra a desistência do pedido de insolvência ou quando este seja indeferido liminarmente ou por sentença.
Assim e pelo exposto, se conclui que a Requerente, Massa Insolvente de…, Lda, não beneficia de isenção de custas.
Por força do disposto nos artigos 11º, nº 1, al. f) e 20º do DL nº 269/98, no artigo 7º, nº4 e 6 do RCP, e 9º da Portaria 220-A/2008, de 4-03, o pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação do requerimento de injunção é prévio à apresentação do respectivo requerimento, devendo o requerimento de injunção ser recusado se não se mostrar paga a taxa devida.
Desta forma, impõe-se recusar o requerimento de injunção e declarar extinta a instância com esse fundamento, o que se determina.
Custas pela Requerente, no mínimo legal (artigo 7º, nº4, do RCP).
Registe e notifique.»

Inconformada, a Requerente apelou da sentença, alegando com formulação das seguintes CONCLUSÕES:
«1. É imperativo que qualquer sentença seja precedida de uma fundamentação clara e coerente e que permita aos seus destinatários compreender o percurso lógico percorrido pelo julgador entre as premissas e as conclusões a que chega.
2. Os pareceres e publicações teóricas de jurisconsultos em revistas da especialidade são apenas mais um entendimento de um jurista, mais ou menos douto, e mais ou menos acertado.
3. Se esses entendimentos não tiverem qualquer suporte legal, textual ou lógico, não poderão servir de base a qualquer juízo.
4. A citação transcrita na sentença recorrida não tem aplicação ao caso corrente e não pode ser acolhida.
5. Os artigos 232.º e 304.º do CIRE aplicam-se, exclusivamente, ao processo de insolvência, na sua componente interna,
6. E estes artigos e a sua teleologia nada têm em comum com a concretização do Meritíssimo Juiz a quo: “o próprio nº 4 do artigo 4º esclarece que a parte isenta (a sociedade em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa), deixa de beneficiar da isenção caso ocorra a desistência do pedido de insolvência ou quando este seja indeferido liminarmente ou por sentença.”
7. Até porque não está preenchida nenhuma das condições da aplicabilidade da norma invocada.
8. Consequentemente, é contraditória a fundamentação invocada e a conclusão a que se chega: “a Massa Insolvente de…, Lda, não beneficia de isenção de custas”;
9. E é ininteligível o percurso lógico entre as premissas e a conclusão alcançada na sentença.
10. A Massa Insolvente tem como objectivo proceder à liquidação de um património para, com o produto da venda, satisfazer, tanto quanto possível, os interesses dos credores;
11. A Massa Insolvente apenas ganha existência quando já está comprovada judicialmente a incapacidade de o devedor liquidar todas as suas dívidas;
12. A Massa Insolvente concentra em si a própria a ideia de insuficiência patrimonial e de incapacidade de pagar todas as dívidas vencidas.
13. A Massa Insolvente encontra-se isenta do pagamento de custas processuais ao abrigo do disposto na alínea u) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP.
14. O despacho recorrido é nulo por violação do disposto na alínea u) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP.
15. A Massa insolvente é um património autónomo que não tem fins lucrativos;
16. Os patrimónios autónomos são sujeitos passíveis de se encontrar em situação de insolvência;
17. Se o tribunal tem fundadas dúvidas acerca da aplicabilidade da isenção prevista na alínea u) do n.º 1 do artigo 4.º do CIRE, deve notificar a parte para fazer prova dos factos de que depende a sua aplicação;
18. Ao não notificar a parte para fundamentar a isenção invocada, veda o direito ao contraditório da parte.
19. O despacho recorrido é nulo por violação do disposto no n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil.
Sem prescindir,
20. A Massa Insolvente é uma entidade colectiva privada, sem fim lucrativo, e que se encontra em juízo no âmbito das suas especiais atribuições e em defesa dos interesses que lhe estão legalmente confiados – o interesse dos credores,
21. Pelo que sempre beneficiaria de uma isenção subjectiva,
22. Se o tribunal a quo entendia que a isenção prevista na alínea u) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP não se aplicava à Massa Insolvente, deveria ter aplicado, oficiosamente, a isenção prevista na alínea f) do mesmo artigo.
23. O despacho recorrido é nulo por violação do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP.
TERMOS EM QUE,
Face à nulidade do despacho que declara a parte não beneficiária da isenção prevista na alínea u) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP, deve este ser substituído por outro em que se declare a Massa Insolvente de…, Ld.ª isenta ao abrigo daquela norma.
Sem prescindir, e caso assim não seja, deve revogar-se o despacho recorrido e ser substituído por outro onde se declare a Massa Insolvente de…, Ld.ª isenta ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP;
Ou ainda, subsidiariamente, deve ser revogado e substituído por outro onde se notifique a parte para apresentar comprovativo de que se encontra em situação de insuficiência económica.» (sic)

Não foram produzidas contra-alegações
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II.
Questões a apreciar
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido, e não matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil [1]).
Assim, está para decidir, essencialmente,
1. Nulidade da decisão por contradição entre a fundamentação invocada e a conclusão, e ainda por ininteligibilidade entre as premissas e a conclusão alcançada na sentença.
2. Verificação dos pressupostos da isenção do pagamento de custas pretendida pela Requerente com base nas alíneas f) e u) do nº 1 do art.º 4º do Regulamento das Custas Processuais [2] (discordância quanto à aplicação do Direito).
3. Apoio judiciário.
III.
Os factos relevantes são de índole processual e constam do relatório.
IV.
1. Nulidade da decisão
Pese embora o faça de forma algo confusa nas conclusões da apelação, sem que cite, nomeadamente, o art.º 615º, nº 1, al. c), e apelidando a sentença de nula por violar o disposto na al. u) ou na al. f) do nº 1 do art.º 4º do RCP, assim confundindo as causas de nulidade da sentença taxativamente previstas na lei do processo, sob o referido art.º 615º, com o erro na aplicação do Direito e a divergência relativa à solução jurídica encontrada na decisão, o facto de a apelante ter invocado expressamente a existência de contradição entre a fundamentação da sentença e a decisão, e ainda a sua ininteligibilidade, leva-nos necessariamente a apreciar estas causas de nulidade, previstas na referida al. c) do nº 1 do art.º 615º.
Constitui causa de nulidade da sentença --- extensível aos próprios despachos (qualquer decisão, seja qual for a forma que assuma) --- a oposição entre os fundamentos e a decisão (art.ºs 613º, nº 3 e 615º, nº 1, al. c)). Há de tratar-se de um vício lógico que compromete a decisão desde logo na sua construção. A decisão perde a sua justificação ao apoiar-se ostensivamente numa base que, na realidade, não a sustenta. Os fundamentos dela constantes conduziriam, logicamente, não ao resultado expresso e querido pelo juiz subscritor, mas a um resultado oposto ou, pelo menos, bastante diferente; de tal modo que a decisão não é um ato considerado racionalmente sustentado, antes revela uma distorção do raciocínio lógico que se impõe entre as premissas de facto e de direito e a conclusão. A fundamentação há de apontar num sentido enquanto o segmento decisório segue caminho oposto ou, pelo menos, uma direção claramente diferente.
A nulidade da oposição entre os fundamentos e a decisão está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos art.ºs 154° e 607°, n.ºs 3 e 4, de fundamentar as decisões e, por outro, pelo facto de a sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a consequência ou conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor).
Não se verifica a oposição geradora desta nulidade se o julgador errou na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável ou se, porventura, errou na indagação de tal norma ou na sua interpretação. A circunstância de o juiz ter eventualmente extraído ilações e explanado o seu raciocínio com argumentos e razões não sustentadas não é problema de nulidade de sentença.
Como é por demais evidente, não está em causa qualquer viciação de raciocínio lógico entre os fundamentos e a decisão que ponha em causa a sua própria construção e valor enquanto ato decisório processual, mas tão-só discordância da recorrente relativa à decisão.
Também nada na fundamentação é ininteligível ou incompreensível, muito menos ao ponto de tornar a decisão inaproveitável, nula.
Todo o raciocínio que o M.mo Juiz desenvolve, errado ou não, do ponto de vista da aplicação do Direito (se a A. deveria ou não ter liquidado a taxa de justiça antes da apresentação do requerimento de injunção), é claro e adequado a justificar a decisão que fez constar do dispositivo da sentença. Toda a fundamentação, designadamente o teor da citação que atribui a Joel Timóteo Ramos Pereira, serve o sentido de que a Requerente não está isenta de custas, sendo o dispositivo da sentença sua evidente consequência lógica, como bem resulta do texto da sentença que, por essa razão, acima se transcreveu ipsis verbis.
Resumindo, apontando como fonte de nulidade contradição entre os seus fundamentos e o seu dispositivo e ininteligibilidade que não existem nos termos da própria sentença, não pode a mesma considerar-se nula. A nulidade tem que ser um vício interno da própria sentença, uma falta grave que a compromete enquanto tal.
Improcedem, assim, os referidos fundamentos de nulidade da sentença, concluindo-se pela sua validade.
*
2. Verificação dos pressupostos da isenção do pagamento de custas pretendida pela Requerente (discordância quanto à aplicação do Direito)
A atividade jurisdicional não é exercida gratuitamente, impendendo sobre os litigantes o ónus de pagar determinadas «taxas» para que possam por em marcha a máquina da justiça e têm de satisfazer, no final do processo, todas as quantias de que o tribunal se não haja embolsado por meio daquele adiantamento.[3]
Para tal efeito, o art.º 527º do Código de Processo Civil estabelece:
“1- A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
2 – Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
3-…”.
O art.º 1º, nº 1, do RCP estabelece que “todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento”.
Prevê, no entanto, o art.º 4 do mesmo regulamento situações de isenção objetiva e subjetiva de custas, ou seja, os casos que, tendo em conta a qualidade da pessoa do devedor ou o objeto do processo, delas fica aquele definitivamente dispensado do respetivo pagamento.
O tribunal a quo entendeu e decidiu que a Requerente deveria ter liquidado a taxa de justiça para a apresentação do requerimento injuntivo, não estando dela isenta nos termos da al. u) do nº 1 do art.º 4º do RCP.
Já a Requerente Massa insolvente defendeu a aplicação daquela causa de isenção de custas à presente injunção, apesar da declaração de insolvência da sociedade B…, LDA que lhe deu origem.
Dispõe o art.º 4º, nº 1, al u) do RCP que “estão isentos de custas … as sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, nos termos da lei, salvo no que respeita às ações que tenham por objeto litígios relativos ao direito do trabalho”.
A ideia defendida por Joel Timóteo Ramos Pereira, citado na sentença recorrida[4], de que importa distinguir entre empresa/sociedade em condições de se apresentar à insolvência ou recuperação da empresa e, posteriormente, a massa insolvente, não se aplicando à sociedade já declarada insolvente a isenção de custas acima referida, não corresponde a uma orientação isolada, antes constitui uma manifestação de doutrina consagrada nesta matéria de custas, de que é exemplo a posição de Salvador da Costa.
Refere este autor, no que respeita à referida expressão legal “situação de insolvência”, enquanto pressuposto da isenção, que se pressupõe, em relação aos sujeitos referidos na norma, a verificação dos requisitos de apresentação à insolvência, ou seja, não exige a lei a sua prévia declaração. E, socorrendo-se da norma do art.º 3º, nº 1, do CIRE [5], dá conta das condições em que ocorre a situação de insolvência das entidades referidas no citado art.º 4º, nº 1, al. u): “por um lado, quando se encontrem impossibilitadas de cumprir as suas obrigações vencidas, e, por outro, em regra, se o seu passivo for manifestamente superior ao activo, avaliado segundo as normas contabilísticas aplicáveis”. Acrescenta que esta é uma isenção subjetiva duplamente condicionada, “por um lado, em quadro de sujeição a medidas de recuperação da empresa ou de situação de insolvência, e, por outro, não se tratar de processos do foro laboral, por isso com uma forte vertente objectiva”. [6]
A interpretação da citada al. u) não pode ser efetuada sem análise do nº 4 do mesmo art.º 4º do RCP que prevê a sua limitação, de modo que a aludida isenção cessa quando o pedido de declaração de insolvência seja indeferido, liminarmente ou por sentença, ou ainda caso ocorra desistência do mesmo.
Salvador da Costa faz notar que “as partes isentas, em relação a qualquer causa, salvo as concernentes ao direito do trabalho, a que este normativo se reporta, são as sociedades em geral, as cooperativas e os estabelecimentos de responsabilidade limitada em situação de presumida insolvência ou em procedimento de conciliação para recuperação da empresa”. Em jeito de conclusão, remata o seu raciocínio: “Assim, dado o disposto neste normativo, a ineficácia da isenção de custas em causa ocorre no caso de alguma das referidas entidades ser efectivamente sujeita a processo de insolvência [7] e ocorrer desistência do pedido de insolvência ou o seu indeferimento liminar ou por sentença” [8].
Reforçando a ideia de que a declaração de insolvência faz cessar a causa da isenção, escreve aquele autor que é complexa a verificação dos pressupostos fático-jurídicos da situação de insolvência, porventura a exigir decisão concernente.[9]
Esta isenção está motivada por critérios de oportunidade e de racionalidade. Existe sobretudo para favorecer as sociedades e outras entidades que constituem a grande maioria das empresas comerciais no tecido económico nacional e que atravessem uma situação deficitária significativa, assim facilitando o seu recurso aos tribunais e a sua viabilização económica e financeira. Mas já não faria sentido continuar a proteger as empresas que, já declaradas insolventes por sentença judicial, têm o seu património transformado em massa insolvente, assim destinado à sua liquidação para satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos seus credores, sendo este o seu objetivo precípuo.
Como se refere no acórdão da Relação do Porto de 6.11.2012, [10] “verificada a situação de insolvência, seja por iniciativa do próprio devedor, seja por requerimento de um credor, a insolvência é declarada por sentença (art.º 36º do CIRE). A partir daí a sociedade deixa de existir em situação de insolvência, constituindo-se todo o seu património numa massa patrimonial (a massa insolvente) destinada à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo (art.º 46º, nº 1, do CIRE)”.
Com efeito, a diferença entre a isenção e a não isenção de custas reside na realização do interesse público de regulação do mercado, entre a tentativa de manter em funcionamento as empresas que, embora com sérias dificuldades, ainda não foram declaradas insolventes, e a expurgação daquelas que, tendo sido como tal declaradas, estão sujeitas à liquidação patrimonial e à oportuna extinção, servindo apenas, residualmente, o interesse dos seus credores. No caso das pessoas coletivas, a declaração de insolvência acarreta a sua dissolução, “passando a sua personalidade colectiva a restringir-se à prática dos actos necessários para a liquidação do seu património” [11], embora, tratando-se de sociedades comerciais, a dissolução possa cessar com o regresso da sociedade à atividade, após o encerramento do processo de insolvência, se tal estiver previsto em plano de insolvência aprovado ou por deliberação dos sócios no caso de o processo de insolvência terminar por pedido do devedor (art.ºs 234º nº 1, nº 2, 230º nº 1, al. c), do CIRE).
A massa insolvente sucede à simples situação de insolvência e, deixa, por isso, de beneficiar da isenção de custas prescrita na al. u) do nº 1 do art.º 4º do RCP, que visa, especifica e literalmente, a sociedade “em situação de insolvência”.
Daí, também que, em total coerência, a isenção da sociedade em situação de insolvência cesse em todas as ações no âmbito das quais haja beneficiado da isenção, caso ocorra a desistência do pedido de insolvência ou quando este seja indeferido liminarmente ou por sentença, nos termos do nº 4 do art.º 4º do RCP. Nestes casos, conclui-se a posteriori pela inexistência da situação de insolvência, pelo que não se justificava a isenção antes concedida. [12]
Entendeu o legislador que, à semelhança do dever que recai sobre a Massa insolvente de pagar as custas do próprio processo de insolvência quando esta seja declarada, nos termos dos art.ºs 51º, nº 1, 303º e 304º do CIRE, está também a Massa obrigada a pagar as custas quando recorre a Juízo, em processo autónomo, para defender os seus interesses e, assim, os interesses dos credores do insolvente, fora do âmbito daquele processo, deixando de se justificar a isenção com a cessação da mera “situação de insolvência”.
Decorre do exposto que a A. não beneficia da isenção de custas a que se refere a al. u) do nº 1 do art.º 4º do RCP.

A recorrente defende ainda que a decisão violou o direito da A. à isenção prevista sob a al. f) do nº 1 do art.º 4º do RCP; isto porque, segundo a mesma, “a Massa Insolvente é uma entidade colectiva privada, sem fim lucrativo, e que se encontra em juízo no âmbito das suas especiais atribuições e em defesa dos interesses que lhe estão legalmente confiados – o interesse dos credores”…. Pelo que sempre beneficiaria de uma isenção subjetiva”. [13]
Correndo o risco de nos repetirmos, impõe-se notar que a massa insolvente não é, em si mesma, uma pessoa coletiva, mas, simplesmente, na definição acolhida por Menezes Cordeiro [14], “um património autónomo que inclui os direitos patrimoniais privados penhoráveis do insolvente”. Corresponde, em princípio, ao património do devedor no momento da declaração de insolvência, entrando igualmente para a massa os bens e direitos adquiridos na pendência do processo. Destina-se primordialmente à satisfação das suas próprias dívidas (os créditos sobre a massa, referidas no art.º 51º do CIRE) e apenas depois aos créditos sobre a insolvência (as restantes dívidas de natureza patrimonial do insolvente ou garantidas por bens deste, referidas no art.º 47º do CIRE).
Esta destinação da massa insolvente ao pagamento das suas dívidas e dos créditos sobre a insolvência implica a sua qualificação como um património de afetação [15], mas não extingue, só por si, a natureza nem a personalidade jurídica da sociedade.
A extinção da personalidade jurídica da sociedade comercial declarada insolvente apenas ocorre com o registo do encerramento do processo após o rateio final. Se o encerramento do processo se basear na recuperação do devedor ou no consentimento de todos os credores, cabe aos sócios deliberar se retomam a atividade. Se for homologado um plano de insolvência, o regresso à atividade ocorre independentemente de deliberação dos sócios. Sendo encerrado o processo por insuficiência da massa, a liquidação prossegue nos termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais (art.º 234º do CIRE) [16].
Assim sendo, a natureza e a personalidade jurídica da B…, Lda. persistem para além da sentença de declaração de insolvência, continuando a ser uma sociedade comercial com fins lucrativos, embora sujeita a um processo de insolvência. Como tal, não pode beneficiar de uma isenção que, ao abrigo da al. f) do nº 1 do art.º 4º do RCP, se prevê apenas para “as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos” e apenas nas situações em que atuem “exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”.
As especiais atribuições das pessoas coletivas são os fins ou as finalidades para a realização das quais foi formada essa pessoa determinada e que lhe conferem identidade, distinguindo-a de outras pessoas no mundo das pessoas coletivas.
Refere-se a norma da citada al. h) às pessoas coletivas de mera utilidade pública, às instituições particulares de solidariedade social e às pessoas coletivas de utilidade pública administrativa, sempre motivada pelo interesse público, sendo ainda a isenção condicionada aos processos que respeitem às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo seu estatuto ou pela própria lei.
Não é este, seguramente, como vimos já, o caso da B…, Lda. e, uma vez declarada a sua insolvência, da respetiva Massa, aqui A.
De resto, seria mesmo contraditório que a massa insolvente beneficiasse da isenção de custas na interposição e ações ou na sua contestação, prevendo o CIRE a sua responsabilidade pelas custas no próprio processo de insolvência (art.ºs 51º e 304º).
Nesta decorrência, improcede também esta segunda questão da apelação.
*
3. Apoio judiciário
Quanto este ponto do recurso, limita-se a apelante a requerer que, na improcedência das questões anteriores, se substitua a decisão recorrida por outra que ordene a notificação da A. para apresentar comprovativo de que se encontra em situação de insuficiência económica.
Como é sabido, o incidente do apoio judiciário não é do conhecimento oficioso. A sua apreciação pressupõe desde logo uma fase de procedimento e decisão administrativa, dependente do requerimento da sua concessão por parte do interessado direto na sua concessão ou por qualquer das outras pessoas indicada no art.º 19º da Lei nº 34/2004, de 29 de julho[17] , como tendo legitimidade para o efeito e em qualquer das modalidades previstas no art.º 16º do referido regime de acesso ao direito e aos tribunais.
Para a concretização do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, sempre deveria a A. interessada ter apresentado o documento comprovativo da sua concessão ou da apresentação do respetivo pedido no momento em que deveria apresentar o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça (art.º 29º, nº 2 daquele mesmo regime jurídico, art.º 552º, nºs 3, 4 e 5, do Código de Processo Civil).
Nada tendo a A. recorrente feito naquele sentido, não pode agora esta Relação, tal como não podia o tribunal recorrido, ordenar a junção de qualquer comprovativo de situação e insuficiência económica.
Improcede, assim, a terceira e última questão da apelação.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1- O fundamento de nulidade da sentença invocado ao abrigo da al. c) do nº 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, não se confunde com a mera discordância relativa à solução jurídica encontrada.
2- A Massa insolvente de uma sociedade comercial não está isenta do pagamento de custas numa ação que interpõe contra um devedor da sociedade insolvente, ao abrigo das al.s f) e u) do nº 1 do art.º 4º do Regulamento das Custas Processuais.
3- A concessão de apoio judiciário não é do conhecimento oficioso, antes pressupõe sempre a iniciativa da parte interessada e com legitimidade para o efeito.
*
IV- Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas da apelação pela recorrente.
Guimarães, 22 de janeiro de 2015
Filipe Caroço
António Santos
Figueiredo de Almeida
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[1] Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
[2] Adiante RCP.
[3] José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol II, pág. 199.
[4] Regulamento das Custas Processuais e Legislação Complementar, Quid Juris, 2012, pág. 39.
[5] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
[6] Regulamento das Custas Processuais, anotado e comentado, Almedina 2009, pág. 170.
[7] Sublinhado nosso.
[8] Ob. cit., pág. 177.
[9] Idem, pág, 170.
[10] Proc. 352/11.7TBPVZ-B.P1, in www.dgsi.pt.
[11] Luís Manuel Telles de Menezes Leitão, “Direito da Insolvência”, 2009, Almedina, pág. 164.
[12] Citado acórdão da Relação do Porto de 6.11.2012; ainda, no mesmo sentido, acórdão Relação de Lisboa de 22.5.2014, proc. 268/14.5TBCLD.L1-2,
[13] Conclusões 20 e 21.
[14] Manual de Direito Comercial, pg. 435.
[15] L. Menezes Leitão, Direito da Insolvência, Almedina, 4ª edição, pág. 93, citando Paula Costa e Silva, ROA 65 (2005), 3, pág. 717.
[16] L. Menezes Leitão, CIRE anotado, Almedina 7ª edição, pág. 219.
[17] Sucessivamente alterada, designadamente pela Lei nº 47/2007, de 28 de agosto.