Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
9426/20.2YIPRT-A.G1
Relator: LÍGIA VENADE
Descritores: INJUNÇÃO
COMPENSAÇÃO
EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I –No procedimento de injunção distribuído como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias ao abrigo do Decreto-Lei nº. 269/98 de 1/9, o valor a atender para se aferir da admissibilidade da reconvenção é o do pedido, sendo esse o que norteia a distribuição do procedimento em que é apresentada oposição.
II –Nessas ações deve compatibilizar-se a vertente adjetiva com a realização do direito substantivo, de modo a que prevaleça ou se alcance a realização da justiça material.
IIIa- As razões de celeridade e simplicidade que orientaram aquele diploma não ficam prejudicadas com a admissibilidade de ser invocada a compensação como exceção perentória.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I RELATÓRIO.

Os presentes autos tiveram origem em procedimento de injunção intentado por X Group S.A. contra Y Comércio e Indústria de Vestuário S.A., com base num alegado crédito por fornecimento de bens ou serviços contratualizados em 10/9/2019, sendo peticionado o valor de 13.443,86.
Deduzida oposição pela R., os autos foram remetidos e distribuídos como ação especial para cumprimento de obrigações ao abrigo do Decreto-Lei nº. 269/98 (limite = alçada da 1ª instância).
Na oposição vem a R. apresentar pedido reconvencional a que dá o valor de € 12.754,92, alegando um crédito seu nesse valor para efeito de compensação (valor igual ao crédito de capital peticionado pela A.); mais diz que entende que o valor ao pedido da A. deve ser somado o pedido feito em sede reconvencional, para efeitos de verificação da admissibilidade da reconvenção; caso assim não se entenda, então pretende invocar a compensação por via de exceção até ao montante do contra crédito.
Foi proferido despacho dando oportunidade ás partes para se pronunciarem sobre a (in)admissibilidade da reconvenção e meio de defesa, tendo estas apresentado as suas posições, a R. reiterando a já veiculada na oposição, a A. manifestando a sua discordância quanto à admissibilidade quer da reconvenção, quer da compensação.
Foi proferido despacho pelo qual se decidiu que “Por todo o exposto, não se admite a reconvenção deduzida e reputa-se irregular e ineficaz a defesa aduzida com invocação da compensação de créditos, insuscetível de operar nestes autos de ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias.”

Não se conformando com o mesmo, veio a R. Y Comércio e Indústria de Vestuário S.A. interpor recurso apresentando alegações com as seguintes
-CONCLUSÕES-

1. O contra-crédito da demandada não é superior ao da demandante.
2. A reconvenção é admissível em função do valor da causa, considerando-se para tal a soma do valor do pedido inicial e do valor do pedido reconvencional.
3. O valor a atender deve ser fixado de acordo com as regras dos artigos 299º e seguintes do CPC (que o art. 10º, nº 2 e 4 do DL 62/2013, de 10/05, não afasta, pois que a partir do momento em que seja deduzida oposição com reconvenção ao procedimento de injunção este adquire cariz jurisdicional).
4. As partes nada ganham – nem o ordenamento jurídico - com a inadmissibilidade da alegação da compensação na oposição à injunção.
5. Não faz sentido retirar ao réu a possibilidade de invocar a compensação se depois essa compensação poderá vir a ser invocada como fundamento de oposição à execução (art. 729, h) do CPC).
6. Pelo que, considerando-se inadmissível a reconvenção (o que não se concede) sempre deve ser permitida a invocação do contra-crédito a título de excepção, contanto que não ultrapasse o montante peticionado pelo demandante – o que é o caso.
7. O douto despacho recorrido violou o disposto nos artigos 299º e seguintes do CPC e art. 10º, nº 2 e 4 do DL 62/2013, de 10/05.
Pede que seja dado provimento ao recurso e revogado o despacho recorrido.
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A A. X Group S.A. apresentou contra-alegações, constando as seguintes
-CONCLUSÕES-

I O valor da injunção afere-se pelo valor do pedido injuntivo, em conformidade com o art. 10.º, n.º 4 do DL n.º 62/2013, não havendo, salvo melhor opinião, qualquer margem para interpretação diversa.
II O valor da presente injunção é de € 13.341,86 (treze mil trezentos e quarenta e um euros e oitenta e seis cêntimos).
III Não se pode somar o valor da reconvenção com vista tornear solução consagrada em norma expressa, procurando extrapolar o valor da causa, porquanto tal consubstaciaria uma verdadeira fraude à lei.
IV A tramitação que se seguirá à oposição deverá ser a da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, art. 10.º, n.º 2, a contrario, do DL n.º 62/2013.
V Neste tipo especial de acção, não está contemplada a existência de réplica, cuja finalidade, nos termos do art. 584.º, n.º 1 do CPC é dar a possibilidade de, em igualdade de armas, o autor dar resposta à reconvenção deduzida.
VI Não havendo lugar a réplica, em virtude da tramitação simplificada do procedimento, não pode ser admitida a reconvenção.
IX A compensação só pode ser exercida por meio de acção ou reconvenção, conforme decorre do art. 266.º, n.º 2, al. c) do CPC.
X Não havendo lugar a reconvenção (por ser inadmissível a réplica), é contrário à lei qualquer entendimento que pugne pela admissão da dedução da compensação enquanto defesa por excepção.

Pede que seja negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos.

Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir se:

-se é admissível nos autos a dedução de pedido reconvencional, determinando previamente o valor a atender à ação para efeitos da análise que se impõe;
-se não for admissível, se é possível admitir a defesa por compensação.
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III MATÉRIA A CONSIDERAR.

A matéria a considerar é a que consta do relatório “supra” e que por isso não se vê necessidade de aqui reproduzir, passando apenas a acrescentar-se a motivação do tribunal recorrido para melhor alcance da questão.

Assim, pronunciou-se no despacho recorrido nos seguintes termos:

“(…) Temos entendido, no âmbito da atual lei processual, ser inadmissível a dedução de defesa por compensação sem a dedução da pertinente reconvenção.
Dispõe o n.º 1 do artigo 266.º, n.º 2 do Código de Processo Civil: “[O] réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor”.
O n.º2 do citado normativo estabelece, na alínea c), a admissibilidade da reconvenção, [Q]uando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor”.
Na versão anterior à que lhe foi conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26/6, previa a alínea b) do n.º 2 do artigo 274.º do Código de Processo Civil: “[A] reconvenção é admissível nos seguintes casos: […] b) Quando o réu se propõe obter a compensação ou tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida”.
Não se desconhecendo a jurisprudência que entende que, revestindo a compensação natureza de exceção perentória [por se tratar da invocação de factos que modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor], nenhum obstáculo se suscita quanto à sua invocação na contestação por via de exceção, consideramos que ao contrário das exceções de prescrição, caducidade, pagamento, perdão ou dação em cumprimento, a compensação de créditos não é causa de extinção por circunstância inerente ao próprio direito invocado pelo autor, não se contém na mesma relação jurídica.
Aliás, na sequência da divergência doutrinária e jurisprudencial gerada no âmbito da vigência da lei anterior (saber se a compensação deveria ser sempre invocada como exceção perentória, só envolvendo pedido reconvencional nos casos em que o contra crédito de que o réu fosse titular excedesse o crédito do autor, e apenas se o réu pretendesse fazer valer o seu direito quanto à parte excedente, ou se compensação deveria ser sempre objeto de um pedido reconvencional, já que a dedução da compensação ultrapassava a mera defesa, correspondendo a uma pretensão autónoma), o legislador tomou posição no novo Código de Processo Civil (Lei n.º 41/2013, de 26/6).
E cremos que é agora unívoco o sentido do texto legal (artigo 266º, nº2, c)): sempre que o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor, deverá exercer o seu direito por via reconvencional.
Como refere PAULO PIMENTA, in Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 187, “[O] regime em apreço não permite ao réu qualquer tipo de opção, isto é, não se afigura possível ao réu optar entre a via reconvencional ou a mera invocação de um crédito sobre o autor por meio de exceção perentória. Admitir essa opção seria reeditar a polémica do passado, bem assim desrespeitar o intuito legislativo”.
PAULO RAMOS DE FARIA E ANA LUÍSA LOUREIRO, in “Primeiras Notas ao Novo Código do Processo Civil” – Vol. I, 2ª ed., 2014, p. 259, confrontando os dois regimes processuais, escrevem, exaustivamente e, quanto a nós, com acerto, o seguinte: “Poder-se-ia dizer que a norma contida nesta alínea [o art. 266º, nº 2, al. c)] não encerra a questão. Por um lado, o artigo só dispõe sobre os casos em que a reconvenção é admissível. Não versa sobre a possibilidade, ou não, de utilização de diferente meio processual para obter idêntico efeito – no caso, meramente extintivo do crédito do autor (art. 576º, nº 3). Por outro lado, a letra da lei consente uma interpretação de acordo com a qual a reconvenção aqui prevista apenas visa o reconhecimento de crédito de valor superior ao invocado pelo autor. Reza a norma: “pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor”; e não: pagamento do valor em que o crédito invocado exceda (!) o do autor. Nos créditos de valor igual ou inferior, continuaria aberta a possibilidade de invocação da compensação por via de exceção. (…) devemos concluir que foi intenção do legislador estabelecer que a compensação terá sempre de ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido. Na falta de outra explicação para a intervenção legislativa, seria a querela acima referida a emprestar-lhe um contexto, o que obrigaria a concluir que o legislador pretendeu nela tomar posição, pondo fim a uma corrente jurisprudencial praticamente pacífica. Mas outra explicação existe, mais forte e mais imediata. A obtenção da compensação, quando pressuponha o reconhecimento de um crédito, tem, efetivamente, a natureza de uma demanda judicial, implicando a invocação de uma causa de pedir e de um pedido. Perante a sua invocação, a contraparte deve dispor de meios processuais idóneos a contestar o crédito, invocando as exceções de direito substantivo pertinentes (art. 847º, nº 1, do CC). Ora, a atual estrutura da forma única de processo comum de declaração só admite a réplica nos casos de reconvenção (art. 584º) – bem como nas ações de simples apreciação negativa. Considerando que o momento previsto no art. 3º, nº 4, não é idóneo a proporcionar satisfatoriamente a defesa do autor a uma pretensão desta natureza, bem se compreende que se exija que o reconhecimento de um crédito, com vista à sua compensação, tenha de ser pedido em via de reconvenção, assim se abrindo as portas à resposta do reconvindo na réplica. Esta solução tem a vantagem de sujeitar a pretensão do réu à estrutura de uma causa – onerando-o com a clara alegação de uma causa de pedir e com a formulação de um pedido certo, ao qual o reconvindo oporá formalmente as exceções que entender -, permitindo um tratamento da questão mais esclarecido.”
Em suma, seguindo o entendimento supra exposto, defendemos que o preceito em causa deve ser interpretado no sentido de que a compensação terá sempre de operar por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido.
Tal entendimento deve ser adotado tanto no âmbito da ação declarativa comum como da ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato.
O DL 62/2013, de 10/5 (que transpõe para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16.2.2011, que estabelece medidas contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais), previu no seu art. 10º, nº2, a aplicação do processo comum, em detrimento do processo especial previsto no DL 269/98, de 1/9, nos casos em que, havendo oposição à injunção, esteja em causa valor superior a 15.000,00 € (metade da alçada da Relação).
Nos casos em que o valor em causa é inferior aos referidos 15.000,00 € a ação declarativa segue o procedimento constante do regime anexo ao DL 269/98, 1/9.
O valor, por sua vez, é definido nos termos do art. 18º deste último diploma: “[O] valor processual da injunção e da ação declarativa que se lhe seguir é o do pedido, atendendo-se, quanto aos juros, apenas aos vencidos até à data da apresentação do requerimento”.
No caso dos autos, o valor processual é de € 13.341,86, pelo que, tendo sido deduzida oposição, a ação declarativa seguirá o procedimento previsto no DL 269/98, 1/9.
Em face das disposições conjugadas dos arts. 1º, n.º 4, 3º, 4º e 17º do Anexo ao DL. 269/98, 1/9, não pode, por isso, a Ré apresentar reconvenção, já que não está expressamente prevista essa possibilidade e a dedução desta contra ação é incompatível com a natureza simples e célere desta forma de processo especial, que comporta unicamente dois articulados.
Não partilhamos do entendimento de que não sendo admissível, neste tipo de ação, a reconvenção, deve então ser autorizada a dedução de compensação de créditos por via de exceção (perentória), porquanto tal significa um desvio injustificado àquela que concluímos ser a intenção do legislador na atual redação do art. 266º, nº2, c), CPC, como ficou dito supra.
Acresce que tal não significa qualquer preclusão do direito da Ré, a exercer em ação autónoma (ou em sede de embargos, nos termos do art. 729º, h), CPC), sendo que às contingências processuais decorrentes do tipo de ação escolhida pela Autora sempre poderia a Ré ter obstado, antecipando-se na instauração de ação própria para o reconhecimento do crédito que entende titular.
Concluindo, citando o Ac. TRP de 7.10.2019, Proc. 4843/19.3 YIPRT, in www.dgsi.pt, perante a evolução legislativa verificada “convém não esquecer que, apesar de terem por vocação a realização do direito (previsto nas normas substantivas), as normas processuais também são imperativas. (…). Concluímos em suma, no que respeita às ações com processo especial (emergentes de injunção de valor não superior a €15.000,00), que não é viável a reconvenção, o que parece inviabilizar a compensação, face à imperatividade legal de a mesma só poder ser exercida por essa via processual”.
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IV-O MÉRITO DO RECURSO.

A questão fulcral a apreciar no presente recurso parte de uma primeira apreciação lateral mas que condiciona em certa medida a decisão a proferir. E é por esta que iniciaremos.
De facto, pretende-se saber se na presente ação é admissível a dedução de pedido reconvencional; se não for, se é possível admitir que se invoque a compensação como exceção perentória. Porém, à posição a assumir não é indiferente o valor da ação, e muito concretamente se para efeitos daquela apreciação o valor a atender é o valor da ação dado pelo valor do pedido apresentado pelo requerente, ou se é o resultado da soma desse valor com o valor do pedido reconvencional apresentado pelo requerido (e precisamente cuja admissibilidade é discutida).
Defende a recorrente que o valor é esta soma; e assim, sendo o valor inicial da ação de € 13.443,86, e o oferecido à reconvenção de € 12.754,92, na sua ótica estamos perante um valor superior a € 15.000,00 (no que aqui interessa), e portanto seria por esse prisma que a questão da admissibilidade da reconvenção devia ser apreciada.
Dispõe o artº. 18º do anexo do DL nº. 269/98 de 1/09, que o valor da injunção e da ação declarativa que se lhe seguir é o do pedido (…).
Ao contrário do pretendido pela recorrente, para efeitos de admissibilidade da reconvenção é esta a determinação que interessa ao caso, não sendo de aplicar nessa fase o resultado do disposto no artº. 299º, nº. 1, do C.P.C., desde logo face à ressalva do seu nº. 3 –o aumento do valor da causa que resultaria da soma daqueles valores só produz efeitos quantos aos termos posteriores à reconvenção, logo não serve de base para a sua admissibilidade (sob pena de “viciação” de premissa). Também é o valor do pedido que preside ao critério da distribuição da ação (-valor superior ou inferior a metade da alçada do Tribunal da Relação) –artº. 10º, nº. 2, do DL nº. 62/2013 de 10/05.
Outra questão seria se no caso concreto o valor da reconvenção seria de somar ao valor do pedido inicial; não nos debruçaremos sobre a mesma, uma vez que se encontra prejudicada.
Decidida a questão prévia, temos uma injunção no valor de € 13.443,86, que por força da apresentação de oposição é distribuída como ação para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00 (metade da alçada do Tribunal da Relação), ou seja, sujeita ao regime previsto nos artºs. 1º, nº. 4, 3º e 4º do citado anexo, por força dos artºs. 16º e 17º do mesmo. Cfr. ainda o artº. 10º, nº. 2, do DL nº. 62/2013 de 10/05.
Nesta ação especial, finda a fase dos articulados (com petição inicial ou requerimento de injunção e com a oposição), se não for julgada procedente alguma exceção dilatória ou nulidade ou não for conhecido imediatamente o mérito da causa, segue-se a realização da audiência de julgamento em 30 dias, nos termos dos artºs. 3º e 4º do anexo ao DL nº. nº269/98 de 01/09.
Face à estrutura da ação, em que apenas são admitidos dois articulados, bem como a celeridade processual e a simplicidade que lhe estão subjacentes, defende-se que não é possível a apresentação de reconvenção nos termos do artº. 266º do C.P.C. que por sua vez possibilitaria a réplica nos termos do artº. 584º do C.P.C..
A questão da admissibilidade da reconvenção prende-se neste caso com o disposto no artº. 266º, nºs. 1 e 2, c), que, a nosso ver, assumiu posição no sentido de que a compensação de créditos tem sempre de operar por via reconvencional (independentemente do valor do crédito que se pretende ver compensado). Dispensaremos o desenvolvimento desta questão uma vez que a decisão recorrida o fez com base na doutrina que se nos afigura pertinente.
Impõe-se sim e em face dos argumentos trazidos aos autos pela recorrente tecer mais algumas considerações sobre essa problemática nesta ação especial regulada no citado diploma.
A 1ª instância tem vindo a decidir no sentido da decisão aqui recorrida: não é admissível a reconvenção nestas ações, logo a compensação, que apenas é possível invocar por via reconvencional, também não pode operar.
Os Tribunais superiores têm vindo contudo a contrariar esta posição. Não o tem feito contudo com os mesmos argumentos e assumindo uma posição unânime. Para além da que foi a opção da 1ª instância, outras se perfilam, destacando-se duas de que daremos conta que decorrem de decisões desta Relação (a limitaremos a esta) também ela dividida.
Há jurisprudência que apela à norma remissiva do artº. 549º, nº. 1, do C.P.C., ou ao artº. 547º do C.P.C. que consagra o princípio da adequação formal, de modo admitir-se a possibilidade de reconvir.
O artº. 549º do C.P.C. prevê que «Os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo o que não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum».
Todavia não se pode dizer, salvo melhor opinião, que estamos perante uma lacuna, já que foi intenção assumida do legislador a simplicidade e celeridade, e por isso a previsão da limitação aos dois articulados (cfr. o Decreto Lei de aprovação do diploma).
O artº.547º do C.P.C. diz que “O juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo”, o que deve ser conjugado com o dever de gestão processual previsto no artº. 6º do C.P.C..
Neste sentido, o Ac. desta Relação de 17/12/2018 relatado pela Exmª Srª. Desembargadora Fernanda Proença (www.dgsi.pt), citando outra jurisprudência e doutrina relativas às teses em confronto, opta por decidir, partindo do artº. 547º que “(…) em consonância com a argumentação que foi expendida por Miguel Teixeira de Sousa no blogue do IPPC, em 26.4.2017, entendemos que deve ser dada a possibilidade ao réu/recorrente de, no âmbito de uma acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) invocar a compensação de créditos por via de reconvenção, bem como, através desta, tentar obter o pagamento do valor em que o seu crédito excede o da autora, devendo o juiz fazer uso dos seus poderes de adequação formal e também de gestão processual (art. 6º do Cód. do Proc. Civil) de forma a ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional.” No mesmo sentido podem ver-se o Ac. também desta Relação de 31/1/2019 e do STJ de 6/6/2017 (www.dgsi.pt).
Note-se contudo que neste Acórdão foi apresentado um voto no sentido da decisão que foi a da 1ª instância: nem por via reconvencional, nem por via de exceção, a compensação seria de admitir nestas ações.
Todavia, Rui Pinto no seu Estudo “A Problemática da Dedução da Compensação no Código de Processo Civil de 2013”, bem como outra jurisprudência nomeadamente os Acs. desta Relação que “infra” se mencionarão, optam por outra solução: sendo a compensação um facto extintivo das obrigações (cfr. artºs. 395º e 847º, nº. 1, C.C.), de modo a obter-se a realização da justiça material e no cumprimento do direito constitucional de defesa (artº. 20º, nº. 1, Constituição da República Portuguesa), no caso em que a via reconvencional não é processualmente admissível, então a compensação pode operar por via de exceção perentória (artºs. 342º, nº. 2, do C.C. e 571º, nº. 2, 2ª parte, do C.P.C., ultrapassando o obstáculo criado pelo artº. 266ºº, nº. 2, c), do C.P.C. (por via de uma interpretação restritiva harmoniosa e adequada à realização do direito substantivo –a compensação tem de operar por via reconvencional quando processualmente a reconvenção for admissível; não sendo, não é de aplicar essa imposição).
Nesta última posição estão os Acs. desta Relação de Guimarães de 10/07/2019 e –dois- de 5/3/2020 (um relatado pelo Exmº. Srº. Desembargador Ramos Lopes que relata também o de 10/7, outro pela Exmª Srª Desembargadora Alexandra Viana Lopes), confrontando os argumentos de cada uma das teses (os que defendem a admissibilidade da reconvenção nas ações especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias para poder ser invocada a compensação; os que defendem a admissibilidade da invocação da compensação por via de defesa por exceção), com a citação da doutrina e jurisprudência atinentes ao caso.
Naquele primeiro diz-se “(…) deve buscar-se a compatibilização prática entre os interesses do autor em ver o seu direito apreciado em acção especial (…) e do réu em invocar a compensação (…). A prevalência dum interesse em sacrifício do outro só é de considerar se ambos não puderem coexistir e compatibilizar-se, (…)”
“Porque os interesses merecedores de tutela são os do autor em ver a sua pretensão apreciada em acção especial cujos trâmites primam pela simplicidade e celeridade e o do réu em invocar a compensação (pondo-se a coberto dos riscos da insolvência da contraparte) – não já de obter o pagamento do valor em que o contra-crédito excede o do autor –, o tratamento da invocação da compensação como excepção peremptória permite a coexistência e compatibilização de ambos – a exigência da sua invocação através da via reconvencional redundaria numa alteração dos trâmites processais do processo especial para alcançar efeitos que a simples consideração da matéria alegada como excepção permite obter.
Concluímos, assim, que nas acções em que a reconvenção não é admissível, como é o caso das acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, não deve ao réu ser coarctada a possibilidade invocar a compensação, devendo o seu tratamento ser, nesses casos, o da excepção peremptória.”
Ao argumento da admissibilidade de apenas serem apresentados dois articulados, responde-se com a possibilidade de resposta exercida em audiência que se admite quando na oposição está invocada alguma exceção, resposta essa imposta pelo princípio do contraditório (artº. 3º, nº. 4, C.P.C.). Mais uma vez a celeridade e a simplicidade não são prejudicadas; qualquer exceção apresentada na oposição faria nascer este direito de resposta.
Na nossa perspetiva esta posição é a que melhor equilibra o aparente conflito normativo. E de igual modo satisfaz a prevalência que deve orientar as decisões dos Tribunais do direito substantivo sobre razões de natureza meramente adjetiva, assegurando a realização da justiça. Por outro lado, e tendo em atenção o que presidiu ao diploma que rege estas ações, mais uma vez se reforça que a celeridade acaba por não sair prejudicada na medida em que deste modo se resolve na mesma ação o litígio no seu todo; doutro modo, a requerida ou faria uso de outra ação, ou em sede de oposição à execução (artº. 729º, h), do C.P.C.), iria invocar o seu alegado contra-crédito.
De todo o modo, fosse por uma via ou por outra, seria sempre de admitir a defesa da requerida nos autos.

Posto isto, o recurso deve ser julgado parcialmente procedente uma vez que se confirma o despacho recorrido de rejeição da reconvenção, mas revoga-se o mesmo na parte em que julga irregular e ineficaz a defesa por compensação, devendo nesta parte ser substituído por outro que julgue a matéria que integre a invocação de compensação, como exceção perentória.
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V DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, dar provimento parcial à apelação e manter a decisão recorrida na parte em que não admite a reconvenção, e revogar a mesma na parte em que julga irregular e ineficaz a defesa por compensação, devendo ser substituída por outra que julgue a matéria que integra essa compensação invocada.
Custas a cargo da recorrida uma vez que em termos práticos decai na totalidade (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do C.P.C.).
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Guimarães, 5 de novembro de 2020.
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Os Juízes Desembargadores
Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Jorge dos Santos
2º Adjunto: Heitor Pereira Carvalho Gonçalves
(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)