Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
96/14.8TBAMR.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: BENFEITORIAS ÚTEIS
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
LEVANTAMENTO DE BENFEITORIAS
INDEMNIZAÇÃO
DIREITO DE RETENÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Recai sobre o recorrido que impugna a decisão da matéria de facto em sede de ampliação do âmbito do recurso, os ónus previstos no artº 640º do CPC, nomeadamente o de indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida, sob pena de ver rejeitada a ampliação do âmbito do recurso por si deduzida.

II - Não deve ser apreciado o recurso da matéria de facto na parte em que o mesmo se destina a impugnar matéria de facto sem qualquer relevância para a decisão final da causa – em homenagem ao princípio, previsto no artº 130º do CPC, da proibição da prática de atos inúteis no processo;

III- Na impugnação da matéria de facto, é sobre a factualidade – provada e não provada - que a parte se pode insurgir, indicando concretamente os pontos discordantes e não sobre os temas de prova formulados.

IV- Os temas da prova enunciados pelo julgador devem ter por base, necessariamente, a alegação das partes, nos termos definidos pelo artigo 5.º do novo CPC, seleccionados em função do objecto do litígio que haja sido definido e com respeito pelo princípio do dispositivo, ainda vigente na actual lei processual.

V- Pode-se concluir – por presunção judicial - que as obras realizadas no imóvel arrendado aumentaram o valor do mesmo, pelo que estamos perante benfeitorias úteis e não voluptuárias.

VI- Pode também concluir-se – por presunção judicial – que o enriquecimento dos RR com as benfeitorias úteis levadas a cabo pela A. foi na mesma medida do seu empobrecimento, ou seja, do valor gasto com a realização das mesmas.

VII – O direito de retenção da A. sobre o imóvel por crédito de benfeitorias só surge no momento em que surgir aquele crédito, pelo que só a partir dessa data fica a A legitimada a retê-lo, devendo indemnizar os RR pelo período de tempo em que reteve o imóvel sem estar legitimada para tal.

VIII – Não viola o princípio do pedido a condenação da A, por via reconvencional, a restituir aos RR o imóvel, assim como os bens que lhe foram entregues, inventariados, mesmo que do pedido apenas conste a restituição do imóvel como foi recebido.
Decisão Texto Integral:
“X GERÊS – GESTÃO TURÍSTICA, LDA”, melhor identificada nos autos, intentou a presente acção declarativa com processo comum contra José e mulher Maria e Manuel e mulher Manuela, todos também melhor identificados nos autos, pedindo que seja declarado nulo o contrato de arrendamento para fim não habitacional com prazo certo e opção de compra, por falta de forma, restituindo-se tudo o que tiver sido prestado, sendo os RR condenados a pagar à Autora a quantia de € 45.380,22, a título de benfeitorias, acrescida de juros vincendos desde a data da propositura da acção até integral e efectivo pagamento, e que sejam os Réus condenados a compensar a Autora pelos danos patrimoniais sofridos, no montante de € 680,00,00, assim como pelos danos não patrimoniais, em montante não inferior a €13.500,00, e que seja reconhecido à Autora o direito de retenção sobre o imóvel para garantia dos seus créditos sobre os RR.
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Alega, em síntese, que por intermédio do filho dos Primeiros Réus, o Segundo Réu, foi celebrado um acordo verbal de contrato de arrendamento para fim não habitacional, com prazo certo e opção de compra, entre a A como arrendatária e os 1ºs RR como senhorios, tendo por objecto o imóvel sito na Rua …, da freguesia de …, concelho de Terras de Bouro, mediante o pagamento da renda mensal de € 600,00, a pagar a partir do mês de Janeiro de 2014, destinando-se o imóvel arrendado a alojamento turístico em espaço rural, com serviço de restaurante, café e bar.

Mais alega que no final do mês de Junho de 2013, o Segundo Réu entregou as chaves do imóvel aos representantes da Autora para que estes pudessem iniciar as obras necessárias ao bom funcionamento da actividade a exercer no imóvel, o que eles fizeram de imediato, tendo a Autora gasto nas mesmas a quantia de € 45.380,33.

Assim, invoca a Autora a nulidade do contrato de arrendamento por falta de forma, considerando ainda que as obras que realizou, enquanto benfeitorias úteis, deverão ser pagas pelos Réus.
Alega também a A. a existência de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, dos quais pretende ser ressarcida, dizendo ainda gozar do direito de retenção sobre o imóvel pelos créditos que detém sobre os RR.
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Na pendência da acção faleceu o R. José, tendo sido habilitados como sucessores do falecido a Ré Maria, Manuel, Manuela, M. L., Joaquina, José e Fernanda.
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A Ré e os herdeiros habilitados vieram contestar a acção aceitando, em síntese, que os primeiros Réus eram efectivamente donos e legítimos possuidores do prédio arrendado, aceitando também a existência do acordo verbal para arrendamento do imóvel, mas não aceitando a totalidade dos termos desse acordo, nomeadamente a entrega das chaves à Autora para início de obras.
Mais alegam que o imóvel encontrava-se plenamente funcional para o fim a que se destinava, pelo que se a Autora pretendeu fazer obras no mesmo foi por sua exclusiva opção, sendo que a sua intervenção, em vez de valorizar o imóvel, só lhe causou prejuízo.
Refutam também o direito de retenção reclamado pela A.

Deduziram ainda reconvenção, pedindo:

a) que se declare que os Réus/habilitados M. L. e José são os legítimos donos e proprietários do prédio que se discute nos autos, na proporção de 2/3 e 1/3, respectivamente;
b) que se declare nulo e de nenhum efeito o contrato de arrendamento, por culpa exclusiva da Autora;
c) que se condene a mesma a restituir imediatamente o prédio aos Réus seus legítimos proprietários, plenamente funcional, como foi recebido, sob pena do pagamento da sanção pecuniária compulsória no valor de €100,00, por cada dia de atraso após o trânsito em julgado da decisão;
d) que se condene ainda a Autora a pagar aos Réus/reconvintes:
e) a quantia de €11.400,00 a título de danos patrimoniais;
f) a quantia de €5.000,00 a título de danos não patrimoniais;
g) o que se apurar, em termos de equidade, a título de desvalorização comercial do prédio, pela perda da sua apetência para o ramo da hotelaria/turismo;
h) a fazer todas as obras necessárias, a fim de repor o imóvel completamente funcional, tal como lhe foi entregue.
i) Subsidiariamente, caso a Autora seja credora, que opere o instituto da compensação;
j) ser a Autora condenada como litigante de má-fé, em multa condigna e em indemnização a favor dos Réus/Reconvintes, em valor não inferior a € 2.000,00.
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Os Réus vieram requerer a ampliação do pedido reconvencional, pedindo a condenação da A. a pagar-lhe ainda a quantia de €1.690,83, alegando que tiveram de pagar essa quantia de água, da responsabilidade da A.
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A Autora veio apresentar Réplica invocando a ineptidão da reconvenção e o abuso de direito, e pedindo também a condenação dos Réus como litigantes de má-fé em valor não inferior a €2.000,00.
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Foi realizada a audiência prévia, na qual foi proferido Despacho a admitir a ampliação do pedido reconvencional e a julgar improcedente a excepção de ineptidão do pedido reconvencional.
Foi também proferido despacho saneador nos termos do artº 596º do CPC no qual se identificou “o objecto do litígio” e se enunciou “os temas da prova”, do qual não houve reclamações.
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Tramitados regularmente os autos foi proferida a seguinte decisão:

“Pelo exposto, decide-se julgar a acção e a reconvenção parcialmente procedentes e consequentemente:

a) Declarar nulo o contrato de arrendamento por falta de forma;
b) Declarar que os Réus M. L. e José são donos e legítimos proprietários (…) do prédio urbano, Pensão Residencial, situado em …, composto de edifício de rés-do-chão, andar e logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Terras de Bouro sob o nº ...0, freguesia de …;
c) Condenar a Autora a restituir o imóvel e a proceder à conclusão dos trabalhos de electricidade a que se reportam as fotografias nº 8, 9, 10, 11, 12 e 13 do relatório pericial, à pintura do imóvel e à reparação do deck;
d) Condenar a Autora a pagar aos Réus a quantia de €11.400,00 (…);
e) Condenar a Autora a pagar aos Réus a quantia de €1.690,83 (…), acrescida de juros de mora a contar da notificação da ampliação do pedido reconvencional…”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela veio a A interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:

1 - O presente Recurso tem por objeto a decisão do Tribunal da Comarca de Braga, datada de 19/05/2017, na qual foi decretado o que a seguir se transcreve (…):

a) Declarar nulo o contrato de arrendamento por falta de forma;
b) Declarar que os Réus M. L. e José são donos e legítimos proprietários (…) do prédio urbano, Pensão Residencial, situado em …, composto de edifício de rés-do-chão, andar e logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Terras de Bouro sob o nº ...0, freguesia de ...;
c) Condenar a Autora a restituir o imóvel e a proceder à conclusão dos trabalhos de eletricidade a que se reportam as fotografias nº 8, 9, 10, 11, 12 e 13 do relatório pericial, à pintura do imóvel e à reparação do deck;
d) Condenar a Autora a pagar aos Réus a quantia de €11.400,00 (onze mil e quatrocentos euros);
e) Condenar a Autora a pagar aos Réus a quantia de €1.690,83 (mil seiscentos e noventa euros e oitenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora a contar da notificação da ampliação do pedido reconvencional.
2 - No seguimento de uma ação intentada em 14 de março de 2014, á qual se pretendeu ver reconhecida a nulidade de um contrato de arrendamento celebrado entre as partes, por violação da forma, e consequentemente produzirem-se os efeitos da nulidade.
3 - Pelo reconhecimento da nulidade, pretendeu a Autora que se produzissem os efeitos do artigo 289° nº 1 do Código Civil, nomeadamente, que se restituísse tudo o que havia sido prestado.
4 - Pagando os Réus à Autora a quantia de € 45.380,22 (…), bem como compensando a Autora pelos danos patrimoniais causados, no montante de € 680,00 (…), e danos não patrimoniais de € 13 500,00 (…).
5- E ainda, reconhecer-se o direito de retenção sobre o imóvel como garantia dos créditos a percecionar.
6 - Analisada a decisão recorrida, não pode a ora Recorrente aceitar a prolação efetuada quanto à matéria de facto e de direito, por não se conformar com ela, e porque do texto da decisão recorrida e da prova gravada, se perspetiva um vício de erro notório na apreciação da prova, com violação do artigo 607° nº 2 e 3 e 640° do CPC.
7 - Em sede de sentença e verificados os factos provados e não provados, em coadjuvação com a prova gravada, verifica-se que existem factos que se consideram incorretamente julgados.
8 - Nestes termos, a Mm. Juíza dá como provado o facto constante do Ponto 34) dos Factos Provados – “34. A Autora na data do acordo referido em 1) referiu ao Réu M. L. a necessidade de proceder a várias obras e obter as licenças/autorizações administrativas, com o que ia ter gastos, pelo que os Réus aceitaram um período de carência de 6 meses durante o qual a Autora ficaria dispensada de efectuar o competente pagamento da renda”;
9 - Acontece que, pela prova produzida e gravada, sempre se dirá que resultou das negociações prévias entre o Sr. M. L. e o Sr. Tiago, a necessidade de proceder a várias obras - minutos e transcrições supra.
10 - Aliás, numa fase pré-negocial, as partes referem expressamente um valor aproximado de € 25 000 (vinte e cinco mil euros), de obras necessárias.
11- Ao longo da prova gravada é indubitável a referência à necessidade de obras e projeção de um valor futuro. As obras consubstanciaram uma condição essencial do negócio, em virtude do imóvel não estar em bom estado, conforme assumido pelo Tribunal a quo.
12- Pelos meios de prova constantes dos autos, e atendendo ao principio da verdade material, torna-se imperativo e indubitável que as Partes estiveram em acordo quanto às obras a realizar, tendo inclusivamente sido avançado um montante de € 25 000,00.
13- Só assim se poderá considerar o Facto Provado em função dos meios probatórios produzidos.
14- Por outro lado, no seguimento da análise factual, a Mm. Juíza dá como Não Provados Factos que consideramos que deveriam ser dados como provados, nomeadamente o ponto 2) dos Factos Não Provados.
15- Ora, consta da decisão impugnada: “2. Que ficou acordado que no caso de inutilização do imóvel por culpa imputável aos Senhorios ficariam estes obrigados a indemnizar a Autora em montante não inferior a €40.000,00 pelas benfeitorias que esta entretanto realizasse e que as benfeitorias que não pudessem ser levantadas no termo do contrato, ficariam a fazer parte integrante do imóvel, recaindo sobre os Senhorios a obrigação de indemnização no montante das benfeitorias retidas”.
16- Acontece, conforme já foi dito, desde o início da negociação que as partes tinham assentido na necessidade de realização de obras no imóvel, e respetiva compensação, tendo-se inicialmente apontado um valor de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) e posteriormente atualizado para o montante de € 40.000,00 (quarenta mil euros) - esta ultima parte só foi confirmada pelas testemunhas da Autora.
17- Conforme se depreende das transcrições supra referidas e que consistem em prova produzida.
18- Pelo que jamais poderia o Tribunal a quo fazer tábua rasa da prova produzida e não assumir como facto provado que as Partes acordaram na necessidade e realização de obras, num montante mínimo de pelo menos € 25 000,00 (vinte e cinco mil euros).
19- Colocando-se tal facto como provado ao lado e em concordância com o Ponto 34) e 39) dos Factos Provados: “39. A Autora foi autorizada a realizar obras no imóvel”.
20- Pelo que sempre se deveria dar como Facto Provado, o supra citado, nos moldes, inversos, conforme prova produzida em audiência de julgamento: 2. Que ficou acordado que no caso de inutilização do imóvel por culpa imputável aos Senhorios ficariam estes obrigados a indemnizar a Autora em montante não inferior a €25.000,00 pelas benfeitorias realizadas e acordadas. As benfeitorias que não pudessem ser levantadas no termo do contrato, ficariam a fazer parte integrante do imóvel, recaindo sobre os Senhorios a obrigação de indemnização no montante das benfeitorias retidas.
21 -Acresce ainda, que houve na D. sentença, s.m.o., meios probatórios erradamente apreciados e que impunham decisão diversa.
22 - Pois da prova produzida em sede de audiência de julgamento, e que sustentam a Motivação do Tribunal a quo, evidencia-se que foram juntos aos autos, prova documental, consubstanciada em faturas diversas, que provam as obras realizadas e que foram confirmadas pela prova testemunhal, bem como fotos do imóvel que caraterizam o antes e o depois das obras realizadas.
23 - Ora, nos Factos Provados alega-se no ponto 36) que as portas, janelas e vidros não tinham um estado compatível com a atividade que a Autora pretendia desenvolver.
24 - Bem como se reconhece nos Factos Provados que o imóvel não estava em estado compatível com a atividade, mesmo a anterior exercida.
25 - Confirme-se o sentido propalado no Facto Provado em 3) e 36): “3. Nos finais do mês de Junho de 2013, o Réu M. L., entregou as chaves do imóvel aos representantes da Autora para que estes pudessem iniciar as obras necessárias ao bom funcionamento da actividade a exercer no imóvel, ou seja, a exploração de um alojamento turístico, restaurante, café e bar e de imediato os representantes da Autora iniciaram as referidas obras, para que pudessem iniciar a sua actividade no mês de Agosto”; “36. O imóvel possuía portas, janelas e vidros, sendo as portas e janelas antigas em madeira respeitando a traça tradicional e regional, não sendo o estado das mesmas compatível com a actividade que a Autora pretendia desenvolver no imóvel, designadamente de alojamento turístico em espaço rural”.
26- A Prova Testemunhal, salvo melhor opinião, encontra-se erradamente valorada pelo Tribunal a quo, pois por todo o quadro declaratício da prova produzida se extrai a necessidade de obras do imóvel, por degradação do mesmo e não somente para a actividade que a Autora desejava prosseguir.
27- Por conseguinte, tal resulta das declarações da Testemunha Tiago, quanto ao estado do imóvel, as quais estão supra transcritas, nas alegações.
28 - Bem como da prova documental constante dos autos, por meio da junção das Faturas e Fotos do antes e depois as quais comprovam as obras realizadas, e que a Mma. Juiza a quo dá como provadas.
29- É por isso, inevitável que se afirme que tem de se considerar que o Tribunal a quo valorou erradamente os meios de prova apresentados, quando decide sobre as benfeitorias e considera que as obras não foram necessárias, não evitaram a deterioração, nem foram indispensáveis à conservação do mesmo.
30- Ademais, resulta inegavelmente dos Meios de Prova produzidos que o estado do imóvel não era bom, pelo que deveria o Tribunal a quo, na instrução do Tema de Prova constante do Ponto 11) Saber se as obras realizadas e os equipamentos instalados pela Autora foram uma opção da Autora e não uma necessidade, considerando o estado do imóvel e mobiliário de que o mesmo dispunha; considerar provado que as obras realizadas nas portas, janelas e vidros, eram necessárias, porquanto o imóvel se apresentava em avançado estado de degradação.
31- Pelo exposto, se considera que a decisão recorrida e ora impugnada, deveria ter decidido de forma diferente, face aos meios de prova produzidos, nomeadamente reconhecendo o estado degradado do imóvel, no que toca às portas, janelas e vidros, e a necessidade das obras para a recuperação do mesmo.
32- No que concerne á matéria de direito, também a decisão ora em crise, nos merece reparo, pois como é sabido, findo os articulados o Juiz deve convocar Audiência Prévia, na qual se discute a delimitação dos temas de litígio, proferindo despacho destinado a identificar o objeto de litígio e a fazer a enunciação dos temas de prova.
33- Os temas de prova permitem delimitar a instrução da causa e garantir o princípio da prova e do respetivo contraditório.
34- A instrução está balizada apenas pela causa de pedir e pelas exceções deduzidas.
35- O ónus que impende sobre as partes, é o ónus de alegação dos factos essenciais, todavia o juiz deve decidir não só com base nos factos essenciais invocados pelas partes, como também nos factos que resultem da instrução da causa, sejam eles instrumentais e/ou complementares, exigindo-se sempre, o cumprimento do princípio do contraditório.
36- Tal situação está assim prevista no artigo 5° do CPC.
37- O nº 2 do referido artigo 5° do CPC, ao referir que o juiz atende aos factos complementares (isto é, que complementam uma causa de pedir complexa, mas que não a individualizam só por si), permite concluir que os mesmos não precludem caso não sejam alegados pelas partes nos articulados e apenas resultem da instrução da causa, salvaguardando-se sempre o princípio da pronuncia, pelas partes.
38- Cumprida a fase introdutória da ação, nomeadamente através da identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova, estão alicerçadas as bases para se iniciar a instrução da causa.
39- Em bom rigor pode afirmar-se que a fase intermédia e primordial do processo, assenta na identificação do objeto do litígio e na enunciação dos temas de prova.
40- A matéria de facto que venha a constar da sentença, não pode assentar em meras enunciações genéricas, ou conclusões abrangentes e não especificadas, pois exige-se que em sede de fundamentação se sedimente com veemência os factos provados e não provados.
41- Os temas de prova vão circunscrever a prova produzida no processo. Qualquer facto que se mostre essencial para a causa que não conste dos temas probatórios, coloca em causa o contraditório e toda a panóplia de prova produzida.
42- Se determinado facto julgado pelo Juiz, e que se mostre determinante para a decisão, não tenha sido alvo de produção de prova, inevitavelmente acarretará a anulação da decisão.
43- Nos presentes autos, de cuja decisão se recorre, o Tribunal a quo, na sua fundamentação de direito e ao decidir sobre a qualidade das benfeitorias realizadas (nomeadamente "não aumento do valor do imóvel"), considera não se aplicar subsidiariamente o instituto do enriquecimento sem causa, porquanto alega a Meritíssima Juiz a quo que o Tribunal não poderia concluir pelo empobrecimento da Autora e enriquecimento do Réu, por tal situação não ter ficado demonstrado:
Estando-se então perante benfeitorias voluptuárias, não tem a Autora direito a indemnização pelas benfeitorias que realizou; e nem sequer em face do instituto do enriquecimento sem causa (artigo 473° do Código Civil), pois que para tanto seria necessário poder o tribunal concluir que o empobrecimento da Autora (no montante das despesas que teve com a sua realização) teve como correspectivo o aumento do valor do imóvel (e assim o enriquecimento dos Réus) o que não ficou demonstrado. (Transcrição da sentença produzida).
44- O Tribunal a quo, ao considerar não demonstrado o empobrecimento da Autora e o enriquecimento dos Réus, julgou como Facto Não Provado, o enriquecimento sem causa, facto esse não constante da fundamentação de facto e não enunciada nos temas de prova.
45- O instituto do enriquecimento sem causa, implica necessariamente que se produza prova nos seguintes ângulos interpretativos:

a) a existência de um enriquecimento;
b) a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem;
c) a ausência de causa justificativa para o enriquecimento.
46- Nos autos agora em Recurso, diga-se que a Recorrente em sede de petição inicial logrou fazer prova de todos os trabalhos realizados no imóvel, todavia em sede de enunciação dos Temas de Prova, a Meritíssima Juiz a quo não considerou como facto orientador da produção de prova, a valorização das obras realizadas, melhoria do imóvel ou aumento do seu valor.
47- Aliás, na petição inicial são alegados factos que consubstanciam a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, logo deveria ter havido um tema de prova sobre todos os seus pressupostos.
48- Não tendo existido qualquer produção e prova no sentido de se fazer uma interpretação jurídica correta dos pressupostos enunciados, não poderia o Tribunal a quo simplesmente decidir pela inexistência de aumento do imóvel, e correspondente classificação das benfeitorias e inaplicabilidade do instituto do enriquecimento sem causa.
49- As benfeitorias poderão ser objeto de pagamento do seu valor, em função da sua caraterização de necessárias ou úteis, e seguindo-se as regras do enriquecimento sem causa.
50- Como já se referiu os Temas de prova, vão permitir delimitar os atos probatórios, e nesse caso, socorrendo-nos do Despacho constante da Ata de Audiência Prévia, datada de 27 de junho de 2016, não se vislumbra qualquer Tema Probatório relativo ao "aumento do valor do imóvel" e enriquecimento sem causa.
51- A Meritíssima Juiz a quo, não enunciou como elemento desencadeador da atuação probatória, o empobrecimento da Autora, o enriquecimento dos Réus, nem o aumento de valor do imóvel.
1. Saber o que acordaram as partes relativamente às benfeitorias realizadas pela Autora no imóvel; 2. Saber o que acordaram as partes quanto à actualização da renda e relativamente a período de carência no pagamento das rendas; 3. Saber se acordaram conferir à Autora a faculdade de optar pela aquisição do imóvel e em que condições; 4. Saber se o referido no número anterior é que levou a Autora a avançar com o negócio; 5. Saber se a Autora pretendia iniciar a sua actividade do mês de Agosto de 2013; 6. Saber quando a Autora iniciou as obras; 7. Saber que obras foram realizadas e que equipamentos foram instalados pela Autora e os respectivos custos; 8. Saber se por força do acordo verbal de arrendamento os representantes da Autora diligenciaram pela sua constituição e quais as despesas com a mesma; 9. Saber se a Autora sofreu danos na sua imagem e prestigio; 10. Saber os motivos pelos quais não foi reduzido a escrito o contrato de arrendamento verbalmente acordado; 11. Saber se as obras realizadas e os equipamentos instalados pela Autora foram uma opção da Autora e não uma necessidade considerando o estado do imóvel e mobiliário de que o mesmo dispunha; 12. Saber como eram as portas e janelas antes das obras realizadas pela Autora; 13. Saber se a estrutura de alumínio que a Autora colocou permite a remoção da mesma sem prejuízo; 14. Saber se as obras de carpintaria não se encontram bem executadas; 15. Saber se com as obras realizadas pela Autora o imóvel ficou desvalorizado; 16. Saber se o imóvel se encontra votado ao abandono e qual o seu estado; 17. Saber se os Réus tinham proposta de arrendamento para o imóvel e qual o valor da renda mensal; 18. Saber como se sentem os Réus face ao referido no número anterior e à propositura da presente acção. (Transcrição dos Temas da Prova Constante da Ata de Audiência Prévia supra identificada)
52- A Recorrente, ficou assim impedida de arrolar e produzir todo o substrato probatório atinente à prova do facto do "aumento do valor do imóvel" e enriquecimento sem causa.
53- E tal pretensão havia sido deduzida pela Autora em sede de Petição Inicial, todavia, pela enunciação dos temas probatórios, não ficou claro, transparente e indubitável que era pretensão do Tribunal, julgar "o aumento do valor do imóvel" e os correspetivos pressupostos do enriquecimento sem causa, impedindo-se assim a Recorrente e outrora Autora, de produzir prova do "aumento do valor do imóvel", seu empobrecimento, e da valorização do imóvel e correlativo enriquecimento dos Réus.
54- Tal erro, não permite concluir pela fixação definitiva dos factos provados e não provados, o que nos conduz a que as conclusões de direito assentem em erro factual, que implicará inevitavelmente a anulação da decisão recorrida.
55- A Autora/Recorrente invocou a existência de benfeitorias úteis e supletivamente o instituto do enriquecimento sem causa, e o Tribunal a quo decidiu e nem sequer em face do instituto do enriquecimento sem causa (artigo 473º do Código Civil), pois que para tanto seria necessário poder o tribunal concluir que o empobrecimento da Autora (no montante das despesas que teve com a sua realização) teve como correspectivo o aumento do valor do imóvel (e assim o enriquecimento dos Réus) o que não ficou demonstrado.
56- Demonstra-se como facto essencial para a causa, determinar-se um aumento ou não do valor do imóvel, bem como a existência ou não de um enriquecimento sem causa.
57- Ora tais factos essenciais para a causa, no sentido de evidenciar a valorização do imóvel, em função das obras realizadas pela Recorrente, não constava do Objeto do Litígio, nem dos Temas de Prova, colocando-se em causa o princípio do contraditório, equitatividade e tutela jurisdicional efetiva.
58- A Sentença apenas em fundamentação de direito, promove uma conclusão relativa a um facto essencial da causa. Pelo que se condena, que tal conclusão que deveria assentar em factos, tenha sido reduzida a uma constatação jurídica, sem prova realizada.
59- Mais se destaque a importância que o Tribunal a quo fez incidir sobre a valorização do imóvel, pois quando se procede à fundamentação jurídica das benfeitorias e sua caraterização, denota-se ser essencial, apurar a valorização do imóvel.
60- Logo, a instrução dos autos deveria ter recaído sobre a valorização ou desvalorização do imóvel, em resultado das obras efetuadas.
61- Dos Temas de Prova, consta o seguinte: "Saber se com as obras realizadas pela Autora o imóvel ficou desvalorizado."
62- Logo aqui se demonstra uma maior tendência para se apurar apenas os efeitos negativos da atuação da Autora, e não os efeitos positivos.
63- Em nenhum Tema de Prova se determina, ser necessário apurar se o imóvel ficou valorizado, face às obras.
64- Se a Meritíssima Juiz a quo decide pela caraterização das Benfeitorias, julgando conceitos como o "aumento do valor", tinha inevitavelmente que permitir que em julgamento se produzisse a prova que sustentasse tal fundamento, podendo aí com base factual, retirar com precisão e sem prejuízo de uma errada interpretação de direito, a solução para os presentes autos. Não o tendo feito, não restam dúvidas que uma justa composição equitativa do processo, está colocada em causa.
65- Ademais, sempre se dirá que não resulta dos Factos Provados qualquer alusão à valorização do imóvel, mas resulta dos Factos Não Provados, que não se provou a desvalorização.
66- Ora se o NCPC, com a designação dos Temas de Prova, pretendeu que a instrução ficasse mais abrangente, reduzindo-se a probabilidade de não enquadrar todos os factos da história, sempre se dirá que a Meritíssima Juiz a quo, não fez prova suficiente que lhe permitisse sustentar as suas conclusões de direito, porquanto as mesmas, devendo ter por base os factos carreados para o processo e objeto de prova, não se permitiu a sua produção.
67- Assim se afirma, que nos autos não se provou factos de desvalorização do imóvel, nem factos de valorização, o que nos conduz a um caminho de "inexistência" de factos que sustentem, a fundamentação jurídica das benfeitorias, na sua caraterização de necessárias, úteis ou voluptuárias, bem como se determina que inexistem factos que conduzam a uma decisão dos pressupostos do enriquecimento sem causa.
68- Extrai-se ainda da decisão a quo que a Meritíssima Juiz a quo considerou como provado não existir aumento do valor do imóvel, quanto tal facto não foi enunciado com Tema de Prova, nem objeto de instrução.
69 - Saliente-se que nos termos do art 410 CPC, a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.
70- lnelutavelmente tem de se admitir ter existido uma violação do direito do contraditório, que configura um princípio basilar do processo civil e cuja omissão poderá mesmo ser atacada com o vício da nulidade.
71- Considera-se que não tendo sido efetuada prova, sobre os factos em questão, porque as Partes deles desconheciam, não poderia o Tribunal a quo se pronunciar sobre os mesmos.
72- Poderemos inclusivamente, assumir, que o Tribunal a quo, emitiu uma decisão surpresa, quando decide sobre um tema probatório que as Partes, não tiveram conhecimento e direito de pronúncia.
73- Quanto à decisão judicial que classifica as benfeitorias, pelo critério do "não aumento do imóvel", e o enriquecimento sem causa, que não se encontra demonstrado, pode-se assumir que a violação do artigo 3° nº 3 do CPC, consagra uma verdadeira, decisão- surpresa.
74- E outro, não poderá ser o entendimento da Recorrente, que apela em sede de Recurso de Decisão, que se verifique o erro quanto ao objeto do litígio, inexistência do tema de prova e violação do princípio do contraditório, com a correspetiva anulação da decisão proferida, por se verificar omissão de atos que influem na decisão da causa.
75- Acresce que, a sentença apelada padece de falta de fundamentação e motivação, nos termos dos artigos 154° e números 4 e 5 do artigo 607° do CPC, bem como de obscuridade e ambiguidade, existindo oposição entre a fundamentação e a decisão conducentes à sua nulidade, nos termos do disposto na aI. c) do nº 1 do artigo. 615° do CPC.
76- A sentença fez uma análise parcelar do depoimento das testemunhas, desconsiderando em absoluto determinadas passagens, essenciais à boa decisão da causa.
77 -Além disso valorizou excessivamente o depoimento das testemunhas da ora Recorrida, em detrimento das da Recorrente.
78- Na Motivação constante da sentença "in casu", considera-se existir um erro entre a prova produzida e a motivação sustentada o que conduz a uma errada interpretação das normas jurídicas aplicáveis.
79- Na fundamentação de direito o Tribunal a quo, reencaminha o seu assento normativo para o artigo 216 nº 1 do Código Civil, determinando que consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa, sendo necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa, úteis as que não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam o seu valor e voluptuárias as que não sendo indispensáveis para sua conservação nem lhe aumentando o seu valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante. (Transcrição da Sentença recorrida)
80- Respondendo sobre a matéria provada que sustenta as benfeitorias, diz o Tribunal a quo o seguinte:

"De acordo com a matéria de facto apurada na data do acordo existia no prédio algum mobiliário funcional, bem como quadro eléctrico, instalações eléctricas, canalizações e ar condicionado; quando a chave do imóvel foi entregue à Autora o mesmo encontrava-se funcional.

O imóvel possuía portas, janelas e vidros, as portas e janelas antigas eram em madeira respeitando a traça tradicional e regional, e o estado das mesmas não era compatível com a actividade que a Autora pretendia desenvolver no imóvel, designadamente de alojamento turístico em espaço rural.
Por outro lado, a caixilharia de alumínio e a antecâmara de vidro que a Autora colocou são passíveis de ser removidas, mas a remoção da caixilharia de alumínio acarreta prejuízo ao imóvel.
Atenta a matéria provada, não pode o tribunal concluir estarmos perante benfeitorias necessárias - na verdade, não resulta que qualquer das obras levadas a cabo tenha sido destinada a evitar a perda, deterioração ou destruição da coisa.
Por outro lado, também não ficaram demonstrados factos que permitam concluir que as obras realizadas pela Autora tenham aumentado o valor do imóvel pelo que também não estamos perante benfeitorias úteis. Efectivamente, apesar de resultar provado que a Autora realizou determinadas obras e o valor das mesmas, não ficou demonstrado se foi efectivamente acrescentado valor por tais obras ao imóvel (sendo certo que a Autora nem sequer concluiu parte das obras), não se podendo concluir por si só do valor da obra que acrescentou valor ao imóvel. Assim, temos de concluir estar perante benfeitorias voluptuárias.
81- Digamos que a grande divergência recursiva incide sobre o reconhecimento do crédito por benfeitorias realizadas e não reconhecidas em sede de sentença a quo e em função disso, o não reconhecimento do enriquecimento sem causa e do direito de retenção respetivo.
82- A partir dos factos provados e dos factos que se pretendem ver provados, e da correta valoração dos meios de prova produzidos, logra-se obter o reconhecimento do crédito por benfeitorias, reclamado pela Autora/Recorrente, nos termos dos factos provados que supra se deprecou.
83- Analisando a prova que foi produzida no Tribunal a quo, poder-se-á constatar o erro interpretativo incorrido pelo Tribunal, quanto à classificação das benfeitorias realizadas, inclusive pelas declarações dos peritos e pelas declarações da testemunha M. G., as quais supra se transcrevem e identificam.
84- Por conseguinte, nos termos do artigo 216° nº1 do Código Civil, consideram-se benfeitorias, todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.
85- lsto é, são benfeitorias todas as intervenções, com caráter de alteração, realizadas na coisa, com o fim de a beneficiar.
86- Segundo o Direito Romano, as benfeitorias, são ainda classificadas, nos seguintes termos: a) as benfeitorias necessárias, são as que são indispensáveis, as que se dirigem à conservação da coisa benfeitorizada, isto é, a obviar à sua perda, destruição ou deterioração; b) as benfeitorias úteis, que são as que, apesar de dispensáveis, aumentam o valor objetivo da coisa; c) e as benfeitoras voluptuárias, que são as que não aumentam o valor objetivo (venal) da coisa mas tão só o seu valor subjetivo, enquanto servem apenas para gozo ou regalo de quem as faz.
87 - Atendendo à classificação das benfeitorias pelo nosso Ordenamento Jurídico, importa salientar os artigos 1273° e 1275° do Código Civil, no que toca, aos direitos que impende sobre os titulares das despesas realizadas.
88- As Benfeitorias necessárias - ainda que o possuidor esteja de má fé - conferem o direito a ser indemnizado do seu valor; indemnização que, porém, não é o mesmo que reembolso, na medida em que o valor das benfeitorias não pode exceder o valor do benefício ao tempo da entrega. Ou seja, para calcular tal indemnização, deve, num primeiro momento, atender-se ao seu custo, uma vez que é o valor da "despesa" do possuidor, mas, por outro lado, uma vez que só na data da entrega é que o titular beneficia da benfeitoria, deve atender-se ao seu valor em tal data, razão pela qual a indemnização das benfeitorias necessárias não pode/deve ultrapassar o valor da benfeitoria à data da entrega.
89- No tocante às benfeitorias úteis, o possuidor é admitido a levantá-Ias, se o puder fazer sem detrimento da coisa principal ou, então, quando não haja lugar a tal levantamento, deve ser satisfeito/indemnizado segundo as regras do enriquecimento sem causa; o que significa que o proprietário não pagará mais do que o despendido nelas, nem pagará mais que o valor que as benfeitorias representam para a coisa.
90- Caso as Benfeitorias sejam voluptuárias, o possuidor de boa-fé não tem outro direito que não seja o ius tollendi e isto apenas e só quando o levantamento não envolva prejuízo para a coisa bonificada, pois de contrário tem de deixá-Ias ficar; quanto ao possuidor de má-fé, ele nenhum direito tem e perde as benfeitorias a favor do proprietário.
91- No caso dos contratos de arrendamento poderemos nos aventurar a ir mais longe, no que toca às benfeitorias. E na sua classificação ter em consideração se as mesmas ficam a fazer parte integrante do imóvel ou não.
92- Volvendo ao caso em concreto, salienta-se o seguinte:

a) Em fase pré-negocial a Autora e os Réus, acordaram pela necessidade de realização de obras.
b) O valor aventado inicialmente, foi de € 25 000 (vinte e cinco mil euros), conforme declarações transcritas supra e constantes da prova produzida e gravada.
c) O Réu Manuel, em depoimento de parte, assume por diversas vezes, a existência de uma situação pré-negocial, que se reconduziu a uma avaliação das obras necessárias, num montante referido de € 25 000 (vinte e cinco mil euros).
d) O Tribunal a quo deu como provadas as obras realizadas.
e) O Tribunal a quo na sua Motivação sustenta que o imóvel não estava em bom estado, e que as portas, janelas e vidros, se encontravam degradadas, deixando entrar humidades.
f) A caixilharia colocada pela Autora e Recorrente, é de imitação de madeira, de custo elevado, sendo mais estanque.
g) O Tribunal a quo considerou ainda em sede de Motivação que a caixilharia, tem vidro duplo e que em termos térmicos, de conforto e climatização, tem condições que a madeira não tem. A caixilharia colocada ganha em conforto.
h) Como factos provados resultam as seguintes obras: 4. A Autora procedeu a estucagem no alojamento turístico, no restaurante, no café e bar, bem como à pintura. 5. Procedeu à substituição do mobiliário do restaurante, renovando a decoração do mesmo. 6. Procedeu à montagem e instalação eléctricas, de climatização e de canalizações e à realização de obras de carpintaria. 7. Procedeu à instalação de um equipamento informático. 8. A Autora procedeu à aplicação de caixilharia em alumínio, vidros duplos, janelas, portas e uma antecâmara em vidro temperado/laminado para a entrada do restaurante.
93- Perante os factos provados e convicção do Tribunal, em boa verdade a Meritíssima Juiz a quo, considerou que nenhuma das obras realizadas, se classificariam como sendo necessárias ou úteis, desmerecendo completamente o por si alegado, de que o estado do imóvel não era bom, e que as portas, janelas e vidros se encontravam degradados.
94- Ao que parece obras que alteraram a climatização da casa, que melhoraram o seu isolamento, que alteram o clima da temperatura, que tornam o imóvel mais confortável, não constitui uma obra necessária para impedir entradas de ar e de humidades, nem tão pouco valorizam o imóvel.
95- Não se considerando que algumas das obras realizadas, como a colocação de janelas, de caixilharia, de antecâmaras, de pintura, de obras de carpintaria embutidas, são partes integrantes do prédio, que nele se incorporam e aumentam o seu valor.
96- A pintura do espaço, a limpeza da pedra e do telhado, as instalações elétricas, não constituem formas de conservar o imóvel, aumentando-lhes o valor?
97- Não pode a Recorrente concordar com a decisão ora recorrida, porquanto, pelo princípio do bonus pater familae, não seria razoável, ponderar que obras que melhoram o imóvel, que impedem a sua degradação, que conservam o seu estado, não são obras que valorizam o imóvel.
98- A Recorrente, em termos práticos assume um imóvel em degradação, revitaliza-o, aumenta-lhe o conforto e evita a sua deterioração, para posteriormente proceder à entrega do imóvel aos Recorridos, sem nunca dele ter usufruído, em virtude de desencontro de declarações de vontade, e por esses factos, não é compensado e ainda é condenado!
99- Não se consegue ajuizar a razoabilidade do entendimento do Tribunal a quo, que coloca em causa o princípio da justiça!
100- E desconhecendo-se o efetivo aumento do valor, sempre se reconhecerá as obras realizadas, como benfeitorizantes do prédio, e por isso caraterizadas como benfeitorias úteis.
101- Não esquecendo que todas as obras foram autorizadas, e consideradas necessárias para adaptação à atividade que se pretendia desenvolver, e consequentemente que aumentaram o valor do imóvel.
102- Para se apurar do direito de indemnização das benfeitorias, necessariamente tem de se recorrer ao instituto do enriquecimento sem causa.
103- Daí, ser fundamental apurar-se o "aumento do valor" em função das benfeitorias, e o respetivo enriquecimento.
104- Situação não apreciada nos presentes autos, e que por esse facto, determina uma errada interpretação das normas de direito que regulam as benfeitorias.
105- Decorrente da reconhecida nulidade do contrato de arrendamento, produzem-se os seus efeitos, nos termos do artigo 289° nº3 do Código Civil.
106- O que inevitavelmente nos conduz, aos efeitos da posse. O artigo 1273° do Código Civil diz-nos que Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.
107 - Para apurar o valor indemnizatório das benfeitorias, sempre se será reconduzido ao instituto do enriquecimento sem causa.
108- Sendo importante apurar o valor que a coisa teria, sem as benfeitorias, e com as benfeitorias.
109- Sobre este aspeto, não foi produzida qualquer prova, não obstante existir decisão da Meritíssima Juiz a quo.
110- Pelo que se impunha ter um substrato factual que nos permitisse decidir sobre a verdadeira medida de restituição.
111- Embora não se tendo feito prova dos pressupostos do enriquecimento sem causa, sempre se diria que aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou -artigo 473° nº 1 do CC.
112- Nos autos, sempre se afirmou que a caixilharia de vidro e a antecâmara de vidro poderiam ser removidas, mas tal situação acarretaria prejuízo ao imóvel, o que implicava que se determinasse o valor das mesmas, e se apurasse o valor do enriquecimento dos Réus.
113- Decidido que está, no caso dos autos, que a restituição em espécie não é possível, dado que as benfeitorias realizadas pelo A. nos prédios dos RR não podem ser levantadas sem detrimento delas, haverá que determinar o valor correspondente das mesmas e a repercussão desse valor na esfera patrimonial dos RR.
114- Tendo as benfeitorias sido realizadas pela Recorrente de boa-fé e com o consentimento dos Recorridos, sempre se dirá que a única interpretação jurídica possível e correta, seria apurar o valor das benfeitorias úteis realizadas no prédio, e impor aos Recorridos o dever de restituir tudo o que obtiveram à custa da Recorrente.
115- Ademas, no quadro das benfeitorias, torna-se importante e relevante a pronúncia sobre o alegado direito de retenção, que foi desreconhecido pelo tribunal a quo.
116- Existindo efetivas benfeitorias úteis, cujo impedimento de levantamento nos reconduz ao instituto do enriquecimento sem causa, é infalível que nasce um direito de crédito da Recorrente para com os Recorridos.
117 - Ora o artigo. 754º CC prevê que "o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados".
O artigo 755º alínea e) do CC refere que "gozam ainda do direito de retenção", entre outros, "O depositário e o comodatário, sobre as coisas que lhes tiverem sido entregues em consequência dos respectivos contratos, pelos créditos deles resultantes;".
118- Nos presentes autos, assistia à Recorrente o direito de retenção, porquanto detinha um crédito sobre os Recorridos, em função das benfeitorias realizadas.
119- Tal direito de retenção, é um imperativo legal, pelas benfeitorias que fez e que não pode levantar.
120- Não podendo ser outro o entendimento da Recorrente quanto ao direito de retenção.
121- Ora, tendo sido exercido legitimamente o direito de retenção conforme expendido supra, consequentemente não terão os Réus direito de serem compensados e os Autores não deverão ser consequentemente condenados no pagamento dos danos.
122- O mesmo raciocínio servirá para o não pagamento das rendas, pois não houve qualquer gozo sobre a coisa - imóvel e além do mais o direito de retenção foi exercido legitimamente por haver um crédito.

Termos em que (…), deverá ser dado provimento ao presente recurso, sendo em consequência declarada nula a sentença proferida bem como a audiência de julgamento e voltar-se a fazer novos temas de prova incluindo o da valorização do imóvel, ou outra, em substituição, que condene os Réus ao pagamento das benfeitorias realizadas pela Autora, as quais foram dadas como provadas, e declare legitimo o direito de retenção exercido pela Autora, não a condenando por conseguinte no pagamento de qualquer quantia aos Réus, quer a titulo de danos, quer a titulo de rendas…”
*
Não se conformando também com a decisão recorrida, dela vieram os RR reconvintes interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

1a - Foram incorretamente julgados, em parte, os factos dados como provados sob os nºs 1, 35 e 44, dos factos dados como provados, e incorretamente julgados os factos 14, 21 e 22, dos factos dados como não provados, assim se impugnando;
2a - Quanto ao facto dado como provado sob o n° 1, elementos probatórios existem nos autos no sentido de que no mesmo deve constar referência expressa ao inventário do recheio do imóvel, documento junto pela recorrida com a sua petição inicial, não impugnado e não modificado;
3a - Também tal se afere pelos depoimentos dos recorrentes, Manuel 00:00:01 a 00:56:39 (11:32:38 a 12:29:17, em 29/03/2017 - maxime, 00:02:00, 00:04:50, 00:11:53, 00:22:00, 00:26:00 e 00:54:26), e Manuela- 00:00:01 a 00:22:32 (15:07:10 a 15:29:42, em 29/03/2017, maxime 00:03:07 e 00:06:00), bem como da testemunha Conceição- 00:00:01 a 00:09:31 (16:27:46 a 16:37:17, em 10/05/2017 - maxime, 00:04:10 e 00:08:20), por contraposição ao da testemunha da recorrida, Tiago- 00:00:01 a 00:37:59 (12:26:45 a 13:04:43, em 10/05/2017, maxime 00:04: 1 O e 00: 15: 1 O), que tem uma versão absolutamente contrária com a do documento que apresentou a parte que a indicou;
4a - Tais elementos probatórios - o documental, inventário dos bens que constituíam o recheio do imóvel/estabelecimento identificado nos autos e denominado Pensão Pontes de ..., como os depoimentos das referidas testemunhas, devem ser suficientes para que o facto dado como provado sob o n° 35, tenha a seguinte redação: "35 - Na data do acordo referido em 1) existia no prédio o mobiliário constante no inventário de fls. 126 a 136, bem como quadro eléctrico, instalações eléctricas, canalizações e ar condicionado ".
5a - Bem assim, por incompleto e com base nos aludidos elementos de prova, deverá o artigo 44°, dos factos dados como provados, ter a seguinte redação: "44 - Quando a chave do imóvel foi entregue à Autora, com exceção do referido em 36), o mesmo encontrava-se funcional e com todo o recheio constante do inventário de fls. 126 a fls. 136".
6a - Por sua vez, quanto aos factos dados como não provados, atento o constante no relatório de peritagem sobre os trabalhos inacabados de carpintaria - fls. 460 a fls. 481 e esclarecimentos a fls. 489 -, deve eliminar-se o facto n° 14 dos não provados e dar-se como provado o seguinte: "Quanto às obras de carpintaria, estão inacabados os apainelados de vãos exteriores do primeiro piso", dando-se-lhe o número sequencial;
7a - Deverá, também, a alínea c), da decisão, ficar com a seguinte redação definitiva: "c) Condenar a Autora a restituir o imóvel, bem como o mobiliário constante no inventário de fls. 126 a 136, e a proceder à conclusão dos trabalhos de electricidade a que se reportam as fotografias nºs 8, 9, 10, 11, 12 e 13 do relatório pericial, à conclusão dos trabalhos de carpintaria dos apainelados de vãos exteriores do primeiro piso, à pintura do imóvel e à reparação do deck;",
8a - Quanto ao facto dado como não provado sob o n° 21, deve dar-se (o mesmo) como provado, apesar do relatório pericial em contrário, porquanto, como consta nos autos, a recorrida (procedeu à sua limpeza) dois dias antes da realização da diligência;
9a - Na verdade, todo o restante tempo de retenção ilícita pela recorrida, esta tem-no abandonado, como resulta do depoimento da testemunha Joana - 00:00:01 a 00:20:10 (16:06:45 a 16:26:55, em 10/05/2017, maxime 00:05:10);
10a - Não é, de resto, uma limpeza esporádica, no espaço de 3 anos, que evidencia o cuidado e zelo exigíveis por quem se arroga de "fiel depositário", como o fez a recorrida, estribada no invocado direito de retenção;
1l" - Deve, em consequência, eliminar-se dos factos não provados o facto dado como não provado sob o n° 21 e dar-se por provado que:

"Salvo uma limpeza no logradouro e pintura no imóvel, que a recorrida levou a cabo aquando da realização da perícia, na maior parte do tempo decorrido desde que tem consigo as chaves do imóvel, este apresenta uma imagem de degradação e abandono ".
12a - Relativamente ao facto sob o n° 22, dos dados como não provados, atento o que consta sobre tal matéria nos factos dados como provados em 47 e 48, parece tal encontrar-se em contradição com estes, pelo que deve ser eliminado;
13a - Assim, nesta parte, julgando a matéria de facto como julgou, a decisão recorrida incorre em erro de julgamento, devendo, nos termos do artigo 662°, n° 1, do C.P.C., operar-se a modificação da matéria de facto em consonância com o defendido;
14a - No que toca ao direito, de acordo com o disposto no artigo 562° do C.Civil, a obrigação de restituição da recorrida não deverá respeitar apenas ao imóvel, mas a tudo que com ele foi lhe foi entregue pelos recorrentes;
15a - Já quanto ao valor atribuído de € 11.400, 00 (onze mil e quatrocentos euros) sob a alínea d) da decisão, tal não se encontra em consonância com a motivação da mesma nem com o alegado pelos recorrentes, pelo que deverá nela constar: "Condenar a Autora a pagar aos Réus a quantia de € 11.400,00 (onze mil e quatrocentos euros), sem prejuízo do que de mais vier a apurar-se, desde a entrada da contestação/reconvenção em juízo até à efetiva entrega do prédio aos réus, à razão de € 600,00 por mês";
16a - Por último, atento o dado como provado em 47 e 48, dos factos dados como provados, em consonância com o previsto no artigo 496°, n° 1, do Código Civil, deve ser atribuída aos recorrentes, em conjunto, a indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 1.000,00 (mil euros);
17a - Assim, a sentença recorrida, na parte que ora se sindica, além de ter incorrido no já apontado erro de julgamento, violou os artigos 483°, 562°, 564° e 496°, do Código Civil…”.
Pedem, a final, que seja revogada nesta parte a sentença recorrida.
*
Ambas as partes vieram responder ao recurso interposto pela parte contrária, pugnando mutuamente pela sua improcedência.
*
Veio ainda a A/recorrida deduzir ampliação do âmbito do seu recurso, nos termos previstos no artº 636, nº 2 do CPC, formulando para o efeito as seguintes conclusões:
HHH) Nos termos do artº 636º nº2, por analogia, suscita-se a ampliação do âmbito do recurso.
III) Como consta dos autos, foi junto pela Recorrida, em sede de Petição Inicial, o contrato de arrendamento, não aceite pelos Recorridos, e que deu origem aos presentes autos, e de cujo teor constava um inventário anexo e que fazia parte integrante do mesmo.
JJJ) O nosso Ordenamento Jurídico determina, que cabe ao autor escolher e determinar qual o facto que pretende utilizar para fundamentar o pedido concreto que dirige ao Tribunal.
KKK) Pelo que os Recorridos, assentaram a sua causa de pedir na nulidade do contrato de arrendamento, e os Recorrentes, pela sua defesa, mantiveram o mesmo pedido.
LLL) Ora, é o pedido das partes que circunscreve o "thema decidendum" dos autos, pelo que não pode o juiz promover decisões sobre outras questões, senão as suscitadas pelas partes. Nesse sentido se defende processualmente o princípio do dispositivo.
MMM) A questão e pedidos suscitados, foi a nulidade do contrato de arrendamento, e o reconhecimento dos efeitos decorrentes dessa nulidade, objeto sobre que incidiu a sentença, e a prova produzida.
NNN) Atente-se que na Motivação da sentença recorrida, nunca se faz menção à questão do "recheio."
OOO) Os Recorrentes, pretendem agora em sede de Recurso, alegar factos que alteram o "thema decidendum".
PPP) Os recorrentes pretendem condenar os recorridos à entrega de um recheio, constante de um inventário, que fazia parte de um contrato de arrendamento, não aceite pelos Recorridos, e declarado pelo Tribunal a quo, como sendo nulo.
QQQ) O Tribunal a quo, proferiu uma sentença, de procedência do peticionado "declaração de nulidade do contrato de arrendamento", não podendo condenar quanto a um "alegado recheio e seu quantum", pois esta causa de pedir sempre foi inexistente no processo, devendo por isso conduzir à improcedência do pedido.
RRR) O Tribunal a quo não se pode substituir às partes, alterando a causa de pedir e violando os princípios do dispositivo e contraditório. SSS) Pelo exposto, se consideram incorretamente julgados os pontos 2),19) e 31) dos factos provados e que devem ficar com a seguinte redacção:

2. Mais ficou acordado que os Primeiros Réus poderiam em qualquer momento vistoriar o imóvel e que se obrigariam a celebrar um contrato de seguro sobre o imóvel e o recheio a acordar, e a Autora celebraria um seguro sobre o recheio que viesse a adquirir, cuja propriedade comprovaria mediante factura-recibo e que a Autora não poderia ceder a sua posição contratual
19. Quando a Autora se encontrava a realizar as obras tendo em vista a inauguração do estabelecimento as partes não se entenderam na redução a escrito do verbalmente acordado quanto às cláusulas que deveriam constar do "Contrato de Arrendamento" e respectivos anexos integrantes.
31. A Ré Maria enviou carta datada de 05 de Dezembro de 2013, dirigida a Tiago, junta a fls. 172 e seguintes dos presentes autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, procedendo à devolução dos documentos remetidos e referidos em 25) e ao envio de nova minuta de contrato de arrendamento, sem qualquer referência a aceitação do anexo de inventário.
TTT) Tendo a sentença recorrida reconhecido a nulidade do contrato de arrendamento, certamente os seus efeitos se expandem a todo o seu conteúdo integrante, nomeadamente anexos, onde consta o referido "inventário".
UUU) Em face do tudo quanto foi exposto, cabe concluir pela falta manifesta, completa e absoluta de fundamento do presente recurso que, assim, deve ser julgado improcedente, exceto na parte alvo de ampliação”.
*
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:

- a de saber de é de admitir a ampliação do âmbito do recurso apresentada pela A/recorrida;
- a de saber se é de alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos pretendidos por ambos os recorrentes;
- se é de alterar a decisão proferida no sentido pretendido por ambos os recorrentes.
*
Foram dados como provados na 1ª Instância os seguintes factos:

1. Por intermédio do filho dos Primeiros Réus, Manuel, foi acordado verbalmente, em Junho de 2013, que estes cederiam à Autora o gozo do imóvel, sito na Rua …, da freguesia de ..., concelho de Terras de Bouro, inscrito na matriz predial sob o artigo …, pelo prazo de 5 anos, com início a 1 de Agosto de 2013, renovando-se automaticamente, após o decurso deste prazo, por períodos sucessivos de 1 (um) ano e mediante o pagamento pela Autora da renda mensal de € 600,00 (seiscentos euros), que seria paga a partir do mês de Janeiro de 2014 para o ...5, do Banco A, destinando-se o imóvel a alojamento turístico em espaço rural, com serviço de restaurante, café e bar.
2. Mais ficou acordado que os Primeiros Réus poderiam em qualquer momento vistoriar o imóvel e que se obrigariam a celebrar um contrato de seguro sobre o imóvel e o recheio, de acordo com o inventário efectuado, e a Autora celebraria um seguro sobre o recheio que viesse a adquirir, cuja propriedade comprovaria mediante factura-recibo e que a Autora não poderia ceder a sua posição contratual.
3. Nos finais do mês de Junho de 2013, o Réu M. L., entregou as chaves do imóvel aos representantes da Autora para que estes pudessem iniciar as obras necessárias ao bom funcionamento da actividade a exercer no imóvel, ou seja, a exploração de um alojamento turístico, restaurante, café e bar e de imediato os representantes da Autora iniciaram as referidas obras, para que pudessem iniciar a sua actividade no mês de Agosto.
4. A Autora procedeu a estucagem no alojamento turístico, no restaurante, no café e bar, bem como à pintura.
5. Procedeu à substituição do mobiliário do restaurante, renovando a decoração do mesmo.
6. Procedeu à montagem e instalação eléctricas, de climatização e de canalizações e à realização de obras de carpintaria.
7. Procedeu à instalação de um equipamento informático.
8. A Autora procedeu à aplicação de caixilharia em alumínio, vidros duplos, janelas, portas e uma antecâmara em vidro temperado/laminado para a entrada do restaurante.
9. A sociedade M. – Estucagens, Unipessoal, Lda., procedeu, a solicitação da Autora, à execução de obra de estucagem com materiais e mão-de-obra no imóvel identificado em 1) emitindo em 02/09/2013 em nome da Autora a FACTURA N.º 060, no montante de €2.500,00.
10. A sociedade V. – Comércio de Móveis e Estofos, Unipessoal, Lda. procedeu, a solicitação da Autora, ao comércio de mobiliário por medida e decoração de interiores, no imóvel identificado em 1) emitindo em 02/09/2013 em nome da Autora a FACTURA N.º 035, no montante de €11.844,25.
11. A sociedade S. Lda. procedeu, a solicitação da Autora, à reparação, montagem e instalação de climatização e canalizações no imóvel identificado em 1), emitindo em 16/09/2013 em nome da Autora a FACTURA N.º 201300111, no montante de €751,74.
12. A sociedade P., Carpintaria, Lda., procedeu, a solicitação da Autora, à realização de obras de carpintaria no imóvel identificado em 1), nomeadamente reparação de portas, fornecimento e colocação de peças de aro e calhas com acessórios, fechaduras e conchas, fornecimento e colocação de rodapés emitindo em 27/09/2013 em nome da Autora a FACTURA N.º 4/2130253, no montante de €806,88.
13. A sociedade I., Equipamentos Informáticos, Lda. procedeu à venda à Autora de equipamentos informáticos e respectivos softwares, para instalação no imóvel identificado em 1) emitindo em 07/10/2013 em nome da Autora a FACTURA N.º A13/1130268, no montante de €1.346,85.
14. A sociedade F. F., Lda. procedeu, a solicitação da Autora, à fabricação e instalação de portas, janelas e elementos similares em metal e vidro, no imóvel identificado em 1), emitindo em 11/10/2013 em nome da Autora a FACTURA N.º 28/2013, no montante de €15.854,50.
15. A sociedade J. M. & Filhos, Lda., procedeu à venda à Autora de tintas, vernizes e produtos similares para uso no imóvel identificado em 1) emitindo em 14/10/2013 em nome da Autora a FACTURA N.º 1581, no montante de €933,00.
16. A sociedade E. – Produção e Montagens Elétricas, Unipessoal, Lda., procedeu, a solicitação da Autora, a trabalhos de construção civil e de electrificação no imóvel identificado em 1), emitindo em 06/11/2013 em nome da Autora a FACTURA N.º 20130103, no montante de €11.343,00.
17. A sociedade E. – Produção e Montagens Elétricas, Unipessoal, Lda. tinha como sócio-gerente Tiago, também sócio gerente da Autora.
18. Em 29 de Julho de 2013, por contrato de sociedade por quotas, foi constituída a Autora, tendo como objecto social a prestação de serviços de alojamento turístico no espaço rural, bem como a exploração de restaurante, café e bar, a gestão turística, o aluguer de bens recreativos e desportivos e outras actividades de diversão e recreativas, podendo ainda dedicar-se a quaisquer outras actividades complementares do seu objecto social, tendo a Autora procedido ao pagamento de €75,00 para pedido do certificado de admissibilidade de firma e €360,00 a título de emolumentos registrais para constituição da sociedade.
19. Quando a Autora se encontrava a realizar as obras tendo em vista a inauguração do estabelecimento, as partes não se entenderam na redução a escrito do verbalmente acordado quanto às cláusulas que deveriam constar do “Contrato de Arrendamento”.
20. O imóvel identificado em 1) foi inscrito na matriz no ano de 1998 e tinha na data referida em 1) como titular inscrito na matriz José, conforme melhor consta da caderneta predial urbana junta a fls. 93, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
21. Do Alvará de Abertura número 111/92, emitido pelo Governo Civil do Distrito de Braga, junto a fls. 95 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, consta, designadamente, que o mesmo autoriza a abertura da “Pensão – Residencial” sita no Lugar de …, freguesia de ..., Terras de Bouro, propriedade de Maria. 22. Do Alvará de Licença Sanitária – Classe 3.ª, número 116, Processo número 09/1990, emitido pela Câmara Municipal em 5 de Junho de 1992, junto a fls. 96 a 97 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, consta designadamente que pelo mesmo era concedida licença a Maria para explorar um estabelecimento de “Pensão – Residencial”, sito em …, freguesia de ..., Terras de Bouro.
23. Os representantes da Autora solicitaram, com o assentimento do Réu José Lopes, em nome da sociedade OE Lda, junto da Câmara Municipal, pedido de Alojamento Local, o qual foi deferido por despacho de 12 de Julho de 2013 e notificado àquela sociedade por comunicação datada de 23/07/2013 conforme documento de fls. 98 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
24. A sociedade OE, LDA., com sede na Rua …, freguesia de ..., concelho de Terras de Bouro, distrito de Braga, foi constituída em 28 de Janeiro de 2009 e tem como objecto a “exploração de empreendimentos hoteleiros designadamente hotéis e de estabelecimentos de restauração e bebidas nomeadamente restaurante, café e bar. Exploração de gabinete de contabilidade e consultoria fiscal”, tendo como sócios Paulo casado com Daniela, Manuela, casada com Manuel e Pedro.
25. A Autora não teria efectuado os trabalhos no imóvel se os seus representantes não tivessem a perspectiva de que seria redigido e assinado o contrato de arrendamento.
26. Por carta datada de 22 de Outubro de 2013, junta a fls. 109 a 111 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido foi remetido para assinatura o documento denominado “Contrato de Arrendamento Para Fim Não Habitacional Com Prazo Certo e Opção de Compra”, junto a fls. 112 e seguintes e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
27. Foi agendada para o dia 31 de Outubro de 2013 uma reunião com o Segundo Réu.
28. Os Réus José e Maria foram casados no regime da comunhão geral de bens, sendo o casamento realizado em 17 de Junho de 1944 (Assento de Casamento de fls. 167).
29. O Réu José nasceu no dia 04 de Março de 1925 e a Ré Maria nasceu no dia 17 de Outubro de 1922 (Assentos de Nascimento de fls. 169 e de fls. 171, respectivamente).
30. À data do acordo referido em 1) o Réu José encontrava-se doente e incapacitado.
31. A Ré Maria enviou carta datada de 05 de Dezembro de 2013, dirigida a Tiago, junta a fls. 172 e seguintes dos presentes autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, procedendo à devolução dos documentos remetidos e referidos em 25) e ao envio de nova minuta de contrato de arrendamento.
32. Do teor da descrição predial nº ...0, freguesia de ... da Conservatória do Registo Predial, consta tratar-se de prédio urbano, Pensão Residencial, situado em …, composto de edifício de rés-do-chão, andar e logradouro, tendo sido ai inscrito a favor de José por compra a Joaquim e mulher Elisabete pela apresentação nº 3 de 23/07/1959.
33. Por documento denominado “Contrato de Doação e Partilha” datado de 12 de Setembro de 2014 o imóvel referido no número anterior foi adjudicado a M. L., na fracção de dois terços, e a José, na fracção de um terço, encontrando-se inscrito na Conservatória do Registo Predial a favor destes pela apresentação nº 19, de 22/09/2014.
34. A Autora na data do acordo referido em 1) referiu ao Réu M. L. a necessidade de proceder a várias obras e obter as licenças/autorizações administrativas, com o que ia ter gastos pelo que os Réus aceitaram um período de carência de 6 meses durante o qual a Autora ficaria dispensada de efectuar o competente pagamento da renda;
35. Na data do acordo referido em 1) existia no prédio algum mobiliário funcional, bem como quadro eléctrico, instalações eléctricas, canalizações e ar condicionado.
36. O imóvel possuía portas, janelas e vidros, sendo as portas e janelas antigas em madeira respeitando a traça tradicional e regional, não sendo o estado das mesmas compatível com a actividade que a Autora pretendia desenvolver no imóvel, designadamente de alojamento turístico em espaço rural.
37. A caixilharia de alumínio e a antecâmara de vidro que a Autora colocou são passíveis de ser removidas, mas a remoção da caixilharia de alumínio acarreta prejuízo ao imóvel.
38. O acordo referido em 1) não chegou a ser reduzido a escrito e assinado, uma vez que as partes não se entenderam quanto às cláusulas que do mesmo deveriam constar para além do referido em 1), designadamente quanto à faculdade de aquisição do imóvel por parte da Autora, sendo fixado o período de 10 anos, prorrogável por períodos de um ano e quanto à obrigação dos Réus pagarem uma compensação por benfeitorias no valor de €40.000,00 em caso de incumprimento contratual por facto a estes imputável.
39. A Autora foi autorizada a realizar obras no imóvel.
40. Na realização das obras a Autora alterou as paredes interiores designadamente com abertura e fecho de vãos interiores, alterou a caixilharia exterior e alterou a entrada colocando uma antecâmara de vidro.
41. O pavimento exterior em “deck” necessita de ser reparado e é necessário concluir os trabalhos de electricidade a que se reportam as fotografias números 8, 9, 10, 11, 12 e 13 do relatório pericial.
42. Verifica-se a existência de humidade em duas salas, sendo que os focos de humidade já existiam à data da realização de obras pela Autora.
43. O imóvel actualmente necessita novamente de ser pintado.
44. Quando a chave do imóvel foi entregue à Autora, com excepção do referido em 36) o mesmo encontrava-se funcional.
45. Antes do referido em 1) os Réus tiveram uma proposta para arrendamento de uma parte do imóvel para a instalação de um talho mediante o pagamento de uma renda mensal de cerca de €400,00.
46. Os Réus pagaram o Imposto Municipal de Imóveis do ano de 2013, no valor de €255,17.
47. Os Réus, e em particular a Ré Rosa, sente-se desgostosa por ver o espaço fechado.
48. Os Réus sentiram transtornos com a instauração da presente acção que os obrigou a constituir advogado, a deslocações quer ao domicílio profissional deste quer ao Tribunal e a reuniões entre eles para tratar do objecto dos autos.
49. Os Réus pagaram ao Município em 28/01/2016 a quantia de €1.690,83 de água referente ao imóvel e ao período de 28 de Maio de 2014 a 14 de Janeiro de 2015.
50. A sociedade OE, LDA foi declarada insolvente por sentença proferida em 19 de Dezembro de 2014”.
*
E foram dados como não provados os seguintes:

1. Que o segundo Réu afirmou aos representantes da Autora que se encontrava munido de uma procuração dos primeiros Réus.
2. Que ficou acordado que no caso de inutilização do imóvel por culpa imputável aos Senhorios ficariam estes obrigados a indemnizar a Autora em montante não inferior a €40.000,00 pelas benfeitorias que esta entretanto realizasse e que as benfeitorias que não pudessem ser levantadas no termo do contrato, ficariam a fazer parte integrante do imóvel, recaindo sobre os Senhorios a obrigação de indemnização no montante das benfeitorias retidas.
3. Que ficou acordado conferir à Autora a faculdade de optar pela aquisição do imóvel, pelo período de 10 (dez) anos, prorrogável por períodos de um ano e que o preço da compra e venda do imóvel se fixou em €400.000,00, actualizado em função da Portaria do Ministério das Finanças que fixa os coeficientes de desvalorização da moeda para efeitos de correcção monetária dos valores de aquisição de bens.
4. Que o referido no número anterior era a cláusula chave que levara os representantes da Autora a avançarem com o negócio.
5. Que a Autora para a sua constituição gastou €245,00 a título de honorários com advogado.
6. Que a Autora pediu ao Réu Manuel documento que titulasse a aquisição do imóvel, bem como o aditamento ao contrato de uma cláusula de salvaguarda para que o registo fosse realizado em prazo razoável.
7. Que o Réu José encontrava-se incapaz de poder governar a sua pessoa e os seus bens, por sofrer de Alzheimer.
8. Que nem os Primeiros nem os Segundos Réus quiseram outorgar o contrato de arrendamento, querendo sim ver o imóvel renovado e poder usufruir dessa renovação, sem qualquer custo.
9. Que a Autora sofreu danos por quebra de prestígio, imagem e bom nome.
10. Que era do conhecimento da Autora que o contrato de arrendamento seria assinado pela Ré Rosa e que tal lhe foi informado pelo Réu, José António.
11. Que o representante da Autora referiu ao Réu M. L. que gastaria cerca de €25.000,00 nas obras.
12. Que foi ainda acordado que as rendas não seriam actualizadas, de acordo com o coeficiente anualmente publicado no Diário da República, durante o período inicial da vigência do contrato.
13. Que a caixilharia de alumínio que a Autora colocou se encontra desenquadrada estética e naturalmente.
14. Que as obras de carpintaria estão mal feitas, tornando-se necessário corrigi-las na totalidade.
15. Que o acordo referido em 1) não chegou a ser reduzido a escrito por a Autora não ter concluído as obras de modo a permitir-lhe a exploração do estabelecimento no período estival.
16. Que com a carta referida em 30) dos factos provados foi enviado à Autora contrato assinado pela Ré Rosa com a assinatura reconhecida notarialmente no Cartório da Sr.ª Notária, Gertrudes, da Póvoa de Lanhoso.
17. Que o estado de saúde do Réu José era do conhecimento dos legais representantes da Autora, nomeadamente do sócio-gerente, Tiago.
18. Que o prédio está votado ao abandono e que a relva não é tratada tendo-se tornado um matagal.
19. Que as portadas de madeira estão todas empenadas e com fendas enormes.
20. Que o referido em 45) dos factos provados se frustrou devido ao comportamento da Autora.
21. Que o imóvel apresenta uma imagem de degradação e abandono.
22. Que a Ré Rosa sente profunda vergonha perante os vizinhos, conterrâneos e amigos, quer locais quer de fora, por lhes apresentar a sua propriedade com péssima imagem.
23. Que pelo facto do estabelecimento estar fechado se encontra desvalorizado e que tal lhe provoca danos irreparáveis.
24. Que o imóvel ficou desvalorizado com as obras realizadas pela Autora”.
*
Da admissibilidade da ampliação do âmbito do recurso:

Vem a A/recorrida no final das suas contra-alegações requerer a ampliação do âmbito do seu recurso, nos termos e ao abrigo do disposto no artº 636º nº2 do CPC, aduzindo no mesmo várias considerações ao recurso interposto pelos recorridos e impugnando ainda os pontos 2), 19) e 31) da matéria de facto dada como provada, que considera incorrectamente julgada, pugnando pela sua alteração.

Ora, a primeira questão que se coloca é a da admissibilidade da ampliação do âmbito do recurso, nos moldes em que ela vem formulada.

Nos termos do nº 2 do artº 636º do CPC “pode ainda o recorrido, na respectiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas”, sendo da última parte do preceito que a recorrida se socorre para deduzir a ampliação do âmbito do seu recurso.
A previsão da norma transcrita traduz-se na possibilidade dada ao recorrido de, na respectiva alegação, e a título subsidiário, impugnar a decisão proferida sobre pontos concretos da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de triunfar a questão por aquele suscitada.
Pode, com efeito, acontecer que nem toda a matéria alegada pela parte vencedora, em apoio da sua pretensão, tenha sido considerada como provada pelo tribunal de 1ª instância, não obstante este ter entendido que a julgada como provada era suficiente à obtenção do efeito jurídico por aquela visado; ora, se o recorrente questionar esta suficiência – impugnando a matéria de facto dada como provada -, pode o recorrido, a título subsidiário – para o caso da procedência da impugnação do recorrente -, impugnar a decisão sobre o segmento da matéria de facto que o tribunal a quo considerou como não provado (ou não contemplada na matéria de facto provada, como é o caso dos autos).
Fazendo-o, deve, no entanto, concretizar os concretos pontos de facto que considere incorrectamente julgados, e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida, nos termos previstos no art. 640º nº 3 do CPC (cfr. Amâncio Ferreira, "Manual dos Recursos em Processo Civil", 4ª edição, Coimbra, 2003, pag. 146, e Ac STJ de 2.2.2006, disponível em www.dgsi.pt – reportando-se embora ao preceito anterior do CPC, mas em tudo idêntico ao actual 636º nº2).
Ou seja, recai sobre o recorrido, os mesmos ónus que recai sobre o recorrente – de indicar os meios de prova em que se baseia para fundamentar a sua discordância quanto à matéria de facto impugnada.
Ora, analisada a alegação da recorrida, verificamos que ela não cumpre, na pretendida ampliação do âmbito do seu recurso, os requisitos de ordem formal previstos no artº 640º do CPC quanto à impugnação da matéria de facto que pretende ver alterada, nomeadamente não indica, nem nas conclusões nem nas alegações de recurso os concretos meios probatórios em que se baseia – e que pretende ver reapreciados por este tribunal de recurso - para fundamentar a pretendida alteração da matéria de facto por ela impugnada, pelo que é de rejeitar, desde logo, aquela ampliação do âmbito do recurso.
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Da impugnação da matéria de facto (feita pela A):

Insurge-se a recorrente contra o ponto 34 da matéria de facto dada como provada – que pretende ver alterado no sentido por si indicado -, e contra o ponto 2 da matéria de facto dada como não provada – que pretende ver dado como provado -, alegando, no essencial, que da prova produzida resulta que as partes acordaram que as obras a realizar no imóvel arrendado seriam, no mínimo, no valor de € 25.000,00, cujo valor deveria ser reembolsado à A.

Analisada, no entanto, a pretensão deduzida nos autos pela A. – à luz da causa de pedir invocada -, constatamos que a matéria de facto impugnada em nada pode contribuir para a alteração da decisão final da causa.

Como bem sintetiza a recorrente nas conclusões 1 a 4 do seu recurso, na ação por si intentada pretendeu a mesma ver reconhecida a nulidade de um contrato de arrendamento celebrado entre as partes, por violação da forma, e consequentemente produzirem-se os efeitos da nulidade, decorrentes do artigo 289° nº 1 do Código Civil, nomeadamente que se restituísse tudo o que havia sido prestado, pagando os Réus à Autora a quantia de € 45.380,22, bem como compensando a mesma pelos danos patrimoniais causados, no montante de € 680,00, e pelos danos não patrimoniais, no valor de € 13 500,00, e ainda, reconhecer-se o direito de retenção sobre o imóvel, como garantia dos créditos reclamados.

Ou seja, embora a A. alegue, ao longo da petição inicial, os termos acordados com os RR no contrato de arrendamento verbal com eles celebrado -nomeadamente os relacionados com as obras que iria levar a cabo para exercer a sua actividade e a vinculação dos RR a reembolsá-la do valor das mesmas em caso de inutilização do imóvel por culpa a eles imputável -, acaba por invocar apenas, como causa de pedir da acção, a nulidade do contrato por vício de forma, e com base nela a pedir a devolução do que prestou – no caso, o valor das benfeitorias por si realizadas no imóvel arrendado -, que considera benfeitorias úteis -, invocando para o efeito o disposto nos artºs 289º nº3 e 1273º do CC.

E foi à luz da causa de pedir invocada e dos pedidos por si formulados que a acção foi decidida, sendo também à luz da decisão proferida que se há-de aferir da utilidade da apreciação da matéria de facto ora impugnada.

Ou seja, a impugnação da matéria de facto consagrada no artigo 640.º do CPC, visa, em primeira linha, alterar o julgamento feito sobre os factos que se consideram "incorrectamente julgados". Mas, esse expediente processual tem por fim último possibilitar ao recorrente – perante a alteração da matéria de facto decidida pelo tribunal recorrido -, obter um efeito jurídico diferente do que foi considerado por aquele tribunal; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduza a uma decisão diferente da anteriormente alcançada.

Dito de outro modo, o efectivo objectivo da impugnação da matéria de facto é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante. Se o facto ou factos a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", de todo irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.

Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente e que, por isso mesmo, colide com os princípios da celeridade, da limitação dos actos e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 130.º e 131.º todos do CPC.

Ora, como se disse, perante a causa de pedir invocada e os pedidos nela baseados (com base nos quais foi proferida a decisão ora impugnada), constata-se que a matéria de facto impugnada pela recorrente mostra-se de todo irrelevante para a decisão da causa, por ser irrelevante apurar o acordo das partes, firmado no contrato verbal celebrado, quanto ao reembolso das quantias despendidas pela A. com as obras realizadas.
Pois que, sendo a causa de pedir da acção a nulidade do contrato de arrendamento por vício de forma, e sendo os pedidos formulados, não os decorrentes do acordo das partes, mas os decorrentes da lei, mais concretamente os decorrentes dos artºs 289º nº3 e 1273º do CC – como a recorrente bem salienta nas conclusões 1ª a 5ª do seu recurso -, a matéria de facto por ela impugnada relacionada com os termos acordados pelas partes mostra-se de todo irrelevante para o desfecho final da ação.

Assim sendo, por absolutamente inútil, mostra-se desnecessária a apreciação, por este tribunal, da matéria de facto impugnada pela A.
*
Ainda relacionada com a impugnação da matéria de facto, alega a recorrente que “resulta inegavelmente dos Meios de Prova produzidos que o estado do imóvel não era bom, pelo que deveria o Tribunal a quo, na instrução do Tema de Prova constante do Ponto 11) (Saber se as obras realizadas e os equipamentos instalados pela Autora foram uma opção da Autora e não uma necessidade, considerando o estado do imóvel e mobiliário de que o mesmo dispunha) considerar provado que as obras realizadas nas portas, janelas e vidros, eram necessárias, porquanto o imóvel se apresentava em avançado estado de degradação.
Acontece que nesta parte o recurso da matéria de facto não pode ser admitido, porquanto a recorrente não cumpre os ónus que lhe são impostos pelo artº 640º nº1, alínea a) do CPC, ou seja, não especifica “os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados” – entre aqueles que o tribunal recorrido deu como provados e não provados -, o que implica, nos termos do nº 1 do preceito citado, a rejeição do recurso nessa parte.

Pois como é por demais sabido, no novo CPC – contrariamente ao que sucedia com a matéria de facto inserida na Base Instrutória do anterior CPC, que deveria conter, como previa a alínea e) do n.º 1 do artigo 508º-A e do artigo 511º, a matéria de facto relevante para a decisão da causa segundo as várias situações plausíveis da questão de direito, e sobre a qual iriam incidir as diligências instrutórias -, na enunciação dos temas da prova não se prevê a quesitação de cada um dos enunciados de facto controvertidos, mas tão-somente se aponta genericamente a controvérsia entre as partes sobre as matérias principais, deixando para a decisão final a descrição dos factos que, relativamente a cada grande tema, tenham sido provados ou não provados.
Ou seja, não obstante a redacção dada ao artigo 410º do novo CPC, nos termos do qual a instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha havido lugar a essa enunciação, os factos necessitados de prova, é sobre os factos constante dos articulados apresentados pelas partes que a produção de prova e respectivos meios incidirão, como se infere dos artigos 452.º, n.ºs 1 e 2, 454.º, 460.º, 466.º, n.º 1, 475.º, 490.º ou 495.º, n.º 1, do novo CPC, e não sobre os respectivos temas de prova enunciados.

São de igual modo os enunciados de factos, e não os temas de prova, que o artigo 607.º do novo CPC impõe que sejam discriminados e declarados provados e/ou não provados pelo julgador na sentença, sendo sobre estes factos que deverá incidir a impugnação da matéria de facto.

Ou seja, uma coisa são os temas de prova – que são apenas formulações genéricas, eventualmente conclusivas, sobre as questões que importa dilucidar na acção em sede de prova, quer alegados pelo A., quer pelo R -; outra bem diferente são os factos concretos que, na sentença final, têm de ser dados como provados para que a acção possa ser julgada procedente.

Na esteira do que se defende no Ac. do STJ de 13.11.2014 (acessível em www.dgsi.pt), perante uma enunciação puramente conclusiva dos temas da prova, cabe ao juiz, na fase de julgamento, ao considerar provada ou não provada a concreta matéria de facto a que eles se reportam, de especificar e densificar tal factualidade concreta, fundamentando a sua decisão, não podendo limitar-se a considerar provada ou não provada a matéria, puramente conclusiva, que na fase de saneamento e condensação havia sido enunciada.

Como se refere também na exposição de motivos da proposta de lei 113/XII/2ª, “(…) Relativamente aos temas de prova a enunciar, não se trata de uma quesitação atomística de pontos de facto, outrossim de permitir que a instrução, dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas excepções deduzidas, decorra sem barreiras artificiais, com isso se assegurando a livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa. Quando, mais adiante, o juiz vier a decidir a vertente fáctica da lide, aquilo que importará é que tal decisão expresse o mais facilmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos factos. Estamos perante um novo paradigma que, por isso mesmo, tem necessárias implicações, seja na eliminação de preclusões quanto à alegação de factos, seja na eliminação de um nexo directo entre os depoimentos testemunhais e concretos pontos de facto pré-definidos, seja ainda na inexistência de uma decisão judicial que, travando a vertente fáctica da lide, se limite a responder a questões até eventualmente não formuladas”.
Torna-se assim evidente que não serão os “temas de prova” - caso não sejam enunciados como factos concretos - que devem ser julgados provados ou não provados na sentença (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 238 e Ac RL de 29 de Maio de 2014, disponível em www.dgsi.pt), mas sim e apenas os factos articulados pelas partes.

E foi precisamente o que sucedeu in casu, em que o tribunal recorrido, embora baseado nos temas de prova enunciados, concretizou, na descrição dos factos provados e não provados, a matéria alusiva a cada um dos temas de prova (incluindo o tema de prova descrito em 11), sendo sobre essa factualidade concreta que a parte se poderia/deveria insurgir, em sede de impugnação da matéria de facto.

Ora, não indicando a recorrente qual ou quais os factos impugnados (de entre os que foram dados como provados e não provados), não pode este tribunal apreciar a matéria de facto pretendida impugnar, sendo de rejeitar o recurso da matéria de facto nessa parte.

Mas ainda que se considerasse a pretensão da recorrente na vertente da deficiência da matéria de facto – a merecer deste tribunal a sua ampliação nos termos e ao abrigo do disposto no artº 662º nº2, alínea c) do CPC (como o admite Abrantes Geraldes em “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2013, pág. 240) -, não invoca a recorrente qualquer facto por si alegado que traduza a pretensão ora deduzida: de que as obras realizadas nas portas, janelas e vidros eram necessárias, porquanto o imóvel se apresentava em avançado estado de degradação.

Pelo contrário, analisada a petição inicial apresentada pela A/recorrente, o que resulta da mesma é que a A. considera ter efectuado no imóvel apenas benfeitorias úteis – obras que aumentaram o valor do locado (artº 83º); em momento algum se referindo ao estado degradado do imóvel, nem que as obras por ela efectuadas se tenham destinado a impedir a sua degradação ou deterioração.

Assim sendo, também por esta vertente (de ampliação da matéria de facto) se mostraria improcedente a impugnação da matéria de facto nessa parte.
*
Ainda relacionada com esta questão dos temas de prova – que a recorrente situa ao nível da impugnação da matéria de direito – diz que o tribunal recorrido deveria formular temas de prova que não formulou, relacionados com o alegado enriquecimento sem causa dos RR, impedindo assim a A. de produzir prova sobre essa matéria, sendo certo que o tribunal recorrido viria, a final, a julgar improcedente a acção por falta de prova dos pressupostos faticos daquele instituto.

Mas sem razão, como passamos a demonstrar.
É certo que findos os articulados e proferido despacho saneador, quando a acção houver de prosseguir, o juiz profere despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas de prova (artº 596º nº1 do CPC), os quais delimitam a instrução da causa, garantindo às partes os princípios da prova e do respetivo contraditório.
Os temas de prova, como acima se disse, podem assumir um carácter genérico e até, por vezes, aparentemente conclusivo, mas devem ser balizados pelos limites que decorrem da causa de pedir e das excepções invocadas, nos exactos termos que a lide justifique.

Ou seja, os temas da prova enunciados pelo julgador derivam necessariamente da alegação das partes, nos termos definidos pelo artigo 5.º do novo CPC, seleccionados em função do objecto do litígio que haja sido definido, com respeito pelo princípio do dispositivo - ainda vigente na actual lei processual -, pois não obstante o novo CPC não lhe fazer qualquer referência expressa, ele continua a ser uma regra basilar, traduzindo-se na liberdade das partes – mas também na sua responsabilização -, quanto à propositura da acção e quanto aos limites do seu objecto, definidos pela causa de pedir e pelos pedidos e pelas excepções deduzidas.
Corolários deste princípio (do dispositivo) encontram-se no artigo 3.º, n.º 1 do CPC, onde se estatui que “O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição”, e ainda no artigo 5.º, n.º 1 que estabelece que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.”

Ou seja, às partes continua a caber a alegação dos factos essenciais ou principais - causa de pedir e excepções – cabendo depois, quer ao juiz, quer às partes, se necessário, a aquisição para o processo, dos factos instrumentais e/ou dos factos complementares ou concretizadores dos factos essenciais, nos termos previstos no artº 5º nº 2, alíneas a) e b) do CPC.

Aliás, como decorre do disposto na alínea d) do nº1 do artº 552º do CPC, o A. deve alegar na p.i. os factos essenciais ou principais que constituem a causa de pedir da ação, devendo o R., por sua vez, deduzir toda a sua defesa na contestação, o que significa que também o réu está obrigado a alegar nessa peça processual os factos essenciais que consubstanciam as excepções, conforme decorre dos artigos 572.º, al. c) e 573.º, n.ºs 1 e 2, ambos do novo CPC.

Resulta assim do exposto – e em jeito de conclusão - que de acordo com o artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPC, os factos instrumentais e os factos complementares e/ou concretizadores (dos factos essenciais) podem ser adquiridos para o processo mediante a alegação das partes ou da iniciativa oficiosa do juiz até ao encerramento da discussão (momento que se encerra a instrução do processo), mas os factos essenciais ou principais têm de ser alegados na fase inicial, nos articulados, quer pelo A., quer pelo R.

É precisamente com vista a assegurar que a instrução decorra sem limites artificiais, balizada apenas pelos limites que resultam da causa de pedir e das excepções deduzidas, que se estatui no nº 1 do art. 5º do actual C.P.C que o ónus de alegação que impende sobre as partes se restringe aos factos essenciais que constituem a causa de pedir e àqueles em que se baseiam as excepções invocadas, e que se estipula também no nº 2 do mesmo preceito que os poderes de cognição do tribunal não se circunscrevem aos factos originariamente alegados pelas partes, já que também devem ser considerados pelo juiz os factos que resultem da instrução da causa, quer sejam instrumentais, quer sejam complemento ou concretização dos alegados, exigindo-se apenas, quanto aos últimos, que as partes hajam tido oportunidade de se pronunciar sobre os mesmos.

Por isso, como refere Lebre de Freitas (Sobre o novo Código de Processo Civil – Uma visão de fora, pág. 19, in http://cegep.iscad.pt/images/stories) a “prova continuará a incidir sobre os factos concretos que constituem, impedem, modificam ou extinguem o direito controvertido, tal como plasmados nos articulados (…), bem como sobre os factos probatórios de onde se deduza, ou não, a ocorrência destes factos principais e sobre os factos acessórios que permitam ou vedem esta dedução, uns e outros denominados como factos instrumentais”, fazendo-se “uma livre investigação e consideração de toda a matéria com pertinência para a decisão da causa, sem uma prévia definição do que é a matéria relevante para essa mesma decisão da causa, sem que, contudo, se tenha deixado de fixar, dentro dos limites definidos pela causa de pedir”, devendo a decisão “incluir todos os factos relevantes para a decisão da causa, quer sejam os principais (dados como provados ou não provados), quer sejam os instrumentais, trazidos pelas partes ou pelos meios de prova produzidos, cuja verificação, ou não verificação, leva o juiz a fazer a dedução quanto à existência dos factos principais”.

Ora, se é incontroverso que a enunciação dos temas de prova visa delimitar o âmbito da instrução, para que ela se efectue dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas excepções deduzidas, assegurando uma livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa, daí resulta que a instrução continua a ter por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova, tal como plasmados nos articulados.
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Ora, à luz do que acaba de expor-se não tem fundamento legal a pretensão da A/recorrente em ver acrescentado aos temas de prova formulados um tema de prova sobre matéria de facto não alegada – nem essencial nem de qualquer outra ordem –, relacionada com o instituto do enriquecimento sem causa dos RR.

Concretizando o afirmado, constatamos que a A. começa por invocar na sua petição inicial um acordo verbal celebrado com os RR (de contrato de arrendamento para fim não habitacional, com prazo certo e opção de compra) relacionado com um imóvel de que aqueles eram proprietários e que a A. pretendia destinar a uma outra actividade distinta da que os RR vinham exercendo no imóvel, alegando os termos do acordo verbal celebrado.
Mais refere que em finais de Junho de 2013 o 2º R. lhe entregou as chaves do imóvel para que ela pudesse iniciar as obras (artº 13º), descrevendo depois as obras realizadas e respectivos valores (artºs 15º a 22º).

Depois de explicar o acordo celebrado com os RR (e os motivos pelos quais o mesmo não foi formalizado – artºs 30º a 71º), acaba por concluir pela invalidade – nulidade – do negócio celebrado, por vício de forma, e pede a restituição de tudo o que havia prestado (artºs 72º a 76º).
E depois nos artºs 77º e ss. diz que, de harmonia com o contrato nunca formalizado e por isso nulo, ficou autorizada a fazer no locado obras necessárias ao bom funcionamento da actividade a nele exercer, ou seja, a exploração de um alojamento turístico em espaço rural, com serviço de restaurante, café e bar, que ascenderam a € 45.380,22, (artº 78º), obras essas que classifica como benfeitorias úteis (artº 83º), dizendo, de forma expressa naquele artº 83º que “No caso em apreço somos de entendimento que estamos perante benfeitorias úteis, que aumentaram em grosso modo o valor do imóvel, pelo que a este respeito a norma que rege é a do artº 289º nº 3 do CC, sem prejuízo da aplicação da figura do enriquecimento sem causa, nos termos dos artºs 473º e 479º do CC”.
Ou seja, alega a recorrente que efectuou obras no imóvel – que descreve e quantifica em termos de valores – as quais, segundo alega, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentaram o valor (artº 82º), referindo-se depois ao dever de ser reembolsada do valor das mesmas, apelando ao instituto do enriquecimento sem causa. Refere-se no entanto tão somente aos preceitos legais relativos a esse instituto, sem alegação de qualquer facto relacionado com o seu empobrecimento e com o enriquecimento dos RR.

Assim sendo, não tendo sido alegado qualquer facto relacionado com o instituto em causa, não poderia o tribunal recorrido formular sobre tal questão qualquer tema de prova - inexistindo também qualquer nulidade formal da decisão recorrida ao assim proceder, contrariamente ao defendido pela recorrente -, improcedendo nessa medida a pretensão da recorrente de ver anulada a decisão e a repetição do julgamento para ser formulado novo tema de prova e para poder produzir prova sobre aquela matéria - não alegada.

Aliás, a falta de fundamento da pretensão deduzida era já do conhecimento da recorrente na data da elaboração do despacho proferido (a fixar o objecto do litígio e a enunciar os temas de prova), pois que sobre o mesmo não fez recair qualquer reclamação (nem sugeriu qualquer alteração), o qual, nessa medida, transitou em julgado findo o prazo (de 10 dias) para a sua reclamação, nos termos e ao abrigo do disposto no artº 628º do CPC.
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Da impugnação da matéria de facto (pelos RR reconvintes):

Insurgem-se também os RR/reconvintes contra os pontos 35 e 44 da matéria de facto provada – cuja redacção pretendem ver alterada -, e contra os pontos 14, 21 e 22 da matéria de facto não provada – que pretendem ver eliminada ou dada como provada -, dizendo que a prova documental existente nos autos, assim como a prova testemunhal que indicam, permitem alterar essa matéria de facto.

Consta daqueles primeiros factos o seguinte:

“35 - Na data do acordo referido em 1) (Junho de 2013) existia no prédio algum mobiliário funcional, bem como quadro elétrico, instalações elétricas, canalizações e ar condicionado”.
“44 - Quando a chave do imóvel foi entregue à Autora, com exceção do referido em 36) o mesmo encontrava-se funcional”.

Pretendem os recorrentes que dos pontos da matéria de facto mencionados fique a constar – em vez da referência a que o mesmo se encontrava funcional - uma referência expressa ao inventário do recheio do imóvel, com base no documento junto aos autos pela recorrida com a petição inicial (a fls.126 a 136) e não impugnado pelos RR.
Diz que tal realidade também se afere pelos depoimentos dos recorrentes, Manuel e Manuela, bem como da testemunha Conceição.
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E temos de dar razão aos recorrentes nesta parte, desde logo porque a expressão usada nos pontos 35º e 44º é meramente conclusiva, o que vai contra o disposto no artº 607º nº4 do CPC.

Efectivamente, como tem sido entendimento unânime na doutrina e na jurisprudência, apenas são factos "as ocorrências concretas da vida real", isto é, os "fenómenos da natureza ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens" (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 1950, pág. 209) e à matéria de facto somente podem ser levados factos; os juízos de equidade, de valor ou conclusivos que, porventura, se devam formular para efeitos da decisão de direito, só serão feitos aquando da aplicação do direito.
Assim sendo, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica que constarem da selecção da matéria de facto devem considerar-se não escritas. Isto no entendimento, cremos que pacífico, de que embora o NCPC não contenha norma correspondente à inserida no art. 646º, n.º 4, 1.ª parte, do anterior CPC, chega-se à mesma conclusão interpretando a contrario sensu o actual art. 607.º, n.º4, segundo o qual na fundamentação da sentença o juiz declara apenas os "factos" que julga provados.

Nessa perspectiva, as expressões usadas nos artºs 35º e 44º - de que o imóvel e o mobiliário nele existente se encontrava funcional -, porque meramente conclusivas, devem considerar-se não escritas e substituídas pela referência apenas ao inventário junto aos autos a fls. 126 a 136 (facto aludido pela A. no artº 52º da p.i. e na minuta do contrato de arrendamento que enviou aos RR, como anexo IV, e pelos RR/reconvintes no artº 173º da contestação), sendo com base nesse inventário que se aferirá, a final, se o imóvel e o seu recheio se encontrava ou não funcional.

Assim sendo, a redacção dos artºs 35º e 44º deverá passar a ser a seguinte:

"35 - Na data do acordo referido em 1) existia no prédio o mobiliário constante do inventário de fls. 126 a 136, bem como quadro eléctrico, instalações eléctricas, canalizações e ar condicionado".
"44 - Quando a chave do imóvel foi entregue à Autora, com exceção do referido em 36), nele encontrava-se tudo o que consta do inventário de fls. 126 a fls. 136".
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Insurgem-se também os recorrentes contra os pontos 14, 21 e 22 da matéria de facto não provada, da qual consta o seguinte:

Não se provou:

14. Que as obras de carpintaria estão mal feitas, tornando-se necessário corrigi-las na totalidade”.
21. Que o imóvel apresenta uma imagem de degradação e abandono”.
22. Que a Ré Rosa sente profunda vergonha perante os vizinhos, conterrâneos e amigos, quer locais quer de fora, por lhes apresentar a sua propriedade com péssima imagem”.
Alegam os recorrentes que atento o teor do relatório de peritagem junto aos autos a fls. 460 a 481 (e esclarecimentos de fls. 489) sobre os trabalhos inacabados de carpintaria, deveria ser eliminado o ponto 14 da matéria de facto não provada e dar-se como provado o seguinte: "Quanto às obras de carpintaria, estão inacabados os apainelados de vãos exteriores do primeiro piso", dando-se-lhe o número sequencial.

Mas não cremos que lhes assista razão.

Consultado o relatório pericial junto aos autos (de fls. 460 a 481) do mesmo consta, a fls. 474, em resposta ao ponto 6) - no qual se questionava se “As obras de carpintaria realizadas pela A. estão incompletas e não se encontram bem executadas” -, que existem trabalhos de carpintaria que estão inacabados (conforme o atestam as fotografias nºs 36 e 37 constantes de fls. 475), nomeadamente os apainelados de vãos exteriores do primeiro piso. Mas acrescentam os srs. Peritos que desconhecem se tais trabalhos foram realizados pela A. ou não.

Ora, analisadas as fotos de fls. 475, o que se verifica é que a madeira dos referidos “apainelados dos vãos das janelas”, se apresenta bastante deteriorada/gasta, sem sinais de ter sido intervencionada -, facto confirmado também pela testemunha M. G. e pelos próprios peritos nos esclarecimentos prestados, de que essa deterioração é de há mais de 3 anos – e daí a dúvida consignada na resposta ao ponto 6, sobre se houve intervenção da A. ou não, ao nível dos apainelados das janelas.
Conclui-se assim do exposto que não existe prova segura, quanto às obras de carpintaria, de que tenha havido intervenção da A. nos apainelados dos vãos exteriores das janelas do primeiro piso, e que a mesma tenha deixado essa obra inacabada (sendo esse o sentido que os recorrentes pretendem ver dado ao facto a acrescentar à matéria de facto provada).

Assim sendo, consideramos ser de manter a resposta de não provado ao ponto 14.
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Quanto ao facto não provado sob o n° 21 – “Que o imóvel apresenta uma imagem de degradação e abandono” – e que os recorrentes pretendem ver dado como provado –, consideramos que se trata de matéria meramente conclusiva, insusceptível de ser levada à matéria de facto provada, nos termos previstos no artº 607º n.º4 do CPC, pelo que damos aqui por reproduzidas as considerações acima tecidas a propósito dos pontos 35º e 44º da matéria de facto provada.
Improcede, assim, sem mais, esta pretensão dos recorrentes.
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Relativamente ao facto dado como não provado em 22, dizem os recorrentes que o mesmo se encontra em contradição com os pontos 47 e 48 da matéria de facto provada, pelo que deveria o mesmo ser eliminado.

Começamos por dizer que o dar-se um facto como não provado é considerar o mesmo como inexistente juridicamente, sem qualquer relevância na apreciação da causa. Por isso, eliminá-lo da matéria de facto não provada – seja por que motivo for – revela-se inócuo para o desfecho final da acção, tudo se passando como se aquele facto não tivesse sido sequer articulado (cfr. Abrantes Geraldes “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Vol, 4ª ed., 221 e, entre outros, os Acs. do STJ de 6.6.2000 e de 29.10.2002: Sumários 42º-11 e 10/2002) não podendo ele interferir com a restante factualidade, nomeadamente a dada como provada.
Sempre se dirá, no entanto, que analisados os factos mencionados, não existe qualquer contradição entre eles, pelo que improcede também nesta parte a pretensão dos recorrentes.
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Concluímos assim do exposto que a decisão da matéria de facto deve ser mantida (com exceção da alteração da redacção dos pontos 35 e 44 da matéria de facto provada), sendo à luz da mesma que irão ser apreciadas as questões jurídicas colocadas nos autos pelos recorrentes.
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Das benfeitorias efectuadas pela A. no imóvel arrendado:

Como decorre do acima exposto, a A. alega na petição inicial que efectuou obras no imóvel arrendado aos RR – os quais lhe entregaram para o efeito as chaves daquele -, que lhe aumentaram o valor, qualificando as mesmas como benfeitorias úteis, com direito a ser delas indemnizada, nos termos e ao abrigo do disposto no artº 1273º do CC, ex vi do artº 289º nº 3 do mesmo diploma legal.
Na decisão recorrida as obras efectuadas pela A no imóvel foram consideradas apenas voluptuárias (efectuadas para recreio apenas do seu autor), discordando a A dessa qualificação.

E temos de concordar com a recorrente.

Pedia a Autora na acção a condenação dos Réus a pagar-lhe a quantia de €45.380,22, referente a benfeitorias que realizou no imóvel, tendo logrado provar a esse respeito que nos finais do mês de Junho de 2013 iniciou as referidas obras, que consistiram: na estucagem no alojamento turístico, no restaurante, no café e no bar; na pintura; na substituição do mobiliário do restaurante, com renovação da decoração do mesmo; na montagem e instalação eléctricas, de climatização e de canalizações; na realização de obras de carpintaria; na instalação de um equipamento informático; e na aplicação de caixilharia em alumínio, vidros duplos, janelas, portas e uma antecâmara em vidro temperado/laminado para a entrada do restaurante, tendo despendido com a estucagem (materiais e mão de obra), € 2.500,00; no mobiliário e decoração de interiores, € 11.844,25; na reparação, montagem e instalação de climatização e canalizações, € 751,74; na realização de obras de carpintaria, nomeadamente reparação de portas, fornecimento e colocação de peças de aro e calhas com acessórios, fechaduras e conchas, fornecimento e colocação de rodapés, € 806,88; em equipamentos informáticos e respectivos softwares, € 1.346,85; na fabricação e instalação de portas, janelas e elementos similares em metal e vidro, € 15.854,50; em tintas, vernizes e produtos similares € 933,00; e em trabalhos de construção civil e de electrificação, €11.343,00.
Ou seja, como bem se refere na decisão recorrida, não há quaisquer dúvidas de que a Autora procedeu à realização de obras e aquisição de materiais para o imóvel, e por isso realizou benfeitorias, sendo consideradas como tal - nos termos previstos no artigo 216º nº 1 do CC -, todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa, sendo necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam o seu valor; e voluptuárias as que não sendo indispensáveis para sua conservação nem lhe aumentando o seu valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.
No entanto, considerou-se na decisão recorrida que “de acordo com a matéria de facto apurada, na data do acordo existia no prédio algum mobiliário funcional, bem como quadro eléctrico, instalações eléctricas, canalizações e ar condicionado; quando a chave do imóvel foi entregue à Autora o mesmo encontrava-se funcional. O imóvel possuía portas, janelas e vidros, as portas e janelas antigas eram em madeira respeitando a traça tradicional e regional, e o estado das mesmas não era compatível com a actividade que a Autora pretendia desenvolver no imóvel, designadamente de alojamento turístico em espaço rural. Por outro lado, a caixilharia de alumínio e a antecâmara de vidro que a Autora colocou são passíveis de ser removidas, mas a remoção da caixilharia de alumínio acarreta prejuízo ao imóvel”.
E com base nessa matéria de facto concluiu-se que as obras realizadas não eram, nem benfeitorias necessárias – pois não resulta que qualquer das obras levadas a cabo tenha sido destinada a evitar a perda, deterioração ou destruição da coisa -, nem benfeitorias úteis, dizendo-se que não ficaram demonstrados factos que permitam concluir que as obras realizadas pela Autora tenham aumentado o valor do imóvel, acrescentando que, apesar de resultar provado que a Autora realizou determinadas obras e o valor das mesmas, não ficou demonstrado se foi efectivamente acrescentado valor por tais obras ao imóvel (sendo certo que a Autora nem sequer concluiu parte das obras), não se podendo concluir por si só do valor da obra, que acrescentou valor ao imóvel.
E conclui estarmos apenas perante benfeitorias voluptuárias.
Começamos por dizer que contrariamente ao afirmado na decisão recorrida, ficaram demonstrados factos que permitem concluir – ou a partir dos quais é permitido concluir, por presunção judicial -, que algumas das obras realizadas pela Autora aumentaram efectivamente o valor do imóvel, e que não podem dele ser retiradas sem a sua danificação.
A tal conclusão se chega a partir dos factos conhecidos, provados em 4 - A Autora procedeu a estucagem no alojamento turístico, no restaurante, no café e bar, bem como à pintura -; em 5 - Procedeu à substituição do mobiliário do restaurante, renovando a decoração do mesmo -; em 6 - Procedeu à montagem e instalação eléctricas, de climatização e de canalizações e à realização de obras de carpintaria -; em 7 - Procedeu à instalação de um equipamento informático -; e em 8 - procedeu à aplicação de caixilharia em alumínio, vidros duplos, janelas, portas e uma antecâmara em vidro temperado/laminado para a entrada do restaurante, chegamos à conclusão de que tais obras aumentaram o valor do imóvel – presumindo-se que tais obras aumentaram o valor do imóvel.
Efetivamente, o art.º 351.º do CC prevê expressamente a possibilidade do juiz estabelecer presunções judiciais - admitidas embora apenas nos casos em que é admitida a prova testemunhal e, à semelhança desta prova, depende apenas da convicção do julgador -, o qual a retira dos factos provados.
As presunções judicias são assim ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art.º 349.º do Código Civil); são conclusões que o juiz extrai, tendo por fundamento matéria de facto - provada, notória ou de conhecimento oficioso -, e que tem apenas como limite a existência de um facto não provado sobre o qual recaiu a respectiva prova. Efetivamente, se a presunção judicial constitui uma das formas lícitas do julgador extrair conclusões e proferir uma decisão de mérito que salvaguarde a verdade material e a justiça do caso concreto, a jurisprudência tem entendido que não se pode suprir por via da presunção judicial a carência de prova dum facto sujeito a julgamento, pois tal constituiria violação do princípio do dispositivo (com exceção do facto a provar integrar matéria de direito, insusceptível de prova, caso em que nada impede a referida presunção - cfr. neste sentido o Ac. STJ de 29.11.2005, disponível em www.dgsi.pt.).
Dentro dos limites referidos, é lícita a utilização pelo julgador da presunção judicial, para concluir a verificação de um facto desconhecido (presumido) a partir de um facto conhecido, servindo-se apenas para esse fim das regras da experiência da vida, segundo o padrão de um "homem médio".
Como ensina Manuel de Andrade (“Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, pág. 215) a prova por presunções é “a prova por indução ou inferência (prova conjetural) a partir dum facto provado por outra forma …”.
Nos dizeres de Lopes Cardoso (in Revista dos Tribunais, 86.º-112) “…ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é consequência de outro". Aliás, sem a utilização dessas presunções seria impossível, em muitos casos concretos, fazer justiça, na sua asserção de efectivação da verdade material (Ac STJ, de 7.12.2005, disponível em www.dgsi.pt).

Assim, o seu funcionamento depende de estarem assentes determinados factos, que são a sua base, a partir dos quais se conclui pela verificação de outros. Trata-se de situações em que, num quadro de conexão entre factos, uns provados e outros não provados, a existência dos primeiros, com considerável grau de probabilidade, segundo a experiência comum, juízos correntes de probabilidade, princípios de lógica corrente e os dados da intuição humana, fazem admitir a existência dos últimos.

Daí que, ao proferir a sentença, e na sua fundamentação, o juiz deva tomar em consideração os factos admitidos por acordo, os provados por documento ou confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência (art.º 607º nº 4 do CPC).
Ou seja, na construção da sentença, num primeiro momento o tribunal formula um juízo sobre as provas e os factos que demonstram - o juiz declara os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos decisivos para a sua convicção (artº 607º, nº4, 1ª parte, do CPC); num segundo momento, o tribunal formula um juízo sobre os factos e as presunções que a partir deles seja lícito extrair.
E estes processos lógicos podem ser feitos, quer na 1ª instância, quer no tribunal da Relação, em sede de recurso, nos termos e ao abrigo do disposto no artº 607º nº 4, in fine, por remissão expressa do artº 663º nº2 do CPC (entendimento que tem sido sufragado pelo Supremo, no sentido de que a Relação pode tirar as suas próprias conclusões, recorrendo a presunções judiciais) – pelo que não estamos impedidos de, a partir dos factos provados, extrair deles as necessárias conclusões.
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Ora, volvendo ao caso dos autos, e considerando os factos provados de 4 a 8 - as obras efectuadas no imóvel – assim como as despesas tidas pela A. na realização das mesmas - presume-se, através das regras da experiência e do normal acontecer, que tais obras aumentaram o valor do imóvel. Ou seja, se houve renovação da estucagem e da pintura do mesmo, quer no alojamento turístico, quer no restaurante e bar, o prédio ficou valorizado com as obras efectuadas; se houve substituição do mobiliário do restaurante, da instalação eléctrica, do quadro eléctrico e das canalizações e ar condicionado, assim como das portas e janelas, essa renovação e melhoramento aumentou (necessariamente) o valor do imóvel.

Aliás, se indagarmos da existência dos bens existentes no imóvel na data do contrato – e no início das obras levadas a cabo pela A -, dos mesmos consta que no imóvel existiam apenas os bens constantes do inventário de fls. 151 e ss., constando como mobiliário do restaurante apenas 6 mesas, uma cadeira de bébé e um ar condicionado, pelo que, pelo menos as cadeiras adquiridas pela A. para o restaurante aumentaram o valor daquele mobiliário.

Por outro lado, não consta daquele inventário a existência de ar condicionado em todas as divisões do imóvel, nomeadamente nas casas de banho dos 6 quartos, no corredor, no armazém, na receção, na lavandaria, no bar, nem nas casas de banho públicas, pelo que a instalação de ar condicionado em todo o imóvel foi um valor acrescentado para o mesmo, assim como a instalação eléctrica e respectivas canalizações. E o mesmo se passa com o sistema informático (que não tinha e passou a ter).
Ficou também provado que o imóvel possuía portas, janelas e vidros, sendo as portas e janelas antigas em madeira, respeitando a traça tradicional e regional, tendo a A. procedido à aplicação de caixilharia em alumínio, vidros duplos, janelas, portas e uma antecâmara em vidro temperado/laminado para a entrada do restaurante. Ora, não é difícil concluir que esta caixilharia em alumínio – a substituir a de madeira – assim como a colocação de vidros duplos, sendo o vidro da antecâmera do restaurante temperado/laminado, aumentaram o valor do imóvel.

A conclusão a tirar – por presunção judicial - é sem dúvida a de que as obras realizadas aumentaram o valor do imóvel, pelo que haverá que concluir que, contrariamente ao decidido na 1ª instância, estamos perante benfeitorias úteis e não voluptuárias.
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Resta-nos agora apurar se elas são indemnizáveis ou não.

Segundo o nº1 do artº 1273º do CC (ex vi do artº 289º nº3 do mesmo diploma legal), “Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela”, acrescentando o nº 2 do mesmo preceito legal que “Quando, para evitar o detrimento da coisa não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa”, o que nos reconduz ao disposto no artº 479º do CC, intitulado “Objeto da obrigação de restituir”, no qual se prevê, no seu nº 1, que “A obrigação de restituir fundada em enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”, acrescentando-se no seu nº 2, que “A obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos nas duas alíneas do artigo seguinte” (data da citação judicial para a restituição, e data do conhecimento, por parte do enriquecido, da falta de causa do seu enriquecimento).
Ora, analisadas as obras realizadas pela A., verificamos que algumas delas podem ser levantadas sem detrimento da coisa, assistindo assim à A. o direito a levantá-las – tanto mais que estava de boa fé, pois foi autorizada a fazê-las.
A questão coloca-se quanto ao valor indemnizatório daquelas obras que não podem ser levantadas sem o detrimento da coisa como é o caso das caixilharias de alumínio, pois que de acordo com a matéria de facto provada, a caixilharia de alumínio e a antecâmara de vidro são passíveis de ser removidas, mas a sua remoção acarreta prejuízo ao imóvel.
A lei diz que esse valor deve ser calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa – ou seja, o valor que o titular do direito obteve à custa do realizador das obras (no caso, o valor correspondente delas)
Nesta matéria, concluiu o tribunal recorrido que não havia lugar a qualquer indemnização - em face do instituto do enriquecimento sem causa (artigo 473º do Código Civil) -, pois que para tanto seria necessário poder o tribunal concluir que o empobrecimento da Autora (no montante das despesas que teve com a sua realização) teve como correspectivo o aumento do valor do imóvel (e assim o enriquecimento dos Réus) o que não ficou demonstrado.

Mas também aqui não podemos concordar com o decidido.

É certo que a A. apenas alegou nessa matéria que efectuou as obras e que teve gastos com as mesmas, dos quais pretende ser ressarcida segundo as regras do enriquecimento sem causa, sem concretizar, como devia, qual foi o enriquecimento dos RR com as obras realizadas – e que pode não ser coincidente com o valor nelas despendido.

Mas o que é certo é que alegou e logrou provar dois factos essenciais: que realizou as obras e qual o gasto que teve com elas.
Ora, nesta matéria, e recorrendo, uma vez mais, à presunção judicial, podemos concluir com segurança, a partir dos factos conhecidos – de que foram colocadas caixilharias e vidros novos nas janelas e portas e na antecâmara do restaurante e que nessas obras a A. despendeu a quantia de € 15.854,50 –, o facto desconhecido, ou seja, que o enriquecimento dos RR foi o do valor das obras realizadas pela A. (valor que teria de despender para as realizar), sendo o empobrecimento da A. o desse mesmo valor.
Parece poder concluir-se assim, à luz das regras da experiência e das normais decorrências da vida, que o imóvel ficou valorizado com a caixilharia nova que a A. lhe colocou, pois que o imóvel possuía portas, janelas e vidros é certo, mas eram antigas, em madeira, e os vidros das mesmas simples, tendo a A. procedido à aplicação de caixilharias em alumínio nas portas e janelas – material mais resistente e isolante -, e vidros duplos, sendo os vidros da antecâmara para a entrada do restaurante temperado/laminado, o que oferece maior isolamento e durabilidade que o vidro normal.
Ou seja, uma vez mais, podemos concluir – recorrendo a presunções judicias – que houve um enriquecimento dos RR à custa do empobrecimento da A., na medida do valor por ela gasto com a substituição das portas e janelas antigas por novas, pelo que deverão os RR indemnizar a A. no valor correspondente, de € 15.854,50.
Procede, assim, ainda que apenas em parte, a pretensão dos recorrentes.
*
Quanto ao direito de retenção da A. sobre o prédio:

Conferido à A. o direito de ser indemnizada por algumas das benfeitorias úteis realizadas no imóvel, cumpre aferir se assistia à A. o direito de retenção do imóvel pelo crédito de benfeitorias, dispensando-a de efectuar o pagamento aos RR do valor em que foi condenada, pela manutenção do imóvel na sua posse.
Consta a este respeito na decisão recorrida: “No que toca ao pagamento da quantia de €11.400,00, a título de danos patrimoniais decorrentes de estarem privados do imóvel desde finais de Junho de 2013, importa considerar que resulta demonstrado ter sido acordado que a Autora pagaria de renda mensal a quantia de € 600,00 mensais a partir de Janeiro de 2014. Não tendo sido reduzido a escrito o contrato de arrendamento, o mesmo é nulo pelo que não há lugar ao pagamento de renda mas tal não significa que não seja devida uma compensação pela ocupação que seja feita do imóvel enquanto não for restituído, sendo adequado fixar tal compensação no mesmo valor da renda que seria devida no pressuposto da validade do contrato. Assim, e considerando o período de Janeiro de 2014 em diante, pois que antes não era devido qualquer valor, e o valor mensal de € 600,00 deverá a Autora ser condenada a pagar a quantia de €11.400,00”.
Ou seja, considerou-se na decisão recorrida que a detenção do imóvel pela A, de Janeiro em diante – até à data da Reconvenção -, dava direito aos RR a uma indemnização, pelo período em que estiveram privados do bem e de poder dele usufruir, a título de compensação pela referida privação.
Ora, considera a A. que detendo ela um direito de crédito sobre os recorridos – pelas benfeitorias realizadas no imóvel –, era legítima a retenção que fez dele enquanto não lhe fosse pago aquele crédito, pelo que não deveria ser condenada, como foi, a compensar os RR pela sua privação.

E com razão adiantamos já, embora apenas em parte.

O artº 754º do CC prevê que "o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados", considerando-se que o direito a benfeitorias se inclui nas despesas realizadas na coisa e por causa dela (Acs RC de 15-03-2011, de 13-09-2011 e de 10-02-2015, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Ora, quem, como o possuidor/arrendatário detém uma coisa alheia e possui “um crédito contra o seu credor por despesas com a dita coisa”, é razoável que tenha a faculdade de a reter enquanto esse crédito não lhe for satisfeito, sendo que, em regra, tal crédito resulta de despesas com benfeitorias necessárias ou úteis, não sendo pois justo que o autor dessas despesas, com as quais se conservou ou aumentou o valor da coisa, se veja obrigado a entregar a coisa e a concorrer com os demais credores para se pagar pelo preço dela – dar-se-ia um locupletamento à custa alheia se tal se admitisse.
A lei confere-lhe, nesse caso, um direito real de garantia, consagrado no artº 754º do CC, com o âmbito consagrado no artº 759º - de ser pago, preferencialmente sobre os demais credores.

Agora, esse direito real de garantia, associado que está ao direito de crédito respectivo, só existe com a constituição daquele e no momento em o mesmo se constitui.
Ou seja, a lei refere-se à constituição do crédito do devedor e ao direito de retenção como direitos simultâneos, em que a constituição do crédito dá lugar, de imediato, à constituição do direito de retenção (ao direito real de garantia sobre esse crédito), surgindo ambos na esfera jurídica do credor ao mesmo tempo, um dando lugar ao outro.
Ora, o direito de crédito da A. sobre o valor das benfeitorias não surgiu no momento em que ela teve as despesas com a coisa (no momento do seu empobrecimento), mas apenas no momento do enriquecimento dos RR – momento em que a A. adquiriu o direito a ser pago delas -, indicando a lei esse momento no nº 2 do artº 479º do CC: “A obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento, à data da verificação de algum dos factos referidos nas duas alíneas do artigo seguinte” (data da citação judicial para a restituição, e data do conhecimento, por parte do enriquecido, da falta de causa do seu enriquecimento).

Ou seja, de acordo com o preceito legal citado, o dever de restituir – e o consequente direito de crédito do empobrecido -, só surge nas datas assinaladas, sendo apenas em alguma delas que se apura a medida do valor da restituição.

No caso dos autos, desconhecendo-se a data em que os RR – os enriquecidos – tomaram conhecimento da falta de causa do seu enriquecimento (inexistindo qualquer facto nos autos nesse sentido ou que comprove que eles tenham sido interpelados pela A. para a restituição), essa data tem-se como fixada apenas na data da citação judicial para a restituição (do valor das benfeitorias).
Só nessa data, que no caso em análise ocorreu comprovadamente em 15.4.2014 – data dos A/R juntos aos autos a fls. 208 e ss, comprovativos da citação dos RR para a acção -, em que se pede a restituição, é que surge o direito de crédito da A. e o correspectivo direito de retenção, o que significa que o direito de retenção da A. sobre o imóvel só se mostra legitimado a partir daquela data – a da citação dos RR para a restituição do valor das benfeitorias.
Isso significa que o direito dos RR de serem indemnizados pela retenção ilícita do imóvel pela A. apenas existiu relativamente ao período de tempo anterior àquele - de Janeiro de 20014 até 15.4.2014 –; daí em diante, assistindo à A. o direito de retenção sobre o imóvel, por ser credora do direito a benfeitorias nele realizadas, não recai sobre a mesma o dever de compensar os RR pela retenção – lícita – do mesmo.

Assim sendo, essa indemnização deverá quedar-se no valor de € 2.100,00, (€ 600.00 x 3 meses e meio).
É certo que decorre do artº 759º do CC que o direito de retenção não equivale ao direito de gozar a coisa ou de retirar dela os seus proveitos, prevendo-se mesmo no artº 671º alínea b) do CC (aplicável por remissão expressa do artº 759º nº3), como um dos deveres do credor pignoratício, o de “Não usar dela sem o consentimento do autor do penhor, exceto se o uso for indispensável à conservação da coisa” – o que significa que o direito de retenção não confere ao seu titular o direito de gozar livremente a coisa retida sem qualquer contrapartida, podendo a detenção dar lugar, caso tal aconteça, ao dever de indemnizar o dono dela pelo seu uso, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa (Antunes Varela, RLJ, 119º, págs. 204 e ss. e ac do STJ de 07.10.1982, in RLJ, 119º, pág. 184).
O ius retentionis constitui (apenas) uma garantia do crédito do retentor (com os poderes dimanados dos art.ºs 754º, 758º e 759º, do CC), além de funcionar também para aquele como uma causa legitimadora do não cumprimento da obrigação de entrega da coisa.
Por isso a jurisprudência tem convergido no sentido de que ao credor, munido do direito de retenção, não é lícito, para além de a reter, de gozar também a coisa, tirar dela gratuitamente todas as utilidades que ela pode proporcionar, enquanto não estiver pago do seu crédito.
Como decorre claramente do preceituado no art.º 759º do CC, ao titular do direito de retenção permite-se apenas a execução da coisa retida (como o pode fazer o credor pignoratício ou o credor hipotecário) e o pagamento do seu crédito pelo valor dela, com preferência sobre os demais credores – constituindo também um meio de coerção do cumprimento da obrigação (Ac RC de 15-03-2011, disponível em www.dgsi.pt).

Assim, tendo presente as disposições legais citadas (maxime, os art.ºs 671º, alíneas a) e b) e 759º, n.º 3, do CC), importa verificar se a A. em face da obrigação de restituir o imóvel (gorada que foi a formalização do contrato de arrendamento celebrado com os RR), se limitou a retê-lo, no legítimo exercício do direito de retenção que a lei lhe confere (apenas exercendo sobre o mesmo o dever de guarda e administração que lhe impunha o artº 671º, a) do CC), ou se indevidamente o fruiu, dele retirando vantagens, nomeadamente exercendo nele a actividade que lhe estava destinada, sem o correspondente pagamento do valor da renda estipulada.
Ora, nada ficou apurado nesse sentido, tendo ficando provado, pelo contrário, que algumas das obras levadas a cabo no imóvel – nomeadamente de electricidade - ficaram inacabadas, o que permite mesmo concluir que o imóvel não chegou sequer a estar apto para funcionar.

Ou seja, não tendo ficado provado que a A. usufruiu do imóvel e dele retirou qualquer proveito, não lhe pode ser exigido o dever de indemnizar os RR pelo período de tempo em que o reteve, ao abrigo de um direito legítimo que a lei lhe confere.
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Do pedido reconvencional:

Os Réus vieram deduzir pedido reconvencional contra a A., pedindo, além do mais, que se condene a Autora a restituir imediatamente o prédio aos Réus seus legítimos proprietários, plenamente funcional, como foi recebido (alínea c).
E a decisão recorrida condenou apenas a A. “…a restituir o imóvel…” (alínea c).

Pretendem os RR que fique também a constar daquela alínea c) a condenação da autora a restituir o imóvel, bem como o mobiliário constante no inventário de fls. 126 a 136, em decorrência da impugnação da matéria de facto, e da alteração pretendida aos pontos 35 e 44 da matéria de facto provada.

E temos de concordar com os RR reconvintes, pois embora não venha especificado no pedido por eles formulado na alínea c) que pretendem a restituição dos bens inventariados a fls. 126 a 136, isso decorre implicitamente da expressão vertida naquela alínea de que pretendem a restituição do imóvel como foi recebido, o que inculca a ideia de que pretendem reaver tudo o que é seu e foi entregue à A.
Ora, logrando os RR obter vencimento na alteração da matéria de facto quanto aos pontos 35 e 44 (nas quais foi acrescentado que o imóvel foi entregue à A. com os bens inventariados a fls. 126 e 136), deve ser também alterada a condenação da A. no sentido por eles pretendido: de que deve entregar aos RR não apenas o imóvel mas com tudo o que nele existia, como o impõem as regras da restituição em que se baseou a acção, previstas no artº 289º nº1 do CC.
E a condenação pretendida não viola o princípio do pedido – contrariamente ao defendido pela recorrida –, porque o pedido formulado, embora de uma forma algo lacónica, tem como implícita a pretensão dos reconvintes de que a restituição deve englobar tudo o que foi entregue à A. ou tal como foi recebido, o que nos reconduz à restituição do imóvel e dos bens inventariados a fls. 126 a 136, os quais, como acima se deixou dito constam do anexo ao contrato de arrendamento, que a própria A remeteu aos RR para eles assinarem (formalizando o contrato verbalmente acordado).
Procede, assim, nesta parte a pretensão dos RR reconvintes.
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Quanto ao demais pretendido, improcede, desde logo, a pretensão dos reconvintes quanto à alteração da alínea d) da condenação, por se mostrar prejudicada a apreciação dessa questão, pela decisão proferida quanto ao direito de retenção da A.
No mais, quanto aos danos não patrimoniais, consideramos ser de manter a decisão proferida, por se mostrar insuficiente a matéria de facto dada como provada para se obter a condenação da A. a esse título.

Aliás, quanto ao facto dado como provado de que “Os Réus, e em particular a Ré Rosa, sente-se desgostosa por ver o espaço fechado”, para ressarcir esse dano (em parte), foi já fixado aos RR um valor indemnizatório, correspondente ao valor locatício do imóvel, como se ele estivesse a ser utilizado - desde Janeiro de 2014 até meados de Abril desse ano. No restante período, como acima ficou decidido, competia à A. a sua guarda e administração, ao abrigo do direito de retenção que detinha sobre o mesmo, pelo crédito sobre os RR, a título de benfeitorias.

No que se refere ao facto provado em 48) de que “Os Réus sentiram transtornos com a instauração da presente acção que os obrigou a constituir advogado, a deslocações quer ao domicílio profissional deste, quer ao Tribunal e a reuniões entre eles para tratar do objecto dos autos”, como vimos, esses transtornos foram justificados pela A., com a procedência (ainda que parcial) da acção, sendo apenas os RR os responsáveis pela demanda.
Nenhuma alteração há, assim, a fazer à decisão proferida nesta parte.
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Do pedido subsidiário formulado pelos RR:

Ao deduzirem reconvenção, formularam também os RR o pedido subsidiário (em i), de que, caso a A. seja credora, seja operado o instituto da compensação entre o seu crédito e o daquela.
Ora, considerando que foi agora reconhecido à Autora um crédito sobre os Réus, há que apreciar o pedido reconvencional por eles formulado a título subsidiário (nos termos previstos no artº 665º nº2 do CPC).

Conhecendo desse pedido, resta-nos fazer operar a compensação entre o crédito da A. sobre os RR e o crédito deste últimos sobre aquela, nos termos previstos no artº 266º nº 2 al. c) do CPC.
Ora, considerando que por força das alterações introduzidas à decisão recorrida os RR devem pagar à A. a quantia de € 15.854,50, e a A. deve pagar aos RR a quantia de € 2.100,00, feita a respectiva compensação, deverão estes últimos ser condenados a pagar à primeira a diferença de € 13.754,50, com os respectivos juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.
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Decisão:

Pelo exposto, Julgam-se parcialmente procedentes ambas as Apelações e em consequência altera-se a decisão recorrida, condenando-se a A. a restituir aos RR o imóvel melhor identificado nos autos, tal como foi por ela recebido (com todos os bens constantes do inventário de fls. 126 a 136) e condena-se os RR a pagar à A. a quantia de € 13. 754,50, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Mantém-se, no mais, a decisão recorrida.
Custas a cargo de ambas as partes na proporção do decaimento
Notifique
Guimarães, 8.2.2018

Sumário do acórdão:

I. Recai sobre o recorrido que impugna a decisão da matéria de facto em sede de ampliação do âmbito do recurso, os ónus previstos no artº 640º do CPC, nomeadamente o de indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida, sob pena de ver rejeitada a ampliação do âmbito do recurso por si deduzida.
II - Não deve ser apreciado o recurso da matéria de facto na parte em que o mesmo se destina a impugnar matéria de facto sem qualquer relevância para a decisão final da causa – em homenagem ao princípio, previsto no artº 130º do CPC, da proibição da prática de atos inúteis no processo;
III- Na impugnação da matéria de facto, é sobre a factualidade – provada e não provada - que a parte se pode insurgir, indicando concretamente os pontos discordantes e não sobre os temas de prova formulados.
IV- Os temas da prova enunciados pelo julgador devem ter por base, necessariamente, a alegação das partes, nos termos definidos pelo artigo 5.º do novo CPC, seleccionados em função do objecto do litígio que haja sido definido e com respeito pelo princípio do dispositivo, ainda vigente na actual lei processual.
V- Pode-se concluir – por presunção judicial - que as obras realizadas no imóvel arrendado aumentaram o valor do mesmo, pelo que estamos perante benfeitorias úteis e não voluptuárias.
VI- Pode também concluir-se – por presunção judicial – que o enriquecimento dos RR com as benfeitorias úteis levadas a cabo pela A. foi na mesma medida do seu empobrecimento, ou seja, do valor gasto com a realização das mesmas.
VII – O direito de retenção da A. sobre o imóvel por crédito de benfeitorias só surge no momento em que surgir aquele crédito, pelo que só a partir dessa data fica a A legitimada a retê-lo, devendo indemnizar os RR pelo período de tempo em que reteve o imóvel sem estar legitimada para tal.
VIII – Não viola o princípio do pedido a condenação da A, por via reconvencional, a restituir aos RR o imóvel, assim como os bens que lhe foram entregues, inventariados, mesmo que do pedido apenas conste a restituição do imóvel como foi recebido.
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Guimarães, 8.2.2018