Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
41/19.4T8VRL-A.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
REVISÃO
JUNTA MÉDICA
IPATH
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - A fixação de uma pensão, como consequência de determinada incapacidade para reparação de lesão ou doença sofrida pelo trabalhador em acidente de trabalho, não é definitiva, podendo ser assim revista e alterada – art.ºs 70 da NLAT e 145.º do CPT. desde que se prove a modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente do agravamento das lesões sofridas.
II- Os factos que estão cobertos pelo caso julgado não podem ser alterados por via do incidente de revisão de incapacidade.
III - Não se tendo provado os pressupostos legais de que dependia a procedência do incidente de revisão, não havendo assim modificação da capacidade de ganho da sinistrada proveniente do agravamento da lesão que deu lugar à reparação, não é de atribuir-lhe IPATH, razão pela qual a juiz a quo não podia ter valorizado neste segmento o parecer do Centro de Reabilitação de ..., em detrimento do exame por Junta Médica.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

APELANTE: M. M.
APELADO: X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.

Tribunal da Comarca de Vila Real, Juízo do Trabalho de Vila Real – Juiz 1

Nos presentes autos de acção especial emergente de acidente de trabalho em que é sinistrada M. M. e responsável X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.., veio a sinistrada deduzir incidente de revisão da pensão, alegando em resumo que as sequelas resultantes do acidente de trabalho participado nos autos no âmbito do qual lhe foi atribuída a IPP de 3%, agravaram-se, sendo actualmente portadora de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
Foi solicitado ao Gabinete Médico ao Legal do Douro a realização de exame médico na pessoa da sinistrada e foi solicitado o parecer previsto no n.º 4 do art.º 21.º da Lei n.º 98/2009, de 4/09.
Foi elaborado o parecer pelo Centro de Reabilitação Profissional de ..., que foi em 25/08/2020 notificado a ambas as partes, que nada disseram.
Realizado o exame médico, concluiu o Perito do INML que a sinistrada está actualmente afectada de um coeficiente de incapacidade permanente parcial resultante do acidente de 3%, correspondente ao Cap. I, 12.2.1 a) da Tabela Nacional de Incapacidade (fratura da rótula, com sequelas - astralgias que dificultam a marcha, sem limitação da mobilidade articular).
Notificadas as partes do resultado do exame, foi pela sinistrada requerida a realização de perícia por junta médica, ao abrigo do disposto no art.º 145.º n.º 5 do CPT, tendo formulado os respectivos quesitos.
Foi realizada junta médica tendo os Srs. Peritos Médicos respondido aos quesitos formulados pela sinistrada, dos quais resulta que em consequência do acidente a sinistrada sofreu fratura sagital da asa interna da rótula direita, sem atingimento articular ou cortical e feridas ao nível do joelho direito e terço distal da perna esquerda. E apresenta como sequelas do acidente gonalgia direita difusa (sem derrame articular, sem instabilidade, sem rigidez e sem atrofia muscular).
A junta médica concluiu por unanimidade pela inexistência de qualquer agravamento, mantendo a desvalorização da sinistrada previamente atribuída em 3% (Cap. I 12.2.1.a) …. 0,03 – 0,10).
A sinistrada apresentou reclamação e requereu esclarecimentos aos Srs. Peritos Médicos que participaram na realização do exame por junta médica.
Tal requerimento veio a ser deferido, tendo os Srs. Peritos Médicos prestado os esclarecimentos solicitados.
A sinistrada veio requerer uma segunda perícia colegial, nos termos previstos no n.º 2 do art.º 485.º do CPC. e subsidiariamente deduziu nova reclamação e solicitou mais esclarecimentos ao Srs. Peritos Médicos.
A Seguradora não deduziu qualquer oposição.
Por fim, foi proferida decisão na qual se apreciou o requerimento apresentado pela sinistrada tendo-se entendido inexistir fundamento para a realização de uma segunda perícia, a qual foi indeferida e decidiu-se o incidente de revisão de pensão do qual se fez constar o seguinte dispositivo:
Nestes termos, atento o conteúdo do auto de revisão e o disposto no artº. 145º., nº. 5 do Código de Processo de Trabalho, declaro que a desvalorização laboral permanente da identificada sinistrada se mantém, nos 3% de IPP mas com IPATH, pelo que se condena a aqui demandada X, Companhia de Seguros S.A. a pagar-lhe a pensão anual e vitalícia de € 4.863,09 (quatro mil oitocentos e sessenta e três euros e nove cêntimos), devida a partir ao dia seguinte ao do requerimento inicial – 14/05/2020 - considerando-se no cálculo do capital de remição a efectuar a quantia já liquidada a este título pela demandada seguradora e o limite legal imposto pelo disposto no art. 75º nº1 da LAT. Mais se condena a demandada seguradora a pagar à sinistrada o subsídio por elevada incapacidade, previsto no art. 67º da LAT (considerando-se o valor de IAS de € 428,90 introduzido pela Portaria nº 21/2018 de 18/01) no montante de € 4.081,92 (quatro mil e oitenta e um euros e noventa e dois cêntimos).
Sem custas, suportando a entidade responsável os encargos a que alude o artº. 49º. do referido diploma.
Notifique.”
*
Inconformada com esta decisão dela veio a Seguradora interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes conclusões:

1- O presente recurso é interposto da douta Sentença proferida a qual ficou à trabalhadora sinistrada uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) baseada num simples parecer da entidade “CRP... – Centro de Reabilitação Profissional de ... – Sempre ao seu lado”, parecer esse que nem se conhecem as habilitações especializadas de quem o elaborou.
2 – A recorrente não se conforma com tal entendimento espelhado na douta Sentença, que reputa de ilegal e desde logo, como sendo nula, dado que não foram especificados os fundamentos que determinaram a IPATH e por ter desprezado, em absoluto, as conclusões periciais das Juntas Médicas colegiais (junta médica e esclarecimentos) que responderam a todas as questões suscitadas pela sinistrada de modo cabal e por unanimidade.
3 – Com efeito, o tribunal não apenas não problematizou e equacionou a questão da não imputabilidade clínica mencionada na Junta Médica relativa a IPATH, desde logo descartando, sem o devido fundamento o resultado da Perícia Colegial (que havia ficado uma IPP de 3,00%) como igualmente se limitou o veredito jurisdicional a “colar-se” mas sem fundamentar a um documento emanado da entidade “CRP... – Centro de Reabilitação Profissional de ... – Sempre ao seu lado”.
4- À sinistrada deve-lhe ser atribuída uma Incapacidade Parcial Permanente para o Trabalho de 3.00% conforme consta das Juntas Médicas.
5- O Tribunal “a quo” ignorou por completo o resultado unânime das Perícias Colegiais.
6- Em lado algum o Tribunal a quo discorreu autónoma e fundamentadamente sobre o conteúdo dos Relatórios Periciais da Junta Médica ou tomou posição critica sobre aquele, tendo-se limitado a aderir ao sentido conclusivo e abstrato do documento emanado da entidade “CRP... – Centro de Reabilitação Profissional de ... – Sempre ao seu lado” (e não do IEFP como erradamente é citado na douta sentença).
7- Em rigor, pois, e salvo melhor opinião, a douta Sentença aderiu, sem mais, ao sentido do referido documento, ele próprio também intrinsecamente auto conclusivo, sem qualquer caminho motivador /justificador da natureza da incapacidade, o que revela, aparentemente, falta de qualificação de quem o elaborou (pois não se sabe as qualificações, nem se sabe se quem o fez foi quem o elaborou).
8 - O referido parecer no qual se baseou a douta sentença não é um parecer “dos serviços competentes do ministério responsável pela área laboral da sinistrada” – artigo 21º nº 4 da Lei dos Acidentes de Trabalho – nesse conhece se quem elaborou o referido parecer da entidade “CRP... – Centro de Reabilitação Profissional de ... – Sempre ao seu lado” é um “perito especializado”.
9 -A interpretação da norma constante do artigo 21º nº 4 da Lei dos Acidentes de trabalho (Lei nº 98/2009 de 4 de setembro) no sentido de que o Tribunal pode decidir com base em parecer solicitado, sem que, as partes processuais tomem posição, concordando ou discordando, aceitando ou impugnado, no todo ou em parte, o conteúdo do parecer, é materialmente inconstitucional às luz do disposto no artigo 20 da Constituição da Republica Portuguesa, porque daí pode decorrer, como aconteceu no caso concreto, uma decisão surpresa baseada em documento desconhecido pela parte.
10 – A douta Sentença foi, também, totalmente falha quanto à análise e sindicância de todos os critérios eleitos pelo legislador para a aferição da natureza e grau de incapacidade resultante do sinistro ocorrido no que se refere, por exemplo à reconversão profissional da sinistrada.
11 – A Junta Médica fundamentou as suas decisões, sempre por unanimidade.
12 - O Tribunal “a quo” não fundamentou a sua decisão quanto ao total menosprezo das conclusões da Perícia Colegial, limitando-se, apenas, a aderir a um documento particular, que não teve oportunidade de ser impugnado, nem apreciado, nem sujeito a outro de igual índole.
13 – Por mais que se admita a conceção ampla do princípio do contraditório, a douta sentença desrespeitou a participação efetiva das partes no desenvolvimento do litígio violando assim as mais elementares normas processuais.
14 - O que está, aqui, em causa, é uma decisão “surpresa” decisão essa, proibida à luz do artigo 3º nº 3 do Código de Processo Civil.
15 - A decisão “surpresa” violou, no essencial, a ênfase e utilidade prática do princípio do contraditório, como instrumento ao serviço da boa administração da justiça, pondo em causa, de modo irremediável a colaboração e o contributo das partes com vista à melhor satisfação dos interesses em presença e à justa composição do litígio.
16 - A inobservância do contraditório, constitui uma omissão grave.
17 - Tal omissão representa uma nulidade processual, sendo, por isso, nula a decisão do tribunal “a quo” (decisão “surpresa”) uma vez que à ora apelante não foi dada oportunidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico, constantes do Parecer da entidade “CRP... – Centro de Reabilitação Profissional de ... – Sempre ao seu lado” (e não do IEFP) de fls 91 e seguintes do processo.
18 - Tal parecer, em momento algum, foi dado a conhecer à ora apelante.
19 - Ao desconhecer o documento que fundamentou a decisão “surpresa” o tribunal “a quo” não permitiu a paridade de condições dos sujeitos processuais.
20 - O princípio do contraditório foi violado porque a ora apelante não teve oportunidade de esgrimir as suas razões, porque, no caso concreto, a Incapacidade permanente de 3% não pode determinar uma IPATH como é a opinião da entidade “CRP... – Centro de Reabilitação Profissional de ... – Sempre ao seu lado”, (entidade que não é o IEFP, como, erradamente, refere a douta sentença).
21 – Menosprezou, por completo, a resposta dos Exmos. Peritos de que após observação da sinistrada, bem como consulta dos registos clínicos, não é objetivável o agravamento da situação, para além da IPP de 3,00%.
22 - Devido às suas limitações funcionais foi-lhe atribuída uma incapacidade permanente parcial de 3,00%, pela Junta Médica,
23 - A sua relativa limitação inerente a essa incapacidade permanente, é a única consequência como causa adequada, quer ao nível de imputação clínica quer ao nível de imputação jurídica.
24 - A decisão do Tribunal de 1ª Instância, não está fundamentada, na razão pela qual é determinante a valoração da entidade “CRP... – Centro de Reabilitação Profissional de ... – Sempre ao seu lado” e não nas Perícias Colegiais.
25 – O referido documento agora conhecido, da entidade “CRP... – Centro de Reabilitação Profissional de ... – Sempre ao seu lado” não se coaduna com a aferição correta do “nexo de imputação clínica”, descrito nos referidos Relatórios Periciais Colegiais.
26 - Os referidos Relatórios Periciais Colegiais concluem, fundamentando “certeza clínica” (por unanimidade), de que, a sinistrada tem apenas limitações condicionadas pela IPP de 3,00% que lhe foi atribuída.
27 – Para os Senhores Peritos (3) as limitações condicionadas pelo grau de IPP de 3,00% possibilitam que a sinistrada continue a desempenhar a sua profissão habitual.
28 – A qualificação de “incapacidade permanente absoluta” para o “trabalho habitual” é uma qualificação de ordem “clínica” e não dependente de uma opinião de um qualquer técnico contratado para avaliar a “reinserção social” de pessoas inadaptadas.
29 – A Douta sentença violou, assim, o disposto no artigo 21º da Lei nº 98/2009 de 4 de setembro e os artigos 3º, 607º nº 4 e 5, 615º nº 1 alínea b) do Código de Processo Civil, pelo que a Douta Sentença deverá ser anulada, proferindo-se decisão consentânea com o Grau de Incapacidade Parcial Permanente de 3,00%, conforme respostas unanimes dos Senhores Peritos da Junta Médica.

Termos em que,
Atentos os fundamentos e conclusões ex ante expostos, deverá ser dado provimento ao presente Recurso e nessa medida revogar-se a Douta Sentença, devendo nessa medida ser substituída por outra que fixe uma Incapacidade Parcial Permanente de 03,00% como resulta das respostas aos quesitos formulados na Perícia Médica (Junta Médica) e seus esclarecimentos, com todas as legais consequências, com o que se fará a devida, J U S T I Ç A.
Caso assim se não entenda, deve a norma constante do artigo 21º nº 4 ser considerada materialmente inconstitucional quando interpretada no sentido de que a Juiz pode decidir com base em parecer que não seja sujeito previamente ao princípio do contraditório, à luz do artigo 20º da CRP.
A Apelada/Recorrida apresentou contra-alegações ao recurso, concluindo pela improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida.
O juiz a quo pronunciou-se pela nulidade suscitada pela Recorrente tendo concluído pela sua inexistência e seguidamente admitiu o recurso na espécie própria e com adequado regime de subida e efeito.
Os autos foram remetidos a esta 2ª instância, mantido o recurso, determinou-se o cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 87.º do CPT., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
Notificado tal parecer às partes para responderem, nada vieram dizer.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do Recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das que se encontrem prejudicadas pelo conhecimento anterior de outras e não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

- Da violação do princípio do contraditório
- Da falta de fundamentação para aplicação de IPATH.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A factualidade relevante é a que consta do relatório que antecede.

IV – DA APRECIAÇÃO DO RECURSO

Da violação do princípio do contraditório

Insurge-se a Recorrente quanto ao facto de não ter sido notificada do teor do parecer emitido pelo Centro de Reabilitação Profissional de ..., o que a impediu de se pronunciar sobre o mesmo e veio a dar lugar à decisão surpresa, uma vez que o Tribunal a quo afastou-se dos laudos das perícias singular e colegial realizadas no âmbito do incidente de revisão valorizando apenas aquele parecer.
Sem necessidade de grandes considerações, uma vez que a factualidade apurada é clara quanto a esta questão, diremos que não foi cometida nesta aspecto qualquer nulidade pelo tribunal a quo, nem a decisão proferida pode ser apelidada de decisão surpresa, pois em tempo oportuno o parecer do Centro de Reabilitação de ... foi notificado à Seguradora responsável, em 25/08/2020, tal como resulta da referência Citius n.º 34643319.
Em suma, o Tribunal a quo deu a conhecer à Recorrente o parecer que consta de fls. 91 dos autos emanado pelo Centro de Reabilitação de ..., documento esse sobre o qual a recorrente não se pronunciou, sendo certo que em conformidade com o previsto no n.º 3 do art.º 3 do CPC. poderia ter usado do contraditório nos dez dias seguintes há notificação, o que não se verificou.
Não foi cometida qualquer nulidade processual, nem foi proferida qualquer decisão surpresa uma vez que, para além do documento em causa ter sido notificado à Recorrente, foi-lhe também dada oportunidade de o contraditar.

Da falta de fundamentação para aplicação de IPATH

Defende a Recorrente que da Mm.ª Juiz a quo ignorou por completo o resultado das perícias levadas a cabo em sede de incidente de revisão de pensão, não tendo assim fundamentado, minimamente a razão por que discorda da avaliação colegial efectuada pelos Srs. Peritos Médicos quer em sede de exame singular, quer em sede de junta médica.

Atentemos no que a este respeito se fez consignar na decisão recorrida:
“Uma vez que o presente incidente se destina a apreciar um pedido de revisão do grau de incapacidade fixado à aqui sinistrada há que atender ao preceituado no art. 145º e seguintes do C.P.T. que determina a realização duma perícia médico-legal, e em seguida, se tal for requerido pelas partes que não se conformem com a mesma, a realização dum exame por junta médica, tal como sucedeu no caso em apreço. Temos, pois, que considerar que no regime especial previsto nas normas legais acima indicadas e bem assim nas que resultam do disposto no 139º do mesmo diploma legal, as partes poderão vir a impugnar o resultado da perícia em sede de recurso da decisão em que se fixar a incapacidade. Analisando em detalhe ambos os autos de exame por junta médica (tanto o inicial como o segundo de esclarecimentos) que os peritos médicos ali intervenientes deram cabal resposta (por unanimidade) a todas as questões suscitadas pela sinistrada, vindo corroborar a perícia médico-legal de fls. 97 a 99, inexistindo em nosso entender, fundamento para a realização duma segunda perícia, pelo que se indefere a mesma.
Contudo, há que considerar que no parecer elaborado a fls. 91 pelo IEFP se descreveu as circunstâncias pelas quais se concluiu no sentido de que a sinistrada padece de incapacidade para o desempenho da sua profissão habitual, que era de assistente operacional no CHTMAD em …. Ali se descreveu – cfr. fls. 92 - que “Apresenta as seguintes alterações funcionais:
 Funções neuro-músculo-esqueléticas – Por alteração das funções de mobilidade das articulações, ao nível do joelho direito, interferindo com os movimentos do joelho, flexão e extensão, interferindo com a marcha, mão consegue realizar marcha apressada, nem correr, apresentando o joelho edemaciado e ruborizado após eforço. Limitada para se colocar de joelhos ou de cócoras. Apresenta dificuldade acrescida para ultrapassar desníveis arquitectónicos (rampas e escadas). Refere limitações na condução automóvel.
 Funções sensoriais e dor – Por dor constante e intensa no joelho direito, agravada com tempo de esforço e alterações metereológicas.”.
Neste parecer encontram-se ainda descritas em detalhe todas as tarefas que cumpria enquanto assistente operacional, tendo-se concluído que “As alterações funcionais atrás identificadas (…) decorrentes do evento traumático em apreço, interferem com a actividade profissional da examinanda, quanto assistente operacional ao serviço do CHTMAD, pois incapacitam-na de executar as tarefas descritas nas alíneas a), b), d), e), f), h), i) e k) do ponto anterior (…) Consideramos estas tarefas estruturantes para a profissão.”, ou seja, a capacidade residual da aqui sinistrada é claramente incompatível com o desempenho cabal da sua profissão.
Nos autos de exame por junta médica os peritos ali intervenientes vieram apenas consignar que “…as sequelas resultantes do acidente em apreço não são causa de IPATH”, sem que tenham dado, em nosso entender, qualquer argumento válido que pudesse contrariar o parecer do IEFP acima descrito.
Não se nos afigura que haja necessidade de concretização de qualquer outra diligência. “
Na verdade, na decisão recorrida a Juiz a quo pronunciou-se expressamente quanto à avaliação efectuada pela perícia colegial (Junta Médica) valorizando o facto de aí se ter concluído de forma unânime pela manutenção do grau de IPP a atribuir à sinistrada, acrescentando que os Peritos Médicos que participaram na junta médica não apresentaram qualquer argumento que pudesse contrariar o parecer do IEFP, razão pela qual não nos é permitido concluir em conformidade com o requerido pela Recorrente, ou seja que o Tribunal a quo não discorreu autónoma e fundamentadamente sobre o conteúdo dos Relatórios Periciais da Junta Médica ou tomou posição critica sobre aquele, tendo-se limitado a aderir ao sentido conclusivo e abstrato do documento emanado da entidade “CRP... – Centro de Reabilitação Profissional de ...”.
A questão que urge desde logo colocar é a de apurar se no caso em apreço se impunha aos Peritos Médicos que prestassem outro tipo de esclarecimentos sobre a aplicação de IPATH.
A esta questão desde já diremos, que não resultando do exame/junta médica de revisão que a sinistrada tivesse sofrido um qualquer agravamento na sua capacidade de ganho em consequência do acidente a que os autos se reportam, não se impunha aos Srs. Peritos Médicos que tivessem de prestar qualquer outro esclarecimento sobre o facto considerarem que a sinistrada não é portadora de incapacidade permanente para o seu trabalho habitual de assistente operacional, daí que não se possa afirmar que o auto de junta médica não padece qualquer insuficiência, nem de falta de fundamentação.
Mas, vejamos:
Dos exames periciais realizados não âmbito do incidente de revisão de prestações foi entendido por unanimidade que a sinistrada não apresenta agravamento das sequelas e da incapacidade relativamente àquela que lhe foi fixada pelo Tribunal, reportada à data da alta.

Prescreve o art.º 70.º da Lei 98/2009, de 04.09 (doravante NLAT), com a epígrafe “Revisão”, a aplicável ao caso, o seguinte:

1 - Quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada.
2 - A revisão pode ser efectuada a requerimento do sinistrado ou do responsável pelo pagamento.
3 - A revisão pode ser requerida uma vez em cada ano civil.”

Daqui resulta que o incidente de Revisão de Prestações se destina a permitir ao Sinistrado, já após a fixação da sua incapacidade para o trabalho e a atribuição da consequente pensão por decisão judicial, ao ser confrontado com um agravamento do seu estado de saúde, recidiva ou recaída, resultante das lesões sofridas, em consequência do acidente de trabalho que deu origem à reparação, possa requerer em juízo a reapreciação do seu estado de saúde e a alteração da incapacidade anteriormente fixada.
A revisão tem assim por objecto as situações, que ocorram em data posterior à da fixação inicial da incapacidade/pensão, em que se verifique uma real alteração - agravamento, recidiva, recaída - da situação clínica do sinistrado. Ou seja não se destina nem tem por objecto a alteração ou correcção de eventual erro na fixação inicial da incapacidade.

Como se refere a este propósito no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-10-2020, proferido no proc. n.º 10858/14.0T8PRT.2.P1, consultável em www.dgsi.pt
“A revisão da incapacidade/pensão não tem por objecto, nem pode ter, a alteração ou correcção de eventual erro na fixação inicial da incapacidade. Tem sim por objecto as situações em que se verifique uma real alteração - agravamento, recidiva, recaída ou melhoria - da situação clínica do sinistrado que ocorra posteriormente à data da fixação inicial da incapacidade/pensão, mormente em data posterior à data alta definitiva e da sentença que procedeu a essa fixação. Até porque, por via do caso julgado material formado pela decisão que fixa a pensão [art. 619º, nº 1, do CPC/2013], não pode o juiz fixar “correctivamente” [isto é, sem a ocorrência de uma real alteração das lesões/sequelas do acidente determinantes de uma diferente incapacidade para o trabalho] uma incapacidade diferente da inicialmente atribuída, ainda que com efeitos apenas reportados a data posterior à da anterior fixação judicial da incapacidade, designadamente com efeitos reportados apenas a partir da revisão.
Cabe assim salientar que por força do caso julgado material formado pela decisão que fixa a pensão – cfr. art.º 619º, nº 1, do CPC. -, não pode o juiz vir correctivamente a fixar uma incapacidade diferente da inicialmente atribuída ainda que com efeitos apenas reportados a data posterior à da anterior fixação judicial da incapacidade, designadamente com efeitos reportados apenas a partir da revisão, sem que ocorra uma real alteração das lesões/sequelas do acidente determinantes de uma diferente incapacidade para o trabalho.
Para o efeito, impõe-se ao sinistrado deduzir tal pedido de forma fundamentada, indicando para vir a provar as razões determinantes desse agravamento e os termos em que repercutem na sua capacidade de ganho, enquanto geradora de uma maior incapacidade do que aquela que lhe fora fixada anteriormente - cfr art.º 145.º do CPT. E provado agravamento, nos termos alegados, após a realização das respectivas diligências nelas se incluindo a indispensável perícia médica, o Tribunal decide o incidente de revisão, por despacho mantendo, reduzindo, aumentando a pensão a pagar ou até pode ainda declarar extinta a obrigação de a pagar.
Acresce dizer que a IPATH pressupõe que do acidente de trabalho decorram para o sinistrado lesões que para além de determinarem um coeficiente de desvalorização permanente para o exercício de outra profissão, determinam também uma incapacidade permanente absoluta, isto é, total, para o exercício do que era o trabalho habitual do sinistrado, o que significa que há uma capacidade residual menor ou maior consoante o grau de incapacidade, para o exercício de outra actividade ou profissão compatível, mantendo-se assim a capacidade de ganho, embora, em regra mais reduzida.
Por outro lado, apraz dizer que integrando o incidente de revisão de pensão pelo menos uma perícia médica, esta está sujeita à livre apreciação pelas instâncias em conformidade com o previsto nos artigos 389.º e 396.º, ambos do Código Civil
No entanto, muito embora o juiz não esteja adstrito às conclusões da perícia médica, certo é que, por falta de habilitação técnica para o efeito, apenas dela deverá discordar em casos devidamente fundamentados (devendo proceder a uma apreciação que envolva a valoração conjunta do resultado das perícias médicas e os demais elementos complementares clínicos e de diagnóstico que constem dos autos tendo ainda em atenção todas as circunstâncias especificas do caso), todavia e como se diz no Acórdão do STJ de 30.03.2017, Proc. 508/04.9TTMAI.3.P1.S1, in www.dgsi.pt, poderá ocorrer “(…) quando disponha de elementos que lhe permitam, com segurança, fazê-lo. O que poderá, por exemplo acontecer, se acaso tal Junta Médica não fundamentar as suas respostas ou o fizer em termos que o Julgador não possa captar as razões e o processo lógico que conduziu ao resultado fixado pelos Peritos, ou se o resultado apresentado se apresentar em contradição, ou fragilizado, por outros elementos médicos atestados e incorporados nos autos.
Será, pois, com base na apreciação circunstanciada dos elementos fácticos do processo, da sua natureza e extensão, ponderados os relatórios médicos correspondentes, onde é feita a enunciação das lesões sofridas, das sequelas e das incapacidades que daí resultam, que a valoração e o juízo sobre a incapacidade, a redução ou a modificação da capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador/Sinistrado proveniente de agravamento das lesões deverá ser efectuada.”
De tudo isto resulta que a fixação de uma pensão, como consequência de determinada incapacidade para reparação de lesão ou doença sofrida pelo trabalhador em acidente de trabalho, não é definitiva, podendo ser assim revista e alterada – art.ºs 70 da NLAT e 145.º do CPT – desde que se prove a modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente do agravamento das lesões sofridas.
Retornando ao caso dos autos, temos por certo que se impunha à sinistrada que tivesse feito prova que após a fixação judicial da sua IPP de 3%, ocorreu um agravamento das suas lesões, de modo a provocar a alteração da IPP fixada.
Na verdade, a sinistrada pretendia ver reconhecida a IPATH, alegando para o efeito o agravamento das lesões.
Contudo, a factualidade apurada apenas revela que as lesões da sinistrada e as sequelas existentes foram valorizadas por unanimidade da mesma forma, sem que desse lugar à atribuição de um diferente grau de incapacidade que permitisse concluir pelo agravamento das lesões/sequelas.
Ora, não tendo ocorrido qualquer alteração na situação clínica da sinistrada, não é possível dar como verificada a ocorrência do alegado agravamento das lesões sofridas no acidente de trabalho e muito menos concluir que esse agravamento é impeditivo do desempenho do trabalho habitual da sinistrada.
Cabe referir que os factos que estão cobertos pelo caso julgado não podem ser alterados por via do incidente de revisão de incapacidade.
Com efeito, a decisão que fixou inicialmente o grau de IPP de que a sinistrada é portadora transitou em julgado e não se tendo apurado a alteração da situação clínica da sinistrada não existe fundamento para atribuir uma IPATH.
Em suma, ainda que o parecer do Centro de Reabilitação de ... se tenha pronunciado no sentido de ser de atribuir à sinistrada IPATH, baseado no qual o Tribunal a quo decidiu nesse mesmo sentido, o certo é que por não se terem provado os pressupostos legais de que dependia a procedência do incidente de revisão, ou seja não se provou o agravamento das lesões em data posterior à data da alta, impõe-se concluir pela revogação da decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que julgue o incidente improcedente, por não provado.

Neste sentido se sumariou no citado cordão do STJ de 30/03/2017, o seguinte:

“I. A razão de ser do incidente de Revisão de Incapacidade radica no facto de se permitir que o sinistrado, já após a fixação da sua incapacidade para o trabalho e a atribuição da consequente pensão por decisão judicial, confrontado com um agravamento do seu estado de saúde, recidiva ou recaída, resultante das lesões sofridas, em consequência do acidente de trabalho que deu origem à reparação, possa requerer em juízo a reapreciação do seu estado de saúde e a alteração da incapacidade anteriormente fixada.
II. Para esse efeito, impõe-se ao Sinistrado que ao deduzir tal pedido ao Tribunal, o fundamente devidamente – e provando -, as razões determinantes desse agravamento e os termos em que se repercutem na sua capacidade de ganho, enquanto geradora de uma incapacidade maior do que aquela que lhe fora fixada anteriormente.
III – Não tendo ocorrido qualquer alteração na situação clínica do Sinistrado posteriormente às decisões que lhe fixaram a incapacidade, quer no âmbito deste processo quer nos processos que os autos documentam, decisões essas que transitaram em julgado, não existe fundamento para lhe atribuir uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, (…)”.

Neste mesmo sentido tem vindo este Tribunal da Relação de Guimarães a pronunciar-se designadamente nos Acórdãos de 20/09/2018, proc. n.º 255/08.2TTLMG.3,G1 e de 6/02/2020, proferido no Proc. n.º 558/06.0TTBRG.3.G1, consultável em www. dgsi.pt., no qual a propósito de questão similar se escreveu o seguinte: “Do seu regime decorre, consequentemente, que a revisão da incapacidade tem por fundamento a ocorrência de alteração no quadro da lesão ou sequela anteriormente considerada (1).
Ora, nos termos supra ditos, as sequelas de que o sinistrado padece actualmente, bem como o grau de incapacidade, são as mesmas que lhe foram atribuídas no último exame de revisão por junta médica e na correspondente decisão judicial de fixação de incapacidade de 18-02-2016. Não havendo, desde então, alteração do quadro de sequelas decorrentes do acidente, fixando-se, na altura, grau de IPP em 20%, sendo as sequelas enquadradas no Cap.I-11.1.1.b), hipertrofia da coxa, superior a 2cm, tal como ora acontece, mantendo-se as mesmas sequelas e desvalorização inicial de 20%.
Ora, não ocorrendo alteração fáctica do quadro de sequelas e sua valorização subjacente à decisão de incapacidade inicialmente fixada ou à última decisão de revisão se a houver, não poderá ser atribuída incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, sob pena de se estar a reapreciar a mesma questão porque baseada em idênticos pressuposto e, portanto, em violação do caso julgado (2).”
Resumindo, destinando-se o incidente de revisão da incapacidade a verificar se houve agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação pela diminuição da capacidade de ganho do sinistrado – artigo 70.º da NLAT - e constatando-se que no caso não foi atribuída à sinistrada IPATH, aquando da cura clínica e resultando ainda do quadro clínico (perícia médica singular e colegial de revisão) que a sinistrada não sofreu qualquer agravamento, porquanto as limitações físicas decorrentes das sequelas, para o desempenho das suas funções profissionais, são exactamente as que existiam à data da decisão que fixou o seu grau de incapacidade – gonalgia direita difusa (sem derrame articular, sem instabilidade, sem rigidez e sem atrofia muscular), - e que transitou em julgado, não existe fundamento para, nesta sede lhe atribuir uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
Ora, não se tendo provado os pressupostos legais de que dependia a procedência do incidente de revisão, não havendo assim modificação da capacidade de ganho da sinistrada proveniente do agravamento da lesão que deu lugar à reparação, não é de lhe atribuir IPATH, razão pela qual a juiz a quo não podia ter valorizado neste segmento o parecer do Centro de Reabilitação de ..., em detrimento do exame por Junta Médica.
Procede o recurso, revoga-se o despacho recorrido e consequentemente julga-se de improcedente o incidente de revisão.

V – DECISÃO:

Pelo exposto e nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 663.º do Código de Processo Civil acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar o recurso procedente, e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida e julga-se improcedente o incidente de revisão de pensão.
Custas a cargo da Recorrida sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Notifique.
Guimarães, 18 de Novembro de 2021

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga


1. Quanto ao facto de a revisão ter por fundamento a alteração da capacidade geral de ganho, tendo de alegar-se agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença, vd Carlos Alegre, Código de Processo de Trabalho, anotado e comentado, 2003, p. 339/340. Também já Alberto Leite Ferreira, Código de Processo de Trabalho Anotado, 4ª edição, p. 636/7, dizia que, à semelhança das sentenças que fixam alimentos provisórios, também as decisões que fixam pensões por incapacidades são alteráveis ainda que tenham transitado em julgado, desde que se tenha verificado alteração na capacidade de ganho e, assim, se modifiquem as circunstâncias que levaram à anterior condenação na prestação estabelecida.
2. Neste sentido Ac. STJ de 30-03-2017 e Ac.s RG de 17-12-2017, 3-03-2016 e de 20-09-2018, in www.dgsi.pt.