Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1144/14.5T8CHV.G1
Relator: ISABEL ROCHA
Descritores: JUROS COMPULSÓRIOS
DESISTÊNCIA DO EXEQUENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- Os juros compulsórios previstos no art.º 829-N .º4 do CC decorre directamente da lei, não sendo necessária qualquer decisão judicial a estabelecê-la, estando abrangidas no seu âmbito, todas as obrigações pecuniárias de soma ou quantidade, contratuais ou extracontratuais.
II- Se os exequentes prescindirem dos juros compulsórios que lhes cabe em sede de acordo com os executados, nada impede que a execução prossiga para cobrar os ditos juros ao Estado, mas tal pagamento não pode ser suportado pelos exequentes tendo em conta a finalidade dos juros compulsórios pois que, se trata de uma sanção coercitiva, cumulável com a indemnização, destinada a incentivar e pressionar o devedor a pagar a sanção pecuniária.
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO
B. e C., requereram execução de sentença contra D. e E., com vista ao pagamento da divida, da responsabilidade dos executados, reconhecida em sentença transitada, no valor de €26.850,86 e ainda o valor dos juros compulsórios á taxa de 5% uma vez que, os Réus foram condenados na sentença a pagar tais juros.
Sucede que, os exequentes e executados acordaram, entre si, no que concerne ao pagamento da dívida exequente, suspendendo-se assim a instância executiva.
Em face de tal acordo os exequentes prescindiram dos juros compulsórios pedidos no requerimento executivo, restando apenas por pagar os devidos ao Estado.
O agente da execução notificou os exequentes no sentido de procederem ao pagamento dos juros compulsórios devidos ao Estado, no valor de € 3.829,01 informando que após pagamento procederia a extinção por acordo de pagamento, nos termos do Art.º 806.º do CPC.
Em requerimento os exequentes requereram que tais juros devem ser pagos pelos executados.
Foi então proferido despacho decidindo-se “manter a notificação efectuada pela Agente de Execução aos Exequentes para entrega da quota-parte dos juros compulsórios devidos ao Estado por ser da responsabilidade dos Exequente tal pagamento…”
Inconformados, os exequentes apelaram da decisão juntando alegações donde se extraem as seguintes conclusões:
1 – Na sequência da reclamação dos exequentes da notificação d Agente de Execução, com vista a estes pagarem a quota-parte dos juro compulsórios devidos ao Estado, foi proferido o Despacho recorrido, d 8 de junho do corrente, com a referência 28064947, no qual o Tribunal a quo decidiu que são exequentes os responsáveis por esse pagamento.
2 – É desse despacho que agora se recorre, por não ser de mero expediente.
3 – O Tribunal a quo não fundamenta minimamente a sua decisão, a arrepio do art.º 205 n.º 1 da CRP e art.º 154 n.º 1 do CPC, apenas refere que não há qualquer dúvida que os juros compulsórios são da responsabilidade dos exequentes e que são devidos, sem mais, daí ser nulo.
4 – De qualquer modo, sempre se dirá que é certo que os juros compulsórios são devidos, até porque foram os exequentes a pedi-los n seu requerimento executivo.
5 – Contudo, a decisão recorrida não é sustentada por qualquer norma jurídica, mormente do CPC.
6 – Os juros compulsórios têm a sua génese no art.º 829-A do C. Civil servindo os mesmos como mecanismo para forçar o devedor à realização da prestação.
7 – Nos termos do n.º 1 e 4 do citado normativo, compete ao devedor a liquidação desses juros.
8 – Esta sanção faz nascer uma nova obrigação para o executado.
9 – Nos termos do art.º 716 n.º 3 do CPC, compete à Agente de Execução a liquidação dessa quantia, acrescentando ainda que esta deve notifica o executado da dita liquidação (e não o exequente).
10 – O juro é de 5 %, nos termos do n.º 4 do art.º 829-A do C. Civ. dividido em partes iguais pelo exequente e o Estado.
11 – A questão in casu é de saber quem tem obrigação de pagamento d quota-parte desses juros compulsórios devidos ao Estado.
12 – O despacho recorrido remete para os exequentes.
13 – Até se poderia concordar com o mesmo, se os exequentes tivessem recebido alguma quantia a esse respeito.
14 – Ora, não é o caso em apreço.
15 – Em 2013, exequentes e executados celebraram um acordo do pagamento da dívida em prestações mensais de 200,00 €, cujo término será em Novembro de 2023.
16 – Acordo esse que apenas contempla a quantia em dívida à data d acordo, já que caso tivesse englobado os juros moratórios compulsórios, não teria sido celebrado, sendo incomportável para o executados, acrescendo cerca de oito a nove mil euros à quantia já por s elevada.
17 – Por isso, os exequentes não receberam qualquer quantia a título de juros, mormente compulsórios.
18 – Ora, se não receberem essa ou qualquer outra quantia do executados a esse título, não podem entregar ao Estado uma verba qu não receberam, nem a isso estão obrigados.
19 – A obrigação de pagamento desses juros impende sobre os devedores/executados e não sobre os credores/exequentes.
20 – Em bom rigor, os juros compulsórios só poderão ser liquidados a final, quando for cumprida na totalidade a obrigação.
21 – O facto de se declarar extinta a instância executiva, por força d acordo de pagamento, que deveria ter sido feito logo após o acordo não o foi, não faz cessar a obrigação d pagamento pontual da prestações.
22 – O art.º 716 n.º 3 do CPC dispõe que o agente de execução liquidou mensalmente ou no momento de cessação da aplicação da sanção pecuniária compulsória as importância devidas a esse efeito.
23 – Qual é o momento de cessação da aplicação dos juros compulsórios? Com o pagamento integral da quantia em dívida dizemos nós.
24 – Por isso, entendem os recorrentes que os ditos juros não poderá ser liquidados.
25 – Se assim não se entender, dir-se-á que o cálculo feito pela Agente de Execução é sobre totalidade da dívida, como se a mesma já tivesse sido paga, o que não corresponde à verdade.
26 – Por tudo quanto se disse, a responsabilidade pelo pagamento da quota-parte dos juros compulsórios devidos ao Estado é dos executados e não dos exequentes.
27 – Nenhum normativo impõe aos exequentes entregar ao Estado um quantia que não receberam e que é devida pelos executados.
28 – Assim, foram violadas, entre outras, as normas vertidas nos art.º 829-Aº n.º 1 e 4 do C. Civ., art.º 154º n.º 1, 716º n.º 3 e 806º do CPC,
art.º 205 n.º 1 da CRP

Não consta dos autos qualquer resposta às alegações de recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir

Fundamentação
Objecto do recurso
Considerando que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações do recurso as questões a decidir são as seguintes:
Nulidade do despacho;
Erro de julgamento de direito no que concerne a quem deve proceder ao pagamento dos juros compulsórios devidos ao Estados.
A factualidade a ter em conta é a descrita no relatório.

Decidindo
Os apelantes arguiram a nulidade da sentença por falta de fundamentação de direito.
Tal nulidade está prevista no art.º 615.º n.º 1 alínea do CPC, que prescreve que, a sentença é nula quando…, “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.”
Como é pacífico, tal nulidade só ocorre quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto ou indicação dos fundamentos de direito.
Sucede que, no caso concreto não se vislumbra a falta absoluta de fundamentação, donde, o que estará em causa um erro de julgamento, e não a apontada nulidade.

Quanto ao erro de julgamento de direito
Rege o art.º 829.º-A 1 do CC
Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.
2 - A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.
3 - O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado.
4 - Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.”.

No caso concreto aplica-se o n.º 4 do referido art.º do CC, que atribui natureza não indemnizatória ao adicional de juros de 5%, ao estatuir o seu acréscimo aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar”
Como se refere no Acórdão de 12-04-2012, publicado em www.dgsi.pt «A consagração das sanções compulsórias no art.º 829-A constituiu, entre nós, autêntica inovação, inspirando-se a do n.º 1 desse preceito no modelo francês das astreintes. (…)
A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis.
Quando se trate de obrigações ou de simples pagamentos a efectuar em dinheiro corrente, a sanção compulsória — no pressuposto de que possa versar sobre quantia certa e determinada e, também, a partir de uma data exacta (a do trânsito em julgado) — poderá funcionar automaticamente.
Parece, por conseguinte, que a sanção pecuniária compulsória, cujo “fim não é (nem, atenta a sua natureza de astreinte” (…), o poderia ser), o de indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência”(…), constitui “um meio intimidativo, de pressão sobre o devedor, em ordem a provocar o cumprimento da obrigação, assegurando-se, ao mesmo tempo, o respeito e o acatamento das decisões judiciais e reforçando-se, assim, o prestígio da justiça” (…).
Não obstante, no caso concreto os Exequentes fundaram a execução em sentença onde se condenou os executados a pagarem os juros compulsórios sendo certo que os exequentes pediram no requerimento executivo, o pagamento de tais juros que afinal não lhe foram pagos porque prescindiram de tal pagamento.
No despacho ora em causa, decidiu-se que os juros compulsórios devem ser pagos pelos exequentes, com o fundamente de que que prescindiram da sua parte de tais juros, em face do acordo que celebraram com os executados.
Tendo em conta a finalidade de tais juros não fará sentido que sejam os exequentes a suportar montante dos juros compensatórios no caso apenas os devidos ao Estado, uma vez que os exequentes prescindiram da parte em que lhe pertenciam o que significa que não lhes foi pago qualquer valor a título de juros compulsórios.
Tanto é assim que, no art.º 716.º n.º 3 do CPC, prescreve, que o agente de execução liquida ainda que mensalmente e no momento da cessão da aplicação da sanção pecuniária compulsórias as importâncias devidas em consequência da imposição compulsória, notificando o executado da liquidação.
Assim, se os exequentes podem prescindir dos juros compulsórios, nada impede que a execução prossiga para cobrar os ditos juros ao Estado.
Entendemos pois que sanção prevista no n.º 4, do art.º 829-A, do CC, decorre directamente da lei, não sendo necessária qualquer decisão judicial a estabelecê-la, estando abrangidas no seu âmbito, todas as obrigações pecuniárias de soma ou quantidade, contratuais ou extracontratuais.

Em conclusão:
I- Os juros compulsórios previstos no art.º 829-N .º4 do CC decorre directamente da lei, não sendo necessária qualquer decisão judicial a estabelecê-la, estando abrangidas no seu âmbito, todas as obrigações pecuniárias de soma ou quantidade, contratuais ou extracontratuais.
II- Se os exequentes prescindirem dos juros compulsórios que lhes cabe em sede de acordo com os executados, nada impede que a execução prossiga para cobrar os ditos juros ao Estado, mas tal pagamento não pode ser suportado pelos exequentes tendo em conta a finalidade dos juros compulsórios pois que, se trata de uma sanção coercitiva, cumulável com a indemnização, destinada a incentivar e pressionar o devedor a pagar a sanção pecuniária.


DECISÃO
Pelo exposto acordam os juízes desta secção cível em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida, devendo prosseguir a execução para pagamento dos juros compulsórios devidos ao Estado pelos executados, notificando o agente da execução os executados, nos termos do art.º 716.º n.º 3 do CPC.
Sem custas.