Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3660/14.1T8VNF.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
CÔNJUGE DO EXECUTADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário:

Tendo a embargante sido citada após a penhora dos bens comuns do casal, assumindo o estatuto de cônjuge do executado nos termos do artigo 787 do CPC, intervindo no processo executivo e requerendo inventário para separação de meações, perdeu a qualidade de terceiro, não se verificando todos os pressupostos dos embargos de terceiro.
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães

Maria deduziu os presentes embargos de terceiro por apenso à execução que Banco ... - moveu contra V. M..

Alegou, em síntese, que no âmbito da ação executiva foram penhorados os bens que identifica, não obstante a embargante não ser parte na aludida ação, nem tampouco ser responsável pela satisfação dos créditos exequendos, nem ter sido citada no âmbito da ação executiva.

Liminarmente admitidos os embargos, foram as partes primitivas notificadas para contestar.

A exequente embargada apresentou contestação, pugnando pela extemporaneidade e pela improcedência dos embargos.

Fixada a matéria de facto provada foi proferida decisão nos seguintes termos:

“a) - Julgo improcedentes os embargos de terceiro e mantenho as penhoras sob os bens imóveis supra identificados.”

Inconformada com o decidido a embargante interpôs recurso de apelação formulando as seguintes conclusões:

“1ª Nos casos especialmente regulados nos artigos 740 a 742° do CPC, o cônjuge não adquire um estatuto processual equiparável ao executado, nem pode deduzir oposição à penhora e exercer, nas fases da execução posteriores à sua citação, todos os direitos que a lei confere ao executado.
2ª O Cônjuge do executado se requer a separação de bens por apenso, a sua intervenção, se resume ao processo de separação de bens, sendo-lhe vedado qualquer intervenção no processo executivo (787° n.º 2), para além das outras faculdades previstas na lei, designadamente, os embargos de terceiro (342° do CPC).

SEM PRESCINDIR

3ª Para que a penhora ou a diligência judicialmente ordenada possa fundamentar a dedução de embargos de terceiro é necessário a verificação da ofensa de um direito incompatível com realização na diligência processual.
5ª Como a penhora se encontrava registada em momento anterior, ao próprio processo de separação de bens, é fundamento para deduzir embargos de terceiro, qualquer acto judicial ordenado de apreensão ou entrega de bens superveniente, que ofenda um direito incompatível com realização na diligência processual.
6ª A decisão de agendamento de dia e hora para a venda judicial dos imóveis mediante carta fechada, é acto ofensivo do direito da recorrente e fundamento para dedução de Embargos de Terceiro.
7ª o prazo para a Embargante deduzir embargos de terceiro, iniciou-se assim quando esta tomou conhecimento da data agendada para a venda dos imóveis por si adjudicados.
8ªª Mal andou assim o Tribunal a quo ao considerar que os presentes Embargos seriam intempestivos.

SEM PRESCINDIR

9ª Com efeito, a sentença em crise fez errada interpretação da prova documental junta aos autos, deveriam ter sido dado como factos provados os seguintes pontos, com relevo para a causa:

1 - Exequente e credor reclamante estiveram presentes na conferência de interessados - cfr. doc. n.º 1 e doc, n.º 5 da Petição Inicial - Embargos de Executado, ref. n.º 21980046.
2- Exequente e credor reclamante não se opuseram à adjudicação dos imóveis pela aqui recorrente, - cfr. doc, n.º 1 e doc. n.º 5 da Petição Inicial- Embargos de Executado, ref. n.º 21980046.
3 -Exequente e credor reclamante não se opuseram ao pagamento das tornas pela recorrente ao executado da forma declarada em sede conferencia de interessados. cfr. doc, n.º 1 e doc. n.º 5 da Petição Inicial - Embargos de Executado, ref. n.º 21980046.
3- Na conferência de interessados foi aprovado por unanimidade o passivo e que o pagamento do crédito quer do credor reclamante, quer do exequente era da responsabilidade exclusiva da cabeça de casal aqui executado. cfr. doe. n.º 1 e doc, n.º 5 da Petição Inicial- Embargos de Executado, ref. n.º 21980046.
4- No decurso da conferência de interessados, nenhum dos supra referidos credores (credor reclamante ou exequente), requereram o pagamento imediato dos seus créditos, nem o depósito das tornas devidas ao executado, cfr. doc. n.º 1, doc, n.º 5 e doc. n. 10 da Petição Inicial- Embargos de Executado, ref. n.º 21980046.
5- No âmbito do aludido processo de inventário foi elaborado o mapa de partilha, o qual não foi alvo de qualquer reclamação ou recurso, tendo o mesmo transitado em julgado-cfr. doc. n. 10 da Petição Inicial- Embargos de Executado, ref. n.º 21980046.
6- A Embargada não requereu no processo executivo que o executado fosse imediatamente notificado para depositar a quantia que tinha recebido - cfr. req. da Embargante com a ref. n.º 30238458 e despacho proferido e julgado como facto provado no ponto 9 da sentença aqui em crise.
7- Nos presentes autos os direitos da Recorrente enquanto cônjuge, do Exequente e do credor reclamante foram devidamente acautelados no processo de inventários, e quer o credor reclamante, quer o exequente, deram o seu acordo à pretensão dos cônjuges e à composição das suas meações, tendo o exequente dado o seu consentimento para que a adjudicação e o pagamento das tornas fosse realizados nos termos acordados em sede de conferência de interessados.
8- Elaborado mapa de partilha naqueles termos e proferida sentença homologatória, as partes do processo de inventário, que são comuns aos presentes autos, conformaram-se com os termos do mesmo e a instância foi definitivamente decidida e estabilizada.
9- Após o trânsito em julgado da homologação do mapa de partilha e a adjudicação dos quinhões aos interessados, devia a penhora que incide sobre os bens da Recorrente ter sido cancelada, uma vez que a Recorrente, não é parte na execução, nem tão pouco responsável pela dívida, prosseguindo os autos de execução, para penhora de outros bens do executado, designadamente, a penhora do valor que o executado recebeu, sendo este notificado de imediato para proceder ao depósito daquela quantia. Ou, pelo menos averiguando-se a existência de outros bens.
10- Transitado em julgado a sentença homologatória do mapa de partilha deviam os autos de execução ter prosseguido, nos termos e para os efeitos do art. 740 nº 2 do CPC.
11- Assim, ao se verificar que da partilha resultou que o valor que ficou a compor a meação do Executado, no caso o valor recibo por tornas, era suficiente para pagar o crédito exequendo, deveria o exequente ter indicado à penhora tal quantia, nos termos do art. 764° do CPC e ter requerido a notificação do executado, para depositar tal quantia juntos dos presentes autos, substituindo a penhora dos imóveis, pela quantia recebida em sede de inventário, nos termos do art. 740° n.º2 do CPC.
12- O Exequente era conhecedor destes dispositivos legais, e, se não requereu ou tomou qualquer uma daquelas providências, nem indicou à penhora o crédito, ou o dinheiro, de forma a cautelar e garantir o pagamento do seu crédito é porque não quis, em consciência e em exercício dos seus direitos e liberdades,
13- Porém, não pode a Recorrente, ser punida pela falta de providência e inércia do Exequente e ver a penhora dos seus imóveis manter-se pendente nos autos, até que o Exequente se digne a requerer diligências que permitam a penhora de outros bens do executado.
14- Não pode, o Exequente continuar a beneficiar da garantia de bens que, de plena propriedade, pertencem a quem não é devedor, em clara violação dos direitos da aqui Recorrente.
15- Neste sentido veja-se o acórdão do Tribunal de Guimarães datado de Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, 11-05-2017 disponível in www.dgsi.pt: "Movida a execução apenas contra um dos cônjuges, se forem penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, é citado o seu cônjuge para, no prazo de que dispõe para a oposição, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência da acção em que a separação já tenha sido requerida. Visando a eficácia da garantia do crédito do exequente, a penhora anterior permanece até à nova apreensão dos bens que tenham sido adjudicados ao executado, podendo, porém, ser levantada nas situações em que a apreensão destes bens se não mostre possível no imediato, seja por não serem encontrados, seja por razões atinentes ao próprio credor exequente, que não promoveu activamente a realização de todos os actos conducentes à penhora. "
16- Neste sentido veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, prolatado em 29-01-2014, com o seguinte sumário: Adjudicado ao cônjuge do executado não responsável pela dívida exequenda bem imóvel sobre o qual incide penhora por dívida tributária da exclusiva responsabilidade do outro cônjuge, terá a penhora de ser levantada, penhorando-se, ao invés, os bens que na partilha couberem ao cônjuge responsável pela dívida.
17- A sentença recorrida fez um errado julgamento dos factos, pelo que se impõe que seja proferido acórdão a revogar a mesma e a determinar que resulta provado que:
1- A aqui recorrente por apenso aos autos principais, intentou processo de inventário e partilha de bens e
2-No aludido processo de inventário que correu seus termos no apenso C, actual apenso B, foi realizada a partilha dos bens do casal, tendo sido adjudicados à recorrente em 20-02-2012 e 04-12-2013 os seguintes imóveis, respectivamente: a) Fracção Autónoma, destinada a habitação, correspondente ao ..° andar, Norte/sul e garagem sita no bloco adjacente à Rua …, de freguesia de …, do concelho de Póvoa de Varzim, inscrita na matriz predial sob o art. …°T e descrita na conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o art. …- T e (em
b) Prédio Urbano em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, composto por três andares, sito o lugar do ..., com área total de 1125 m2, inscrito na matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de Esposende, descrito na Conservatória do Registo Predial de Esposende sob o n.º .... na Conservatória do Registo Predial de Esposende sob o n.º ....
3- Nos referidos autos de inventário o aqui executado V. M. declarou que já tinha recebido em mão as tornas a que tinha direito.
3- Porém, Exequente e credor reclamante estiveram presentes na conferência de interessados e não se opuseram à adjudicação dos imóveis pela aqui recorrente, nem se opuseram ao pagamento das tornas pela recorrente ao executado da forma declarada em sede conferência de interessados,
4- Na aludida conferência de interessados foi ainda aprovado por unanimidade o passivo e que o pagamento do crédito quer do credor reclamante, quer do exequente era da responsabilidade exclusiva da cabeça de casal aqui executado e nenhum dos supra referidos credores (credor reclamante ou exequente), requereu o pagamento imediato dos seus créditos, nem o depósito das tornas devidas ao executado, muito embora o pudessem fazer.
5- No âmbito do aludido processo de inventário foi elaborado o mapa de partilha, o qual não foi alvo de qualquer reclamação ou recurso, tendo o mesmo transitado em julgado.
6- A Embargada muito embora tivesse conhecimento de que o executado tinha recebido dinheiro de tornas, suficiente para garantir o pagamento da quantia exequenda, não requereu, no processo executivo, que o executado fosse imediatamente notificado para depositar tal quantia.
7-A Recorrente é legítima proprietária e possuidora dos imóveis aqui em causa.
8- O executado tem/tinha outros bens, os quais podiam e deviam ter sido penhorados, caso o exequente assim o tivesse requerido, nos termos do art. 740° n.º 2 do CPC.
9- O agendamento da diligência da venda judicial por carta registada ofende o direito da Recorrente.
10- A recorrente não é parte da acção executiva, mas, sim terceiro.

E em consequência determine que se encontram verificados os requisitos para dedução de Embargos de terceiro, reconhecendo à aqui Recorrente que o seu direito está a ser lesado, em consequência e se determine o levantamento das penhoras que incidem sobre os aludidos imóveis restituindo assim a posse à recorrente.

Termos em que, dando-se provimento ao recurso, deve revogar-se o despacho recorrido, fazendo-se, dessa forma,
JUSTIÇA.”

A embargada/exequente apresentou contra-alegações pugnando pelo decidido, suscitando a nulidade secundária pelo facto de o tribunal ter admitido a adjudicação da totalidade dos bens imóveis à embargante/apelante, no inventário para separação de meações e tendo recebido tornas em mão”.

Das conclusões do recurso ressaltam as seguintes questões:

1. Se os embargos de terceiro são tempestivos.
2. Se é de aditar à matéria de facto provada os seguintes factos:

1 - Exequente e credor reclamante estiveram presentes na conferência de interessados - cfr. doc. n.º 1 e doc. n.º5 da Petição Inicial - Embargos de Executado, ref. n.º 21980046.
2- Exequente e credor reclamante não se opuseram à adjudicação dos imóveis pela aqui recorrente, - cfr. doc, n.º 1 e doc. n.º 5 da Petição Inicial- Embargos de Executado, ref. n.º 21980046.
3 -Exequente e credor reclamante não se opuseram ao pagamento das tornas pela recorrente ao executado da forma declarada em sede conferência de interessados. cfr. doc, n.º 1 e doc. n.º5 da Petição Inicial - Embargos de Executado, ref. n.º 21980046.
4- Na conferência de interessados foi aprovado por unanimidade o passivo e que o pagamento do crédito quer do credor reclamante, quer do exequente era da responsabilidade exclusiva da cabeça de casal aqui executado. cfr. doc. n.º 1 e doc, n.º5 da Petição Inicial- Embargos de Executado, ref. n.º 21980046.
5- No decurso da conferência de interessados, nenhum dos supra referidos credores (credor reclamante ou exequente), requereram o pagamento imediato dos seus créditos, nem o depósito das tornas devidas ao executado, cfr. doc. n.º 1, doc, n.º 5 e doc. n.º 10 da Petição Inicial- Embargos de Executado, ref. n.º 21980046.
6- No âmbito do aludido processo de inventário foi elaborado o mapa de partilha, o qual não foi alvo de qualquer reclamação ou recurso, tendo o mesmo transitado em julgado-cfr. doc. n. 10 da Petição Inicial- Embargos de Executado, ref. n.º 21980046.
7- A Embargada não requereu no processo executivo que o executado fosse imediatamente notificado para depositar a quantia que tinha recebido - cfr. req. da Embargante com a ref. n.º 30238458 e despacho proferido e julgado como facto provado no ponto 9 da sentença aqui em crise.”
3 Se se verificam os pressupostos dos embargos de terceiro deduzidos com o consequente levantamento da penhora dos imóveis.
4 E das contra-alegações ressalta se é nula a adjudicação da totalidade dos bens imóveis ao cônjuge do executado, que recebeu tornas em mão.

Vamos conhecer das questões enunciadas.

2. Se é de aditar à matéria de facto provada os seguintes factos:

1 - Exequente e credor reclamante estiveram presentes na conferência de interessados - cfr. doc. n.º 1 e doc. n.º5 da Petição Inicial - Embargos de Executado, ref. n.º 21980046.
2- Exequente e credor reclamante não se opuseram à adjudicação dos imóveis pela aqui recorrente, - cfr. doc, n.º 1 e doc. n.º 5 da Petição Inicial- Embargos de Executado, ref. n.º 21980046.
3 -Exequente e credor reclamante não se opuseram ao pagamento das tornas pela recorrente ao executado da forma declarada em sede conferencia de interessados. cfr. doc, n.º 1 e doc. n.º5 da Petição Inicial - Embargos de Executado, ref. n.º 21980046.
4- Na conferência de interessados foi aprovado por unanimidade o passivo e que o pagamento do crédito quer do credor reclamante, quer do exequente era da responsabilidade exclusiva da cabeça de casal aqui executado. cfr. doc. n.º 1 e doc, n.º5 da Petição Inicial- Embargos de Executado, ref. n.º 21980046.
5- No decurso da conferência de interessados, nenhum dos supra referidos credores (credor reclamante ou exequente), requereram o pagamento imediato dos seus créditos, nem o depósito das tornas devidas ao executado, cfr. doc. n.º 1, doc, n.º 5 e doc. n.º da Petição Inicial- Embargos de Executado, ref. n.º 21980046.
6- No âmbito do aludido processo de inventário foi elaborado o mapa de partilha, o qual não foi alvo de qualquer reclamação ou recurso, tendo o mesmo transitado em julgado-cfr. doc. n. 10 da Petição Inicial- Embargos de Executado, ref. n.º 21980046.
7- A Embargada não requereu no processo executivo que o executado fosse imediatamente notificado para depositar a quantia que tinha recebido - cfr. req. da Embargante com a ref. n.º 30238458 e despacho proferido e julgado como facto provado no ponto 9 da sentença aqui em crise.

Por uma questão de metodologia iremos começar pela determinação da matéria de facto provada, para depois debruçarmo-nos sobre as questões jurídicas suscitadas.

A matéria de facto em causa foi alegada pela embargante/apelante, na sua petição inicial, não constando da matéria de facto provada, pelo que aquela pretende que seja aditada, porque provada pelos documentos juntos aos autos com a petição inicial, mais concretamente o n.º 1, 5 10 e essencial para a decisão da causa.

Esta matéria de facto faz parte do processo de inventário para separação de meações, que a embargante/apelante deduziu porque os bens penhorados faziam parte do património comum do casal, em que era executado o seu cônjuge. Este processo teve duas fases. A primeira em que apenas foi relacionado um imóvel, património comum do executado e da aqui embargante/apelante, e o passivo. Interveio como interessado o credor reclamante Banco .... Os inventariados e este estiveram na conferência de interessados em que houve acordo na adjudicação do imóvel à aqui embargante, o passivo foi assumido pelo executado V. M. e cabeça de casal, e referiu que já recebeu as tornas em mão da aqui embargante/apelante. O credor Banco ... aceitou o acordo, mas não liberou o cabeça de casal e a requerente do inventário, aqui embargante/apelante, das responsabilidades solidárias que assumiram nos contratos firmados com o banco.

Seguiu-se a forma à partilha, o mapa de partilha, a sua fiscalização e a sentença de homologação que não foi objeto de recurso.

Na segunda fase interveio o aqui exequente/embargado Banco ... suscitando a nulidade do processado por falta de citação, sendo um interessado no processo, que foi deferida parcialmente, vindo a ser aditada à relação de bens um imóvel que foi reconhecido como sendo comum. E, na conferência de interessados, em que estiveram presentes todos os interessados, a embargante/apelante, o executado V. M., o Banco ... e o Banco ..., foi acordado o seguinte:

1. A verba n.º 2 é adjudicado à requerente Maria pelo valor de 243.629,94€;
2. pelo interessado V. M. foi declarado que já recebeu em mão as tornas a que tinha direito.
3. pelo interessado V. M. foi dito que assume o pagamento da dívida ao credor Banco ....

Seguiu-se, oportunamente, a forma à partilha, o respetivo mapa e a sentença de homologação, não tendo havido recurso.

Em face de todo o exposto, cujo conhecimento adveio da análise dos documentos juntos pela embargante à petição inicial, pela consulta do processo de inventário via Citius, e pela posição das partes nos seus articulados, é de concluir pela prova de todos os factos indicados pela apelante, pelo que vamos aditá-los à matéria de facto provada, por serem relevantes para a decisão.

Consideramos a seguinte matéria de facto, que envolve a que consta da decisão recorrida e a aditada, respetivamente:

“1. Pelo Exequente Banco ... foi intentada a acção executiva para pagamento de quantia certa principal contra o executado V. M..
2. No âmbito da acção identificada em 1 foram penhorados 2 imóveis, a saber:

1- Fracção Autónoma, destinada a habitação, correspondente ao .. andar, Norte/sul e garagem sita no bloco adjacente à Rua ..., de freguesia de …, do concelho de Póvoa de Varzim, inscrita na matriz predial sob o art. ...°T e descrita na conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o art. ...- T e
2- Prédio Urbano em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, composto por três andares, sito o lugar do ..., com área total de 1125 m2, inscrito na matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de Esposende, descrito na Conservatória do Registo Predial de Esposende sob o n.º ....
3- A 09 de Setembro de 2009 foi enviada a citação com penhora para o executado V. M. e a citação para o conjugue não executado Maria.
4- A 25/09/2009 foi cumprida a Notificação do artigo 241.° do C.P.C.
5- Dado que o cônjuge do executado requereu a separação, a execução ficou suspensa no respeitante aos bens comuns.
6- Por apenso aos autos principais, foi intentado processo de inventário e partilha de bens.
7- No aludido processo de inventário que correu seus termos no apenso C, actual apenso B, foi realizada a partilha dos bens do casal, tendo sido adjudicados ao cônjuge do executado em 20-02-2012 e 04-12-2013 os seguintes imóveis, respectivamente:

a) Fracção Autónoma, destinada a habitação, correspondente ao ..° andar, Norte/sul e garagem sita no bloco adjacente à Rua ..., de freguesia de …, do concelho de Póvoa de Varzim, inscrita na matriz predial sob o art. ...°T e descrita na conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o art. ...- T e (em
b) Prédio Urbano em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, composto por três andares, sito o lugar do ..., com área total de 1125 m2, inscrito na matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de Esposende, descrito na Conservatória do Registo Predial de Esposende sob o n.º ....
8- Nos referidos autos de inventário o aqui executado V. M. declarou que já tinha recebido em mão as tornas a que tinha direito.
9- Nos autos principais foi decidido que o alegado pagamento das tornas ao executado pelo cônjuge do executado, não é eficaz em relação ao exequente, tendo sido determinado que:
I- O executado V. M. venha, em 10 dias, depositar à ordem da agente de execução as tornas que lhe couberam no inventário, no valor de € 146.814,97 (€ 25.000,00+121.814,97), que diz ter recebido;
II- Caso o mesmo não o faça, em 10 dias, deverá o cônjuge do executado Maria ser notificado para em 10 dias, depositar à ordem da agente de execução as tornas no valor de € 146.814,97 (€ 25.000,00+121.814,97), sem prejuízo da quantia em dívida lhe poder vir a ser exigida, nos termos do que dispõe o artigo 777°, n.º 3 do CPC.
10- Do despacho referido em 8, foi interposto recurso pela aqui embargante.”
“1 - Exequente e credor reclamante estiveram presentes na conferência de interessados - cfr. doc. n.º 1 e doc. n.º5 da Petição Inicial - Embargos de Executado, ref. n.º 21980046.
2- Exequente e credor reclamante não se opuseram à adjudicação dos imóveis pela aqui recorrente, - cfr. doc, n.º 1 e doc. n.º 5 da Petição Inicial- Embargos de Executado, ref. n.º 21980046.
3 -Exequente e credor reclamante não se opuseram ao pagamento das tornas pela recorrente ao executado da forma declarada em sede conferencia de interessados. cfr. doc, n.º 1 e doc. n.º5 da Petição Inicial - Embargos de Executado, ref. n.º 21980046.
4- Na conferência de interessados foi aprovado por unanimidade o passivo e que o pagamento do crédito quer do credor reclamante, quer do exequente era da responsabilidade exclusiva do cabeça de casal aqui executado. cfr. doc. n.º 1 e doc, n.º5 da Petição Inicial- Embargos de Executado, ref. n.º 21980046.
5- No decurso da conferência de interessados, nenhum dos supra referidos credores (credor reclamante ou exequente), requereram o pagamento imediato dos seus créditos, nem o depósito das tornas devidas ao executado,cfr. doc. n.º 1, doc, n.º 5 e doc. n.º da Petição Inicial- Embargos de Executado, ref. n.º 21980046.
6- No âmbito do aludido processo de inventário foi elaborado o mapa de partilha, o qual não foi alvo de qualquer reclamação ou recurso, tendo o mesmo transitado em julgado-cfr. doc. n. 10 da Petição Inicial- Embargos de Executado, ref. n.º 21980046.
7- A Embargada não requereu no processo executivo que o executado fosse imediatamente notificado para depositar a quantia que tinha recebido - cfr. req. da Embargante com a ref. n.º 30238458 e despacho proferido e julgado como facto provado no ponto 9 da sentença aqui em crise.”

4 E das contra-alegações ressalta se é nula a adjudicação da totalidade dos bens imóveis ao cônjuge do executado, que recebeu tornas em mão.

A apelada Banco ... suscita uma nulidade secundária materializada na adjudicação da totalidade dos imóveis ao cônjuge do executado, no processo de inventário, que recebeu as tornas em mão.

A apelada, que esteve presente na conferência de interessados, aceitou o acordo que envolveu a adjudicação, à apelante, do imóvel que reclamou e já lhe tinha sido adjudicado o outro em momento anterior, que apesar de não ter estado presente e ter suscitado a nulidade processual por falta de citação, o seu pedido não foi satisfeito plenamente, e a decisão transitou em julgado porque não foi objeto de recurso.

Perante dois acordos aceites pelos interessados nas conferências de interessados impunha-se ao juiz homologá-los, porque representavam a vontade das partes interessadas no processo, cabendo-lhes defender o seu interesse, presumindo que o fizeram ao participarem no acordo. Daí que julgamos que não se verifica a nulidade suscitada.

Além disso, deveria ter sido suscitada perante o tribunal recorrido, no processo de inventário, no prazo de 10 dias após a notificação da homologação da sentença, ou, se esta permitisse recurso, através do respetivo recurso, o que não aconteceu. Daí que a haver nulidade há muito tempo que está sanada.

3. Se se verificam os pressupostos dos embargos de terceiro deduzidos com o consequente levantamento da penhora dos imóveis.

A embargante/apelante deduz embargos de terceiro, a 16/2/2016, por considerar que o seu direito de propriedade sobre os imóveis penhorados na execução foi afetado com a marcação da sua venda para o dia 9/03/2016, pedindo o levantamento das penhoras.

O tribunal proferiu decisão no sentido de que a embargante, ao ser citada no processo de execução ao abrigo do disposto no artigo 786 n.º 1 al a) e 787, ambos do CPC., pode intervir no processo de execução e requerer inventário para separação de meações, como o fez, perdendo a qualidade de terceiro perante a ação executiva. Daí que tenha considerado que não se verificavam todos os pressupostos dos embargos de terceiro previstos nos artigos 342 e 343 do CPC, com destaque para a qualidade de terceiro.

A embargante/apelante insurge-se contra o decido sublinhando que o estatuto de cônjuge do executado, consagrado no artigo 787 do CPC. não lhe confere todos os direitos processuais como se de executado se tratasse, pelo que não pode ser considerado como executado e, como tal, não é parte na ação executiva, podendo deduzir embargos de terceiro nos termos do artigo 342 e 343 do CPC.

A questão resume-se em saber se o estatuto processual de cônjuge do executado, previsto no artigo 787 do CPC, lhe confere o estatuto de parte na ação executiva, impedindo que possa lançar mão do processo de embargos de terceiro para defender-se da violação dos seus direitos emergente de um ato judicial da ação executiva.

O artigo 787 do CPC permite ao cônjuge do executado deduzir, no prazo de 20 dias, oposição à penhora, e a exercer, nas fases da execução posteriores à sua citação, todos os direitos que a lei processual confere ao executado, podendo cumular eventuais fundamentos de oposição à execução. E pode exercer todas as faculdades que lhe são permitidas nos artigos 740 a 742 do CPC.

Este normativo tem como finalidade proporcionar ao cônjuge do executado a defesa dos seus bens próprios, ou a meação nos bens comuns, quando sejam objeto de penhora por força de uma ação executiva, movida apenas contra o seu cônjuge, sendo a dívida da sua responsabilidade exclusiva. Pode exercer todos os direitos processuais do executado depois da citação para a ação executiva, após a penhora dos respetivos bens. Ao intervir, fá-lo como se executado fosse dentro dos limites conferidos pela norma. Adquire o estatuto de executado, mesmo que limitado aos fins previstos no normativo. Mas julgamos que suficientes para a defesa dos seus direitos emergentes da penhora de bens próprios ou comuns. Daí que, neste contexto, perca a qualidade de terceiro, porque a posição de executado que lhe é conferida pelo artigo 787 do CPC. esvazia a necessidade de defender os seus direitos através do incidente de embargos de terceiros, que tem como objetivo, mais alargado no artigo 342 e mais restrito no artigo 343, ambos do CPC., de impedir a ofensa de direitos emergente de penhora ou outra diligência judicial ( conf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado Vol. I, Almedina, pag. 399, anotação ao artigo 343; Lebre Freitas, Código Processo Civil Anotado, I Vol., 3ª edição, Coimbra Editora, pag. 665 a 668, anotação ao artigo 343, e Lebre Freitas, Ação executiva, 6ª edição, Coimbra Editora, pag. 335).

No caso em apreço a embargante/apelante foi citada nos termos do artigo 786 n.º 1 al. a), deduziu oposição à penhora, requereu inventário para separação de meações, uma vez que os bens penhorados eram comuns do casal, sendo-lhe adjudicados por acordo de todos os interessados no inventário e opôs-se, na execução, que o processo continuasse para venda dos bens penhorados, sendo proferido despacho no sentido de que deveria depositar as tornas caso o executado o não fizesse no prazo que lhe foi concedido, com o qual não concordou, e interpôs o respetivo recurso, que foi admitido, a subir em separado, como tudo constas do processo executivo e apenso C, inventário para separação de meações.

Assim exerceu todos os direitos processuais conferidos pelo artigo 787 do CPC., na defesa da meação nos bens penhorados, estando em recurso a decisão que a obriga a depositar as tornas para ressarcimento do exequente. Daí que tenha perdido a qualidade de terceiro após assumir o estatuto equivalente a executado nos termos do artigo 787 do CPC, pelo que é de concluir que não se verificam todos os pressupostos dos embargos de terceiro.

1. Se os embargos de terceiro são tempestivos.

De acordo com o disposto no artigo 344 n.º 1 do CPC a embargante tinha 30 dias para deduzir os embargos após a diligência efetuada ou o conhecimento da sua ofensa. No caso em apreço a embargante deduziu embargos a 29/02/2016.

A sentença recorrida fundamenta a intempestividade dos embargos no facto de os bens penhorados terem sido adjudicados à embargante a 20/02/2012 e 4/12/2013, muito tempo antes da sua entrada em juízo.

A apelante considera que a marcação da venda dos bens penhorados é que fundamenta os embargos e apenas teve conhecimento deste ato após a sua publicação a 19/02/2016 (doc. n.º 3 de fls. 17 da petição inicial).

E julgamos que com razão, porque este ato é que iria colocar em causa o seu direito de propriedade, com uma eventual venda. E o certo é que a data prevista de 9/03/2016 foi suspensa com a entrada do processo a 29/02/2016 e o requerimento introduzido no processo executivo a 29/02/2016, a informar que estavam pendentes embargos de terceiro.

Assim julgamos que os embargos são tempestivos, mas face ao decidido em 3, a tempestividade é irrelevante.

Concluindo. 1. Foi aditada a matéria de facto requerida pela embargante/apelante por se considerar provada.
2. Não foi admitida a nulidade secundária suscitada pela apelada por se considerar que não existiu e, no caso da sua verificação, estava sanada pelo decurso do tempo.
3. Tendo a embargante/apelante sido citada após a penhora dos bens comuns do casal, assumiu o estatuto de cônjuge do executado nos termos do artigo 787 do CPC, intervindo no processo executivo e requerendo inventário para separação de meações, perdendo a qualidade de terceiro, pelo que se considerou que não se verificavam todos os pressupostos dos embargos de terceiro.

Decisão

Pelo exposto acordam os juízes da Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.

Custas a cargo da apelante.
Guimarães,

Relator Des. Espinheira Baltar
Adjuntos Des. Eva Almeida e Luísa