Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4643/09.9TBGM-C.G1
Relator: MARGARIDA SOUSA
Descritores: OPOSIÇÃO À PENHORA
VALOR PROCESSUAL
PENHORA DE VENCIMENTO
IMPENHORABILIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O valor processual do incidente de Oposição à penhora deverá ser aferido pela sua utilidade económica, correspondendo esta, no caso da penhora de subsídios, ao valor da quantia exequenda subsistente à data da penhora, uma vez que, a não ser considerada inadmissível, a dita penhora se manterá até satisfação integral de tal quantia;

II - Não pode o julgador formar a sua convicção a respeito da matéria de facto controvertida a partir de eventuais elementos que sejam do seu conhecimento sem que tais elementos constem do processo e a ele tenham sido aportados em conformidade com os procedimentos probatórios legalmente previstos, isto é, de acordo com o “esquema metodicamente ordenado dos actos processuais destinados a permitir a utilização dos diferentes meios de prova”;

III – Não auferindo o oponente/executado uma pensão que, somada aos duodécimos dos subsídios de férias e de Natal a que tem direito, seja superior ao salário mínimo nacional, os referidos subsídios são impenhoráveis, nos termos do artigo 738.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil;

IV – Relativamente à penhora de vencimentos, pensões ou quaisquer outras prestações das referidas no nº 1 do art. 738º do Código Civil de valores iguais ao salário mínimo nacional, a dúvida sobre se existem outros rendimentos ou bens deve beneficiar o executado.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

Nos autos de execução em que é Exequente Banco I, S.A. e Executados Maria e Manuel veio este último deduzir Oposição à Penhora requerendo seja ordenado o levantamento da penhora dos subsídios de natal e férias da pensão por ele auferidos por inadmissibilidade legal da mesma; ou, caso assim não se entenda, a isenção dessa penhora.

Alegou, para tanto, que o valor que aufere de pensão multiplicado por 14 meses (subsídio de férias e de natal) 435,83x14 meses=6.101,62 euros dividido por 12 meses dá o valor de 508,46 euros, ou seja, o rendimento global anual do executado dividido pelos 12 meses dá um valor inferior ao salário mínimo nacional, sendo que o valor da referida pensão de invalidez é o único rendimento do seu agregado familiar, pelo que deve a penhora dos subsídios ser considerada ilegal e, por isso ser ordenada a sua não admissibilidade/impenhorabilidade, por ofender as disposições conjugadas do artigo 738º, nº3, do CPC e do artigo 1º da CRP. Caso assim não se entenda, pugna pela isenção atendendo conjuntamente às necessidades do executado/oponente e do seu agregado familiar e à natureza da dívida exequenda.

O Exequente contestou, impugnando o alegado quanto à ausência de outros rendimentos, porquanto a cônjuge do Oponente e Executada nos autos principais é vendedora da Imobiliária X.

Efetuado o julgamento, foi proferida sentença que fixou o valor da Oposição à penhora em 871,66 euros e julgou improcedente o referido incidente.

Recorre o Exequente destas duas decisões apresentando as seguintes conclusões:

1- Valor do incidente alterado/fixado aquando da notificação da sentença pelo Tribunal a quo. Na oposição à penhora o executado indicou como valor do incidente o valor da execução, tal valor não foi impugnado de qualquer forma pela exequente, antes pelo contrário, a exequente na sua contestação indicou o mesmo valor que o executado, ou seja, o valor da execução.
2- Competindo ao juiz a fixação do valor da causa, com o devido respeito, este não pode, não deve deixar de ter em conta a posição das partes assumida no processo. No caso dos autos o valor foi indicado pelas partes de forma expressa e igual e, por isso, aceite por ambas as partes não se concebendo que, aquando da notificação da sentença proferida, o executado constate que o Tribunal a quo na parte referente ao Relatório tenha indicado como valor da causa – 871,66 euros, ou seja, tenha alterado o valor indicado por ambas as partes.
3- O executado, com o devido respeito por opinião contrária, e com todo o respeito pelo Tribunal a quo, entende que o valor atribuído ao presente incidente tal como consta da notificação efetuada do auto de penhora, do qual se deduziu oposição, o limite da penhora é 16.100,00 euros, logo a utilidade económica da penhora efetuada na reforma do executado é no valor de 16.100,00 euros, uma vez que tal penhora se irá manter até que se perfaça o valor que consta no respetivo auto de penhora.
4- Pelo que, o valor a atribuir, no modesto entender do executado, nunca deveria ter sido o valor que foi fixado pelo Tribunal a quo, mas antes o valor da execução ou o valor de 16.100,00 euros, sendo que o valor fixado pelo Tribunal a quo coarta a possibilidade de recurso da decisão, devendo o mesmo ser alterado.
5- Tal como consta no artigo 304º, n.º 1 do CPC o valor dos incidentes é o valor da causa a que respeitam.
6- Pelo que, entende o recorrente, com o devido respeito, que o valor fixado pelo Tribunal a quo deve ser alterado para o valor indicado pelas partes, ou seja, o valor da execução ou valor do limite da penhora, o que se requer a V.exas.
7- Nulidade da sentença, de acordo com o artigo 615º, n.º 1 alínea b) e c)- Com todo o respeito e consideração que o Tribunal a quo nos merece, e salvo melhor opinião em contrário, entende a recorrente, no seu modesto entender, que o Tribunal a quo não fez uma exposição completa dos motivos de facto e direito que fundamentaram a sua decisão.
8- Entende a recorrente, com o devido e grande respeito pelo Tribunal a quo, que o mesmo não fundamentou devidamente a sua decisão, não esclarecendo cabalmente o processo lógico mental da formação da sua convicção para lhe permitir dar como provado que a mulher do executado vendeu mais de 317 imóveis.
9- A sentença aqui posta em crise não habilita o recorrente a perceber e a fazer uma avaliação segura e objetiva do porquê da decisão e do processo lógico mental que serviu de suporte ao conteúdo decisório. Não possibilita o recorrente apreender e compreender cabalmente os juízos de valoração e da apreciação da prova.
10- Entende o recorrente que a sentença posta em crise é nula na parte que deu como provado que a mulher do executado vendeu mais de 317 imóveis, o que argui.
11- A douta sentença nessa parte, com o devido respeito, é ininteligível para o recorrente, uma vez que não percebe o recorrente como é que o Tribunal a quo dá como provado esse facto.
12- Prova alguma foi feita nesse sentido, os documentos que foram juntos pela exequente e que foram impugnados pelo executado nada dizem quanto a esse facto.
13- No site mencionado pelo Tribunal a quo em lado algum está essa informação, pelo que não entende o recorrente como é que foi formada a convicção do Tribunal a quo quanto a essa matéria, logo a decisão quanto a esse facto é incompreensível para o recorrente, sendo por isso, no seu modesto entender e, nessa parte, nula.
14- Quanto á matéria de facto, salvo o devido respeito, o Meritíssimo Juíz a quo deveria, ao contrário do decidido, ter dado como não provados os facto constantes dos pontos 3 e 4 na parte por nós sublinhada, acima indicados.
15- Factos estes que aqui expressamente se especificam nos termos e para os efeitos da alínea a) do artigo 640º do Código de Processo Civil.
16- Porquanto os meios probatórios constantes do processo não são suscetíveis de fundamentar uma resposta positiva a esses pontos.
17- O Tribunal a quo fundou a sua convicção apenas e só baseado no site https://www.imobiliária X.pt/(...).
18- Sendo que o Tribunal a quo, com o devido respeito, não poderia dar como provado, como deu, que a executada vendeu mais de 317 imóveis!
19- Nada disso, mais uma vez com o devido respeito, era ou é referido no aludido site, mas mesmo que o fosse, no modesto entender do recorrente, o Tribunal a quo não poderia baseado apenas num site e sem qualquer outro elemento de prova, dar como provado determinado facto, uma vez que o que é referido em qualquer site pode ou não corresponder à realidade do que aí é vertido.
20- Mas a verdade é que em lado nenhum do aludido site ou do print efetuado pela exequente e junto aos autos refere que a executada vendeu 317 imóveis, e nenhuma prova foi feita nesse sentido.
21- Assim como nenhuma prova em sede de audiência de discussão e julgamento, foi feita de quando a mulher do executado se inscreveu como agente Imobiliária X.
22- O recorrente impugnou, em sede de audiência de discussão e julgamento, as fotocópias juntas aos autos pela exequente, nomeadamente o print do aludido site, por um dever de ofício, precisamente por serem simples cópias e porque as mesmas não poderiam provar, conforme pretendido pela exequente, o que era alegado pela mesma nos artigos, 5º, 6º, 7º e 8º da oposição, nomeadamente a data em que a mulher do executado se inscreveu como agente imobiliária X, os 317 imóveis, a % de lucro indicada, porque em lado nenhum dos aludidos documentos isso é mencionado, assim como também não é mencionado pela consulta ao site.
23- Por isso, foram impugnados os documentos.
24- Os documentos não foram impugnados pelo motivo e conforme é referido pela douta sentença posta em crise no ponto 3.3 – Convicção do Tribunal: “ Note-se que o oponente, ainda hoje, no início da audiência de discussão e julgamento, fez questão de “ impugnar” essa informação de emprego da sua esposa apresentada nos autos pelo banco exequente e confirmada, ainda hoje, pelo Tribunal na referida página da intenet.”.
25- O executado/recorrente quando alega que a sua mulher está desempregada fá-lo sem qualquer má- fé, uma vez que a mesma passa grande parte senão todo o dia com o mesmo, tendo sido a mesma que lhe forneceu a declaração de inscrição no Centro de Emprego que, segundo ela, julgava já estar inscrita, mas quando solicitou o comprovativo lhe terão dito que teria que fazer uma nova inscrição.
26- Pelo que, no modesto entender do recorrente, a sua mulher não terá “forjado” ou não terá sido, com certeza, com esse intuito que o terá feito quando solicitou, de novo, a sua inscrição no centro de emprego.
27- Com o devido respeito, o facto de a mulher do executado estar inscrita como agente da imobiliária X nada impedia que se inscrevesse no centro de emprego, aliás é possível os empregados, que não é o caso da mulher do executado, se inscrevam no centro de emprego.
28- Seria mais fácil/lógico para o recorrente, se tivesse consciência que, ao referir que a sua mulher está desempregada, estava a “ mentir” juntar as declarações fiscais de ambos que atestam os baixos rendimentos, referindo apenas que a mulher era agente imobiliária X não auferindo, contudo, qualquer rendimento.
29- Pelo que, o recorrente quando afirma que a sua mulher está desempregada fá-lo convicto da sua veracidade, uma vez que a mesma passa todo o tempo com o mesmo.
30- Por isso, nem sequer mencionou o facto de a sua mulher estar inscrita como agente imobiliária X, para ser indicado no articulado da oposição, o que diga-se, é certo, evitaria que o Tribunal a quo formasse a convicção com que ficou, ou seja, que o recorrente o fez de forma ardilosa, o que não se concebe.
31- As testemunhas que foram indicadas pelo próprio recorrente disseram que a mulher do recorrente estava inscrita como agente imobiliária X, se a intenção do recorrente fosse mentir acerca desse facto não teria indicado as mesmas. É sem dúvida um contrassenso.
32- Ambas as testemunhas referiram, contudo, desconhecer se a mulher do recorrente, mãe das mesmas, já tinha feito ou não alguma venda, desconhecendo % de vendas, sabendo apenas que a executada passava e passa quase todo o dia com o recorrente, uma vez que o mesmo precisa de apoio e acompanhamento por estar reformado por invalidez, desconhecendo também se a mesma estava ou não inscrita no centro de emprego.

Conforme foi referido pela testemunha C. C. (filha do executado/ oponente) o mesmo por vezes desorienta-se no tempo e no espaço e perde a noção da realidade.

33- Vide o depoimento da testemunha C. C. gravado através de suporte digital na aplicação H@bilus, ficheiro 00:00:01 até 00:08:43 Minuto 01:45 a 04:11; minuto 04:33 a 04:37, minuto 05:05:37, minuto 06:22 a 6:57; minuto 06:59 a 07:15 e minuto 08:13 a 08:37
34- Vide o depoimento da testemunha F. C. gravado através de suporte digital na aplicação H@bilus, ficheiro 00:00:01 até 00:09:15, conforme ata do dia 26/04/2018 minuto 03:10 a 03:57 e minuto 05:20 a 06:16
35- No que se refere aos factos não provados o Tribunal considerou como não provado entre outros que nem o recorrente nem a sua mulher são proprietários de quaisquer bens que possam dar para penhora à execução, que são os filhos do oponente e da sua mulher que os ajudam, que o valor da pensão de invalidez do oponente/executado seja o único rendimento do seu agregado familiar.
36- Com o devido respeito pelo Tribunal a quo, que é muito, entende o recorrente que o Tribunal a quo não deveria ter considerado absolutamente irrelevantes os depoimentos dos filhos do recorrente e da mulher apenas e tão só porque entendeu que o site era uma prova irrefutável, o que com o devido respeito, não pode ser por si só prova plena de qualquer facto.
37- É do conhecimento geral que muitas das vezes são publicitadas vendas a determinado vendedor para o promover junto do público. Sendo que essas vendas não são, na realidade, desse vendedor.
38- São por vezes publicitados vendas que não chegaram a realizar-se pela imobiliária ou pelo vendedor, pelo que, no modesto entender do recorrente e com o devido respeito, o Tribunal a quo formar toda a sua convicção baseado apenas e só na informação que é dada pela exequente e pela consulta a um site, onde parte dos factos dados como provados, nem sequer são mencionados no site é no mínimo incompreensível.
39- Os filhos do executado afirmaram ambos ser a filha, testemunha C. C., que paga a renda de casa. As outras despesas eram divididas pelos dois irmãos.
40- Ambos desconheciam que a mãe tivesse feito alguma venda, assim como afirmaram que a mãe não recebia mensalmente nenhum valor.
41- Afirmaram ambos que os pais não eram proprietários de quaisquer bens móveis ou imóveis que pudessem dar à penhora.
42- A este respeito vide o depoimento de C. C. gravado através de suporte digital na aplicação H@bilus, ficheiro 00:00:01 até 00:08:43, minuto 05:05 a 05:37, 06:22 a 06:57, 06:59 a 07:15
43- A este respeito vide o depoimento de F. C. gravado através de suporte digital na aplicação H@bilus, ficheiro 00:00:01 até 00:09:15, conforme ata do dia 26/04/2018, minuto 03:10 a 03:57, 05:20 a 06:16.
44- Com a alteração da matéria de facto dado como provada e não provada, como acima se indica, outra poderia ser, no modesto entender do recorrente, a decisão do Tribunal a quo.
45- O artigo 738º, n.º 3 do CPC estabelece que na ausência de outros rendimentos é impenhorável, como limite mínimo, o valor correspondente a um salário mínimo nacional, que é considerado o mínimo socialmente reconhecido como necessário e imprescindível para assegurar a subsistência de alguém com o mínimo de dignidade.
46- A penhora dos subsídios da pensão do executado/oponente é impenhorável, porque da globalidade do rendimento auferido globalmente/ anualmente pelo executado/oponente não é atingido mensalmente o valor do rendimento mínimo garantido, sendo tal penhora ofensiva do princípio da dignidade da pessoa humana, decorrente do princípio do Estado de Direito, pelo que deve a mesma ser considerada ilegal e, por isso deverá ser ordenada a sua não admissibilidade/impenhorabilidade, por ofender as disposições conjugadas do artigo 738º, n,º3 do CPC e do artigo 1º da CRP.
47- Conclui, assim, o recorrente que com a alteração da matéria de facto dada como provada outra poderia ser a decisão de direito do Tribunal a quo.

Termina pedindo a revogação da sentença.

O Recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela inadmissibilidade do recurso face ao valor fixado ao incidente.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Como é sabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do NCPC).

Assim sendo, no caso, são as seguintes as questões a decidir:

- Saber qual o valor do incidente de Oposição à Penhora (o que terá implicações no conhecimento ou não do restante objeto do recurso);
- Saber se a sentença é, total ou parcialmente, nula, por ininteligível;
- Saber se ocorreu erro de julgamento no que toca à decisão relativa à matéria de facto;
- Saber se a impenhorabilidade do salário mínimo nacional a que alude o art. 738º, nº 3, do CPC abrange os subsídios de férias e de Natal e em que termos e se tal impenhorabilidade está dependente da inexistência de outros rendimentos não só do próprio, como do cônjuge.
***
III. FUNDAMENTOS

Os Factos

A primeira instância considerou provados os seguintes factos:

1.- O executado está reformado por invalidez, uma vez que sofre de doença degenerativa, auferindo mensalmente de pensão pro Invalidez a quantia de 435,83 euros, conforme documento junto a fls. 5v, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
2.- No dia 28 de Fevereiro de 2018, data de apresentação do presente incidente de oposição à penhora, a esposa do opoente, Maria, declarou no centro de emprego que estava desempregada e ficou inscrita no Cento de Emprego do Médio Ave como candidata a emprego, com o id (...), desde 22-02-2018, na situação de despregada à procura de novo emprego, conforme documento junto a fls. 6, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
3. –A Executada Maria é Agente Imobiliária na Imobiliária X, com sede na Rua (...), Guimarães, pelo menos desde final do ano 2013, conforme informação disponível na presente data no seguinte site: https://www.imobiliária X.pt/(...).
4.- Na presente data a Executada tem 52 imóveis sob gestão tendo vendido mais de 317 imóveis, conforme informação disponível na presente data no seguinte site: https://www.imobiliária X.pt/(...).

E considerou, não provados, os seguintes:

- É da parca pensão do executado/oponente que o mesmo e a sua mulher, que faz parte do seu agregado familiar, se alimentam, se vestem, compram os medicamentos de que necessitam…
- O opoente e a sua mulher não têm outro qualquer rendimento, nem são proprietários de quaisquer bens que possam dar para penhora à execução.
- São os filhos do oponente que têm sido os “pais” do oponente e da sua mulher, pois sem a preciosa ajuda deles não conseguiriam sobreviver, pois é objetivamente claro que seria impossível o executado e a sua mulher sobreviverem com a pequena pensão de 435,83 euros de forma minimamente digna.
- O valor da pensão de invalidez do oponente/executado, como se disse, é o único rendimento do seu agregado familiar.

O Direito.

- Do valor do incidente de Oposição à Penhora

Antes do mais, para este efeito e com base na consulta dos autos principais no “Processo Viewer”, é de considerar, que à data da penhora, a quantia exequenda ascendia a 16.100,39 € (cfr. resulta do “auto de penhora” relativo à penhora de subsídios em causa).

Isto assente.

Defende o recorrente que o valor do incidente de oposição por si deduzido à penhora dos subsídios de Natal e de férias, deve ser o valor da execução – por si indicado no requerimento inicial do referido incidente – ou, em alternativa, o limite da penhora – no montante de 16.100,00 euros -, valor esse que corresponde à utilidade económica da penhora efetuada na reforma do executado, uma vez que tal penhora se irá manter até que se perfaça o valor que consta no respetivo auto de penhora.

Desde já se dirá que, não sendo o valor do incidente de oposição igual ao valor da execução, lhe assiste, no entanto, inteira razão quando pugna pela segunda alternativa.

O Recorrente deduziu oposição apenas quanto à penhora dos subsídios. Todavia, o valor de tal incidente não é – como se vê ter incorretamente entendido o Tribunal recorrido – o valor anual dos ditos subsídios, como facilmente se explicará.

Nos termos do art. 304º, nº 1, do CPC, o valor dos incidentes é o da causa a que respeitam, salvo se o incidente tiver realmente um valor diverso do da causa, isto é, quando a utilidade económica do incidente e a utilidade económica da causa sejam distintas, pois que, nesse caso, o valor processual do incidente terá de ser aferido pela sua utilidade, com afastamento do valor da utilidade económica da causa.

É como se o incidente constituísse uma causa autónoma, com o valor decorrente da sua particular utilidade económica (Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 3.ª ed, pág. 51.)

No caso vertente, o recorrente, ao deduzir oposição à penhora dos subsídios, provocou um incidente cuja utilidade económica se diferencia da utilidade económica da execução (o crédito exequendo), pelo que o seu valor não pode deixar de se identificar com a utilidade económica que com ele visa prosseguir, que é a do levantamento da penhora sobre os ditos subsídios que, obviamente, se não for considerada ilegal e, por isso, inadmissível, se manterá até satisfação integral da dívida exequenda ainda subsistente à data da penhora, tanto mais que, da consulta dos autos principais resulta inexistir qualquer outro bem penhorado.

Assim sendo, considerando que, à data da penhora, a quantia exequenda ainda ascendia a 16.100,39 €, é este o valor do incidente de Oposição à penhora, procedendo, pois, nesta parte, a apelação.

Consequentemente, sendo este o valor do incidente, ao contrário do defendido pelo Recorrido, nada obsta ao conhecimento do remanescente objeto do recurso.

- Nulidade da sentença por falta de fundamentação/ininteligibilidade

Segundo o Recorrente a sentença em crise não esclarece o processo lógico mental da formação da sua convicção para lhe permitir dar como provado que a mulher do executado vendeu mais de 317 imóveis e, por essa razão, não habilita o recorrente a perceber e a fazer uma avaliação segura e objetiva do porquê da decisão, sendo, por isso, nula à luz das alíneas b) e c) do nº 1 do art. 615º do CPC.

Vejamos.

A fundamentação da sentença tem regulamentação específica na norma do artigo 607º do CPC, que dispõe:

(…)
2. A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
3. Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
4. Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”

E é nula a sentença quando, nomeadamente, não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão ou ocorra obscuridade que torne a decisão ininteligível - cfr. alíneas b) e c), parte final, do citado nº 1 do art. 615º.

O primeiro dos referidos vícios corresponde à ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), vício que encerra um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutiliza o julgado na parte afetada.

A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do citado art. 607º, nº 3, do CPC que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.

A nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC, tal como é pacificamente admitido, exige a ausência total de fundamentação de facto ou de direito e não se basta com uma fundamentação meramente incompleta ou deficiente (cfr. Acórdão desta Relação de 14.05.2015 e Acórdão do STJ de 04.05.2010 ali indicado).

“A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”. (Decisão Sumária da Relação de Coimbra de 06.11.2012).

Isso mesmo ensina Alberto dos Reis: “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”. (Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pág.140)

Deste entendimento não se tem desviado a Doutrina mais recente (Lebre de Freitas, in Código Processo Civil, pág. 297; Rodrigues Bastos, in "Notas ao Código de Processo Civil", III, pág.194).

Por seu turno, a obscuridade, de acordo com a jurisprudência e doutrinas dominantes, traduz os casos em que a sentença apesar de conter fundamentação se revela ininteligível.

Sendo estes os critérios para aferir da verificação das aludidas nulidades, forçoso é concluir pela improcedência da arguição em causa, certo que a sentença em crise não se traduz numa decisão que careça, em absoluto, no que toca à decisão relativa à matéria de facto apontada pelo Recorrente, de fundamentação, sendo que, ainda que eventualmente errada, tal fundamentação (ou motivação) é inteligível, tanto assim que o Recorrente dirige a sua argumentação tendente à demonstração do erro de julgamento do Tribunal contra o único elemento de prova que, claramente, terá sustentado a convicção positiva do Tribunal a respeito da factualidade em crise – o que denota ter percebido a lógica do discurso –, elemento aquele que o Tribunal indica no próprio elenco dos “Factos provados” a respeito dos pontos em questão: informação disponível na presente data no seguinte site: https://www.imobiliária X.pt/(...).

Improcedem, pois, as arguidas nulidades.

- Impugnação da matéria de facto

A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é admitida pelo artigo 640º, n.º 1, do Código de Processo Civil, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.

Por sua vez, estatui o n.º 1 do artigo 662º do mesmo diploma legal que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Sustenta o Recorrente que houve erro na apreciação da prova, porquanto o Juiz a quo, ao contrário do decidido, deveria ter dado como não provados os facto constantes dos pontos 3 e 4 (na parte sublinhada), na medida em que os meios probatórios constantes do processo não são suscetíveis de fundamentar uma resposta positiva a esses pontos e o Tribunal a quo fundou a sua convicção apenas e só baseado no site https://www.imobiliária X.pt/(...) e, por outro lado, ter considerado provado que nem o recorrente nem a sua mulher são proprietários de quaisquer bens que possam dar para penhora à execução, que são os filhos do oponente e da sua mulher que os ajudam e que o valor da pensão de invalidez do oponente/executado é o único rendimento do seu agregado familiar, invocando, para este último efeito, os depoimentos das testemunhas C. C. e F. C., filhos do Oponente e da Executada Maria.

Que dizer?

Começando pelos “Factos provados” e tendo presente o aduzido pela 1ª instância para sustentar a sua convicção quanto aos concretos pontos de facto ora impugnados – informação disponível na presente data no seguinte site: https://www.imobiliária X.pt/(...). – desde logo se dirá que não pode o julgador formar a sua convicção a respeito da matéria de facto controvertida a partir de eventuais elementos que sejam do seu conhecimento sem que tais elementos constem do processo e a ele tenham sido aportados em conformidade com os procedimentos probatórios legalmente previstos, isto é, de acordo com o “esquema metodicamente ordenado dos actos processuais destinados a permitir a utilização dos diferentes meios de prova” (vide Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, pág. 495), o que, no que concerne aos documentos, implica, na fase da denominada “assunção de prova”, a respetiva junção aos autos (ainda que por iniciativa do julgador ao abrigo do princípio do inquisitório). E sem a incorporação no processo de um determinado meio probatório, com a consequente impossibilidade de exercício do contraditório relativamente à sua admissibilidade e à respetiva força probatória pela parte a quem o mesmo desfavorece, não pode o julgador valer-se dele para fundamentar a sua convicção.

Ora, no caso, do suposto conteúdo do site invocado pelo ora Recorrido, apenas foram juntos aos autos dois extratos dos quais decorre que, à data da respetiva consulta, a Executada Maria era Agente Imobiliária na IMOBILIÁRIA X, não se encontrando inseridos no processo os invocados elementos alegadamente constantes, segundo a ora Recorrida, do dito site, quer no que concerne à data a partir da qual a Executada passou a exercer aquela atividade, quer ao número de imóveis pela mesma já vendidos, pelo que, sendo este, como refere o Recorrente, o único meio probatório indicado pela primeira instância com vista a sustentar a aludida matéria, não poderá, como é bom de ver, manter-se a decisão firmada relativamente a tais factos.

Tal não impede, porém, que, com base no conteúdo efetivamente extratado nos autos em conjugação com o depoimento do próprio filho do Oponente e da Executada Maria, se considere provado que (à data da prolação da sentença) a Executada Maria era Agente Imobiliária na IMOBILIÁRIA X.

E, assim sendo, não se pode afirmar, com fundamento nos depoimentos dos referidos filhos do Oponente, que a pensão do Executado/Oponente é a única fonte de rendimento do casal, porquanto o depoimento da filha C. C. se revela, no confronto do depoimento do seu próprio irmão – que reconheceu ser a mãe agente imobiliária –, claramente comprometido com o interesse do seu pai, aqui Oponente, e, por seu turno, o depoimento do filho F. C., para além de vago e defensivo, não afasta a hipótese de, como é natural, algum rendimento a sua mãe e aqui Executada Maria auferir com o exercício da dita atividade. Dada a fragilidade dos aludidos depoimentos também não pode, com base exclusiva em tais meios de prova, considerar-se provada a demais matéria objeto da presente impugnação.

De todo o modo, uma coisa se pode ter por certa face a toda a prova produzida: a natureza da incapacidade do Executado determinante do recebimento, pelo mesmo, da pensão de invalidez documentada nos autos, é claramente incapacitante do exercício de qualquer atividade remunerada, não tendo, por outro lado, sido trazido aos autos o conhecimento de qualquer indício, por ténue que fosse, relativamente a qualquer outro tipo de rendimento por aquele eventualmente auferido – sendo, para esse efeito, indiferente os rendimentos auferidos pelo respetivo cônjuge –, pelo que a decisão quanto à factualidade controvertida ora em causa se deve cindir em dois aspetos distintos (porque, efetivamente, distintos são, tendo tal distinção relevância para a decisão da causa, como infra melhor se verá): um respeitante à circunstância de não recebimento, pela mulher do Oponente, de qualquer rendimento e outro relativo ao facto de o Recorrente/Oponente não auferir outro rendimento para além da referida pensão de invalidez.

Face ao que se vem de dizer, julga-se a impugnação da matéria de facto parcialmente procedente, passando, de seguida, a elencar-se os Factos provados e não provados, de acordo com a alteração ora introduzida.

Assim, são os seguintes os:

Factos provados:

1.- O executado está reformado por invalidez, uma vez que sofre de doença degenerativa, auferindo mensalmente de pensão por Invalidez a quantia de 435,83 euros, conforme documento junto a fls. 5v, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
2.- No dia 28 de Fevereiro de 2018, data de apresentação do presente incidente de oposição à penhora, a esposa do opoente, Maria, declarou no centro de emprego que estava desempregada e ficou inscrita no Cento de Emprego do Médio Ave como candidata a emprego, com o id (...), desde 22-02-2018, na situação de desempregada à procura de novo emprego, conforme documento junto a fls. 6, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
3. – A Executada Maria é Agente Imobiliária na IMOBILIÁRIA X.
4. - O valor da pensão de invalidez do oponente/executado é o único rendimento deste.

Factos não provados:

- Seja da parca pensão do executado/oponente que o mesmo e a sua mulher, que faz parte do seu agregado familiar, se alimentam, se vestem, compram os medicamentos de que necessitam…
- A mulher do Oponente não tenha outro qualquer rendimento.
- Sejam os filhos do oponente que têm sido os “pais” do oponente e da sua mulher, pois sem a preciosa ajuda deles não conseguiriam sobreviver.
- O valor da pensão de invalidez do oponente/executado seja o único rendimento do seu agregado familiar.
- A Executada Maria seja agente imobiliária pelo menos desde final do ano 2013.
- À data da decisão recorrida a Executada tivesse 52 imóveis sob gestão tendo vendido mais de 317 imóveis.

- Subsunção jurídica dos factos

O nº 3 do art. 738º do CPC estabelece o limite mínimo objetivo da impenhorabilidade prescrita no nº 1 indexado ao salário mínimo nacional.

É o princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de direito, afirmado no art. 1º da C.R.P. e aludido também no artigo 59º, nº 1, a) da C.R.P., que exige que se salvaguarde aos devedores o mínimo julgado indispensável a uma existência condigna.

O salário mínimo nacional “é a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e que por ter sido concebido como o “mínimo dos mínimos” não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2002, de 23 de Abril).

Para alguns, como é o caso do Conselheiro Cura Mariano (cfr. Voto de vencido no Ac. do Ac. TC 770/2014), no caso das pensões pagas mensalmente com direito a subsídio de férias e de Natal, a impenhorabilidade tem que salvaguardar qualquer uma das suas prestações, incluindo os subsídios, quando estas têm um valor inferior ao do salário mínimo nacional. E o facto de, nos meses em que são pagos aqueles subsídios, a soma do valor da pensão mensal com o valor do subsídio ultrapassar o valor do salário mínimo nacional, não permite que tais prestações passem a estar expostas à penhora para satisfação do direito dos credores, uma vez que elas, por serem pagas no mesmo momento, não deixam de ser necessárias à subsistência condigna do seu titular. Não é o momento em que são pagas que as torna ou não indispensáveis à subsistência condigna do executado, mas sim o seu valor, uma vez que é este que lhe permite adquirir os meios necessários a essa subsistência”.

Segundo o referido Conselheiro, “quando o Tribunal Constitucional escolheu o salário mínimo como o valor de referência para determinar o mínimo de subsistência condigna teve necessariamente presente que o mesmo era pago 14 vezes no ano, circunstância que tem influência na fixação do seu valor mensal, tendo entendido que o recebimento integral de todas essas prestações era imprescindível para o seu titular subsistir com dignidade. Foi o valor dessas prestações, pagas 14 vezes ao ano, que se entendeu ser estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador.

E se os rendimentos de prestações periódicas deixam de ter justificação para estar a salvo, quando o executado dispõe de outros rendimentos ou de bens que lhe permitam assegurar a sua subsistência, os subsídios de férias e de Natal não podem ser considerados outros rendimentos para esse efeito, uma vez que eles integram o referido mínimo dos mínimos. Os subsídios de férias e de Natal não são outros rendimentos diferentes da pensão paga mensalmente, mas o mesmo rendimento periódico, cujo momento de pagamento coincide com o das prestações mensais.”

Na doutrina, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro entendem também que se o valor do subsídio for igual ou inferior ao salário mínimo nacional, o subsídio é impenhorável, ainda que seja pago numa única prestação e que a soma desse mesmo subsídio com o vencimento corresponda a um valor superior ao salário mínimo nacional (in Primeiras Notas ao Código de Processo Civil, II, pág. 260).

Neste mesmo sentido vai o Acórdão da Relação do Porto de 28.06.2017, que defende que “os subsídios de Natal e de férias, que são direitos do trabalhador nos termos gerais (e não complementos facultativos), também estão garantidos pela legislação que garante o salário mínimo (ver artigos 263.º, 264.º e 273.º do Código do Trabalho). Também eles se incluem na garantia de uma subsistência tida por minimamente condigna. Ou seja, essa garantia de um salário mínimo e de uma existência minimamente condigna não diz respeito apenas a doze prestações mensais por ano, mas a catorze. Assim, os subsídios de Natal e de férias (de trabalhadores no ativo ou de pensionistas) que sejam inferiores ao montante legalmente fixado para o salário mínimo nacional serão, em qualquer caso, impenhoráveis, nos termos do artigo 738.º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil”.

Mas, como no citado acórdão da Relação do Porto se refere, mesmo para quem entende que o montante garantido pela legislação do salário mínimo (com a consequente impenhorabilidade) corresponde apenas a doze prestações mensais, como parece ser a posição da maioria da jurisprudência das Relações, deve ter-se presente que: “se o montante das pensões auferidas for inferior ao salário mínimo nacional e a essas pensões acrescem subsídios de Natal e de férias, há que considerar o montante global desses rendimentos e dividi-lo por doze; e se o montante apurado com tal divisão for inferior ao montante legalmente fixado para o salário mínimo os referidos subsídios também serão impenhoráveis. É o que, claramente, impõe a ratio da norma que, em nome da salvaguarda da dignidade humana, impõe a impenhorabilidade de pensões inferiores ao salário mínimo nacional. À luz dessa ratio, não teria sentido admitir a penhora de um subsídio pago num só mês (altura em que, ocasionalmente, a soma da pensão e do subsídio poderá ser superior ao montante legalmente fixado para o salário mínimo), quando tal não seria admissível se esse subsídio fosse pago em duodécimos (pois, neste caso, já a soma da pensão e de cada um desses duodécimos será inferior ao montante legalmente fixado para o salário mínimo). Há que considerar a situação global do executado, não uma prestação isolada”.

Sufragando este entendimento, são ali apontados o acórdão da Relação do Porto de 08.03.2016 e o da Relação de Guimarães, de 18.04.2013 (proc. n.º 537-A/2002.G1).

Neste último aresto, citado pela própria decisão recorrida, ao referir que “o que releva para aferir da impenhorabilidade das prestações periódicas pagas ao executado a título de pensões ou de regalia social é o seu valor global e não fraccionado”, explica-se o alcance prático do postulado firmado nos seguintes termos: “se o rendimento anual do devedor, repartido pelos 12 meses do ano, não for inferior ao valor do salário mínimo nacional, nada obsta a que se proceda à penhora do 13º e 14º mês, na parte em que exceda aquele valor”, o que, obviamente, implica que se, pelo contrário, o for – como, no caso em apreço, o é – não poderá o mesmo ser penhorado.

O referido acórdão defende esta posição invocando a fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2002 publicado no DR I Série – A de 2 de Julho de 2002, que, de acordo com o próprio voto de vencido do Conselheiro Mota Pinto ali exarado, conduz à conclusão de que “…dentro da própria lógica do aresto…, o critério para a «proibição constitucional de penhora» há-de, com certeza, residir, não tanto na comparação do salário mínimo com o valor (fraccionado ou global) das prestações auferidas pelo devedor, como na comparação com o rendimento que lhe restaria depois da penhora - ou seja, com o seu rendimento remanescente”.

Dado o espírito da norma que prescreve a impenhorabilidade e a natureza retributiva das prestações em causa que, usando as palavras de Bernardo Gama Lobo Xavier, entendemos constituírem “um salário diferido, que se vai amontoando mensalmente a favor do trabalhador” (cfr. Manual do Direito do Trabalho, pág. 591), também nós aderimos a esta posição.

Isto assente e considerando que, no caso em apreço, o valor da pensão de invalidez do oponente/executado é o único rendimento deste forçoso é concluir que, não auferindo, como não aufere, o Oponente/Executado F. C. uma pensão que, somada aos duodécimos dos subsídios de férias e de Natal a que tem direito, seja superior ao salário mínimo nacional, os subsídios aqui em causa são impenhoráveis, nos termos do artigo 738.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil.

E isto é assim independentemente da circunstância de o cônjuge do Oponente e também Executada nos autos principais ser agente imobiliária (atividade que, em princípio, a fará auferir rendimentos), porquanto, nomeadamente, se desconhece o montante por aquela auferido, com que regularidade e a que título.

Com efeito, como se acentua no Ac. da Relação do Porto de 23.02.2012, a jurisprudência maioritária, “por norma, tem indeferido a penhora de vencimentos ou pensões de valores iguais ao salário mínimo nacional apenas tendo em conta esse vencimento ou pensão”, “ou seja, em vez de se pôr o ónus da prova a cargo do executado, com a consequência de que, não demonstrando ele que não existem outros rendimentos ou bens, se deve decidir a dúvida em prejuízo do executado, partindo-se do princípio de que o salário ou a pensão em causa não serão os únicos, pelo contrário, os tribunais têm posto a dúvida a beneficiar o executado”.

Por outro lado, como se sustenta no Acórdão da Relação de Lisboa de 24.11.2016, se ambos os executados auferirem salários pelo seu trabalho (ou quaisquer outras prestações das referidas no nº 1 do art. 738º), a lei garante a ambos a impenhorabilidade de pelo menos um salário mínimo nacional, pelo que, sendo ambos os cônjuges executados, como no caso o são, na execução, são “impenhoráveis pelo menos dois SMN”, independentemente de toda a prova que seja feita de quaisquer despesas dos executados, ou seja, sem necessidade de recurso ao mecanismo de isenção da penhora previsto no art. 738º, nº 6, do CPC (no mesmo sentido decidiu, aliás, sem o referir expressamente, o supra citado acórdão da Relação do Porto de 23.02.2012).
Procede, pois, a apelação.

Sumário:

I - O valor processual do incidente de Oposição à penhora deverá ser aferido pela sua utilidade económica, correspondendo esta, no caso da penhora de subsídios, ao valor da quantia exequenda subsistente à data da penhora, uma vez que, a não ser considerada inadmissível, a dita penhora se manterá até satisfação integral de tal quantia;
II - Não pode o julgador formar a sua convicção a respeito da matéria de facto controvertida a partir de eventuais elementos que sejam do seu conhecimento sem que tais elementos constem do processo e a ele tenham sido aportados em conformidade com os procedimentos probatórios legalmente previstos, isto é, de acordo com o “esquema metodicamente ordenado dos actos processuais destinados a permitir a utilização dos diferentes meios de prova”;
III – Não auferindo o oponente/executado uma pensão que, somada aos duodécimos dos subsídios de férias e de Natal a que tem direito, seja superior ao salário mínimo nacional, os referidos subsídios são impenhoráveis, nos termos do artigo 738.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil;
IV – Relativamente à penhora de vencimentos, pensões ou quaisquer outras prestações das referidas no nº 1 do art. 738º do Código Civil de valores iguais ao salário mínimo nacional, a dúvida sobre se existem outros rendimentos ou bens deve beneficiar o executado.

IV. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a sentença recorrida, fixando em 16.100,39 € o valor do incidente de Oposição à penhora e julgando a efetuada penhora dos subsídios do Opoente ilegal, por ofensiva da impenhorabilidade prescrita no artigo 738º, nº 3, do CPC.
Custas da Oposição e do recurso pela Exequente/Recorrida.
Guimarães, 25.10.2018

(Margarida Sousa)
(Afonso Cabral de Andrade)
(Alcides Rodrigues)