Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1512/15.7T8CHV-C.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: INSOLVÊNCIA CULPOSA
INIBIÇÃO DO GERENTE DA INSOLVENTE
GRADUAÇÃO DA CULPA DO GERENTE PARA A INIBIÇÃO
INDEMNIZAÇÃO AOS CREDORES
TUTELA DO INTERESSE DOS CREDORES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - Na ponderação do período de inibição a fixar nos termos do disposto no n.º 2 alínea c) do art. 189.º do CIRE, deve levar-se em conta a gravidade da conduta da pessoa afectada com a qualificação culposa da insolvência.

2 - A declaração de inibição para o exercício do comércio não tem critérios definidos na lei, mas o juiz deverá ter em conta a gravidade do comportamento e a postura do afetado ao longo do processo de insolvência, o seu contributo para a situação de insolvência, o valor total dos créditos reclamados e os prejuízos efectivos para os credores derivados de créditos não satisfeitos pela massa.

3 - Havendo culpa deve ser decretada a obrigação de indemnizar nos termos do artigo 189.º, n.º 2, e) do CIRE. Trata-se de um efeito imperativo, que decorre diretamente da lei.

4 - Consagrou-se, aqui, a responsabilidade pelos créditos não satisfeitos, reforçando-se, assim, a tutela dos credores.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

No apenso de qualificação da insolvência, em que é insolvente “Empresa A – Produtos Regionais, Lda.”, veio a requerente, credora “Empresa X – produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda.” requerer que se declare aberto o incidente pleno de qualificação da insolvência e, a final, se qualifique a insolvência como culposa, com a afetação pessoal da gerente HC e dos senhorios EA e mulher IA.
Tramitado este, o Administrador da Insolvência emitiu parecer no sentido da qualificação da insolvência como culposa, entendendo que devem ser afetadas pela mesma, os seus sócios, HC e JS.
O MP concordou com o parecer.
Devidamente citados, os requeridos deduziram oposição, pugnando a requerida HC pela qualificação da insolvência como fortuita e os demais requeridos pela sua não afetação pela qualificação da insolvência como culposa.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença cujo dispositivo tem o seguinte teor:

“Pelo exposto, tudo visto e ponderado, decide-se:

a) Qualificar a insolvência da sociedade Empresa A – Produtos Regionais, Lda. como culposa;
b) Declarar afectada pela qualificação da insolvência a gerente HC;
c) Determinar a inibição da afectada HC, para administrar patrimónios de terceiros, por um período de três anos;
d) Determinar a inibição da mesma para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, durante um período de três anos;
e) Condenar HC a indemnizar todos credores da sociedade insolvente Empresa A – Produtos Regionais, Lda. que tenham reclamado os seus créditos e até ao limite dos montantes reclamados, reconhecidos e graduados, e não satisfeitos pelo produto da massa insolvente;
f) Absolver JS, EA e mulher IA dos pedidos de afectação da qualificação da insolvência como culposa”.

Discordando da sentença, dela interpôs recurso a requerida HC, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes

Conclusões:

A) O Tribunal a quo classificou a insolvência nestes autos como dolosa, declarando unicamente afetada por essa qualificação a Recorrente. Atendendo ao disposto no CIRE, a Recorrente não irá pôr em causa a qualificação da insolvência. Porém, considerando os factos dados como provados, a Recorrente não entende adequada a penalização que lhe é imputada. Nem a título de inibição, nem a título de obrigação de indemnizar.
B) Em dois problemas fundamentais se concentra por isso o presente recurso: no da apreciação do grau de culpa da Recorrente e na correta avaliação do nexo causal entre a sua conduta e os danos causados aos credores, tomando em especial consideração a situação da Insolvente caso a Recorrente não tivesse decidido e agido como o fez.
C) Nenhum das consequências que podem recair sobre a pessoa afetada pela qualificação é indiferente ao grau de culpa dessa pessoa. Não só porque nenhuma dessas consequências é de aplicação obrigatória ou automática, mas também porque a medida com que podem ser aplicadas é distinta.
D) Na fixação do grau de culpa da Recorrente, existem dois aspetos cuja relevância o Tribunal a quo menorizou: i) o contexto em que a Recorrente passou a exercer a gerência desde 2012, de perseguição pelo seu outro sócio (e irmão e gerente da maior credora da Insolvente); ii) o contexto em que a Recorrente tomou as decisões de venda do ativo da Insolvente em troca da assunção do passivo bancário da Insolvente.
E) Todos os elementos disponíveis em sede de factos provados apontam no sentido de o grau de culpa da Recorrente ser reduzido. Não só porque não tinha ao seu dispor nenhuma opção claramente melhor para os interesses da Insolvente, mas também porque das suas ações não resultou prejuízo efetivo para os credores considerados globalmente.
F) A determinação do grau de culpa é fundamental para efeitos de graduação das medidas a aplicar nos termos do artigo 189.º do CIRE. A sentença recorrida não fundamenta nem especifica qualquer grau de culpa, seja de negligência ou de dolo em qualquer das suas formas e estava obrigada a fazê-lo se queria fixar o período de inibição para além do mínimo fixado na lei.
G) O Tribunal a quo violou o disposto no artigo 189.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas b) e c) do CIRE, não devendo a Recorrente ficar inibida de qualquer forma para além do prazo mínimo de dois anos.
H) Qualquer obrigação de indemnizar, incluindo a que aqui se discute, é limitada pelo pressuposto do nexo causal entre os danos e a ação ilícita que os causar. A constituição desta obrigação de indemnizar tem de passar também o crivo dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, nos termos dos quais é necessário verificar a existência de um facto voluntário (ação ou omissão), de tipo ilícito e culposo, para que se gere a obrigação de indemnizar pelos danos que tenham um nexo causal com esse facto voluntário ilícito e culposo.
I) Embora os danos dos credores consistam no montante do seu crédito não satisfeito, a Recorrente só pode ser responsabilizada pelo seu contributo para a verificação desse dano e não, de forma cega e abstrata, pela totalidade do dano. Só pode ser responsabilizada pelos danos que, atendendo a um nexo de causalidade adequada, resultem das suas ações e apenas na medida dessas ações.
J) Tendo assente a necessidade de verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, há que saber quais os danos causados pelos factos ilícitos e culposos imputados à Recorrente. E a melhor forma de o fazer é pela comparação com o que teria sucedido se esses factos não têm ocorrido, uma vez que temos elementos suficientes para o fazer.
K) Sabemos que a Insolvente passou a estar numa situação de insolvência iminente em maio de 2015, com o trânsito em julgado da decisão que reconheceu o crédito da Empresa X (v. Pontos 8, 9 e 31 dos factos provados).
L) Sabemos que esse credor penhorou todo o ativo da Insolvente em julho de 2015, que ficou nessa ação avaliado em € 50.000,00, incluindo stock, equipamentos e direito de arrendamento (v. Pontos 9 e 26 dos factos provados).
M) Sabemos assim que esse é o valor máximo que poderia ser utilizado para satisfazer os créditos existentes (fosse através de venda ou adjudicação na execução) e que para além desse valor os créditos existentes não seriam satisfeitos.
N) Sabemos que se isso tem sucedido a Recorrente não poderia ser responsabilizada pelos créditos não satisfeitos. Assim, não se pode considerar que a Recorrente gerou mais danos do que aqueles que ultrapassem aquele valor, pois em nenhuma circunstância os credores teriam recebido mais.
O) À luz do critério do nexo de causalidade adequada, inexiste qualquer ligação entre a conduta da Recorrente e os danos dos credores acima daquele montante, pois não teriam sido satisfeitos independentemente da conduta da Recorrente.
P) Atendemos àquele valor por ser o único elemento seguro que resulta dos autos quanto ao valor do ativo da Insolvente à data dos factos praticados pela Recorrente. Se se considerar que os elementos de facto são insuficientes, caberá devolver o processo à primeira instância para suprir essa falta ou alterar a decisão remetendo expressamente para liquidação em execução de sentença.
Q) O que não se pode fazer é permitir que a Recorrente fique obrigada a indemnizar por danos que não causou, sob pena de violação do artigo 189.º, n.º 2, alínea e) e n.º 4 do CIRE, em que incorreu a sentença recorrida.
Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida nos termos sobreditos.

Não foram oferecidas contra alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com o período de inibição da pessoa afetada pela qualificação da insolvência como culposa, bem como com a medida da indemnização em que foi condenada.

II. FUNDAMENTAÇÃO

FACTOS PROVADOS

1) A insolvente Empresa A – Produtos Regionais, Lda. é uma sociedade comercial por quotas cujo objecto se destina à comercialização de produtos regionais diversos, tais como enchidos, pastéis e folares.
2) Foi constituída em 08 de Janeiro de 2007, tendo como sócios HC e JS, detendo cada um uma participação social com o valor nominal de € 2.500,00.
3) De acordo com os estatutos da sociedade ora insolvente, a mesma obriga-se com a intervenção de um gerente.
4) HC exerceu as funções de gerente da sociedade insolvente desde a data da constituição desta, a 08 de Janeiro de 2007, até 06 de Janeiro de 2016.
5) A sociedade insolvente possuía um estabelecimento comercial onde desenvolvia a sua actividade de compra para ulterior revenda de pastéis, folares, enchidos e vinhos.
6) O estabelecimento comercial da insolvente encontrava-se instalado num imóvel sito no Largo …, na cidade de Chaves, pertença de EA e mulher IA, com quem a sociedade insolvente celebrou o acordo de arrendamento junto aos autos a fls. 12 – verso a 13, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
7) A renda mensal era de € 700,00.
8) Por sentença proferida a 27.08.2014, no âmbito do processo n.º 181181/12.6YIPRT, que correu termos na Secção Cível da Instância Central de Vila Real – J1, confirmada em sede de recurso pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14.05.2015, decidiu-se condenar a ora sociedade insolvente Empresa A – Produtos Regionais, Lda., além do mais, a pagar à sociedade ora requerente Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda. a quantia de € 39.200,36, acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos.
9) Como a insolvente não pagou o valor referido em 8) à requerente, esta instaurou a acção executiva que corre termos nesta Comarca, na Instância Central de Chaves, Secção de Execução - J1, sob o n.º 1474/15.0T8CHV.
10) A 17.03.2015 a insolvente, através e por exclusiva iniciativa da sua gerente HC, registou em nome desta gerente o único veículo automóvel que detinha, com a matrícula JO.
11) Desde a data referida em 10), HC passou a usar o referido veículo na sua vida pessoal, ao serviço de outra empresa que detém em nome próprio, a HC e da sociedade unipessoal que constituiu, a referida “Empresa W – Unipessoal, Lda.”, tudo sem consentimento do outro sócio da sociedade insolvente JS.
12) A sociedade insolvente fazia com o veículo referido em 10) as deslocações necessárias ao seu giro comercial, designadamente, junto de clientes, fornecedores, bancos e entidades públicas.
13) Através de carta registada datada de 01.06.2015, os senhorios EA e mulher IA comunicaram à sociedade ora insolvente a cessação do acordo de arrendamento referido em 6), com efeitos a 04 de Setembro de 2015.
14) A 03.06.2015, HC constituiu uma sociedade comercial denominada Empresa W – Unipessoal, Lda., com o NIPC …, com sede na Rua …, Chaves, da qual é única sócia e gerente.
15) Através de acordo escrito de compra e venda com data de 06.06.2015 celebrado entre a sociedade insolvente e a sociedade Empresa W – Unipessoal, Lda., ambas representadas pela sua sócia e gerente HC, a sociedade ora insolvente declarou vender à sociedade Empresa W – Unipessoal, Lda. os seus equipamentos, pelo valor de € 3.083,99, e o seu stock, pelo valor de € 10.000,00, em contrapartida da assunção pela sociedade Empresa W – Unipessoal, Lda. do pagamento do empréstimo contraído pela sociedade insolvente junto do BANCO A, com o valor máximo de € 42.000,00.
16) A sociedade referida em 14) passou a exercer a sua actividade de comércio a retalho de produtos alimentares, incluindo vinho, fumeiro, pastéis de Chaves e outros produtos alimentares, no imóvel mencionado em 6), onde se encontrava instalado o estabelecimento comercial da sociedade ora insolvente e onde colocou no exterior reclamos com a indicação de ali funcionar agora a dita sociedade.
17) Passando ainda a mesma sociedade referida em 14) a usar os móveis, máquinas e utensílios da sociedade insolvente, designadamente, o forno de aquecer pastéis, frigoríficos, balcão de atendimento e aparelho de ar condicionado.
18) Do mesmo modo, os trabalhadores da insolvente, passaram a trabalhar para a sociedade identificada em 14).
19) Na sequência da predita transmissão de equipamentos, existências, activos e trabalhadores da sociedade insolvente para a sociedade referida em 14), a sociedade insolvente ficou impossibilitada de continuar a sua actividade no mercado, deixando de trabalhar por completo, ficando sem bens e sem trabalhadores.
20) A factualidade acima descrita em 14) a 19), ficou a dever-se a iniciativa exclusiva de HC, que com tal actuação quis e permitiu esvaziar a insolvente de todos os seus equipamentos, existências, activos e trabalhadores.
21) Através de acordo escrito com data de 11.06.2015, EA e mulher IA celebraram com a sociedade Empresa W – Unipessoal, Lda., representada pela sua única sócia e gerente HC, um acordo de arrendamento para fins não habitacionais com início em 05.09.2015, tendo por objecto o imóvel onde se achava instalado o estabelecimento comercial da insolvente, conforme resulta do teor do documento junto aos autos a fls. 40 – verso a 41, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
22) A cessação do acordo de arrendamento referida em 13) foi solicitada e deveu-se a iniciativa exclusiva de HC, que elaborou a respectiva carta de cessação do acordo e apresentou aos senhorios para que a assinassem, o que obteve o acordo destes.
23) Com a sua actuação descrita em 21) e 22) visou HC retirar da esfera patrimonial da insolvente o único local onde a mesma laborava e do qual dependia exclusivamente para se manter activa no mercado.
24) Ao actuar do modo descrito, HC agiu sempre em proveito pessoal e da sociedade Empresa W – Unipessoal, Lda., da qual é única sócia e gerente.
25) Com a cessação do acordo de arrendamento do imóvel onde funcionava o seu estabelecimento comercial, a sociedade insolvente perdeu o seu único ponto de venda.
26) No dia 15.07.2015, no âmbito da acção executiva referida em 9), procedeu-se à penhora do estabelecimento comercial da sociedade ora insolvente, composto pelos bens constantes do respectivo auto de penhora, aos quais foi atribuído um valor global de € 50.000,00, conforme resulta do teor do documento junto aos autos a fls. 30 – verso a 33, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
27) A 18.07.2015, a sociedade Empresa A – Produtos Regionais, Lda., através da sua então gerente HC, instaurou o processo especial de revitalização que correu termos nos autos principais, tendo, nessa sequência, a 09.09.2015, sido proferido despacho na acção executiva referida em 9), a declarar suspensa a instância executiva.
28) Por sentença proferida a 18.12.2015, no processo n.º 2102/15.0T8CHV, que correu termos neste Juízo Local Cível de Chaves – J1, decidiu-se suspender HC do cargo de gerente da sociedade ora insolvente, nomeando-se como único gerente da mesma sociedade e até ao termo dos citados autos, o sócio JS.
29) Por despacho proferido a 07.03.2016 no predito processo especial de revitalização, declarou-se o encerramento do processo de revitalização, em decorrência da conclusão das negociações sem acordo entre as partes.
30) Por sentença proferida a 16.03.2016 nos autos de insolvência que correm termos no apenso A, foi declarada a insolvência da sociedade Empresa A – Produtos Regionais, Lda..
31) A 02.11.2016, no âmbito dos autos do apenso de reclamação de créditos, foi proferida sentença que julgou reconhecidos créditos sobre a sociedade insolvente no valor global de € 109.963,99, incluindo o crédito da requerente Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda., no valor de € 67.774,35.
32) Desde 2013 a insolvente não mais convocou qualquer assembleia geral.
33) As contas da sociedade insolvente respeitantes aos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014 acham-se por elaborar, aprovar e depositar.
34) JS, além de sócio da sociedade insolvente é também sócio da sociedade ora requerente Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda., tendo ambas as sociedades o mesmo conceito comercial.
35) O Sr. Administrador de Insolvência não conseguiu apurar a existência de quaisquer bens sujeitos a registo em nome da insolvente.
36) O acordo de arrendamento celebrado entre EA e mulher IA e a sociedade insolvente, referido em 6), foi objecto de um aditamento, com data de 01.08.2014, elaborado por HC e apresentado aos senhorios para que o assinassem, o que obteve o acordo destes, através do qual foi alterada a cláusula primeira do dito acordo de arrendamento não habitacional com prazo certo, passando a valer a livre denúncia por qualquer uma das partes, estipulando-se, para o efeito, um pré-aviso escrito com a antecedência mínima de noventa dias.
37) Durante a vigência do acordo de arrendamento referido em 6) era HC quem se relacionava habitualmente com os senhorios, sendo esta quem pagava a renda e com quem tratavam com os senhorios de qualquer assunto pendente relacionado com o imóvel.
38) A Técnica Oficial de Contas da sociedade insolvente, além de cunhada de ambos os sócios, era também contabilista da sociedade Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda..
39) À data da constituição da sociedade insolvente a requerida HC encontrava-se desempregada, tendo beneficiado de incentivos públicos geridos pelo Instituto de Emprego e de Formação Profissional, I.P. (IEFP), no âmbito dos quais viu aprovado um financiamento no valor de € 35.220,60.
40) À data da constituição da sociedade ora insolvente, JS era já sócio da sociedade Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda. que se dedicava ao fabrico de pastéis de Chaves e outros produtos de pastelaria.
41) A sociedade insolvente não produzia quaisquer produtos, limitando-se à sua comercialização.
42) O património da insolvente era apenas o necessário para a sua actividade de comercialização.
43) A sociedade Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda. fornecia grande parte dos produtos comercializados pela sociedade ora insolvente.
44) JS realizou a sua entrada de capital na sociedade insolvente com dois cheques de uma conta bancária da sociedade Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda..
45) No mês de Fevereiro de 2012, a sociedade Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda. cessou de forma unilateral e sem qualquer aviso prévio o fornecimento de produtos à sociedade insolvente.
46) A sociedade insolvente interpelou a sociedade Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda. sobre o sucedido através de fax no dia 14 de Fevereiro de 2012.
47) A sociedade Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda. era a fornecedora exclusiva do produto mais comercializado pela Insolvente (Pastel C), assim como de outros produtos de pastelaria, pelo que a insolvente teve que encontrar novos fornecedores.
48) Em virtude de tal actuação, a insolvente ficou impossibilitada de poder vender aos seus clientes os pastéis de Chaves a que sempre os tinha habituado, tendo que passar a vender produtos que, independentemente da sua qualidade, eram reconhecidamente diferentes no seu sabor.
49) Já após os factos descritos em 45), os sócios da insolvente JS e HC envolveram-se numa discussão no Hospital, em público.
50) Em Abril de 2012, JS, na qualidade de gerente da sociedade Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda., solicitou à sociedade insolvente a alteração da respectiva imagem corporativa, alegando que a mesma se confundia com a marca daquela sociedade.
51) Numa execução que HC moveu contra o JS, este foi condenado como litigante de má-fé na oposição à execução que apresentou, que correu termos no processo n.º 887/12.4TBCHV-A, do Juízo Central de Execuções de Vila Real.
52) No âmbito dessa execução, a quota do actual gerente JS na insolvente foi penhorada a favor de HC.
53) No âmbito do processo de inquérito n.º 116/14.6TACHV foi ordenada a realização de diligências de busca e apreensão por órgão de polícia criminal ao estabelecimento da insolvente.
54) Os factos descritos em 45) a 52) contribuíram para o deterioramento da relação entre os sócios JS e HC.
55) Os fornecedores da insolvente procediam à entrega dos produtos nas suas instalações.
56) Enquanto exerceu as funções de gerente da sociedade insolvente, era HC quem tomava todas as decisões respeitantes à gestão da insolvente.
57) Durante o período referido em 56), JS não tomava qualquer decisão respeitante à gestão da insolvente.
58) Só após a prolação da decisão referida em 28), JS teve acesso aos elementos contabilísticos da insolvente.

FACTOS NÃO PROVADOS

a) Fruto do esforço de ambos os sócios, a insolvente instalou-se no mercado regional de Chaves e das suas redondezas, com uma forte implantação a nível comercial, detendo um grande número de clientes nacionais e estrangeiros.
b) A gerente HC, de propósito, não pagou à sociedade ora requerente Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda. o crédito que deu origem ao processo referido em 8), tentando, com essa atitude, tornar a aqui requerente insolvente.
c) Com a instauração do processo especial de revitalização que correu termos nos autos principais, visou a insolvente unicamente atrasar a recuperação do crédito da aqui requerente e, se possível, nada pagar.
d) A sociedade insolvente não recebeu qualquer contraprestação pela transmissão dos equipamentos, existências, activos e trabalhadores para a sociedade mencionada em 14).
e) Atenta a semelhança de produtos e trabalhadores, a sociedade mencionada em 14) fazia crer aos seus clientes que era a sociedade insolvente que ali se mantinha, de maneira a manter fidelizada a carteira de clientes conquistada pela insolvente.
f) O veículo identificado em 10) tinha um valor de mercado não inferior a € 15.000,00.
g) Ao procederem do modo descrito em 13), 21) e 22), EA e mulher IA, agiram em comunhão de esforços com HC, com o objectivo de beneficiarem a mesma e a sociedade Empresa W – Unipessoal, Lda. e prejudicarem a actividade da insolvente.
h) Ao procederem do modo descrito em 13), 21) e 22), EA e mulher IA, bem sabiam que beneficiavam HC, a sociedade Empresa W – Unipessoal, Lda. e prejudicarem a actividade da insolvente e que esventravam totalmente de património da insolvente.
i) EA e mulher IA desconheciam a situação patrimonial da sociedade ora insolvente.
j) Sendo a comercialização de produtos regionais o seu objectivo, HC convidou o seu irmão JS para se juntar a ela como sócio da sociedade, ora insolvente.
k) HC assegurou grande parte do investimento necessário à constituição da sociedade insolvente através do financiamento do IEFP a que tinha acesso pela sua condição de desempregada, sendo que o remanescente teve origem nos financiamentos bancários obtidos junto do Banco C, no valor de € 25.000,00 de capital, e junto do BANCO A no valor de € 25.000,00 de capital.
l) JS seria, através da sociedade Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda., o único e exclusivo fornecedor de produtos regionais comercializados pela sociedade insolvente.
m) HC seria remunerada pelo seu trabalho que consistia nas funções de gerência (encomendas, pagamentos, entre outros), assim como de trabalhadora de balcão (atendendo clientes, efectuando vendas e recebendo pagamento).
n) JJ seria remunerado pelo produto vendido à insolvente através da sociedade Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda..
o) A participação de JJ na constituição da sociedade insolvente aconteceu para distribuir os produtos que fabricava através da sua sociedade Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda..
p) Entre 2007 e 2012 a sociedade insolvente foi capaz de pagar pontualmente a todos os seus fornecedores, assim como à banca que também a financiou.
q) No período entre Abril de 2007, data em que a insolvente iniciou a sua actividade, e Fevereiro 2012, data em que a sociedade Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda. terminou os fornecimentos à sociedade insolvente, a sociedade Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda. forneceu produtos no valor total superior a € 500.000,00 (quinhentos mil euros), o que representa mais de 70% das compras efectuadas pela insolvente.
r) Embora a insolvente não libertasse lucros para distribuir aos sócios, até porque ia pagamento o investimento inicial, deste modo se ia satisfazendo o interesse de ambos os sócios.
s) No contexto acima descrito, de confiança mútuo entre os sócios e apesar de não se tratar do melhor procedimento, muitas vezes a insolvente pagou fornecimentos da Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda. em dinheiro e através do pagamento directo de despesas devidas por esta sociedade a terceiros.
t) No final do mês de Janeiro de 2012, HC viu-se obrigada a mudar essa situação, avisando a Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda. de que passaria a fazer apenas pagamentos através de cheque e de transferência bancária.
u) Esta decisão deveu-se ao atraso crescente com que os recibos vinham sendo emitidos (o último era de maio de 2011) e à pressão crescente por parte de JS em receber em dinheiro.
v) Pressão traduzida pelos funcionários da Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda. quando entregavam as encomendas e solicitavam o seu pagamento em dinheiro, incluindo como forma de recebimento dos seus vencimentos.
w) Pressão traduzida por fornecedores da Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda., que vinham à loja da insolvente para tentar receber.
x) Pressão traduzida pelo próprio sócio JS quando à noite, estando a loja encerrada, retirava dinheiro da caixa à revelia da sócia HC.
y) A decisão de HC de passar a efectuar pagamentos apenas por cheque ou transferência não foi aceite pela sociedade Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda. nem por JS, que desde esse momento passou a agir frontalmente contra o interesse da insolvente, numa posição de conflito e incompatibilidade com um único objectivo: criar o maior número possível de obstáculos e constrangimentos para poder retirar da gerência HC.
z) A sociedade Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda. nunca prestou qualquer esclarecimento sobre a cessação do fornecimento à sociedade insolvente.
aa) O peso da sociedade Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda. na actividade da insolvente era de tal ordem que a sua capacidade como fornecedora apenas foi substituída através do recurso a quatro novos fornecedores locais: a Pastéis T para o Pastel C, a D. / AT e a P. para bolos e outros produtos de pastelaria e a Padaria Y para o folar.
bb) JS ameaçou e injuriou nesse dia o seu cunhado, crime pelo qual foi condenado no Processo n.º 80/12.6PBCHV que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves.
cc) Em Abril de 2012, JS obrigou a insolvente a deixar de usar a designação comercial “Empresa A”, por ser marca registada a seu favor.
dd) Tal facto causou enorme transtorno à gerência da insolvente a qual foi obrigada a efectuar a alteração de toda a sua imagem sob pressão do próprio JS e com custos totalmente desnecessários.
ee) Custos com a alteração de toda a sua imagem comercial e na sua imagem perante os seus clientes habituais.
ff) JS apresentou uma denúncia que resultou na instauração do processo de inquérito n.º 116/14.6TACHV, no âmbito do qual o estabelecimento da insolvente e a fábrica que então lhe fornecia Pastel C, explorada por HC, foi alvo de diligências de busca e apreensão por órgão de polícia criminal.
gg) Diligências que causaram transtorno e má imagem à insolvente de forma absolutamente desnecessária, uma vez que nem a insolvente nem HC foram sequer constituídas arguidas.
hh) JS contribuiu para que as divergência entre os sócios da insolvente se tornassem públicas e conhecidas de todos aqueles mais próximos da insolvente, desde fornecedores aos senhorios da loja, passando pelos clientes.
ii) O conflito entre os dois sócios e irmãos tornou-se público e notório na cidade de Chaves, danificando irremediavelmente a imagem comercial da insolvente.
jj) Criou forte instabilidade junto dos seus trabalhadores, fornecedores e clientes.
kk) Perante o reconhecimento judicial da dívida para com a sociedade Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda. no âmbito da acção referida em 8), a insolvente ficou numa situação financeira de iminente insolvência.
ll) Isto, porque a insolvente viu o seu activo passar a ser inferior ao seu passivo, sem que visse possibilidades de no imediato liquidar essa dívida, ficando numa situação de extrema dificuldade.
mm) Os senhorios tinham particular receio das consequências da situação de conflito entre os sócios sobre o cumprimento da obrigação de pagamento da renda pela insolvente, em virtude da sua má experiência com os anteriores arrendatários, com quem se viram envolvidos num processo judicial demorado para lograr o seu despejo.
nn) Tendo tomado conhecimento do trânsito em julgado da sentença que condenava a insolvente no pagamento à sociedade Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda., os senhorios procederam à denúncia do contrato de arrendamento.
oo) Tendo tomado conhecimento da condenação no pagamento à sociedade Empresa X – Produção, Comércio e Exportação de Produtos Regionais, Lda. e da denúncia do contrato de arrendamento, as duas trabalhadoras da insolvente apresentaram elas próprias a sua denúncia dos contratos de trabalho.
pp) Denúncia a que procederam porque deixaram de ver perspectiva futuro à insolvente, recusando a possibilidade de poder vir a trabalhar sob a alçada do actual gerente JS.
qq) Pela alienação da viatura de matrícula JO, a insolvente deixou de suportar o financiamento bancário correspondente.

Não está em causa, no recurso, a qualificação da insolvência como culposa, mas apenas o período de inibição a que foi sujeita a gerente da insolvente, bem como a obrigação de indemnização em que foi condenada.

Considera a apelante que o período de inibição devia ser fixado pelo mínimo legal de dois anos e que a recorrente não pode ser responsabilizada sem limite pelos danos causados aos credores.

Vejamos.

Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 189.º do C.I.R.E., na sentença que qualifique a insolvência como culposa o juiz deve:

a) Identificar as pessoas, nomeadamente administradores, de direito ou de facto, técnicos oficiais de contas e revisores oficiais de contas, afetadas pela qualificação, fixando, sendo o caso, o seu grau de culpa;
b) Decretar a inibição das pessoas afetadas para administrarem património de terceiros, por um período de 2 a 10 anos;
c) Declarar essas pessoas inibidas para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;
d) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afectadas pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos;
e) Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores de devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios, sendo solidária tal responsabilidade entre todos os afetados.
A sentença recorrida, tendo qualificado a insolvência como culposa, declarou afetada por essa qualificação, a gerente, ora recorrente, determinando a inibição da mesma, para administrar patrimónios de terceiros e para o exercício do comércio, por um período de três anos e condenando-a a indemnizar todos os credores da sociedade insolvente que tenham reclamado os seus créditos e até ao limite dos montantes reclamados, reconhecidos e graduados e não satisfeitos pelo produto da massa insolvente.
Relativamente à inibição para o exercício do comércio e para a administração do património de terceiros, o critério que subjaz à apreciação deste efeito é o grau de culpa do afetado – neste sentido, Carina Magalhães, na dissertação de mestrado “Incidente de qualificação da insolvência. Uma visão geral”, publicada em “Estudos de Direito da Insolvência” coordenados por Maria do Rosário Epifânio, 2015, Almedina, pág. 129.
Assim, quanto a esta sanção, a determinação do concreto período sancionatório far-se-á caso a caso, devendo o juiz atender aos vários contornos do caso, designadamente, se os factos foram cometidos com dolo ou com culpa grave, a gravidade dos factos em si, a postura do afectado ao longo do processo de insolvência, o valor total dos créditos reclamados e os prejuízos efectivos para os credores derivados de créditos não satisfeitos pela massa, etc.
“A duração da inibição é estabelecida pelo juiz considerado o caso concreto – gravidade da conduta e nexo de causalidade com a causa da situação de insolvência (Luís M. Martins, processo de Insolvência, 2013, pág. 418).
No Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 5/02/2013, Proc. n.º 380/09.2TBAVR-B.C1, Relatora Maria José Guerra, defende-se que “na ponderação do período de inibição a fixar nos termos de tal normativo legal deve levar-se em conta a gravidade da conduta da pessoa afectada com a qualificação culposa da insolvência”.
Também Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 3.ª edição, pág. 131 (citada por Ana Prata, Jorge Morais Carvalho, Rui Simões, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, 2013, pág. 531) defende que “a declaração de inibição para o exercício do comércio não tem critérios previstos na lei, tendo a doutrina entendido que o juiz deverá ter em conta a gravidade do comportamento e o seu contributo para a situação de insolvência”. - Acórdão da Relação de Guimarães de 25/06/2015, processo n.º 293/12.0TBVCT-A.G1, in www.dgsi.pt.
Ora, analisando o caso concreto, parece excessivo o prazo fixado, tendo em conta, sobretudo, o contexto em que a gerente atuou, de perseguição ou inimizade familiar, ou pelo menos de conflito sério – o outro sócio é seu irmão e gerente da maior credora – que condicionou a sua atuação (factos provados n.ºs 8, 9, 34, 43, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 54). Releva, também, o facto de a venda de equipamentos e stock realizada em 06/06/2015 entre a insolvente e outra sociedade, ambas representadas pela sua sócia e gerente, aqui afetada, ter tido como contrapartida a assunção pela nova sociedade do pagamento do empréstimo contraído pela insolvente junto do BANCO A, com o valor de € 42.000,00 – facto provado n.º 15.
Da matéria de facto apurada não resulta uma culpa grave por parte da gerente, que foi sendo conduzida pelas circunstâncias adversas que, em grande medida, foram sendo criadas pelo seu sócio/irmão e que resultaram nas decisões tomadas, com prejuízo para os credores, que conduziram à situação de insolvência. Com culpa, já se viu, e não está questionado neste recurso, mas com culpa ligeira, adiantaremos nós.
Daí que, na falta de elementos que permitam graduar para além do mínimo, a culpa da gerente, o período de inibição para a administração de patrimónios de terceiros e para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, nos termos das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 189.º do CIRE, deve fixar-se no período mínimo de dois anos – neste sentido, ver também, acórdão da Relação do Porto de 16/10/2012, processo n.º 248/08.0TYVNG-A.P1, in www.dgsi.pt.
Procede, assim, nesta parte, a apelação da recorrente.

Vejamos, agora, a condenação que resulta da alínea e) do referido normativo legal: o juiz deve: “Condenar as pessoas afectadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até à força dos respectivos patrimónios, sendo solidária tal responsabilidade entre todos os afectados”.
Este artigo condena as pessoas previstas pela alínea a) ao pagamento de indemnização a favor dos credores do devedor insolvente para ressarcimento do montante de créditos não satisfeitos no âmbito do processo de insolvência.
Este efeito é imperativo, havendo culpa deve ser decretada a obrigação de indemnizar nos termos do artigo 189.º, n.º 2, e) do CIRE – Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 2.ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2103, pág. 736.
Este foi também o entendimento sufragado no acórdão da Relação do Porto de 13/01/2015, processo n.º 376/12.7TYVNG-A.P1, in www.dgsi.pt, onde se pode ler: “Temos por assente, e por força da referida norma, que o efeito condenatório decorre directamente da lei. E apenas a fixação do valor das indemnizações devidas está sujeita à apreciação das circunstâncias e vicissitudes do caso concreto. Assim, e contrariamente ao defendido pelos apelantes, o limite indemnizatório legal é fixado no montante dos créditos não satisfeitos e não no valor dos actos individuais e culposos, apurados em concreto, designadamente ao valor dos bens vendidos a terceiros”.
O facto de o estabelecimento comercial da insolvente ter sido avaliado em ação executiva, no valor de € 50.000,00, não limita a esse valor o montante da indemnização.
É que este preceito visa a tutela dos credores sociais. Consagrou-se a responsabilidade pelos créditos não satisfeitos, reforçando-se, assim, a tutela dos credores.
E, se é verdade, como alega a apelante, que o tipo de responsabilidade com que aqui lidamos, é uma responsabilidade aquiliana, do artigo 483.º do Código Civil, a verdade é que, estão verificados os cinco pressupostos que lhe dão causa:
“- o facto voluntário é o mesmo facto que serviu de fundamento à qualificação da insolvência como culposa;
- a culpa encontra-se também verificada, pois o artigo 186.º, para além de presumir a culpa nos seus n.ºs 2 e 3, faz depender a qualificação da insolvência como culposa de uma atuação pautada pelo dolo ou pela culpa grave;
- o dano reside no montante de créditos não satisfeitos no âmbito do processo de insolvência;
- o nexo de causalidade traduz-se na criação ou agravamento da situação de insolvência em consequência da atuação dos afetados e resulta, também do disposto no artigo 186.º;
- a ilicitude reside no desrespeito pelos interesses alheios” – veja-se estudo supra citado, pág. 136.
Daí que improceda, nesta parte, a apelação.

Uma última palavra, apenas para dizer que, tendo o administrador da insolvência intentado ações de resolução em benefício da massa, o estado atual do processo não permite definir, desde já, o valor que será obtido com a liquidação da totalidade do activo e o valor dos créditos por satisfazer. Pelo que, nessa medida, a apelante deve ser condenada a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos reconhecidos na sentença de graduação de créditos e não satisfeitos na liquidação, deferindo-se para momento posterior a concreta definição do valor dos créditos não satisfeitos.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação, alterando-se as alíneas c) e d) da sentença, quanto ao período de inibição, que se fixa em 2 (dois) anos e mantendo-se as restantes alíneas, com a ressalva de que a condenação da alínea e) deve ser deferida para o momento em que for possível apurar em concreto o valor dos créditos não satisfeitos pelo produto da massa insolvente.
A apelante paga metade das custas da sua apelação, ficando a outra metade a cargo da massa insolvente.
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Guimarães, 23 de novembro de 2017


Ana Cristina Duarte
João Diogo Rodrigues
Anabela Tenreiro