Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4632/07.8TBBCL
Relator: MANSO RAÍNHO
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/22/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – Tendo a causa conexão com dois Estados-Membros da União Europeia – Portugal e França – a determinação da competência judiciária para dela conhecer é feita apodicticamente de acordo com o Regulamento (CE) 44/2001, do Conselho, constatando-se, à luz do respectivo art. 2º, nº 1, serem os Tribunais do Estado Francês os competentes para tal.
II – A possibilidade da demanda correr noutro Estado-Membro, neste caso em Portugal, exigiria, nos termos do art. 5º do mesmo Regulamento, que a obrigação contratual do Réu devesse ser cumprida em Portugal. Acontece que, conforme alegado pela própria Autora e como decorre do escrito que juntou como formalizador do contrato, a prestação dos serviços do Réu era para ter lugar em França e não em Portugal.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 1º Secção Cível da Relação de Guimarães:

F... Confecções, S.A., com sede em Pereira, Barcelos, intentou, pelo Tribunal da Comarca de Barcelos, acção com processo na forma ordinária contra Jean G..., domiciliado em Le C..., França, peticionando a condenação deste no pagamento das quantias de € 281.656,55, 6.836,72 e 500.000,00.
Alegou para o efeito, em síntese, que no exercício da sua actividade de fabricante de vestuário celebrou com o Réu, que exercia em França a actividade de representação e venda de vestuário, contrato nos termos do qual este se obrigou, mediante comissão, a angariar clientes para colocação, em França, dos artigos da Autora, que esta venderia e facturaria, bem como se obrigou a cobrar facturas em atraso emergentes de tais vendas. Acontece que o Réu não cumpriu como devia o contrato, razão pela qual a Autora o “revogou unilateralmente”. Contudo, ficaram por cobrar pelo Réu créditos da Autora resultantes de vendas a certos clientes angariados pelo Réu, créditos que totalizam aquela primeira quantia. Por outro lado, o Réu cobrou créditos de vendas feitas pela Autora a certos clientes, mas que não entregou à Autora, créditos esses que totalizam a segunda quantia. Ainda, o incumprimento do contrato por parte do Réu deu causa a que a Autora sofra prejuízo – lucros cessantes – em montante não inferior à apontada terceira quantia.
Contestou o Réu.
Além do mais, excepcionou com a incompetência internacional dos tribunais portugueses para o conhecimento da causa.

Veio a ser proferida decisão a julgar procedente a excepção e absolveu o Réu da instância.

Inconformada com o assim decidido, interpôs a Autora “apelação” para o “Tribunal da Relação do Porto”.
O recurso foi admitido, como competia, como agravo, sendo esta Relação a competente para dele conhecer.

Da respectiva alegação extrai a recorrente as seguintes conclusões:

I. A Autora formula na sua petição inicial três pedidos, o de condenação de mercadorias fornecidas e pelas quais o Réu é pessoalmente responsável; o do pagamento das mercadorias que o Réu ilegitimamente se apoderou e, em terceiro lugar a condenação em indemnização a calcular em sede de sentença, pelos prejuízos causados pelo cumprimento defeituoso do contrato de agência celebrado entre Autora e Réu,
II. Resultando a responsabilidade do Réu pelo pagamento das mercadorias fornecidas, pela existência de uma convenção do tipo del credere constante de um contrato de agência, a exigência do pagamento das mercadorias fornecidas ao agente não resulta do defeituoso cumprimento do contrato de agência, nem tal obrigação tem a natureza de indemnização, sendo apenas a obrigação de pagamento das mercadorias fornecidas ao abrigo de um contrato de compra e venda.
III. Nos termos de tal contrato a obrigação de pagamento deve ser cumprida na sede da fornecedora, local donde foram expedidas as mercadorias e emitidas as facturas, nenhum outro local resultando para pagamento das mesmas, pelo que é no tribunal da sede da fornecedora, ora Autora, que pode ser colocada a acção em que se pretenda a condenação de pagamento.
IV. Competência do tribunal que é atribuída pelo art. 74º do CPC, e que não é afastada pelo Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho de 22/12/2000, pelo contrário sendo em tudo conforme o disposto no art. 5º, alínea a) deste.
V. É uma convenção del credere aquela pela qual alguém, funcionando como agente de outro para promover vendas, assume a obrigação de, caso o cliente angariado não o faça, pagar o preço do que foi vendido, para o que recebe uma comissão, no caso de 2%, e por força da qual o terceiro assume a responsabilidade pessoal de pagamento da obrigação surgida no contrato de venda.
VI. De igual modo é uma obrigação autónoma e independente do contrato de agência, aquela que consiste na obrigação de pagar o preço de mercadorias de que o Réu se apropriou ilegitimamente, tendo a obrigação de entregar a mercadoria ou o respexctivo valor à Autora, na sede desta, em Barcelos.
VII. Devendo tal obrigação ser cumprida em Barcelos, nos termos do art. 74º do CPC, de novo a tal não se opondo o citado Regulamento.
VIII. Sendo legítima a cumulação de vários pedidos na mesma acção, para os quais seriam competentes tribunais distintos, é igualmente legítima, por força do nº 2 do art. 87º do CPC, a escolha pela Autora de um dos tribunais competentes para introduzir a respectiva e única acção.
IX. A tal não se opondo o dito Regulamento, por não ter previsto tal situação e por não estarem já em causa as razões pelas quais é protegido o Réu em tal Regulamento, já que este já terá de intervir no tribunal legitimamente escolhido pela outra parte.
X. Coexistindo vários pedidos numa mesma acção é em relação a cada um deles que deve ser aferida a competência do tribunal, verificando-se que apenas em relação a um deles o tribunal é incompetente, apenas em relação a esse pedido deve o Réu ser absolvido da instância, prosseguindo a acção em relação aos restantes.
XI. Pelo que no caso, mesmo mesmo que o tribunal seja incompetente em relação a um dos pedidos, o terceiro formulado, deverá a acção prosseguir em relação aos restantes dois igualmente formulados.

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A parte contrária contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

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Foi proferido despacho de sustentação.

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Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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É objecto único do recurso decidir sobre a competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer do objecto da acção.

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Plano Factual:

Damos aqui por reproduzidas as incidências factuais supra expostas.


Plano Jurídico-conclusivo Recursivo:

Com a presente acção, cuja causa de pedir se radica num alegado contrato de agência estabelecido entre as partes, veio a Autora peticionar o pagamento de indemnização por três tipos de danos que diz ter sofrido em consequência do incumprimento das obrigações que para o Réu, domiciliado em França, advieram desse contrato.
É em face desta realidade que compete aferir da competência que vem discutida. Nem mais nem menos, sendo irrelevantes para o caso, contrariamente ao que a recorrente parece supor, os contratos de compra e venda que a Autora estabeleceu com os clientes angariados ou o local onde competia ser pago o preço das coisas que foram fornecidas pela Autora a estes clientes.
Tendo a causa conexão com dois Estados-Membros da União Europeia - Portugal e França -, a determinação da competência judiciária para dela conhecer é feita apodicticamente de acordo com o disposto no Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho.
Ora, face a este Regulamento – v. o respectivo art. 2º , nº 1 – são os tribunais do Estado Francês os competentes para conhecer da causa, por isso que a parte demandada está domiciliada em França.
De outro lado, a possibilidade da demanda correr perante outro Estado-Membro – neste caso, Portugal – exigiria, nos termos do art. 5º do mesmo Regulamento, que a obrigação contratual do Réu devesse ser cumprida em Portugal. Acontece que, conforme o alegado pela própria Autora e decorre do escrito que juntou como formalizador do contrato, a prestação dos serviços do Réu era para ter lugar em França e não em Portugal, de sorte que não se verifica a situação de competência especial aludida nessa norma.
Donde, o tribunal português é internacionalmente incompetente, sendo competente a jurisdição francesa.
Bem se vê, deste modo, que a invocação que a recorrente faz dos art.s 74º e 87º do CPC e as elucubrações jurídicas que a propósito tece carecem de aceitação. Pois que se trata de normas que visam regular a competência territorial (competência interna ou nacional) dos tribunais portugueses, e não definir a competência internacional dos tribunais portugueses (a aplicação de tais normas só teria lugar se acaso os tribunais portugueses possuíssem prévia competência internacional, e não é o caso.)
Improcedem assim em toda a linha as conclusões do recurso, sendo de confirmar a decisão recorrida.
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Decisão:

Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao agravo, confirmando o despacho recorrido.

Regime de custas:

A recorrente é condenada nas custas do agravo.
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Guimarães, 22 de Outubro de 2009