Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
188/14.3TBPVL.G1
Relator: MARGARIDA SOUSA
Descritores: SERVIDÃO DE VISTAS
CONSTITUIÇÃO
USUCAPIÃO
REQUISITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A constituição da servidão de vistas pressupõe não só a existência no prédio alegadamente dominante das janelas, varandas ou terraços, como a manutenção da posse do direito em causa por certo lapso de tempo, só esta facultando ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação;

II - Só depois de decorrido o prazo necessário para haver usucapião, o dono da janela varanda ou terraço adquire o direito de a manter e de impedir o proprietário vizinho de a vedar ou limitar a sua total fruição, podendo, a partir de então – mas só a partir de então – o titular da dita servidão opor-se ao exercício de direitos de gozo pelo titular do prédio vizinho que a afetem;

III – Para efeito da constituição da aludida servidão, não são propriamente as vistas que interessam, mas o devassamento, ou melhor, a possível ocupação do terreno vizinho;

IV - A intromissão abusiva “é propiciada pela existência, nas obras elencadas no nº 2 do art. 1360º do Código Civil (varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes), de parapeitos pois estes emprestam comodidade e segurança, permitindo que alguém se debruce e apoie os braços” “e, assim, possa devassar “comodamente” pela vista o que se passa no prédio contíguo”;

V – A existência de parapeito é, pois, de importância crucial para efeito da constituição de servidão de vistas, não podendo considerar-se como parapeito uma parede divisória de alguns centímetros de altura.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

José e Maria intentaram ação declarativa de condenação em processo comum contra J. A. e Adelaide formulando os seguintes pedidos:

A) Deve a presente acção ser julgada provada e procedente, e em consequência, devem os réus ser condenados a reconhecer o direito de propriedade dos autores sobre o seu imóvel no qual se inclui o muro que o circunda, e que confronta com os réus do lado nascente.
B) Devem também ser condenados a reconhecer a existência, (devidamente comprovada nos termos antecedentes e de acordo com o art.º 342, nº 1 do CC conjugado com o art.º 1362, nº1 do CC) da servidão legal de vistas, constituída por usucapião, na qual o prédio dos réus é serviente, com todas as legais consequências que dai advém, como a restrição de não edificação.
C) Devem ainda, os réus ser condenados na demolição dos edifícios construídos de forma ilegal e em oposição às regras de saúde pública, (tal como provado por despacho da entidade municipal), e em contraposição às regras da edificação nos termos do art.º 1360 nº1 do CC, e/ou em clara violação da servidão legal de vistas, constituída nos termos do art.º 1362, nº 1 e 2 do CC.
D) Devem os réus ser igualmente condenados por abuso de direito, nos termos explanados no presente articulado, na medida em que violaram o direito dos autores, quando á 30 anos o haviam reconhecido de forma pública e pacífica.
E) Deverão ainda ser condenados em custas e procuradoria condigna.

Invocaram como fundamento das suas pretensões a aquisição, por usucapião, do aludido muro e do direito de servidão legal de vistas – alegando, quanto a este último, que existe, na parte superior e nivelada do logradouro do imóvel, em volta da moradia, uma grande superfície devidamente urbanizada e coberta com material cerâmico, sendo que essa parte do logradouro confronta diretamente com o terreno dos réus, permitindo aos mesmos devassar as vistas do terreno dos mesmos réus e adjacentes, existindo ainda, num plano ligeiramente superior ao do logradouro, em cerca de meio metro, mais concretamente, ao nível do piso da casa de habitação, uma varanda coberta, perfeitamente integrada na moradia, com cerca de 6 metros quadrados, a qual serve de acesso à habitação e de espaço de refeições nos meses estivais, pois é contígua à cozinha, sendo que, a parte do logradouro pavimentada e a referida varanda, incidem diretamente sobre o terreno dos réus, permitindo aos autores a devassa da propriedade daqueles, de forma pública e pacífica, à vista de todos, com o consentimento dos réus, sem qualquer oposição ou obstáculo, ocorrendo esta situação desde o momento da construção da habitação dos autores –, mais invocando, para fundamentar as suas pretensões, a prática de atos ilícitos e culposos pelos RR. (construção dos anexos e seu uso, o último dos quais na estrema entre as duas propriedades), bem como o abuso de direito.

Os Réus contestaram, impugnando o alegado pelos Autores, sublinhando que dois dos anexos foram construídos há mais de 20 anos, o anexo onde se encontra a instalação de gás dista mais de 4,00m em relação à única janela da casa dos A. que deita diretamente para a propriedade dos RR., o anexo destinado a arrumos dista mais de 6,00m de qualquer abertura existente na casa de habitação dos AA. e o anexo mais recente, na sua parte mais próxima, dista da casa de habitação dos Autores no mínimo 11 metros, mais defendendo que a parte de logradouro pavimentada a que os AA. se referem no seu petitório mais não constitui do que o caminho de acesso à casa de habitação dos AA., e nunca por nunca qualquer esplanada ou terraço como aqueles pretendem fazer crer.

Quanto ao muro, disseram que o mesmo mais não é do que muro de suporte de terras dos RR., tendo sido por estes edificado e a expensas próprias.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença cuja decisão se reproduz:

Pelo exposto, julgando a acção parcialmente procedente:

. Declaro os AA. proprietários do prédio urbano identificado no art. 1º da p.i. e descrito supra [em II. A.]
. Declaro AA. e RR. comproprietários do muro que separa, em toda a sua extensão, esse prédio urbano propriedade dos AA. do prédio urbano propriedade dos RR., muro esse devidamente caracterizado supra [em II.A.].
.Absolvo os RR. dos demais pedidos deduzidos.
*
. Custas por AA. e RR. na proporção de 5/6 para os AA. e 1/6 para os RR.
*
Inconformados com a sentença proferida, os Autores interpuseram recurso, apresentando as respetivas alegações e enunciando as seguintes conclusões:

1- Está em discussão nos presentes autos o direito de propriedade dos Apelantes sobre o muro identificado na petição inicial, bem como o direito de servidão legal de vistas a favor do prédio dos Apelantes, como descrito nestas alegações, sendo que tal reconhecimento implica a demolição dos anexos identificados nas presentes alegações, tendo por base os factos descritos e que agora se condensam, bem como nos pedidos a formular a final;
2- Os Apelantes são á mais de trinta anos, donos e legítimos proprietários do prédio urbano, como consta dos autos, tendo, a sentença aqui em crise, reconhecido a propriedade do bem a favor dos aqui Apelantes, tal como consta do registo predial;
3- O prédio em questão, confronta a norte com Luís, a sul com caminho público, a poente com Rosa e a nascente com os aqui Apelados, J. A. e sua esposa.
4- A totalidade da propriedade dos Apelantes é delimitada por um muro de blocos de cimento rebocados, sendo que no topo do referido muro, colocaram os autores uma rede, tal como resulta evidente do relatório pericial, constante dos autos.
5- A construção da moradia dos Apelantes, ocorreu com o conhecimento dos Apelados, que consentiram na construção, tendo concordado com o resultado final, a ele não se opondo, aceitando-a, nos moldes que ainda hoje mantém, designadamente, a existência de janelas, portadas, varandas, alpendres e terraços pavimentados, que se encontram orientados directamente para a propriedade dos Apelados, tendo tal situação subsistido sem qualquer entrave durante cerca de três décadas, período no qual os Apelantes sempre usufruíram de varandas e terraços até á extrema das propriedades, realizando refeições ou apenas descansando e aproveitando as vistas, que lhe permitia a situação existente, antes dos actos construtivos dos Apelados.
6- Sendo que, a parte da varanda e o terraço pavimentado além de existir até á extrema de separação de propriedades, incidem directamente sobre o terreno dos réus, permitindo aos autores a devassa da propriedade dos réus, seja através de apoio no muro existente, seja através de visualização de qualquer local do terraço pavimentado, ocorrendo esta conduta, tal como referido, de forma pública e pacífica, á visa de todos, com o consentimento dos Apelados, sem qualquer oposição ou obstáculo, ocorrendo esta situação desde o momento da construção da habitação dos Apelantes e Apelados.
7- No entanto, os Apelados edificaram alguns anexos ao longo do tempo, na extrema da sua propriedade, confinante com a dos Apelantes, designadamente;
8- Construíram um anexo, que nos autos em apreço se designou como anexo A,tendo os Apelantes dado o seu assentimento, visto tratar-se de uma zona intermédia entre janela e varandas, que não prejudicava as vistas, na medida em que o anexo se encontra no enfiamento visual da casa dos Apelados, ou seja, foi implantado entre ambas as casas, o que conjugado com a boa relação familiar existente, levou á sua edificação pacifica, dado não lesar os interesses, vistas e direitos dos Apelantes.
9- Posteriormente, os Apelados construíram um outro anexo, que nos autos figura como anexo B, que ficou localizado exactamente na frente da varanda e terraço pavimentado que os Apelantes utilizam para realizar refeições, de tal edificação, não foram os Apelantes informados, nem muito menos foi colhido o seu consentimento, sendo que no entanto, estes não se opuseram á edificação apesar de a parede que confina com os Apelantes e sua propriedade ter sido utilizada como suporte para uma das paredes do dito anexo, sendo que a dita parede e sua face se encontra implantada em cima do muro, logo, está na propriedade dos Apelantes.
10- Não tendo tal construção merecido, qualquer censura á data, por parte dos Apelantes essencialmente devido ao facto de o terreno de ambas as partes possuir um desnível de alguns metros, motivo pelo qual, a parede que foi colocada na extrema dos Apelantes se resumir a um muro com cerca de 150 centímetros de altura;
11- Passando os Apelantes, a utilizar o dito muro de baixa altura para se apoiar, sentar, e visualizar o terreno dos Apelados, tratando o dito muro como se de uma varanda se tratasse, e dela retirando os cómodos que qualquer varanda ou similar proporciona a quem beneficia de vistas e do direito às mesmas, tanto mais que o seu terraço pavimentado no qual realizam refeições e descansam confina directamente com o dito baixo muro, passando a família a encarar o mesmo como parapeito para conversar com a família e dele se servindo com naturalidade, dado que a parede colocada na estrema se encontra implantada no seu muro de delimitação da propriedade.
12- Á cerca de seis anos, os Apelados resolveram realizar um aumento da parede do anexo B, tendo para tanto, colocado mais algumas fiadas de blocos de cimento, o que transformou uma "varanda" de apoio e encosto para devassamento da propriedade dos Apelados, numa verdadeira parede com cerca de dois metros de altura;
13- Sendo que na segunda fase de construção, que consistiu no alteamento do muro os Apelados já não revestiram a parede, tratando-se apenas de uma parede simples de blocos de cimento sem qualquer acabamento, o que comprova duas fases distintas de construção, sendo uma mais antiga e outra recente.
14- Os Apelantes, ao ser confrontados com a obra que destruiu o muro existente e que impediu a utilização que lhe era dada, tentaram junto dos Apelados, que estes destruíssem a parte nova da construção, repondo-se a realidade pré-existente, sendo que nada demoveu os Apelados.
15- No ano de 2012, os Apelantes constataram que os Apelados, haviam edificado mais um edifício exactamente na estrema entre as duas propriedades, não tendo informado os Apelantes, nem colhido o consentimento destes.
16- Este novo anexo, construído a sul e de forma contígua com o anterior, foi denominado nos autos como anexo C, não sendo mais do que um galinheiro.
17- Resultando que, a referida construção do anexo C, a acrescer ao alteamento do anexo B, que tinha ocorrido anteriormente, bloquearam completamente a propriedade e as vistas dos Apelantes, ficando estes, na vertente sul da sua propriedade, quase cercados por uma "muralha de cimento", a qual impossibilita a visualização de qualquer outra coisa que não seja a referida "muralha".
18- Os Apelantes dirigindo-se mais uma vez aos Apelados, e reiteraram o pedido para que estes derrubassem as construções anteriores, não tendo tais solicitações merecido qualquer resposta por parte dos Apelados.
19- Tal como não resultou a invocação do fundamento de que não foi respeitada a distância mínima de um metro e meio entre a nova construção e a propriedade dos Apelantes, nomeadamente o seu terraço e varanda, bem como o argumento, da existência de janelas, das quais as vistas não poderiam ser prejudicadas pela existência destas construções, que as bloqueiam completamente, impedindo o acesso às vistas e luz natural.
20- Ao contrário dos edifícios construídos anteriormente, este novo edifício, tem como único e exclusivo fim ou destino, a criação de animais de capoeira, o que tendo em conta a dimensão do edifício, que ronda os trinta metros quadrados, leva a concluir pela instalação e criação de centenas de aves, com o consequente aumento de ruído, maus cheiros, e o inevitável aumento exponencial de dejectos e insectos tais como moscas, varejeiras e afins, tal como ficou bem demonstrado através de relato de testemunhas, e do relatório pericial que indica as condições de insalubridade do espaço e o destino dado aos dejectos, que são colocados no terreno adjacente, a escassos centímetros da propriedade dos Apelantes, o que nos períodos estivais, toma impossível residir no imóvel, dado que o cheiro, o barulho e os insectos são de tal ordem, que a mera aproximação do local será penosa e insuportável.
21- Não sendo de somenos importância, o facto de que, o local onde os Apelantes realizam habitualmente as suas refeições, é na varanda e no terraço, local este que incide directamente sobre o edifício que abriga as aves.
22- Tal conduta, levou os Apelantes a realizar queixas á Câmara Municipal X, e ao delegado de saúde pública de X, relativamente ao estatuto da edificação ilegal e ao perigo para a saúde e insalubridade do edificado, tendo estes, respondido aos Apelantes, que se tratava de uma edificação ilegal que alberga galinhas, e que em consequência de tal facto e por não respeitar as regras de edificação, não seria passível de legalização ou licenciamento, porque as construções foram executadas no limite do terreno. não cumprindo os afastamentos legalmente exigidos.

Ou seja;
23- Os Apelantes, construíram a sua casa, em plano elevado, em relação á propriedade dos Apelados, á mais de trinta anos, de boa-fé, publicamente e á vista de todos, edificaram as janelas, a varanda e o terraço ladrilhado no qual realizam refeições e passa o tempo livre, sendo que todas estas valências da casa, incidem directamente sobre a propriedade dos Apelados.
24- Bem como o muro existente á volta de toda a propriedade dos autores, pertence em exclusivo ao prédio dos autores, que o construíram a suas expensas, apenas permitindo a construção de primeira fase do anexo B, na medida em que o utilizavam como varanda ou parapeito para se apoiar ou debruçar sobre a propriedade dos aqui Apelados.
25- O mesmo é dizer que os Apelados, enquanto proprietários do prédio confinante no lado nascente, que confrontam directamente com o referido muro, não possuem qualquer direito sobre esse mesmo muro, nem podem limitar o seu uso e fruição por parte dos Apelantes, seja a nível de demarcação de propriedade, seja ao nível do devassamento que a lei permite aos Apelantes em virtude da servidão de vistas constituída.
26- Bem sabendo os Apelados que o muro não lhes pertencia, dado que, o anexo A, mais antigo e contemporâneo da edificação das moradias está afastado da estrema e por consequência, afastado da propriedade dos Apelantes, sendo que o anexo B, foi edificado na fase inicial com uma parede em cima do muro dos Apelantes, em virtude da sua autorização e na condição de ser tratar de um muro baixo, que poderia ser usado como varanda pelos Apelantes;
27- Não sendo no entanto de aceitar o aumento que foi realizado no anexo B, com total desconhecimento dos Apelantes, tal como não se aceita a construção do anexo C, que foi edificado de forma a ficar encostado ao muro propriedade dos Apelantes, nem sequer o tendo usado para suporte de qualquer parede, nem mesmo retiraram a rede colocada pelos Apelantes a meio do muro para evitar entrada de animais;
28- O que não deixa de ser estranho, na medida em que, se os Apelados se arrogam proprietários do muro, porque razão não retiraram a rede e colocaram uma das paredes do anexo C, em cima do mesmo muro, poupando muito dinheiro na construção, sendo que tal evento indiciador não foi tido em conta pelo tribunal a quo, que decidiu, pela compropriedade do dito muro, mesmo sabendo que os Apelados realizaram obras e colocaram rede na sua propriedade após a edificação do anexo C, e mesmo assim, não colocaram qualquer apoio ou rede ou fosse o que fosse em cima do muro que é propriedade dos Apelantes, na medida em que, ao contrário do tribunal a quo, os Apelados bem sabem que o muro não lhes pertence.
29- Não podendo os Apelantes, conformar-se com a atitude ilícita dos Apelados, nem podem aceitar o teor da sentença aqui em crise, que impede que lhe seja reconhecido o seu direito de propriedade plena, na qual se inclui o muro de sua propriedade, bem como o direito de servidão de vistas, constituído em virtude de mais de 30 anos de uso e fruição, através do devassamento da propriedade dos Apelados, que nesta situação será o prédio serviente, ficando dessa forma impedidos de construir de modo a prejudicar as vistas legalmente garantidas dos Apelantes.
30- Sendo que a efectivacão de tal direito dos Apelantes apenas poderá ser efectivado através da demolição do alteamento do anexo B. e a completa destruição ou afastamento do anexo C. construído por ultimo.
31- Não tendo sido esse, o entendimento do tribunal a quo, que conclui não ser possível apurar se o muro de divisão das propriedades foi construído apenas pelos autores ou se também pelos Réus e quem o terá custeado, não tendo sequer considerado o facto de a secção B do muro indiciar duas fases de construção, tendo uma a altura de 153 centímetros, mais antiga que é contígua ao terraço pavimentado dos Apelantes que usavam o tal muro como varanda para se debruçar e devassar visualmente a propriedade dos Apelados existindo depois uma fase de construção mais recente que acrescentou 103 centímetros ao muro já existente tal como referido pelas testemunhas e confirmado na íntegra pelo relatório pericial.
32- Tal como não considerou a sentença aqui em crise, o facto de a varanda e o terraço pavimentado serem contíguos ao muro que faz estrema com a propriedade dos Apelados, sendo nesse espaço pavimentado que se encontra o espaço de refeições e onde esteve implantado durante largo período de tempo o anexo B, que consistia de um muro com metro e meio de altura no qual os Apelantes se apoiavam e usavam como varanda.
33- Não considerou igualmente o tribunal a quo, que o anexo A, foi construído no enfiamento das duas casas e com autorização dos aqui Apelantes, no referente ao anexo B, é omissa a sentença na medida em que não refere as duas fases de construção, tal como indica a perícia realizada, na medida em que o aumento do muro é que impossibilita o devassamento da propriedade dos Apelados, sendo que em relação ao anexo C, foi edificado sem autorização, referindo a douta sentença que o mesmo se encontra encostado ao muro existente, não tendo os Apelados apoiado o anexo no dito muro nem procederam á retirada da rede colocada pelos Apelantes no topo do mesmo.
34- Entrando a sentença aqui em crise em contradição, dado que apesar do não reconhecimento do direito dos Apelantes, refere que os anexos em questão são adjacentes ao terraço pavimentado, e esse terraço pavimentado é confinante com o referido muro em que está encostado o anexo B, que foi alteado á poucos anos, bem como é confinante com o anexo C, onde se encontra o galinheiro, espaço no qual se faziam refeições e era usado como varanda, que de facto é, sendo de momento impossível em virtude das obras ilegais realizadas.
35- Vindo a douta sentença aqui em crise, dar razão aos Apelantes, quando afirma que, desde o terraço e varanda dos Apelantes não se encontra visível a propriedade dos Apelados em virtude da existência dos anexos referidos, e que nos locais da estrema, onde não existem anexos, é possível a visualização por parte dos Apelantes, da propriedade dos Apelados e prédios confinantes.
36- Vindo de seguida a sentença afirmar não se poder aferir quem construiu e pagou o referido muro e a rede que o encima e que separa as propriedades dos intervenientes processuais, quando resulta claro que o muro foi edificado pelos Apelantes, encontrando-se o mesmo degradado tal como o resto dos muros da sua propriedade, quando por outro lado, os muros e casa dos Apelados se encontram completamente renovados e pintados, e que os Apelados ao construir o anexo C, sabendo que o muro não lhes pertencia, não apoiaram a construção no dito muro nem se atreveram a proceder á retirada da rede que o encima, que ainda se encontra no local, sendo que, o tribunal a quo, considerou como comum, um muro que aos próprios Apelados consideram como sendo da exclusiva propriedade dos Apelantes.
37- Por ultimo, a douta sentença em crise, deu como não provados os factos relativos á alegada servidão de vistas, uma vez que a casa se encontra a mais de metro e meio do referido muro e que o terraço existente é apenas uma via de acesso para viaturas, sendo que tal interpretação não corresponde minimamente á realidade dos factos, dado que, a varanda e o terraço pavimentado que lhe é adjacente confinam directamente com o muro e por consequência com o anexo B e C, dado que, tal como referido, antes do alçamento do anexo B, os Apelantes o usavam como varanda para se encostar e debruçar, e por outro lado, ficou provado por perícia que, o terraço pavimentado faz parte da varanda, lá se fazendo refeições, nada tendo este a ver com a garagem e seu acesso na medida em que, a dita garagem fica no extremo oposto da propriedade dos Apelantes, pelo que tal argumentação com vista á desclassificação dos elementos constitutivos da servidão de vistas, nos parece, salvo melhor entendimento, completamente desfasada da realidade, o que levou o tribunal a quo a uma incorrecta avaliação dos factos levados a julgamento e por consequência, decidiu em desconformidade com os factos e o direito.

Assim sendo;
38- O tribunal a quo, não considerou, ou melhor, não aplicou o regime jurídico subsumível às situações em apreço, na medida em que apenas enquadrou o regime constitutivo do direito de servidão de vistas do ponto de vista das edificações do prédio dominante, olvidando que o este prédio possui características que permitem e conduziram á constituição de servidão de vistas, e que seria o prédio serviente, que através dos seus proprietários estava obrigado a não edificar de modo a não lesar o direito de vistas adquirido pelo prédio dominante, propriedade dos Apelantes.
39- Pelo que, a descrita actuação dos Apelados é claramente, contrária á lei e violadora do direito de propriedade dos Apelantes, assistindo razão a estes, nos termos dos artigos 1305, 1360 e 1262, n° 1 e 2, todos do Código Civil.
40- Sendo de maior importância a classificação e orientação da doutrina e jurisprudência unânime, no que a esta questão diz respeito, ao afirmar que, "O piso cimentado de logradouro de um prédio situado em plano superior a prédio confinante e limitado na estrema por muro de suporte de terras que excede em altura o piso daquele logradouro deve ser considerado para efeitos do art.º 1360. n° 2 do CC. uma obra semelhante a varanda, terraço ou eirado", in RC, 281ll/2005:CJ,2005,5°-18, sublinhado e negrito nosso.
41- A construção da varanda e terraço pavimentado até á estrema ocorreu com o conhecimento e autorização dos Apelados, que com eles conviveram cerca de 30 anos, tendo agora alteado e construído estes edifícios, impedindo o devassamento e impossibilitando a continuação da servidão de vistas.
42- Sendo que, o prazo para a constituição de servidão de vistas por usucapião, a ocorrer nos termos do prazo mais longo, seria 20 anos a existir má-fé, o que não será o caso, tendo em conta a conduta dos Apelantes, pelo que a servidão se deve considerar constituída ao fim de 15 anos dada a sua boa-fé, nos termos do art.º 1296 do CC.
43- Vindo muitos anos depois, os Apelados, com a sua conduta, realizar construções, cujo exercício ficou neutralizado pela sua conduta antecedente, o que gera, tendo em conta o seu comportamento anterior, um "venire contra factum proprium", proibido no âmbito do abuso de direito, pela norma do art.º 334 do Código Civil.
44- Sendo que, decorrido o prazo necessário para haver usucapião, o dono da janela, terraço ou varanda adquire por usucapião o direito de a manter e de impedir o proprietário vizinho de a vedar ou limitar a sua total fruição", in RC.261l/2010:CJ,2010,1 °-18, sublinhado e negrito nosso.
45- "O prazo de contagem da posse, com vista á aquisição de uma servidão legal de vistas por usucapião, através da construção de janelas ou varandas, inicia-se a partir do momento da conclusão da obra", in RC.17112/2002.CJ,2002,5°,31, sublinhado e negrito nosso.
46- "Constituída sobre o prédio dos Apelados, a servidão de vistas a favor do prédio dos Apelantes, materializada num alpendre ou terraço, aqueles estavam impedidos, legalmente de levantar, como levantaram, qualquer construção no seu prédio, sem deixar entre essa construção e o referido alpendre a distância mínima de 1.5 metros, conforme disposto no art. º 1362. n° 2 do CC" in RL,23/6/2009:PROC.11117 12008-1 ,dgsi.net, sublinhado e negrito nosso.
47- No que diz respeito á construção tendo em conta o desrespeito pelas regras da edificação, dado que não se respeitou a distância mínima, e que não existia qualquer tipo de licença para a realização das obras, "as normas de direito público que limitam o direito de propriedade, protegem também os interesses particulares dos proprietários confiantes, podendo o seu desrespeito constituir os infractores em responsabilidade civil extracontratual, se daí resultarem prejuízos para os confinantes, neste caso os autores" in" RG, 21102002;CJ 2002, 4°-273), sublinhado e negrito nosso.
48- "É objectivo do RGEU, evitar que os edificios se aproximem tanto quanto possível dos limites dos respectivos terrenos, de modo que a qualidade urbana não seja prejudicada no seu conjunto, pretende-se assim assegurar uma certa qualidade de vida às populações, e á final, garantir um ambiente urbano minimamente sadio e esteticamente equilibrado; pelo que o art. o 73 do REGEU, é uma norma relacional, que atende á posição relativa das construções confinantes, exigindo a observância de determinadas distâncias mínimas entre elas, por razões que se prendem com a necessidade de assegurar as condições em que se alude no art. o 58 do REGEU', in STA, 17/06/2013, Proc. 01854(02- dgsi.pt.
49- Pelo que se conclui que a conduta dos Apelados, é contrária á lei e violadora dos direitos dos Apelantes, assistindo a estes o direito nos termos do artigo 1362 do CC, de verem reconhecido, tanto o seu direito de propriedade sobre o muro, bem como a servidão de vistas na qual o prédio dos Apelados é serviente.
50- O que equivale ainda a dizer que aos Apelados, não era nem é permitida qualquer construção que implique o desrespeito pelos direitos dos Apelantes designadamente, o reconhecimento da sua propriedade exclusiva sobre o muro que edificaram na sua parcela, bem como o reconhecimento da servidão de vistas constituída a favor do prédio dominante, pelo que devem as mesmas ser demolidas, abstendo-se os Apelados de construir novas edificações que violem os direitos constituídos.
51- Ou no mínimo, que sejam os Apelados compelidos a respeitar as regras de edificação afastando as construções para a distancia prescrita na lei e jurisprudência, bem como sejam compelidos a respeitar as regras de saúde publica e salubridade, como direito fundamental dos aqui Apelantes, abstendo-se assim de criar animais domésticos no espaço confinante com a área de refeições dos Apelantes.
52- Em virtude da incorrecta analise dos factos e do direito subsumível ao caso em apreço, que culminou com a improcedência dos pedidos formulados pelos aqui Apelantes, não produziu o tribunal a quo, uma sentença que acautele os direitos aqui invocados, motivo pelo qual deve a sentença recorrida, ser revogada, dando-se provimento aos pedidos formulados pelos Apelantes.

Terminam pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso, no sentido das plasmadas conclusões, com as legais consequências.
*
Os Réus contra-alegaram, pugnando pela rejeição da impugnação da matéria de facto e pela confirmação do julgado.

Interpuseram ainda recurso subordinado, apresentando, quanto a este, as seguintes conclusões:

A. Vêm os Recorridos interpor recurso subordinado porquanto não se conformam com a douta sentença proferida na parte em que decidiu declarar AA. e RR. comproprietários do muro que separa, em toda a sua extensão, o prédio urbano propriedade dos AA. do prédio urbano propriedade dos RR., muro esse caracterizado no item II.A., ponto 10. da fundamentação da sentença.
B. Entendem os Apelados que o Tribunal a quo fez uma equivocada interpretação, valoração e consideração da prova produzida em sede do presente processo, designadamente ao ter dado como assente e provado os pontos 7 e 9. da matéria de facto dada como provada e ao não ter dado como provado que os RR. iniciaram a construção da sua casa de habitação primeiro que a dos AA. e que foram os RR. que a expensas exclusivamente suas construíram o muro divisório e colocaram a rede que em parte o encima.
C. Devendo, inversamente, quanto ao ponto 7. ter sido dado como provado que: Os RR. iniciaram a construção da sua casa, em data não concretamente apurada, mas antes do início da construção da casa dos AA.- e concluíram-na em data também não concretamente apurada mas também há mais de 20 anos.
D. E bem-assim, quanto ao ponto 9. ter sido dado como provado que: o muro que divide os dois referidos prédios de AA. e RR., em toda a sua extensão da extrema, foi construído pelos RR., aquando da construção da sua casa de habitação em pelo menos, duas fases, em datas que não se apuraram (inclusive a rede que parcialmente o encima), exclusivamente a expensas daqueles, apresentando a sua actual configuração e estrutura, referidas infra, há mais de 20 anos.
E. Com efeito, todas as testemunhas dos RR. relativamente ao contexto em que se deu a construção do muro divisório das propriedades de AA. e RR. - que este foi construído pelos RR. aquando da construção da sua casa de habitação e encimado com rede sendo que a casa dos AA. só anos mais tarde foi construída - depuseram de forma isenta, séria e circunstanciada, como resulta dos excertos supra transcritos das testemunhas ANTÓNIO, M. F., IRENE, A. G. E JORGE.
F. Como decorre dos seus depoimentos todas as testemunhas dos RR. conhecem bem a situação dos prédios urbanos de AA. e RR., uma vez que conhecem bem o local, seja porque são vizinhos daqueles prédios, seja porque ali nasceram e foram criados ou porque aí continuam a passar no local frequentemente.
G. Ademais, as próprias testemunhas arroladas pelos AA., AMÉRICO e FÁTIMA no que concerne a esta factualidade harmonizam-se com a versão dos factos narrada pelas testemunhas dos RR., corroborando-a, pois como resulta dos excertos dos seus depoimentos transcritos supra ambas referiram ter sido a casa dos RR. a primeira a ser construída no local.
H. Por outro lado, a testemunha dos AA. M. B. embora sendo, como é, um depoimento pouco objectivo e espontâneo, em que muitas das respostas da testemunha foram induzidas, referiu não saber se foi o Sr. José, o A., quem construiu os muros à volta da casa.
I. Ademais, a testemunha Vera, filha da testemunha M. B., entra em contradição quando por um lado reconhece que a construção da casa dos AA. não é do seu tempo e por isso não sabe quando foi construída - se antes ou depois da dos RR - referindo, contudo, mais à frente que o muro divisório entre os prédios das partes (com muro e rede) foram os AA. que o mandaram construir e pagar; sempre ouviu dizer desde pequena que foi assim, e falava-se que era assim em família.
J. Ora, não há dúvidas que a testemunha está a mentir, pois se o que refere quanto à construção do muro pelos AA. fosse falado em família então também a testemunha M. B., sua mãe, e que possui as chaves da casa dos AA. teria relatado a mesma factualidade o que não ocorreu, como supra referido, pois disse não saber quem tinha construído os muros à volta da casa dos AA.
K. Os depoimentos das testemunhas Emília e Fernanda não podem quanto a esta factualidade ser valorados por estarem em flagrante oposição com os depoimentos sinceros, isentos, objectivos das testemunhas dos RR. e ainda por se mostrarem contraditórios aos demais depoimentos prestados pelas testemunhas dos AA.
L. A corroborar o referido pelas testemunhas dos RR. que o local onde actualmente se encontram as habitações de AA. e RR. era uma bouça que foi repartida pelos filhos, tendo sido os RR. os primeiros a construir a sua habitação, temos também a escritura de doação junta pelos AA. sob documento n.º 2 com a petição inicial da qual consta que o prédio doado (aos AA.) confronta de nascente com J. A., o R. marido, comprovando que os RR. já eram proprietários do seu prédio à data da doação aos AA.
M. Ademais, não há dúvidas que o prédio dos RR. estava vedado, já antes da construção da casa dos AA., pois não era possível aceder do campo de futebol para a propriedade dos RR. Isso mesmo referiu claramente a testemunha dos RR. JORGE.
N. De onde só pode resultar que à data da construção da casa dos AA., o muro referido em 10. vedava exclusivamente o prédio dos RR ..
O. Ademais, outro facto que demonstrativo de que o muro divisório das propriedades de AA. e RR. foi construído pelos RR., não sendo propriedade dos AA., ou meeiro, decorre do facto de uma das paredes do anexo identificado nos autos como Anexo B existente no prédio urbano dos RR. estar construída sobre o referido muro divisório integrando o mesmo como decorre do ponto 10. da matéria dada como provada.
P. Isto mesmo resultou da peritagem levada a cabo no âmbito do presente processo, designadamente da resposta aos quesitos 1. e16. formulados pelos AA ..
Q. A reforçar ainda o alegado pelos RR. no sentido de que foram estes que procederam à construção do referido muro, está ainda a circunstância de este servir de muro de sustentação de terras do seu prédio.
R. Efectivamente, o relatório pericial é claro ao esclarecer que quanto à secção C do muro, se trata de muro de suporte de terras dos RR. (veja-se resposta ao quesito 2 dos RR.), reforçando nessa medida o referido pelas testemunhas dos RR. de que foram estes que construíram o muro para suportar as suas terras.
S. Ora, tal circunstância aliada ao facto de os AA. não terem manifestado qualquer oposição a tal construção sobre o muro é demonstrativo de que tal muro não lhes pertence.
T. Efectivamente, não é de admitir segundo as regras da experiência e do normal acontecer que os AA. se fossem donos do muro - como se arrogaram - ou mesmo comproprietários se prestassem a aceitar tal edificação sobre a sua parte do muro, no caso de o muro ser comum.
U. Assim enquadrados, reputam os RR. que atenta matéria dada como provada em 13. quanto à construção da parede do anexo B sobre o muro divisório), a não oposição dos AA. a tal edificação sobre a sua parte do muro (caso este fosse comum) aliada à factualidade que os RR. entendem também ter resultado demonstrada quanto à construção da sua casa ter ocorrido antes da dos AA., deve considerar-se como sinal em contrário para fins de ilidir a presunção legal de compropriedade, consagrada no artigo 1371.°, n.º 2 do C.C.
V. Tendo o Tribunal a quo tendo feito uma equívoca interpretação e aplicação do artigo 1371.°, n.º 2 do C.C.
W. Destarte, mal andou o tribunal a quo ao não ter dado como provado em conjugação da prova testemunhal com a prova pericial e mesmo documental que foram os RR. que construíram o muro divisório, encimando-o com rede, a expensas exclusivamente suas, e consequentemente ao ter decidido declarar AA. e RR. comproprietários do muro divisório.
X. Pelo que deverá a douta sentença recorrida ser revogada nessa parte.

Terminam do seguinte modo:

a) Deve ser rejeitada a apreciação da decisão sobre a matéria de facto por incumprimento do ónus estabelecido no artigo 640.°, n." 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil;
b) Assim não se entendendo, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e manter-se a decisão sob recurso nos seus precisos termos;
c) Deve o recurso subordinado interposto pelos Recorridos ser julgado procedente, sendo revogada a sentença recorrida em conformidade.
Os Recorrentes/Recorridos (no recurso subordinado) não responderam.
*

- Da rejeição da impugnação da matéria de facto (do recurso principal)

A questão que, neste momento, se coloca é a de saber se, no que toca ao recurso interposto pelos Autores, a impugnação da matéria de facto deve ser rejeitada.

Vejamos.

Nos termos do art. 640º do Cód. Proc. Civil:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

O incumprimento de tal ónus implica, portanto, a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento.

A propósito da razão de ser destas imposições, diz Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, pág. 128 e 129: “Pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1.ª instância e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção da prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas. (…) Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.

Sublinha o mesmo autor, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, pág. 165: “Os aspectos fundamentais a assegurar neste campo são os relacionados com a definição clara do objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova que são indicados ou em meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido”.

Em suma, nas conclusões, a par da indicação dos factos que entenda estarem mal julgados, o recorrente tem que “especificar a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre esses factos, por isso que estamos aqui perante matéria interligada” (acórdão do STJ de 27.10.2016).

E tem de o fazer de forma clara, indicando ainda, na motivação, os meios de prova em que criticamente se baseia relativamente a cada um desses pontos, especificando-os quanto a cada um dos factos (obra e autor citados, pág. 155).

À luz do aludido critério de rigor que, sem prejuízo do respeito, também necessário, pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, se impõe neste domínio, não pode aceitar-se que, dizerem os Autores/Recorrentes o que dizem, de forma confusa e sem qualquer preocupação de precisão, misturando factos com argumentos, direito e meios probatórios – não relacionando sequer estes últimos com factos específicos, mas antes com o todo do seu inconformismo –, seja o mesmo que indicarem em concreto os pontos de facto a que se reportam e muito menos traduza uma especificação clara e precisa do sentido da decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre esses factos – sendo certo que “entre o provado e o não provado pode sempre haver toda uma variedade de pronunciamentos intermédios” – e uma correlação clara entre os meios probatórios que, segundo eles, determinariam uma decisão diversa e cada um dos factos que pretendem impugnar.

Assim sendo, não cumpriram devidamente o ónus de delimitação do objeto do recurso sobre a matéria de facto que sobre eles recaía.

Deve, pois, rejeitar-se a impugnação da matéria de facto respeitante ao recurso principal, o que ora se decide.
***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do NCPC).

No caso vertente, as questões a decidir que ressaltam das conclusões recursórias são as seguintes:

- Saber se se verifica o erro, na apreciação dos factos, apontado pelos Réus/Recorrentes;
- Saber se, no que toca ao muro, se mostra excluída a presunção consagrada no art. 1371º, nº 2, do C. Civil;
- Saber se se verificam os pressupostos da constituição, por usucapião, de uma servidão de vistas a favor do prédio dos Autores;
- Saber se as edificações construídas pelos Autores consubstanciam a prática de qualquer ilícito.
*
III. FUNDAMENTOS:

Os Factos

A. É a seguinte a factualidade considerada provada pela primeira instância:

1. Os AA. são proprietários do prédio urbano constituído por casa térrea, destinada a habitação, com seis divisões, dependência e logradouro, sito na Rua …, X, inscrito na matriz sob o art. 213 e registado na CRP em seu nome, que adquiriram, ainda em construção, por escritura de doação de 30 de Agosto de 1984.
2. O referido imóvel é composto por uma superfície coberta de 105 m2 e logradouro (com um anexo) com a superfície de 895 m2, parte dele pavimentado.
3. O referido prédio dos AA. confronta a nascente com prédio urbano propriedade dos RR. onde estão implantadas as construções/anexos descritas infra.
4. O referido prédio dos AA. está dividido do referido prédio dos RR., em toda a confrontação nascente, por um muro com as características descritas infra.
5. O A. José e a R. Adelaide são irmãos e construíram e concluíram as suas casas em terrenos doados pelos seus pais, edificando essas casas à vista e com o conhecimento uns dos outros, sem qualquer oposição por parte de qualquer deles, dos seus cônjuges, ou de outrem.
6. Os AA. iniciaram a construção da sua casa, ainda antes da data da realização da escritura de 30 de Agosto de 1984, tendo concluído as obras, incluindo a janela, o logradouro pavimentado e o alpendre e o terraço referidos infra, em data que não se apurou mas há mais de 20 anos.
7. Os RR. iniciaram a construção da sua casa, em data que não se apurou - desconhecendo-se se antes se depois da data de início da construção da casa dos AA. - e concluíram-na em data que também não se apurou mas também há mais de 20 anos.
8. A casa dos AA. encontra-se implantada próxima à extrema norte do terreno, tendo por referência o caminho público com o qual o prédio dos AA. confronta, a sul.
9. O muro que divide os dois referidos prédios de AA. e RR., em toda a extensão da extrema, foi construído em, pelo menos, duas fases, em datas que não se apuraram - não se apurando se construído apenas pelos AA. ou apenas pelos RR. e se apenas (inclusive a rede que parcialmente o encima) a expensas dos AA. ou apenas a expensas dos RR. - apresentando a sua actual configuração e estrutura, referidas infra, há mais de 20 anos.
10. O referido muro é composto por três secções: secção A, com um comprimento de 20,40m, composta por rede metálica sustida por prumos de ferro com uma altura de 1,40m, estando estes fixos na sua base inferior a um pequeno lancil de cimento, este com 35cm de altura, encontrando-se a rede rematada na sua parte superior por arame farpado, com uma altura de 37cm do topo da rede (rede e arame farpado totaliza uma altura de 1,77m); secção B, com um comprimento de 6,70m, formada por uma parede exterior de um anexo pertença dos RR., com uma altura que varia dos 2,12m até 3,00m (altura média de 2,56m) sendo o seu revestimento da base até uma altura média de 1,53m a massa grossa e na sua parte superior em blocos de cimento à vista estes com uma altura de 1,03m, desconhecendo-se se é parte da parede desse anexo que está construída em cima de uma secção do muro mais antiga ou se toda essa parede desse anexo e, portanto, toda essa secção do muro que “arranca” desde o piso térreo, unindo-se dessa maneira às outras secções A e C do restante muro ; secção C, com o comprimento de 13,80m, que serve, esta secção, de muro de suporte de terras dos RR., formada por murete divisório, provavelmente em blocos de cimento revestidos a massa grossa e pintura desgastada pelo tempo, com uma altura que varia dos 30cm até 1,00m, murete que é revestido na sua parte superior por rede metálica, sustida por prumos de ferro com uma altura de 1,00m (murete e rede têm uma altura média de 1,65m), tendo o muro um comprimento total de 40,90m e uma largura de 17 cm.
11. A casa dos AA. dista do referido muro 5,08m, sendo que esta distância diz respeito à parede da habitação mais próxima da casa dos AA. desse muro; além disso, o anexo da casa dos AA. (garagem) dista desse muro 16,28m; a casa dos RR. dista do referido muro 2,87m, sendo que esta distância diz respeito à parede da habitação mais próxima da casa dos RR. desse muro.
12. No referido prédio dos RR. existem três anexos, doravante, anexo A, anexo B e anexo C, construídos, o anexo A., há mais de 20 anos (de boa fé, à vista de toda a gente, e, pelo menos, com o conhecimento dos AA. e sem posterior oposição deles); o anexo B, há mais de 20 anos (de boa fé, à vista de toda a gente e, pelo menos, com o conhecimento dos AA. e sem posterior oposição deles); e o anexo C, em 2012/2013 (não se apurando se construído sem o conhecimento ou consentimento ou, ao invés, com autorização dos AA., mas apenas que os AA. enviaram, a dada altura, missivas à Câmara Municipal e à Delegação de Saúde como se refere infra).
13. O anexo A dos RR. junto à referida secção A do referido muro, por não ser paralelo ao referido mura, dista deste (secção A) entre 82 a 86 cm numa extremidade e entre 1,38 a 1,40 m noutra extremidade; uma das paredes do anexo B dos RR. é a própria separação física entre as duas propriedades (AA. e RR.) ou seja, é a própria secção B do referido muro; o anexo C dos RR. está encostado à referida secção C do referido muro.
14. O referido anexo A dos RR. tem um comprimento de 7,32m (face virada para o terreno dos AA.), largura virada a NO (noroeste) com 3,45m e largura virada a SE (sudeste) com 3,39m e uma altura de 2,44m; a cor é branca desgastada pelo tempo; é uma construção provavelmente executada em blocos de cimento com uma laje de cobertura; as paredes são rebocadas e pintadas, o pavimento é em betonilha, as portas são de alumínio e as janelas exteriores são fixas com estrutura de ferro e com umas pequenas grades, funcionando como grelhas de ventilação, sendo nesse anexo que está implantada a instalação de gás que serva a casa de habitação dos RR. bem como a caldeira para aquecimento central e águas sanitárias; entre este anexo A e a secção A do referido muro, ainda na propriedade dos RR., existe um rego de água, composto por um canalete executado em cimento, com 25 cm de medida interior e 32 cm de medida exterior; finalmente, este anexo na fachada que deita para a propriedade dos AA. tem uma das referidas janelas ou vão, fixo, com 38 cm de largura e 39 de altura, estando a uma altura do pavimento térreo de 1,22m.
15. A sul deste anexo A existem no prédio dos RR. os outros dois referidos anexos, B e C, que são contíguos.
16. O anexo B tem uma parede virada para o terreno dos AA. com um comprimento de 6,70 m (e essa mesma parede uma altura que varia dos 2,12 m até aos 3,00 m, numa média de 2,56 m); tem uma profundidade de 9,22 m e uma altura (do lado dos RR.) de 3,90 m; tem um pavimento térreo em betonilha, paredes executadas em alvenaria de blocos de cimento e rebocadas, com uma placa de teto; a referida parede virada para o prédio do AA. até uma altura média de 1,53 m está revestida a massa grossa e o restante acima, numa altura média de 1,03m, é formada por alvenaria de blocos de cimento à vista; virada para o lado do prédio dos AA. não há qualquer abertura, sendo que o anexo está edificado voltado para o interior do prédio dos RR. e é para esse prédio que deitam as suas aberturas; o anexo está destinado a arrumos e armazenamento de lenha, “canhotas”, com uma área para esse fim de cerca de 42,46 m2.
17. Este anexo B do prédio dos RR. encontra-se a um nível inferior em relação à casa dos AA., havendo todavia uma altura de sobreposição entre ele e casa dos AA.; a altura aproximada de sobreposição entre esse anexo B e casa dos AA. é de 1,15m, altura de sobreposição essa que é medida desde o nível da base do espaço exterior pavimentado descoberto da casa dos AA. referido infra até à parte superior desse anexo B.
18. O anexo C tem uma parede virada para o terreno dos AA. com um comprimento de 7,45 m (e essa mesma parede uma altura que varia dos 2,12 m até aos 3,00 m, numa média de 2,56 m), uma profundidade de 4,76 m e uma altura (do lado dos RR.) de 2,50 m; tem um pavimento térreo em betonilha, paredes executadas em alvenaria de blocos de cimento e rebocadas, com uma cobertura em chapa; a referida parede virada para o prédio do AA. é formada por alvenaria de blocos de cimento à vista; virada para o lado do prédio dos AA. não há qualquer abertura, sendo que o anexo está edificado voltado para o interior do prédio dos RR. e é para esse prédio que deitam as suas aberturas; o anexo está destinado à criação de aves de capoeira e a 10 de Abril de 2015 tinha um galo e sete galinhas; esse anexo tem, ao nível do pavimento, uma válvula de corte de ¼ de volta e um tubo de pvc.
19. A fachada da casa dos AA. voltada para a propriedade dos RR. tem na face mais próxima voltada para a propriedade dos RR., um vão (janela) com 1,47m de largura e 1,12m de altura, estando este vão distanciado do pavimento 96cm e está a mais de metro de meio de distância do referido muro; a face ainda mais afastada da casa dos AA. do referido muro mas também voltada para a propriedade dos RR. (esta face está debaixo de uma zona denominada alpendre) tem também um vão (portada) com as dimensões de 1,31m de largura e 1,99m de altura; estes dois referidos vãos são formados por portadas de madeira.
20. Em frente ao referido segundo vão (ou portada) a casa de habitação dos AA. possui um alpendre (espaço exterior pavimentado coberto) com a área de 9,84 m2 e em frente a este alpendre, contíguo, existe um terraço (espaço exterior pavimentado descoberto), com a área de 7,31 m2, terraço esse circundado por um gradeamento em cimento moldado com a altura de 77 cm, sendo que estão ambos (alpendre e terraço) voltados a nascente para o prédio dos RR. e ambos a mais de metro e meio de distância do referido muro.
21. A distância entre o primeiro vão referido supra (janela) e o anexo A do prédio dos RR. é de cerca de 6,35 m; a distância entre esse primeiro vão (janela) e o anexo B do prédio dos RR. é de cerca de 14,90 m; e a distância entre esse primeiro vão (janela) e o anexo C do prédio dos RR. é de cerca de 22,20m.
22. A distância entre o segundo vão referido supra (portada) e o anexo A do prédio dos RR. é superior a 6,35 m; a distância entre esse segundo vão (portada) e o anexo B do prédio dos RR. é de cerca de 13,10 m; e a distância entre esse segundo vão (portada) e o anexo C do prédio dos RR. é de cerca de 18,85 m.
23. Na referida casa de habitação dos AA. existe um logradouro onde está inserido o acesso frontal e à casa dos AA., sendo que a parte desse logradouro que está pavimentado tem a área de 169,57m2, sendo o pavimento em tijoleira hidráulica, com a secção unitária de 30x30 cm.
24. Esse logradouro pavimentado é confinante com o referido muro na extrema dos dois prédios (de AA. e RR.) mas apenas na parte do muro em que está encostado o referido anexo C., ocupando uma área de 44,82 m2, servindo de caminho de acesso à casa de habitação dos AA., como se referiu, e à garagem dos AA.
25. Desde o terraço referido supra e do logradouro também referido supra a propriedade dos RR. não se encontra totalmente visível em virtude dos aludidos anexos A, B. e C., sendo que desse terraço e logradouro é possível visualizar os prédios adjacentes, embora não na sua totalidade.
26. Na extrema e nos locais onde não existem os anexos dos RR., A., B. e C, é possível a visualização por parte dos AA. da propriedade dos RR. e prédios confinantes, não existindo vegetação que impeça ou dificulte essa visualização.
27. Após tomarem conhecimento da construção do referido anexo C., em data que não se apurou, os AA., a 16.7.2013, apresentaram, exclusivamente quanto ao referido anexo C. implantado no prédio dos RR., ao Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de X pedido de informação quanto à “…legalidade da obra edificada…”, nomeadamente “…através da emissão pelos vossos serviços do competente alvará e licença de construção…” e pedido de “…realização de competente inspecção … de modo a averiguar da legalidade da situação …” .
28. Nesse referido pedido feito pelos AA. ao Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de X, os AA. no ponto 1. fizeram constar: “...na última visita que realizou deu conta de uma construção ilegal realizada pelo seu vizinho, junto ao seu muro…” e no ponto 3. fizeram constar “Edificou o vizinho ... um galinheiro encostado directamente ao muro meeiro que separa as duas propriedades…” e no ponto 5 “Tendo em conta …. o abuso do muro meeiro…”.
29. A este pedido, os serviços de fiscalização da Câmara prestaram a seguinte informação aos AA., datada de 20 de Janeiro de 2014: “ … um anexo construído há mais de vinte anos alguns anos, com área de 30,00 m2 e com destino a arrumos e ... o galinheiro construído no fim do ano de 2012, com cerca de 30,00 m2, onde alberga cerca de vinte galinhas. Estas construções foram executadas no limite do terreno, não cumprindo os afastamentos legalmente exigidos, já que perfazem uma área total de 60,00 m2”,
30. Os AA., a 16.7.2013, apresentaram junto da Exma. Sra. Delegada de Saúde do Conselho de X, a 16.7.2013, “denúncia/queixa de atentado contra a saúde pública” onde consta no ponto 1. o seguinte “…na última visita que realizou deu conta de uma construção ilegal realizada pelo seu vizinho, junto ao seu muro…” e no ponto 3: “Edificou o vizinho ... um galinheiro encostado directamente ao muro meeiro que separa as duas propriedades …” e no ponto 5 “Tendo em conta …. o abuso do muro meeiro…”.
31. Em resposta a este “denúncia/queixa” a Exma. Delegada de Saúde Adjunta informou que a queixa foi remetida para os serviços de fiscalização de obras da Câmara Municipal X.
32. Os AA., com excepção do referido “pedido” junto da Câmara Municipal e “denúncia/queixa” junto da Delegação de Saúde, quanto ao anexo C., de 16.7.2013, não manifestaram qualquer tipo de oposição aos outros referidos anexos A. e B.
33. Os RR. usufruem o referido anexo A. desde a data da sua construção, há mais de vinte anos, respectivamente, fruindo, cuidando, conservando e colhendo os proventos e utilidades, de boa fé e na convicção de quem exerce um direito, nomeadamente ao uso da supra referida abertura virada para o prédio dos AA. a menos de metro e meio da extrema, ininterrupta e continuadamente, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, nomeadamente dos AA.

B. E a seguinte a considerada “não provada” pela primeira instância:

Não se provaram os demais factos alegados nos articulados, com relevância para a decisão da causa, nomeadamente:

. As datas exatas em que foram construídas as casas de AA. e RR. e se os AA. construíram a sua primeiro que a dos RR. ou vice versa.
. Quando exactamente, e quem, construiu e pagou exclusivamente o referido muro e a rede que em parte o encima, se exclusivamente os AA. ou exclusivamente os RR.
. As datas exactas de construção dos anexos A. B. e C.
. As características da casa dos AA. que não se mostrem em conformidade com o resultado da perícia levada a cabo.
. As características do muro alegadas por AA. e RR. que não se mostrem em conformidade com o resultado da perícia levada a cabo.
. As características dos anexos alegadas, quer por AA. quer pelos RR., que não se mostrem em conformidade com o resultado da perícia levada a cabo.
. A perda de visibilidade causada pelos anexos alegada pelos AA. em desconformidade com o resultado da perícia levada a cabo.
. Os alegados actos constitutivos da invocada “aquisição por usucapião de servidão de vistas” por parte dos AA.
. Os AA. tivessem várias vezes confrontado os RR. por causa dos anexos A. e B. pedindo-lhes que os demolissem.
. Os RR. mantenham no anexo C. centenas de aves de capoeira, com o consequente aumento de ruído, dejectos e insectos e mau cheiro, tornando-se impossível, no verão, residir no imóvel dos AA. . Os AA. realizem habitualmente as suas refeições no terraço identificado supra.
. Os factos relativos à alegada aquisição por usucapião pelos AA. da alegada servidão de vistas, por irrelevantes, uma vez que a casa, alpendre e terraço referidos supra estão a mais de metro e meio do referido muro e o pavimento que está encostado ao muro junto ao anexo C. ser apenas uma via de acesso para viaturas e pessoas.
. Todos os demais factos alegados por AA. e RR., objectivos e subjectivos, que estejam em contradição com a matéria de facto dada como provada ou assente.

O Direito

- Da impugnação da matéria de facto (recurso subordinado)


Pretendem os Réus/Recorrentes que se alterem os pontos 7 e 9 da matéria de facto provada e a decisão de não se ter dado como provado que os RR. iniciaram a construção da sua casa de habitação primeiro que a dos AA. e que foram os RR. que a expensas exclusivamente suas construíram o muro divisório e colocaram a rede que em parte o encima, passando os aludidos pontos 7 e 9 a ter a seguinte redação:

7. Os RR. iniciaram a construção da sua casa, em data não concretamente apurada, mas antes do início da construção da casa dos AA., e concluíram-na em data também não concretamente apurada mas também há mais de 20 anos.
9. O muro que divide os dois referidos prédios de AA. e RR., em toda a sua extensão da extrema, foi construído pelos RR., aquando da construção da sua casa de habitação em pelo menos, duas fases, em datas que não se apuraram (inclusive a rede que parcialmente o encima), exclusivamente a expensas daqueles, apresentando a sua actual configuração e estrutura, referidas infra, há mais de 20 anos.

Vejamos.

Incumbe à Relação, como se pode ler no acórdão deste Tribunal de 7.4.2016, “enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto”.

No caso em apreço, a propósito da matéria impugnada pelos Réus/Recorrentes, para além da descrição, por súmula, do conteúdo dos depoimentos das testemunhas que a esse respeito depuseram e da enunciação dos demais meios de prova produzidos no âmbito dos autos, a sentença recorrida limita-se a dizer que “a prova dos factos de que o muro por sua vez, foi construído e pago pelos RR., também foi demasiado frágil e inconsistente, daí ter sido decidido como se decidiu”.

Com todo o respeito, neste ponto divergimos da 1ª instância.

Antes de passarmos à análise crítica da prova, cremos importante enfatizar que num processo se pretende apenas alcançar “verdades relativas, contextuais, aproximadas”: apesar de ser necessário que a decisão se funde na melhor aproximação possível à realidade empírica dos factos, é inevitável que se trate em todo o caso de uma aproximação “relativa” (cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, in Prova por Presunção no Direito Civil, pág. 136), sendo que o standard de prova (regra de decisão que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira) no processo civil é o da probabilidade prevalecente ou “mais provável que não” (autor citado, no estudo “O Standard de Prova no Processo Civil e no Processo Penal”, acessível in http://www.trl.mj.pt, pág. 13), standard que, como assinala o referido autor, se consubstancia em duas regras fundamentais:

“(i) Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais;
(ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa.” (última obra citada, pág. 6).
Em suma, como não se pretende, nem é de todo possível alcançarmos uma verdade absoluta, o que podemos obter é uma verdade provável, caracterizada pelo seu grau de probabilidade, que permita que o litígio seja resolvido de uma forma justa. O enunciado fáctico que será considerado verdadeiro, será aquele que beneficiar de um maior grau de probabilidade.

E, no caso presente, desde já se adiantará ser a versão factual apresentada pelos Réus que se revela com uma probabilidade prevalecente.

Senão vejamos.

Referiram as testemunhas ANTÓNIO, M. F., Irene, que moram (e já moravam na época da respetiva construção) em frente às casas dos Autores e dos Réus, e A. G., irmão das duas últimas, que saiu do local há 35 anos, que a habitação dos Réus foi primeira a ser construída.

Mas não só as testemunhas arroladas pelos Réus o afirmaram.

Com efeito, também a testemunha Fátima, arrolada pelos Autores, referiu com toda a segurança que “primeiramente” foi feita a casa dos Réus e, por seu turno, a testemunha AMÉRICO, também arrolada pelos Autores, disse muito naturalmente que “ouvia falar” que a primeira casa a ser construída havia sido a dos Réus, sendo ainda certo que as duas únicas testemunhas que disseram ter sido a dos Autores a primeira a ser construída o fizeram de uma forma nada convincente: Emília, na primeira resposta (a espontânea) dada sobre a questão usou a expressão “acho que”, só mais tarde, depois de novamente instada para esclarecer o teor do seu depoimento, tendo transformado a impressão que referira ter numa certeza e, por seu turno, a testemunha Fernanda, a respeito da construção das casas, começou por dizer, em tom pouco audível, que tinha sido “mais ou menos tudo junto”, “eles eram irmãos” e só depois de ser instada a responder à questão de se a casa dos Réus tinha sido feita depois da dos Autores é que a mesma acabou por dizer, nitidamente tentando não se comprometer demasiado a esse respeito, “um bocadinho depois”.

Deve ainda assinalar-se que esta testemunha referiu, aí com a segurança natural de quem não tem dúvidas do que está a dizer, que a casa dela tinha sido construída há 36 anos e que a dos Autores só havia sido construída depois, “há 31/32 anos” (portanto, em 1985/86, tendo em conta que o julgamento se realizou em setembro de 2017), sendo certo que as testemunhas ANTÓNIO, M. F. e Irene, acima referidas, aludiram à construção da casa dos Réus num período situado há 35/40 anos, de onde resulta que efetivamente a casa dos últimos terá sido a construída em primeiro lugar.

Daí que, tendo ainda em conta que a descrição do prédio dos Autores constante da doação que lhes foi feita denota que, como sublinham os Réus, à data de tal doação, o prédio que agora é dos Réus já então lhes pertencia, e que, como também foi considerado provado pela primeira instância, o edifício do prédio dos Autores ainda se encontrava em construção à data da escritura de doação de 30 de Agosto de 1984, seja de considerar que a versão dos Réus tem um grau de confirmação relativamente maior do que a dos Autores.

E esse dado torna provável que, tal como referido pelas testemunhas ANTÓNIO, M. F., Irene e A. G., tenham sido os Réus a proceder à construção do muro em causa em resposta à natural necessidade de vedação do logradouro da respetiva habitação (tanto mais que como as mencionadas testemunhas disseram o que ali havia antes era uma bouça).

Por outro lado, a primeira instância, considerando o muro dividido em 3 secções (A, B e C) face às suas diferentes características, apoiando-se no relatório pericial elaborado nos autos, entendeu estar provado que a secção C, com o comprimento de 13,80m, serve de muro de suporte de terras dos Réus, dado que favorece a versão factual dos Réus, na medida em que “como é de observação comum, um muro que suporta as terras de um prédio está implantado em terreno desse prédio” (Acórdão desta Relação de 09.11.2017).

Entendeu também a primeira instância estar provado que a secção B do dito muro, com um comprimento de 6,70m, é formada por uma parede exterior de um anexo pertença dos RR. desconhecendo-se se é parte da parede desse anexo que está construída em cima de uma secção do muro mais antiga ou se toda essa parede desse anexo e, portanto, toda essa secção do muro que “arranca” desde o piso térreo, unindo-se dessa maneira às outras secções A e C do restante muro.

Seja de um modo, seja do outro, a referida circunstância é, também ela, inegavelmente favorável à versão dos Réus.

Atente-se que, nos termos legais, sendo um muro comum qualquer dos consortes tem a faculdade de edificar sobre ele mas não pode ultrapassar o meio da parede ou do muro (art. 1373º, nº 1, do CC) e, por outro lado, “se o muro sustentar em toda a sua largura qualquer construção que esteja só de um dos lados, presume-se do mesmo modo que ele pertence exclusivamente ao dono da construção” (art. 1371º, nº 5, do CC): não sendo, como não é, a situação sub judice enquadrável nesta factispecie e não havendo, portanto, nenhuma presunção legal que beneficie os Réus, não deixa a supra referida caracterização da dita “secção B” do muro de constituir um forte indício no sentido por aqueles propugnado, certo que, na alternativa menos favorável equacionada na sentença, parte da parede do anexo dos Réus está construída em cima de uma secção do muro mais antiga, nenhum facto se provou quanto à existência de qualquer reação por parte dos Autores à edificação do dito anexo por parte dos outros confinantes.

Em suma, não obstante relativamente à questão da construção do muro haver depoimentos favoráveis aos Autores e outros favoráveis aos Réus, a hipótese que se apresenta com mais probabilidade de ser verdadeira do que falsa é a apresentada pelos Réus.

Decide-se, pois, alterar a decisão relativa aos pontos 7 e 9 no sentido propugnado – exceção feita à referência à rede, já que especificamente a respeito de quem colocou a rede no cimo do muro nenhuma prova se produziu (não podendo, como é óbvio, retirar-se qualquer conclusão a esse respeito a partir da descrição objetiva do muro constante da perícia) - e eliminar dos dois primeiros pontos dos “Factos não provados” a matéria que com essa alteração se revela incompatível.
***
Face ao exposto, passará a ser a seguinte a matéria de facto a considerar:

A. Factos provados

1. Os AA. são proprietários do prédio urbano constituído por casa térrea, destinada a habitação, com seis divisões, dependência e logradouro, sito na Rua …, X, inscrito na matriz sob o art. 213 e registado na CRP em seu nome, que adquiriram, ainda em construção, por escritura de doação de 30 de Agosto de 1984.
2. O referido imóvel é composto por uma superfície coberta de 105 m2 e logradouro (com um anexo) com a superfície de 895 m2, parte dele pavimentado.
3. O referido prédio dos AA. confronta a nascente com prédio urbano propriedade dos RR. onde estão implantadas as construções/anexos descritas infra.
4. O referido prédio dos AA. está dividido do referido prédio dos RR., em toda a confrontação nascente, por um muro com as características descritas infra.
5. O A. José e a R. Adelaide são irmãos e construíram e concluíram as suas casas em terrenos doados pelos seus pais, edificando essas casas à vista e com o conhecimento uns dos outros, sem qualquer oposição por parte de qualquer deles, dos seus cônjuges, ou de outrem.
6. Os AA. iniciaram a construção da sua casa, ainda antes da data da realização da escritura de 30 de Agosto de 1984, tendo concluído as obras, incluindo a janela, o logradouro pavimentado e o alpendre e o terraço referidos infra, em data que não se apurou mas há mais de 20 anos.
7. Os RR. iniciaram a construção da sua casa, em data não concretamente apurada, mas antes do início da construção da casa dos AA. e concluíram-na em data também não concretamente apurada mas também há mais de 20 anos.
8. A casa dos AA. encontra-se implantada próxima à extrema norte do terreno, tendo por referência o caminho público com o qual o prédio dos AA. confronta, a sul.
9. O muro que divide os dois referidos prédios de AA. e RR. (exceção feita à rede que parcialmente o encima, relativamente à qual se desconhece quem a colocou), em toda a sua extensão da extrema, foi construído pelos RR., aquando da construção da sua casa de habitação em pelo menos, duas fases, em datas que não se apuraram, exclusivamente a expensas daqueles, apresentando a sua actual configuração e estrutura, referidas infra, há mais de 20 anos.
10. O referido muro é composto por três secções: secção A, com um comprimento de 20,40m, composta por rede metálica sustida por prumos de ferro com uma altura de 1,40m, estando estes fixos na sua base inferior a um pequeno lancil de cimento, este com 35cm de altura, encontrando-se a rede rematada na sua parte superior por arame farpado, com uma altura de 37cm do topo da rede (rede e arame farpado totaliza uma altura de 1,77m); secção B, com um comprimento de 6,70m, formada por uma parede exterior de um anexo pertença dos RR., com uma altura que varia dos 2,12m até 3,00m (altura média de 2,56m) sendo o seu revestimento da base até uma altura média de 1,53m a massa grossa e na sua parte superior em blocos de cimento à vista estes com uma altura de 1,03m, desconhecendo-se se é parte da parede desse anexo que está construída em cima de uma secção do muro mais antiga ou se toda essa parede desse anexo e, portanto, toda essa secção do muro que “arranca” desde o piso térreo, unindo-se dessa maneira às outras secções A e C do restante muro; secção C, com o comprimento de 13,80m, que serve, esta secção, de muro de suporte de terras dos RR., formada por murete divisório, provavelmente em blocos de cimento revestidos a massa grossa e pintura desgastada pelo tempo, com uma altura que varia dos 30cm até 1,00m, murete que é revestido na sua parte superior por rede metálica, sustida por prumos de ferro com uma altura de 1,00m (murete e rede têm uma altura média de 1,65m), tendo o muro um comprimento total de 40,90m e uma largura de 17 cm.
11. A casa dos AA. dista do referido muro 5,08m, sendo que esta distância diz respeito à parede da habitação mais próxima da casa dos AA. desse muro; além disso, o anexo da casa dos AA. (garagem) dista desse muro 16,28m; a casa dos RR. dista do referido muro 2,87m, sendo que esta distância diz respeito à parede da habitação mais próxima da casa dos RR. desse muro.
12. No referido prédio dos RR. existem três anexos, doravante, anexo A, anexo B e anexo C, construídos, o anexo A., há mais de 20 anos (de boa fé, à vista de toda a gente, e, pelo menos, com o conhecimento dos AA. e sem posterior oposição deles); o anexo B, há mais de 20 anos (de boa fé, à vista de toda a gente e, pelo menos, com o conhecimento dos AA. e sem posterior oposição deles); e o anexo C, em 2012/2013 (não se apurando se construído sem o conhecimento ou consentimento ou, ao invés, com autorização dos AA., mas apenas que os AA. enviaram, a dada altura, missivas à Câmara Municipal e à Delegação de Saúde como se refere infra).
13. O anexo A dos RR. junto à referida secção A do referido muro, por não ser paralelo ao referido muro, dista deste (secção A) entre 82 a 86 cm numa extremidade e entre 1,38 a 1,40 m noutra extremidade; uma das paredes do anexo B dos RR. é a própria separação física entre as duas propriedades (AA. e RR.) ou seja, é a própria secção B do referido muro; o anexo C dos RR. está encostado à referida secção C do referido muro.
14. O referido anexo A dos RR. tem um comprimento de 7,32m (face virada para o terreno dos AA.), largura virada a NO (noroeste) com 3,45m e largura virada a SE (sudeste) com 3,39m e uma altura de 2,44m; a cor é branca desgastada pelo tempo; é uma construção provavelmente executada em blocos de cimento com uma laje de cobertura; as paredes são rebocadas e pintadas, o pavimento é em betonilha, as portas são de alumínio e as janelas exteriores são fixas com estrutura de ferro e com umas pequenas grades, funcionando como grelhas de ventilação, sendo nesse anexo que está implantada a instalação de gás que serva a casa de habitação dos RR. bem como a caldeira para aquecimento central e águas sanitárias; entre este anexo A e a secção A do referido muro, ainda na propriedade dos RR., existe um rego de água, composto por um canalete executado em cimento, com 25 cm de medida interior e 32 cm de medida exterior; finalmente, este anexo na fachada que deita para a propriedade dos AA. tem uma das referidas janelas ou vão, fixo, com 38 cm de largura e 39 de altura, estando a uma altura do pavimento térreo de 1,22m.
15. A sul deste anexo A existem no prédio dos RR. os outros dois referidos anexos, B e C, que são contíguos.
16. O anexo B tem uma parede virada para o terreno dos AA. com um comprimento de 6,70 m (e essa mesma parede uma altura que varia dos 2,12 m até aos 3,00 m, numa média de 2,56 m); tem uma profundidade de 9,22 m e uma altura (do lado dos RR.) de 3,90 m; tem um pavimento térreo em betonilha, paredes executadas em alvenaria de blocos de cimento e rebocadas, com uma placa de teto; a referida parede virada para o prédio do AA. até uma altura média de 1,53 m está revestida a massa grossa e o restante acima, numa altura média de 1,03m, é formada por alvenaria de blocos de cimento à vista; virada para o lado do prédio dos AA. não há qualquer abertura, sendo que o anexo está edificado voltado para o interior do prédio dos RR. e é para esse prédio que deitam as suas aberturas; o anexo está destinado a arrumos e armazenamento de lenha, “canhotas”, com uma área para esse fim de cerca de 42,46 m2.
17. Este anexo B do prédio dos RR. encontra-se a um nível inferior em relação à casa dos AA., havendo todavia uma altura de sobreposição entre ele e casa dos AA.; a altura aproximada de sobreposição entre esse anexo B e casa dos AA. é de 1,15m, altura de sobreposição essa que é medida desde o nível da base do espaço exterior pavimentado descoberto da casa dos AA. referido infra até à parte superior desse anexo B.
18. O anexo C tem uma parede virada para o terreno dos AA. com um comprimento de 7,45 m (e essa mesma parede uma altura que varia dos 2,12 m até aos 3,00 m, numa média de 2,56 m), uma profundidade de 4,76 m e uma altura (do lado dos RR.) de 2,50 m; tem um pavimento térreo em betonilha, paredes executadas em alvenaria de blocos de cimento e rebocadas, com uma cobertura em chapa; a referida parede virada para o prédio do AA. é formada por alvenaria de blocos de cimento à vista; virada para o lado do prédio dos AA. não há qualquer abertura, sendo que o anexo está edificado voltado para o interior do prédio dos RR. e é para esse prédio que deitam as suas aberturas; o anexo está destinado à criação de aves de capoeira e a 10 de Abril de 2015 tinha um galo e sete galinhas; esse anexo tem, ao nível do pavimento, uma válvula de corte de ¼ de volta e um tubo de pvc.
19. A fachada da casa dos AA. voltada para a propriedade dos RR. tem na face mais próxima voltada para a propriedade dos RR., um vão (janela) com 1,47m de largura e 1,12m de altura, estando este vão distanciado do pavimento 96cm e está a mais de metro de meio de distância do referido muro; a face ainda mais afastada da casa dos AA. do referido muro mas também voltada para a propriedade dos RR. (esta face está debaixo de uma zona denominada alpendre) tem também um vão (portada) com as dimensões de 1,31m de largura e 1,99m de altura; estes dois referidos vãos são formados por portadas de madeira.
20. Em frente ao referido segundo vão (ou portada) a casa de habitação dos AA. possui um alpendre (espaço exterior pavimentado coberto) com a área de 9,84 m2 e em frente a este alpendre, contíguo, existe um terraço (espaço exterior pavimentado descoberto), com a área de 7,31 m2, terraço esse circundado por um gradeamento em cimento moldado com a altura de 77 cm, sendo que estão ambos (alpendre e terraço) voltados a nascente para o prédio dos RR. e ambos a mais de metro e meio de distância do referido muro.
21. A distância entre o primeiro vão referido supra (janela) e o anexo A do prédio dos RR. é de cerca de 6,35 m; a distância entre esse primeiro vão (janela) e o anexo B do prédio dos RR. é de cerca de 14,90 m; e a distância entre esse primeiro vão (janela) e o anexo C do prédio dos RR. é de cerca de 22,20m.
22. A distância entre o segundo vão referido supra (portada) e o anexo A do prédio dos RR. é superior a 6,35 m; a distância entre esse segundo vão (portada) e o anexo B do prédio dos RR. é de cerca de 13,10 m; e a distância entre esse segundo vão (portada) e o anexo C do prédio dos RR. é de cerca de 18,85 m.
23. Na referida casa de habitação dos AA. existe um logradouro onde está inserido o acesso frontal e à casa dos AA., sendo que a parte desse logradouro que está pavimentado tem a área de 169,57m2, sendo o pavimento em tijoleira hidráulica, com a secção unitária de 30x30 cm.
24. Esse logradouro pavimentado é confinante com o referido muro na extrema dos dois prédios (de AA. e RR.) mas apenas na parte do muro em que está encostado o referido anexo C., ocupando uma área de 44,82 m2, servindo de caminho de acesso à casa de habitação dos AA., como se referiu, e à garagem dos AA.
25. Desde o terraço referido supra e do logradouro também referido supra a propriedade dos RR. não se encontra totalmente visível em virtude dos aludidos anexos A, B. e C., sendo que desse terraço e logradouro é possível visualizar os prédios adjacentes, embora não na sua totalidade.
26. Na extrema e nos locais onde não existem os anexos dos RR., A., B. e C, é possível a visualização por parte dos AA. da propriedade dos RR. e prédios confinantes, não existindo vegetação que impeça ou dificulte essa visualização.
27. Após tomarem conhecimento da construção do referido anexo C., em data que não se apurou, os AA., a 16.7.2013, apresentaram, exclusivamente quanto ao referido anexo C. implantado no prédio dos RR., ao Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de X pedido de informação quanto à “…legalidade da obra edificada…”, nomeadamente “…através da emissão pelos vossos serviços do competente alvará e licença de construção…” e pedido de “…realização de competente inspecção … de modo a averiguar da legalidade da situação …” .
28. Nesse referido pedido feito pelos AA. ao Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de X, os AA. no ponto 1. fizeram constar: “...na última visita que realizou deu conta de uma construção ilegal realizada pelo seu vizinho, junto ao seu muro…” e no ponto 3. fizeram constar “Edificou o vizinho ... um galinheiro encostado directamente ao muro meeiro que separa as duas propriedades…” e no ponto 5 “Tendo em conta …. o abuso do muro meeiro…”.
29. A este pedido, os serviços de fiscalização da Câmara prestaram a seguinte informação aos AA., datada de 20 de Janeiro de 2014: “ … um anexo construído há mais de vinte anos alguns anos, com área de 30,00 m2 e com destino a arrumos e ... o galinheiro construído no fim do ano de 2012, com cerca de 30,00 m2, onde alberga cerca de vinte galinhas. Estas construções foram executadas no limite do terreno, não cumprindo os afastamentos legalmente exigidos, já que perfazem uma área total de 60,00 m2”,
30. Os AA., a 16.7.2013, apresentaram junto da Exma. Sra. Delegada de Saúde do Conselho de X, a 16.7.2013, “denúncia/queixa de atentado contra a saúde pública” onde consta no ponto 1. o seguinte “…na última visita que realizou deu conta de uma construção ilegal realizada pelo seu vizinho, junto ao seu muro…” e no ponto 3: “Edificou o vizinho ... um galinheiro encostado directamente ao muro meeiro que separa as duas propriedades …” e no ponto 5 “Tendo em conta …. o abuso do muro meeiro…”.
31. Em resposta a este “denúncia/queixa” a Exma. Delegada de Saúde Adjunta informou que a queixa foi remetida para os serviços de fiscalização de obras da Câmara Municipal X.
32. Os AA., com excepção do referido “pedido” junto da Câmara Municipal e “denúncia/queixa” junto da Delegação de Saúde, quanto ao anexo C., de 16.7.2013, não manifestaram qualquer tipo de oposição aos outros referidos anexos A. e B.
33. Os RR. usufruem o referido anexo A. desde a data da sua construção, há mais de vinte anos, respectivamente, fruindo, cuidando, conservando e colhendo os proventos e utilidades, de boa fé e na convicção de quem exerce um direito, nomeadamente ao uso da supra referida abertura virada para o prédio dos AA. a menos de metro e meio da extrema, ininterrupta e continuadamente, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, nomeadamente dos AA.

B. Factos não provados:

Não se provaram os demais factos alegados nos articulados, com relevância para a decisão da causa, nomeadamente:

. As datas exatas em que foram construídas as casas de AA. e RR. . Terem sido os AA quem construiu e pagou exclusivamente o referido muro e a rede que em parte o encima.
. As datas exactas de construção dos anexos A. B. e C.
. As características da casa dos AA. que não se mostrem em conformidade com o resultado da perícia levada a cabo.
. As características do muro alegadas por AA. e RR. que não se mostrem em conformidade com o resultado da perícia levada a cabo.
. As características dos anexos alegadas, quer por AA. quer pelos RR., que não se mostrem em conformidade com o resultado da perícia levada a cabo.
. A perda de visibilidade causada pelos anexos alegada pelos AA. em desconformidade com o resultado da perícia levada a cabo.
. Os alegados actos constitutivos da invocada “aquisição por usucapião de servidão de vistas” por parte dos AA.
. Os AA. tivessem várias vezes confrontado os RR. por causa dos anexos A. e B. pedindo-lhes que os demolissem.
. Os RR. mantenham no anexo C. centenas de aves de capoeira, com o consequente aumento de ruído, dejectos e insectos e mau cheiro, tornando-se impossível, no verão, residir no imóvel dos AA. . Os AA. realizem habitualmente as suas refeições no terraço identificado supra.
. Os factos relativos à alegada aquisição por usucapião pelos AA. da alegada servidão de vistas, por irrelevantes, uma vez que a casa, alpendre e terraço referidos supra estão a mais de metro e meio do referido muro e o pavimento que está encostado ao muro junto ao anexo C. ser apenas uma via de acesso para viaturas e pessoas.
. Todos os demais factos alegados por AA. e RR., objectivos e subjectivos, que estejam em contradição com a matéria de facto dada como provada ou assente.

- Do erro na subsunção dos factos ao direito

Face aos factos considerados provados, urge, agora, verificar se se impõe distinta decisão de direito.

Não tendo os Autores demonstrado os factos que invocaram para demonstrar a sua aquisição do direito de propriedade sobre o muro, é indubitável ser aplicável ao caso o disposto no art. 1371º, nº 2, do C. Civil, que dispõe que os muros entre pátios e quintais de prédios urbanos presumem-se comuns salvo sinal em contrário.

Todavia, “a verdade presumida e descrita na lei (n.º 1 e 2 do art.º 1371.º do C.Civil) tão-só vale se não for provado que os muros ou paredes pertencem só a um dos proprietários dos edifícios ou prédios rústicos que eles dividem, designadamente porque foi o dono de um dos edifícios, prédio rústico, pátio ou quintal quem os construiu a suas expensas” (STJ 20.10.2011).

No caso em apreço, face à alteração dos factos efetuada nesta instância, cumpre concluir que os Réus excluíram a presunção legal de compropriedade, demonstrando o que se acabou de referir, impondo-se, pois, a sua total absolvição do pedido contra eles formulado a respeito do direito de propriedade sobre o aludido muro.
Procede, pois, o recurso subordinado interposto pelos Réus.

Vejamos agora o que sucede ao recurso interposto pelos Autores, começando pela questão da invocada aquisição por parte dos AA., por usucapião, do direito de servidão legal de vistas.

Nos termos do disposto no artigo 1305º do Código Civil, “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, nos limites da lei e das restrições por ela impostas”.

A servidão é uma dessas limitações ou restrições ao direito de propriedade, na medida em que, inibindo o dono do prédio onerado de praticar atos que possam prejudicar o exercício da servidão, restringe o gozo efetivo do direito de propriedade pelo aludido dono.
A fim de garantir o tal gozo pleno do direito de propriedade sobre um prédio, prescreve o art. 1360º, nº 1, do Cód. Civil, que o proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra construção não pode abrir nela janelas ou portas que deitem diretamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio, igual restrição se aplicando, nomeadamente às varandas e terraços, quando sejam servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela (nº 2 do citado artigo).

A existência de, no que para o caso interessa, varandas ou terraços em contravenção do disposto no supra referido normativo, pode, no entanto, importar, nos termos gerais a constituição de servidão de vistas por usucapião (art. 1362º, nº 1).

A constituição da aludida servidão pressupõe, portanto, não só a existência no prédio alegadamente dominante das ditas varandas ou terraços, como a manutenção da posse do direito em causa por certo lapso de tempo, só esta facultando ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação - arts. 1251º, 1287º, 1302º e 1316º do Cód. Civil.

Só depois de decorrido esse lapso de tempo e de, nessa medida, se ter constituído tal servidão, é que ao proprietário vizinho só será permitido levantar edifício ou outra construção no seu prédio desde que deixe entre o novo edifício ou construção e as obras em causa – varandas ou terraços – o espaço mínimo de metro e meio, correspondente à extensão destas obras (art. 1362º, nº 2).

A servidão de vistas, de arejamento ou obtenção de luz natural é, pois, de estrutura negativa, uma vez que, nunca é demais sublinhar, decorrido o prazo necessário para haver usucapião, o dono da, no que para o caso releva, varanda ou terraço, adquire por usucapião o direito de a manter e de impedir o proprietário vizinho de a vedar ou limitar a sua total fruição, podendo, portanto, o titular da dita servidão opor-se ao exercício de direitos de gozo pelo titular do prédio vizinho que a afetem.

Na verdade, não existindo aquela, se o proprietário que vai construir não quiser deixar nos limites do seu prédio com o do vizinho qualquer abertura ou parapeito, pode estender as construções até à linha divisória: não havendo restrições de carácter urbanístico que o impeçam, em princípio, nada obsta a que, se o proprietário do prédio vizinho não for titular de servidão de vistas, o proprietário levante uma edificação no seu prédio dado que a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície – art. 1344º - e, como já antes se disse, o gozo do direito de propriedade deve ser, por regra, pleno.

No caso em apreço, pretendem os Recorrentes ver declarado que, sobre o prédio dos Réus e em benefício do seu próprio imóvel, se constituiu, por usucapião, uma servidão com o aludido conteúdo, e, desse modo, obrigarem os Réus a demolirem as edificações, pelos mesmos, construídas em alegada violação da dita servidão.

Tal como se escreveu na douta sentença recorrida, relativamente aos anexos A e B está de todo excluída a hipótese de oposição à sua construção por força da existência de uma servidão porquanto os mesmos foram construídos há mais de 20 anos, ou seja, muito antes de os Autores poderem invocar qualquer servidão, certo que, de acordo com a sua própria alegação, teriam construído a sua casa há cerca de 30 anos (relativamente à data da propositura da ação – 2014), nela habitando desde então (aqui se recordando que o que se apurou - que os AA. iniciaram a construção da sua casa, ainda antes da data da realização da escritura de 30 de Agosto de 1984, tendo concluído as obras, incluindo a janela, o logradouro pavimentado e o alpendre e o terraço referidos infra, em data que não se apurou mas há mais de 20 anos – é um menos em relação ao alegado), pelo que sabendo-se que, na ausência de registo do título e da mera posse, o prazo de usucapião mais reduzido é o estabelecido para a posse de boa fé – isto é, quando o possuidor ignorava, ao adquirir a posse, que lesava o direito de outrem –, o qual é de 15 anos - art. 1296º do C. Civil e, por outro lado, que, como os próprios Autores sublinham, “O prazo de contagem da posse, com vista à aquisição de uma servidão legal de vistas por usucapião, através da construção de janelas ou varandas, inicia-se a partir do momento da conclusão da obra”, in RC.17/12/2002.CJ,2002,5º,31, face ao alegado pelos próprios Autores, à apurada data da construção dos Anexos A e B – há mais de 20 anos – tão pouco tinha decorrido o prazo necessário para se constituir qualquer servidão de vistas a favor do seu prédio, não podendo nunca, obviamente, a partir da construção de tais anexos, continuar a falar-se da manutenção da suposta posse com o mesmo âmbito da até aí alegadamente existente certo que a eventual possibilidade de devassa sempre teria ficado limitada, desde então, na exata medida do obstáculo à devassa constituído pelas edificações em causa (anexos A e B).

Já o anexo C foi construído em 2012/2013.

A questão a resolver restringe-se, pois, como se diz na decisão em crise, “a saber se essa parte do prédio dos AA. que confina com esse anexo dos RR., e que é uma parcela de logradouro pavimentado (como lhes chamam os AA.), pode ser encarada como um “terraço com varanda” ou, pelo menos, um “logradouro com parapeito” ou outra obra semelhante”.

E, como ali se concluiu, a resposta só pode ser negativa, pelas razões que a decisão enuncia nos seguintes termos:

Na verdade, toda a argumentação que apoia esta conclusão está contida na jurisprudência que os próprios AA. citam.

Em todos esses arestos, o pressuposto para a verificação desse pressuposto objectivo da constituição por usucapião do direito de servidão de vistas é que a obra tenha características que permitam que as pessoas possam nela apoiar-se ou debruçar-se e desfrutar das vistas que proporciona.

O que é que realmente temos no local?

Temos um muro baixo (um murete, como lhe chamou o sr. perito) encimado por uma rede e uma entrada cimentada para acesso a pé e a veículos motorizados.

Imagine-se, agora, que não existia no local o terceiro anexo construído pelos RR.

Seria possível dizer-se que junto a essa rede existiria um espaço onde os AA. poderiam estar apoiados e onde se poderiam debruçar e desfrutar comodamente das vistas proporcionadas por essa obra (muro, rede e acesso pavimentado)?

Seria muito estranho se se dissesse que sim.

O referido muro (…) não é um parapeito ou varanda ou qualquer outra estrutura similar. E o piso pavimentado não é mais do que uma área de acesso ao prédio dos AA. (a pé ou de veículo motorizado). Não há ali qualquer “área de observação” ou de “devassa” (no sentido mais intenso ou menos benigno – ou seja, mais forte da normal devassa de quem simplesmente passa e vê) do prédio dos RR.

Talvez se perceba mais completamente o problema invertendo a situação.

Imagine-se que eram os RR. que sentiam o seu prédio nessa parte devassado (…) com a construção no logradouro dos AA. dessa passagem pavimentada. Teriam direito à alteração da localização dessa passagem no prédio dos AA. invocando que só a mais de metro e meio da extrema podia ser feita essa obra?

A resposta só poderia ser negativa precisamente por essa passagem por esse local não devassar nos termos legalmente exigidos o prédio deles, RR., como devassaria uma janela, porta, varanda, terraço, parapeito ou obra similar.

Pode, por isso, concluir-se que não está verificado, no caso concreto, este pressuposto objectivo exigido por lei para a constituição de um direito de servidão de vistas e, portanto, para a declaração de uma qualquer área de non edificandi no prédio dos RR.

Concordamos inteiramente com a referida argumentação.

Com efeito, como se pode ler no acórdão do STJ de 14.07.2016 (Relator Fonseca Ramos):

“Começam somente os prejuízos a ser atendíveis, se existir um parapeito, porque, neste caso, tal como numa janela, a pessoa pode debruçar-se, ocupando parcialmente o prédio alheio, e arremessar com facilidade objectos para dentro deste. A devassa começa a tomar aspectos mais graves.

“Isto quer dizer, escreve-se na Revista de Legislação e de Jurisprudência (ano 99º, pág. 240), que não são propriamente as vistas que interessam, mas o devassamento, ou melhor, a possível ocupação do terreno vizinho.

Basta que, no parapeito duma janela ou dum terraço, a pessoa se debruce, numa atitude natural, ou estenda um braço, para que haja violação do direito de propriedade alheia, e é isso o que importa evitar”.

E, no caso em apreço, tal como naquele sobre o qual se debruçou o citado aresto, não se pode falar da existência de qualquer parapeito, sendo que, como ali se enfatiza, “a existência de parapeito é de crucial importância” porque “não basta a existência de um espaço de onde se possa olhar para o prédio contíguo: o que a lei pretende é evitar a intromissão abusiva, o devassamento, e que objectos possam ser atirados para o prédio vizinho” e a intromissão abusiva “é propiciada pela existência, nas obras elencadas no nº 2 do art. 1360º do Código Civil (varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes), de parapeitos pois estes emprestam comodidade e segurança, permitindo que alguém se debruce e apoie os braços (…) e, assim, possa devassar “comodamente” pela vista o que se passa no prédio contíguo”, não podendo considerar-se como parapeito uma parede divisória de alguns centímetros de altura.

Face ao exposto, os Autores não demonstraram ter-se constituído a seu favor o invocado direito de servidão de vistas e, nessa medida, pode afirmar-se que, no gozo pleno do seu direito de propriedade, os RR. à luz da lei civil construíram licitamente esse terceiro anexo não tendo os AA. o direito subjectivo à demolição dele.

Mas não se esgotam aqui os argumentos dos Recorrentes, pretendendo os mesmos que sejam os Apelados compelidos a respeitar as regras de edificação afastando as construções para a distância prescrita na lei e jurisprudência, bem como sejam compelidos a respeitar as regras de saúde pública e salubridade, como direito fundamental dos aqui Apelantes, abstendo-se assim de criar animais domésticos no espaço confinante com a área de refeições dos Apelantes.

Que dizer?

A este respeito, nada temos a acrescentar ao que, com toda a propriedade, se mostra escrito na sentença, onde se pode ler:

A inexistência de licença de construção e eventual desrespeito do RGEU por parte dos RR (…) não alteram a argumentação até aqui desenvolvida.

A existir alguma ilegalidade é ela de natureza administrativa e só com a apreciação da relação jurídica administrativa se poderia com justiça decidir o caso (sendo que o processo de licenciamento está suspenso, como já se referiu).

Ora, tal matéria é da competência exclusiva dos tribunais administrativos, como é evidente.

É claro que os AA. têm razão quando invocam jurisprudência que reconhece que “as normas de direito público que limitam o direito de propriedade protegem também os interesses particulares dos proprietários confinantes, podendo o seu desrespeito constituir os infractores em responsabilidade civil extracontratual, se daí resultarem prejuízos para os confinantes” – cf. art. 85 da p.i.

Mas essa protecção depende, no caso concreto, do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual prevista no art. 483 do C. Civil.

O art. 483, nº1, do C. Civil tem a seguinte redacção:

Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Já vimos que os AA. não beneficiam do direito de servidão de vistas que alegam.

Além disso, não se vislumbra na lei civil qualquer disposição legal que tutele um qualquer interesse dos AA. a uma “bela e ampla vista” que esse terceiro anexo (ou, acrescentamos nós, qualquer dos outros) estaria a perturbar (uma “vista panorâmica” ou “de fundo”, inclusive para os prédios adjacentes, através do prédio dos RR., como parecem concluir os AA. – cf. arst. 13 e 21 da p.i.).

Mas isto quer dizer que ao nível do Direito Civil e quanto a este terceiro anexo estariam os AA. totalmente desprotegidos?

Claro que não, e os AA. bem o sabem, pois alegaram a insalubridade dessa construção que representaria, na sua tese, um “atentado à saúde pública” atentos o cheiro, o barulho e os insectos que advêm de os RR. aí terem animais de capoeira.

A pretensão dos AA. a este nível só pode ter por fundamento a violação de direitos de personalidade (que são direitos absolutos ou seja, erga omnes e, portanto, oponíveis aos RR.) por aplicação do disposto no art. 70 do C. Civil, pois já vimos que ao nível das relações reais de vizinhança os AA. não têm qualquer direito que possam fazer valer contra os RR.

O art. 70º tem a seguinte redação:

1. A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.

Não há dúvida de que o barulho e o cheiro (acompanhados de insectos ou vectores) alegados pelos AA. poderiam, pela sua gravidade, representar uma ofensa à personalidade física e moral dos AA.

Uma coisa deve dizer-se desde já: mesmo que se provasse a lesão de direito de personalidade dos AA. nos termos expostos, jamais o tribunal poderia ordenar a demolição desse terceiro anexo pois não seria o anexo em si que consubstanciaria a ofensa mas apenas e só, como é evidente, a sua utilização (que o tribunal poderia, então, apenas e só, fazer cessar, deixando integro o edifício a fim de os RR., querendo, lhe darem outra utilização).

Com este enquadramento, o essencial é, então, saber se os RR. estão a ofender física ou moralmente os AA. com o uso de tal anexo.
A resposta é francamente negativa pois não se provou, sequer, a existência de quaisquer barulhos, maus cheiros ou insectos provenientes desse terceiro anexo.

Assim sendo, improcede totalmente o recurso interposto pelos Autores.

As custas da ação serão suportadas pelos Autores na sua totalidade uma vez que os Réus não contestaram a propriedade dos primeiros sobre o imóvel, nos termos em que a mesma fica reconhecida, não tendo, pois, tão pouco, dado causa às custas a essa parte relativas – art. 527º, nº 1, do CPC.

Sumário:

I - A constituição da servidão de vistas pressupõe não só a existência no prédio alegadamente dominante das janelas, varandas ou terraços, como a manutenção da posse do direito em causa por certo lapso de tempo, só esta facultando ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação;
II - Só depois de decorrido o prazo necessário para haver usucapião, o dono da janela varanda ou terraço adquire o direito de a manter e de impedir o proprietário vizinho de a vedar ou limitar a sua total fruição, podendo, a partir de então – mas só a partir de então – o titular da dita servidão opor-se ao exercício de direitos de gozo pelo titular do prédio vizinho que a afetem;
III – Para efeito da constituição da aludida servidão, não são propriamente as vistas que interessam, mas o devassamento, ou melhor, a possível ocupação do terreno vizinho;
IV - A intromissão abusiva “é propiciada pela existência, nas obras elencadas no nº 2 do art. 1360º do Código Civil (varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes), de parapeitos pois estes emprestam comodidade e segurança, permitindo que alguém se debruce e apoie os braços” “e, assim, possa devassar “comodamente” pela vista o que se passa no prédio contíguo”;
V – A existência de parapeito é, pois, de importância crucial para efeito da constituição de servidão de vistas, não podendo considerar-se como parapeito uma parede divisória de alguns centímetros de altura.

IV. DECISÃO:

Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente o recurso principal e totalmente procedente o recurso subordinado, com a consequente revogação parcial da sentença recorrida, absolvendo-se os Réus do pedido de reconhecimento do direito de propriedade dos autores sobre o muro a que aludem os autos, em tudo o mais se mantendo a decisão recorrida.
Custas do recurso principal pelos Autores/Recorrentes e custas da ação e do recurso subordinado pelos Autores/Recorridos.
Guimarães, 10.07.2018


(Margarida Sousa)
(Afonso Cabral de Andrade)
(Alcides Rodrigues)