Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1985/17.3T8GMR.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
DEVERES
DEVER DE INFORMAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Para cumprir os seus deveres enquanto intermediário financeiro, nomeadamente os deveres de informação e de boa-fé, a instituição de crédito, por via do seu funcionário que contacta com os clientes e lhes apresenta os produtos financeiros, deve transmitir ao cliente qual a possibilidade de este vir a perder parte ou todo o capital que aplicou no produto.

2. As características essenciais do produto devem ser transmitidas ao cliente e o grau de detalhe deve variar na proporção inversa dos conhecimentos especializados deste sobre produtos financeiros.

3. Mesmo que o risco de perda do capital fosse visto pela instituição de crédito como muito reduzido, ainda assim essa possibilidade deve ser sempre comunicada ao cliente.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Sumário: 1. Para cumprir os seus deveres enquanto intermediário financeiro, nomeadamente os deveres de informação e de boa-fé, a instituição de crédito, por via do seu funcionário que contacta com os clientes e lhes apresenta os produtos financeiros, deve transmitir ao cliente qual a possibilidade de este vir a perder parte ou todo o capital que aplicou no produto. 2. As características essenciais do produto devem ser transmitidas ao cliente, e o grau de detalhe deve variar na proporção inversa dos conhecimentos especializados deste sobre produtos financeiros. 3. Mesmo que o risco de perda do capital fosse visto pela instituição de crédito como muito reduzido, ainda assim essa possibilidade deve ser sempre comunicada ao cliente.

I- Relatório

X – Comércio Serviços e Gestão, SA, pessoa colectiva nº …, com sede na rua …, freguesia de …, Guimarães, propôs acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra Banco ..., SA, pessoa colectiva …, com sucursal na Avenida … Braga, peticionando a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 100.000,00, a título de reembolso do capital investido em obrigações “Y 2006” e competentes juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor até efectivo e integral pagamento ou, se assim não for entendido, seja declarado nulo qualquer contrato de adesão que traduza a aplicação pela autora da referida quantia, declarado ineficaz em relação à autora qualquer aplicação financeira relativa a tal quantia que a Ré tenha efectuado, condenando-se esta a restituir os € 100.000,00 e juros vencidos e não pagos, acrescido de juros vincendos, desde a data da citação e até integral pagamento.

Alegou em síntese que no dia 12 de Dezembro de 2007, por sugestão da sua gestora de conta, subscreveu obrigações “Y 2006”, apresentadas como um produto em tudo idêntico a um depósito a prazo, com melhores taxas de juro, investindo a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros) na sequência da garantia dada pela gestora de que o retorno daquele valor era garantido, podendo proceder-se ao seu resgate a todo o tempo. Invocou, ainda, que só quando surgiram as notícias sobre a nacionalização do Banco... foi informada das reais características da aplicação financeira, sendo que a Ré jamais lhe entregou qualquer documento a titular a subscrição em causa, acrescentando que esta em tempo algum lhe leu, explicou ou entregou qualquer contrato relativo às obrigações “Y 2006”. Refere ter tentado resgatar o capital investido nas datas de vencimento destas obrigações, sem sucesso até à presente data. Por fim, alegou que se lhe tivesse sido explicada a natureza e o risco das obrigações em causa, nunca as teria subscrito.

O Réu contestou, invocando as excepções da incompetência territorial e da prescrição do direito que a A. pretende fazer valer na presente acção. No mais, alegou, em síntese, a ausência de risco das obrigações subordinadas à data da sua subscrição, a inexistência de qualquer dever de advertência para com o investidor da possibilidade de insolvência da entidade emissora das obrigações, a imprevisibilidade da nacionalização parcelar do grupo a que pertencia o Banco ... e consequente alteração das circunstâncias que presidiram à prestação da informação à A. na data da subscrição. Por fim, invocou que o Banco ... nunca assumiu a obrigação da devolução do capital investido, tendo apresentado o produto financeiro como sido emitido pela Y SGPS, SA, a quem competia a entrega do capital e dos juros, não havendo a registar a violação de qualquer dever legal de informação relativamente à A. Concluiu pela procedência das excepções invocadas e, caso assim não se entendesse, pela improcedência da acção.

Na audiência prévia, foi proferido despacho saneador, tendo-se relegado para decisão final o conhecimento da prescrição do direito que a A. pretende fazer valer na presente acção. Identificou-se, ainda, o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.

Teve ligar a audiência de julgamento, e a final foi proferida sentença que julgou a acção procedente e consequentemente condenou o Réu a pagar à Autora a quantia de € 100.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data de 09 de Maio de 2016 e até efectivo e integral pagamento.

Inconformado com esta decisão, o réu dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (arts. 627º,1, 629º,1, 631º,1, 638º,1,7, 644º,1,a, 645º,1,a e 647º,1, todos do CPC, findando a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

1. A decisão recorrida violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 220º, 232º e 236º, 483º e ss., 595º e 615º do C.C.
2. O Recorrente entende que não poderiam ter sido dados como provados os factos constantes do ponto 4, na parte “em que o reembolso do capital investido poderia ocorrer em qualquer altura”; ponto 5; ponto 6, na parte “e da possibilidade de reembolso do capital investido a qualquer momento”; pontos 8; 9; 10; 11 e 13.
3. Por outro lado, entende o Recorrente que os factos dados como não provados, nos pontos 18, 19, 20, 21, 22 e 23 foram perfeitamente demonstrados em sede de audiência de discussão e julgamento e deveriam ter sido dados como provados.
4. Acresce ainda, no que diz respeito ao ponto 25 dos factos não provados, que tal facto deveria ser eliminado deste elenco de factos não provados.
5. O Tribunal a quo condenou o Recorrente por considerar que o facto do gerente bancário do Réu ter dito ao Autor que a aplicação financeira tinha “garantia de capital e juros” no termo do prazo configura a prestação de uma informação falsa.
6. O uso dessa expressão apenas pode ser visto como referência à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade.
7. É utópico pretender ver nessa singela referência qualquer espécie de garantia absoluta do investimento, até porque essa garantia não existe.
8. Mesmo que se compare o investimento efectuado com aquele que é afirmado como paradigma de investimento seguro – o depósito a prazo – essa garantia não existe, sobretudo até considerando que uma hipótese de insolvência da instituição bancária sempre redundaria na cobertura pelo Fundo de Garantia de Depósitos que, à data do investimento se cifrava em apenas 25.000,00 euros, o que seria fraco consolo para ressarcir uma perda de investimento de 100.000,00 euros.
9. O Tribunal a quo parece considerar que a aplicação financeira era afinal um “produto de risco”, pelo facto do Autor não ter recebido o capital investido no final do prazo.
10. Porém esse raciocínio é uma falácia, pois confunde a causa com a consequência. Não é porque um investimento se possa vir a revelar ruinoso, que o mesmo pode ser classificado como investimento de risco.
11. Tal juízo tem que ser feito retroagindo ao momento da subscrição e tendo por base a prognose que então era possível fazer com os dados conhecidos.
12. As obrigações eram então, como são ainda, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu, detendo-o até a 100%.
13. O investimento efectuado era assim um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.
14. Pelo que o investimento efectuado era então adequado a alguém como o Recorrente.
15. A sentença recorrida merece censura por tratar indistintamente os deveres que incidem sobre o intermediário financeiro, sem cuidar de perceber o momento ou o negocio a que dizem respeito e em função do qual devem ser cumpridos.
16. Os deveres de informação podem ser categorizados segundo o momento em que devem ser cumpridos (informação pré-contratual ou informação contratual) ou também segundo a estrutura própria dos negócios de intermediação financeira.
17. Trata-se, em suma, de sistematizar os deveres de informação, consoante se referem: i) ao negócio de cobertura – a saber, o contrato de intermediação propriamente dito celebrado entre o intermediário financeiro e o cliente –; ii) ao negócio de execução – a saber, os contratos que o intermediário celebra com terceiros com base nos poderes que lhe foram conferidos pelo negócio de cobertura, ou até mesmo os contratos celebrados entre o cliente e o terceiro, com intermediação do intermediário –; iii) ao instrumento financeiro propriamente dito.
18. Esta segmentação do dever de informação pode ser claramente vista no corpo do nº 1 do art. 312º do CdVM, donde resulta que os deveres de informação aí previstos dizem respeito ao negócio de cobertura, com excepção da alínea d) do referido nº 1 que se refere aos instrumentos financeiros propriamente ditos.
19. Os arts. 323º, 323º-A, 323º-B e 323º-C do CdVM tratam dos deveres de informação próprios, relativos, inerentes ou decorrentes dos negócios de execução.
20. O art. 312º do CdVM serve como verdadeiro índice programático dos deveres de informação que são aí genericamente afirmados, para depois serem densificados nos preceitos seguintes. Por isso, não tem qualquer cabimento a alegação do Recorrente de que o Recorrido violou as disposições vertidas no art. 312º nº 1 alíneas d) e e). A afirmação desses deveres não assume qualquer autonomia, tendo antes que se buscar na densificação desses preceitos o conteúdo do dever de informação aí genericamente afirmado.
21. A menção do art. 312º nº 1 alínea e) quanto aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira, enquanto negócio de cobertura e não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si. Por isso o art. 312º nº 1 alínea e) em nada se relaciona com a situação aqui em crise, de nada servindo a sua invocação para aí estribar um ilícito do Banco Réu.
22. O dever de informação previsto no art. 312º nº 1 alínea d) do CdVM respeitante aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas é depois densificado no art. 312º-E nºs 1 e 2.
23. A referência do nº 1 deste artigo à natureza do instrumento financeiro refere-se às características e funcionamento do instrumento financeiro.
24. O que, no caso presente, foi suficientemente cumprido pelo Banco Recorrido, conforme resulta da boa análise da facto provada.
25. A menção do art. 312º-E nº 1 do CdVM quanto aos riscos do tipo do instrumento financeiro remete para o nº 2 do mesmo preceito, onde o legislador esclareceu a que riscos se refere e sobre os quais está o intermediário financeiro obrigado a informar o investidor, desde que tais riscos sejam aplicáveis, claro está, ao tipo de instrumento financeiro escolhido para o investimento.
26. Nos termos da lei, são estes e apenas estes os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o intermediário financeiro tem que prestar informação.
27. Os riscos a que se refere o art. 312º-E nº2 são riscos endógenos e próprios do tipo de instrumento financeiro e não motivados por quaisquer factores extrínsecos aos mesmos.
28. Ora, o investimento sobre que versa o presente processo foi feito em Obrigações e é, portanto, um investimento de baixo risco por se tratar de investimento não sujeito a qualquer volatilidade.
29. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco da perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, porque não é inerente ao produto!
30. E não se confunda o cumprimento do dever de informação quanto ao risco da perda da totalidade do investimento com a necessidade de advertência do investidor sobre os riscos de incumprimento pelo obrigado da obrigação de compra decorrente do cumprimento da opção de venda, ou sequer com qualquer advertência sobre uma hipotética insolvência desse mesmo obrigado.
31. É que essa característica excludente do risco de perda da totalidade do investimento em nada se confunde ou exclui o risco geral de incumprimento de toda e qualquer obrigação.
32. De facto, esse é um RISCO GERAL e latente de toda e qualquer obrigação e não qualquer risco específico do tipo de instrumento financeiro escolhido e, portanto, não se insere naquela previsão do art. 312º-E nº 2 alínea a).
33. O incumprimento do dever de informação implica uma presunção de culpa do intermediário financeiro, nos termos do art. 304º-A nº 2 do CdVM, porém não existe qualquer presunção de ilicitude a este respeito, cabendo portanto ao lesado e aqui Autor alegar e provar o que concretas informações é que o Réu deveria ter dado que não deu.
34. O que, como não foi feito, condena a presente acção ao fracasso.
35. A ideia que fica de toda a prova produzida (adiante integralmente transcrita) é que a referência que foi feita pelo funcionário do Banco Réu à garantia de capital e juros tinha que ver com o modo de funcionamento da aplicação financeira (que não estava sujeita a volatilidade de preço/cotação no termo do prazo) e que, findo o prazo de investimento, haveria o retorno integral do capital, acrescido dos juros.
36. A expressão garantia tem que ver por isso com um retorno certo do capital e não com qualquer caução que o Banco prestasse.
37. E aliás diga-se que o próprio funcionário do Banco associou essa garantia de capital e juros com o reembolso dos títulos ser efectuado ao valor nominal acrescido dos respectivos juros na data de vencimento de cada emissão, conforme consta da nota informativa!
38. Fica assim suficientemente esclarecido o que o funcionário pretendia dizer!
39. Ora, esta expressão do funcionário do Banco Réu tem também que ser vista no contexto em que foi proferida. De facto, no início do 2008 ainda não tinha deflagrado a crise financeiro de Setembro de 2008 (com a falência do LB). Nessa altura não era vulgar o incumprimento das obrigações assumidas em títulos, ou a insolvência dos emitentes.
40. Por isso, esse risco não era algo que o público em geral tivesse consciência e que se buscasse certificar ou fosse necessário elucidar.
41. E tal terá sucedido também com o Autor, que se importou mais com a melhor rentabilidade oferecida, do que propriamente com a identidade de quem ficaria perante si obrigado.
42. Mais, um declaratário normal colocado no lugar do Autor, não teria depreendido daquela singela expressão de “garantia de capital e juros” que era afinal o Banco quem caucionava as obrigações da Y!
43. E a informação a prestar pelo intermediário financeiro tem que ser prestada segundo o critério objectivo previsto no art. 312º-Anº 1 alínea c) CdVM, ou seja, de forma a ser perceptível pelo destinatário médio.
44. Nada obrigando a que o intermediário financeiro tenha, para além do dever de informar, o dever também de se assegurar que o investidor compreendeu a informação!
45. Por tudo isto é necessário concluir que o Banco Réu agiu sem culpa.
46. Não está provado que se tenha tornado total ou parcialmente impossível receber o montante investido pelo Autor nas Obrigações Y.
47. Daí resulta, portanto, que a condenação do Banco Réu no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelo Autor é manifestamente excessiva e não cumpre com a critério teoria da diferença prevista no art. 566º nº 2 do CC, uma vez que dá azo a que o Autor venha depois a receber o que lhe couber da Y e que acrescerá ao valor da indemnização já porventura pago pelo Réu e equivalente ao montante por ele desembolsado na subscrição do valor mobiliário.
48. O Autor não alegou qualquer facto (e por inerência não está provado!) qualquer matéria que pudesse ser reconduzida ao nexo de causalidade entre o dano produzido e a falta de realização do teste de adequação.
49. Na verdade, não está alegado nem provado que se o Banco Réu tivesse feito o teste de adequação, teria concluído que a aplicação financeira não se adequava ao perfil de risco do investidor Autor.
50. Faltando essa matéria, é inócua e irrelevante a falta de realização de um teste de adequação, pois esta matéria não poderá produzir a responsabilização do Banco Réu. O que se afirma aqui, sem prejuízo de se sublinhar também que, no entender do Banco Réu, o investimento efectuado era adequado ao perfil de investidor do Autor.
51. O Autor não alegou nem provou também que se não fosse aquela putativa garantia de capital e juros, não teria subscrito a aplicação financeira em Obrigações Y!
52. Logo claudica também o nexo de causalidade entre o facto e o dano!
53. Ainda que se censure a conduta do Banco Réu (o que não se concede), essa censura NUNCA poderá ser reconduzível a um dolo ou a uma culpa grave.
54. De facto, lida e relida a matéria de facto, a sensação que fica é que o funcionário do Banco Réu nem sequer concebeu a possibilidade de estar a faltar ao dever de informação acerca da aplicação financeira e que, com essa falta, poderia estar a determinar o investimento do cliente num produto que este não quereria se estivesse devidamente informado. A ideia que perpassa é que o funcionário do Banco Réu estava absolutamente convencido da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil de investidor do Autor.
55. Terá havido portanto (e quando muito) uma indução do Autor em erro, sem que por parte do funcionário do Banco Réu houvesse intenção ou consciência de o fazer – trata-se portanto de uma indução negligente em erro.
56. Uma tal conduta apenas pode ser reconduzível à mais leve das formas de negligência - a negligência inconsciente -, pois revela que o agente agiu por imprevidência, descuido, imperícia ou ineptidão, não chegando sequer a conceber a possibilidade do facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse da diligência devida.
57. Esta graduação da culpa do intermediário financeiro tem particular interesse, sobretudo em sede da prescrição, pois o art. 324º do CdVM permite o advento mais precoce da prescrição nos casos em que, como o presente, não há dolo ou culpa grave.
58. E considerando a matéria de facto provada, constatamos que já estavam volvidos mais de dois anos entre a data em que o Autor tomou conhecimento da concreta aplicação efectuada e a data em que propôs a acção.
59. E portanto, já se encontrava prescrita qualquer putativa responsabilidade do Banco Réu!
60. Estribar na violação do dever de informação uma qualquer indemnização devida pelo Recorrente é solução injusta e que repugna qualquer espírito são, sobretudo quando é certo que o Autor, por sua livre e própria iniciativa deu “carta branca” ao funcionário do Réu - seu amigo de longa data, e que havia já sido seu gestor noutro Banco - para efectuar os investimentos que bem entendesse, assim renunciando àquele seu direito à informação e à condução do seu investimento!
61. Uma tal conduta potencia a inobservância do dever de informação que o funcionário do Réu venha a incorrer, pois conforta-o nesse incumprimento, contribuindo para que ele próprio não cumpra com o seu dever, até convencido que o credor da informação não pretende ter a maçada de a receber, pois dela prescindiu...
62. Tal circunstância tem consequências ponderosas. É que a aquela conduta do Autor é reconduzível à figura da culpa do lesado!
63. A declaração do funcionário do intermediário não pode valer com o sentido que o investidor — declaratário normal — lhe atribuiu, nos termos do art. 236º CC, porque na realidade não houve da parte do Banco recorrido qualquer intenção de prestar uma garantia (nem tal resulta da matéria de facto provada) e, assim sendo, não se verifica o acordo de vontades que o art. 232º CC exige para ser concluído um negócio.
64. Assim, o negócio jurídico celebrado em qualquer putativo erro não pode surtir os efeitos pretendidos pelo declarante, como se a sua vontade não tivesse sido viciada e, logo, não se pode agora obrigar o Recorrente a cumprir uma garantia, apenas porque o Recorrido ficou erradamente convencido que a mesma foi prestada!
65. À expressão “capital garantido e juros garantidos”, proferida aquando da subscrição de Obrigações Y, falta a solenidade e ritualismo próprios da emissão de uma declaração negocial capaz de obrigar o Banco Réu.
66. Tal expressão também não pode ser reconduzível a uma assunção de dívida.
67. Tal expressão, quando muito, constitui uma fiança e não uma assunção de dívida, como consta da sentença recorrida.
68. É indício disso mesmo a circunstância de, ao ser afirmada a garantia de capital juros, não estar certamente na mente do Banco Recorrente (ou do seu funcionário) prescindir do direito de ficar sub-rogado nos direitos do credor, por qualquer pagamento que porventura fizesse em prol do emitente do papel comercial. É que essa assunção de dívida alheia como se fosse própria, não era inócua nas contas do Banco Réu já que a Y (apesar de pertencer ao mesmo Grupo) não era uma sociedade sua filha, sendo antes sua mãe!
69. Pela mesma ordem de razões, não se vislumbra que o Recorrente pudesse ter qualquer interesse real, directo e objectivo próprio no cumprimento dessa obrigação pois, apesar de integrar o mesmo grupo, a aportação de capitais à Y em nada beneficiava o Réu Banco, sendo apenas e antes útil à cadeia hierárquica societária que detinha a Y e à qual o Banco Réu era alheio, porque era então detido a 100% e não detentor...
70. Acresce também que, à data da subscrição, todos criam que a emitente Y estaria em condições de pagar o papel comercial emitido, verificando-se assim a característica essencial da fiança, traduzida na esperança de que o devedor principal pagará ao credor, sendo desnecessária a intervenção do fiador.
71. Todos estes indícios apontam, pois, no sentido de que a expressão foi, quando muito, uma fiança e não a solução acolhida pela sentença recorrida da assunção cumulativa da dívida.
72. Tratando-se, como se trata, de uma fiança estaria a mesma sujeita à mesma forma exigida para a obrigação principal, nos termos do art. 628º do C.C.
73. No caso, vale o disposto no art. 327º do Código dos Valores Mobiliários que prescreve que as ordens de subscrição podem ser dadas oralmente ou por escrito, sendo certo que as dadas oralmente devem ser reduzidas a escrito e se forem presenciais, devem ser subscritas pelo ordenador.
74. Não constando a garantia do documento de fls 53, mais não resta do que concluir que a mesma é NULA, nos termos do art. 220º do C.C.
75. Uma tal garantia ou assunção de dívida viola igualmente o princípio pari passu de igualdade de tratamento dos detentores de valores mobiliários e, portanto, não pode ser admitida.
76. De toda a forma, a condenação do Banco Réu com base na assunção de dívida extravasa em muito a causa de pedir e o pedido da presente acção e, logo, uma tal condenação sempre seria nula por violação do disposto no art. 615º nº 1 alínea e) do CPC.

A recorrida contra-alegou, defendendo que o recurso deve ser julgado improcedente e confirmada na íntegra a sentença recorrida.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes:

a) existência de erro no julgamento da matéria de facto
b) existência de erro na aplicação do Direito

III
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

1. A autora era cliente do BANCO ..., Banco ..., agência de Braga, desde pelo menos o ano de 2003, onde constituiu a conta à ordem nº ...1, através da qual movimentava dinheiro, efectuando pagamentos e realizando poupanças.
2. A autora estabeleceu uma relação de confiança com os funcionários daquela agência bancária, nomeadamente com a sua gestora de conta C. E..
3. No dia 02 de Novembro de 2007, foi constituído naquela agência o depósito a prazo nº ...8, titulado pela autora, com o valor de € 100.000,00, por 91 dias, com data de vencimento em 01.02.2008, com a taxa de juro de 5,35%.
4. Após a constituição do depósito a prazo, a autora foi contactada pela gestora de conta que lhe sugeriu a aplicação dos € 100.000,00 num produto financeiro mais rentável do que o depósito a prazo, em que o reembolso do capital investido poderia ocorrer em qualquer altura.
5. Na apresentação da aplicação financeira, a gestora de conta jamais se referiu à designação “obrigações subordinadas”, à Y como entidade emitente do produto financeiro, nem alertou a autora para qualquer risco quanto à possibilidade de perda do capital investido.
6. Em face das informações obtidas junto da gestora de conta, designadamente da existência de taxa de juro mais benéfica e da possibilidade de reembolso do capital investido a qualquer momento, e perante a ausência de qualquer referência a risco de perda do capital, a autora procedeu ao levantamento da quantia que constituía o depósito a prazo nº ...8 e aplicou, no dia 12 de Dezembro de 2007, o montante de € 100.000,00 em 2 obrigações Y 2006, com o valor nominal de € 50.000,00 cada.
7. A autora subscreveu o documento designado “comunicação de cliente”, no qual constam os seguintes dizeres manuscritos por pessoa diversa do representante daquela “Desta forma, declaro ter recebido o prospecto informativo do produto, tomando conhecimento das suas condições”.
8. A autora subscreveu as obrigações Y 2006 com a nítida convicção que estas constituíam um produto semelhante a um depósito a prazo, que proporcionavam taxas de juro superiores, desconhecendo o risco que assumia.
9. A autora não teria efectuado a subscrição das obrigações Y 2006 caso tivesse sido advertida do risco da perda do capital investido.
10. A gestora de conta não leu, explicou ou entregou à autora qualquer documento que contivesse informações sobre a natureza e as características do produto financeiro subscrito, nomeadamente qualquer contrato, nota informativa ou prospecto, nem entregou qualquer documento que titulasse a subscrição efectuada.
11. O Banco ... nunca entregou à autora qualquer nota informativa sobre a natureza e funcionamento das obrigações financeiras Y 2006 subscritas.
12. Após a data da subscrição, as obrigações Y 2006 surgiam referenciadas nos extractos bancários periódicos remetidos à autora. 13. O Banco ... exercia pressão sobre os seus balcões para que estes convencessem os potenciais investidores a subscrever esta aplicação financeira – obrigações subordinadas Y 2006.
14. Após a nacionalização do Banco ..., a autora procurou resgatar o capital investido junto da gestora de conta, sem sucesso, tendo sido informada da natureza do produto subscrito.
15. Após a data de vencimento das obrigações subscritas, a autora pretendeu resgatar o montante dos € 100.000,00 aplicados.
16. E o Réu não lhe disponibilizou tal montante até à presente data.
17. A carteira de títulos da autora integra aplicações financeiras de natureza diferente de depósitos a prazo.
*
Factos Não Provados.

18. O Banco Réu, através dos seus colaboradores, nunca transmitiu aos seus clientes que garantia a emissão.
19. O produto foi sempre apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única e exclusiva responsabilidade da entidade emitente e não da entidade colocadora Banco.
20. Em Dezembro de 2007, a autora foi informada de que as obrigações eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco Réu – a Y, Sociedade de Negócios, SGPS, S.A.
21. E que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da Y – Sociedade de Negócios, SA a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.
22. A autora foi informada que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso.
23. O réu informou a autora sobre todos os elementos que constavam da nota informativa do produto que se encontrava disponível para consulta por esta.
24. No mês seguinte ao da operação, a autora recebeu por correio um aviso de débito correspondente à subscrição efectuada.
25. Todos os administradores da autora detêm conhecimentos sobre os mercados financeiros.

IV
Conhecendo do recurso.

A primeira questão que vem colocada pelo recorrente consiste em saber se o julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal recorrido contém erros e deve ser alterado.

É sabido que o legislador fez constar do art. 640º CPC os trâmites a seguir pelo recorrente que pretenda impugnar a decisão do Tribunal sobre matéria de facto.

É importante fazer uma distinção entre: a) os requisitos formais de admissibilidade do recurso sobre matéria de facto; b) o mérito do recurso apresentado sobre matéria de facto.

Quanto ao primeiro aspecto, escreve Abrantes Geraldes (Recursos, 2017, fls. 158) o seguinte:

“a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações: a) falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b); b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a); c) falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (vg. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc); d) falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”.

Ora, da leitura das alegações do recorrente resulta que este cumpriu o ónus de alegação que a lei impõe. Indicou quais os pontos de facto que considera mal julgados, indicou qual a resposta que em seu entender o Tribunal deveria ter dado a esses pontos de facto, indicou -inclusivamente com transcrição de depoimentos testemunhais- os meios de prova que em seu entendimento justificavam decisão diferente, e avançou a sua argumentação nesse sentido.

Pelo que não temos dúvidas em afirmar que os requisitos formais para poder conhecer do recurso sobre matéria de facto estão reunidos.

Passando pois para o segundo aspecto, ainda o mesmo Autor escreve: “naturalmente que o nível de argumentação apresentada pelo recorrente já não respeita aos requisitos formais das alegações, antes se relaciona com o respectivo mérito a apreciar pela Relação.”

Trata-se, no fundo, de saber se a decisão da primeira instância contém erros de julgamento, quer os que o recorrente lhe imputa, quer outros que sejam de conhecimento oficioso, que justifiquem a sua alteração.

A definição dos parâmetros que permitem ajuizar de um erro de julgamento, ou de qualquer outro vício da decisão que leve a uma alteração da decisão da matéria de facto consta do artigo 662º CPC.

Dispõe esse artigo o seguinte:

Artigo 662.º
Modificabilidade da decisão de facto

1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.

O nº 1 deste artigo contém o que podemos chamar de regime-base: se não for necessária a produção de qualquer outro meio de prova, contendo o processo todos os elementos necessários para decidir, quando os factos provados, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, a Relação deve decidir nesse sentido.

O nº 2 indica outros caminhos que a Relação pode seguir, se considerar que é necessária a renovação da produção da prova, ou a produção de novos meios de prova, ou se considerar que a decisão recorrida é deficiente, obscura ou contraditória, ou que é necessária a ampliação desta, ou ainda que a decisão recorrida não se mostra devidamente fundamentada sobre algum facto essencial, caso em que ordena que essa fundamentação seja completada.

Finalmente, como ensina Abrantes Geraldes, o novo CPC recusou qualquer solução que pudesse reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, assim como recusou a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto. O legislador restringiu a possibilidade de revisão a concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.

Já vimos que o recorrente impugna o julgamento que está na base de terem sido dados como provados os factos constantes do ponto 4, na parte “em que o reembolso do capital investido poderia ocorrer em qualquer altura”; ponto 5; ponto 6, na parte “e da possibilidade de reembolso do capital investido a qualquer momento”; pontos 8; 9; 10; 11 e 13. Bem como não aceita que se tenham dado como não provados os pontos 18, 19, 20, 21, 22 e 23, e 25.

Começando pelos factos dados como provados. Da leitura das suas alegações resulta que a principal razão de discordância do recorrente com a decisão recorrida assenta no depoimento da testemunha C. E., que teria declarado o contrário que o Tribunal veio a dar como provado.

Ora, é conveniente assentar em algumas ideias-base.

A primeira é que a prova testemunhal não é tarifada, estando sujeita à regra da livre apreciação (art. 607º,5 CPC). A segunda, derivada da primeira, é que o depoimento das testemunhas não tem de ser forçosamente tomado pelo seu valor facial.

O Tribunal recorrido explicou detalhadamente as razões pelas quais não aceitou tudo o que a testemunha disse pelo seu valor facial. E nós, depois de ter ouvido toda a prova gravada, concordamos integralmente com aquele julgamento feito.

Com efeito, não basta dizer que a testemunha declarou “X”, para que “X” tenha de ser dado como provado. Em situações como a dos autos, a experiência judiciária demonstra-nos que primeiro devemos olhar para as declarações em confronto e tentar detectar se alguma merece mais credibilidade que a outra, pela forma como foi prestada, e pela sua coerência interna. Nessa tarefa, as Relações deparam-se com uma dificuldade suplementar, mas que é ultrapassável: é que “a gravação dos depoimentos por registo áudio ou por meio que permita a fixação da imagem (video) nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no Tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância. Na verdade existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador(1).

Ou seja, o registo audio da prova não permite captar na totalidade aquilo que a psicologia designa de “comunicação não-verbal”. E para um juiz que tem perante si vários meios de prova não unívocos, essa comunicação não-verbal assume uma importância determinante na conclusão final sobre a veracidade dos depoimentos.

Assim, a priori, numa situação destas, um recurso da decisão sobre matéria de facto assente apenas no entendimento do recorrente, necessariamente divergente do entendimento do Tribunal, estará na esmagadora maioria dos casos votado ao fracasso.

Só assim não será se da análise da decisão e sua fundamentação se verificar a existência de algum erro manifesto, contradição, ou alguma incoerência ou implausibilidade, que coloque sérias dúvidas sobre a justeza da decisão, ou se for manifesto que, das duas versões testemunhais apresentadas perante o Tribunal, aquela na qual este se apoiou para julgar a matéria de facto for notoriamente menos credível que a outra, que o Tribunal a quo desvalorizou.

Em suma, a solução depende da credibilidade a dar a cada uma das testemunhas que foram ouvidas.

E esta Relação concorda integralmente com a apreciação feita pelo Tribunal recorrido, quando começa por escrever que “a testemunha C. E., gestora de conta da autora entre os anos de 2007 a 2012, exerce funções no banco réu, tendo prestado um depoimento visivelmente comprometido, revelando uma memória selectiva, procurando demonstrar a todo o custo que cumpriu todas as suas obrigações legais no que diz respeito aos deveres de informação sobre o produto subscrito pela A. Sucede, porém, que as afirmações iniciais da testemunha foram sendo abaladas ao longo do depoimento, acabando esta por reconhecer que jamais informou o representante da A. do risco de perda do capital – risco que sabia existir, embora estivesse convencida que o reembolso do capital era certo, pois tratava-se de um produto da Y, ou seja, a “sociedade mãe” do Banco ...- ou que o seu reembolso não estivesse garantido. Ademais, a testemunha reconheceu que à data da subscrição das obrigações Y 2006 ela própria desconhecia o que eram obrigações subordinadas, o que significa que jamais poderia ter elucidado da forma como pretendeu convencer inicialmente o Tribunal o representante da autora de todas as características deste produto financeiro. Declarou que leu toda a nota informativa da aplicação financeira em causa ao representante da A., tendo ficado visivelmente atrapalhada quando confrontada com o facto desta nota integrar 26 páginas. Mais, as informações que a testemunha declarou ter prestado à A. quanto à taxa de juros e à possibilidade de reembolso antecipado não são coincidentes com o que consta a este propósito na referida nota informativa o que reforça a ideia de que nunca terá lido ou explicado tal documento à A. Se por um lado declarou que foi entregue uma cópia do documento designado “comunicação de cliente” à A., por outro afirmou não se recordar quais os documentos subscritos pela A. na ocasião da subscrição do produto financeiro em causa, o que compromete fortemente a credibilidade da primeira destas afirmações. A testemunha reconheceu que havia uma relação de confiança entre a A. e o Banco ..., sendo que aquela já era cliente desta instituição bancária em 2003, quando aí começou a exercer funções. Crê que a testemunha F. L. confiava plenamente nas informações que lhe prestava, tendo sido ela quem sugeriu a subscrição das obrigações Y 2006. Reconheceu que à data – 2007- havia pressões do Banco ... junto dos seus funcionários no sentido destes conseguirem subscritores para este tipo de produtos financeiros, apesar de nunca as ter sofrido. Por fim, reconheceu que mais do que o perfil de investidores dos clientes, o que determinava a abordagem para a subscrição destes produtos financeiros era a disponibilidade de capital para investir”.

Não vislumbramos aqui qualquer erro de julgamento: pelo contrário, consideramos que a análise feita pelo Tribunal recorrido levou em conta todos os parâmetros que referimos supra, na apreciação dos depoimentos testemunhais, e ficou tudo devidamente explicado.

Indo ao detalhe.

Começa o recorrente por entender que não poderia ter sido dado como provado que a gestora da conta teria sugerido à autora aplicar o dinheiro num produto financeiro em que o reembolso do capital investido poderia ocorrer em qualquer altura (ponto 4).

Todavia, não lhe podemos reconhecer razão. Desde logo, porque a testemunha F. L. o declarou expressamente. Como se escreve na fundamentação da sentença recorrida: “a gestora sugeriu-lhe a aplicação deste montante num outro produto, classificando-o de “muito bom”, dizendo tratar-se de uma “oportunidade única”. A gestora referiu que tal produto era mais rentável do que o depósito a prazo e que capital poderia ser reembolsado em qualquer altura”. Acresce que o depoimento de C. E. esteve longe de ser coerente e seguro. Se ela, de início, negou ter prestado essa informação ao cliente, para o final do seu depoimento já admitiu que tinha falado ao cliente na possibilidade de haver reembolso antecipado do capital. Nenhum erro de julgamento pode ser apontado à sentença recorrida.

De seguida impugna a recorrente o ponto 5 dos factos provados. O seu teor é este: “5. Na apresentação da aplicação financeira, a gestora de conta jamais se referiu à designação “obrigações subordinadas”, à Y como entidade emitente do produto financeiro, nem alertou a autora para qualquer risco quanto à possibilidade de perda do capital investido”. Porém, também aqui a fundamentação da sentença é clara e inequívoca: “a testemunha (F. L.) foi peremptória ao dizer que jamais a gestora de conta referiu a existência de qualquer risco subjacente à subscrição deste produto, nunca o designou como “obrigações subordinadas” ou prestou qualquer esclarecimento sobre a Y enquanto entidade emissora da aplicação financeira. Declarou que se a gestora de conta tivesse aludido a existência de qualquer risco de perda de capital, jamais teria subscrito as obrigações Y 2006. Também o depoimento de C. E. ajudou a sedimentar esta convicção, pois ela declarou que para os clientes falar em Y era o mesmo que falar em Banco ..., e que ela não os elucidava da verdade. Também aqui não há qualquer erro ou vício de julgamento a apontar à sentença.

De seguida insurge-se contra o segmento do ponto 6 dos factos provados sobre, novamente, a possibilidade de reembolso do capital investido a qualquer momento. Mas aqui vamos limitar-nos a remeter para o que já dissemos supra sobre essa questão em concreto.

De seguida, insurge-se a recorrente contra que se tenha dado como provado o ponto 8 (A autora subscreveu as obrigações Y 2006 com a nítida convicção que estas constituíam um produto semelhante a um depósito a prazo, que proporcionavam taxas de juro superiores, desconhecendo o risco que assumia).

No entanto, a prova produzida aponta exactamente para tal, pois foi isso que declarou a testemunha F. L.. Pode-se dizer, é certo, que esta testemunha não é neutra no litígio, tem um interesse directo e imediato. Mas isso não a torna inábil para depor. O seu depoimento, analisado à luz da regra da livre apreciação, merece inteira credibilidade. Mereceu ao Tribunal recorrido, e merece a esta Relação. Trata-se de depoimento que é coerente com a restante prova objectiva constante dos autos. Principalmente, é coerente com o facto de a autora ter os referidos € 100.000,00 num depósito a prazo, e tê-los retirado daí para os aplicar neste “produto”. Se o referido dinheiro estivesse aplicado num outro produto de risco, já seria mais difícil para a testemunha convencer o Tribunal do que consta provado sob o ponto 8.

O facto provado em 9 resulta do que já dissemos supra, e mostra-se devida e correctamente fundamentado.

Os factos provados nº 10 e 11 estão também cabalmente fundamentados na sentença recorrida. Aí se pode ler que a testemunha F. L. “afirmou de forma convicta e sem qualquer margem para dúvidas que jamais recebeu da gestora ou do Banco ... qualquer documento, fosse um contrato, uma nota informativa, fosse um prospecto, sobre a natureza e características do produto financeiro subscrito, acrescentando que nem mesmo a cópia da comunicação de cliente lhe foi entregue. Por outro lado, refutou ter havido por parte da gestora de conta qualquer leitura ou explicação sobre o produto em causa, reafirmando que as únicas indicações dadas prenderam-se com a taxa de juro mais atractiva e a possibilidade de a todo o tempo poder ocorrer o resgate do capital investido. Admitiu que a A. após a data da subscrição recebeu os extractos periódicos onde se mencionava este produto financeiro, mas referiu que a mera designação da aplicação nada esclarecia sobre a sua natureza e características, designadamente sobre o risco associado, o que se compreende”.

Note-se que a gestora de conta, quando foi ouvida como testemunha começou por afirmar, afoitamente, que a ficha técnica do produto foi entregue no mesmo dia em que o produto foi subscrito, e que além disso lia sempre aos clientes essa ficha técnica. Nesta altura foi confrontada pelo Juíz do processo com o facto de essa ficha técnica ter 26 páginas (está junta a fls. 29 e seguintes dos autos), e reafirmou que apesar disso lia mesmo ao cliente essas 26 páginas.

Esta afirmação não merece credibilidade, por motivos óbvios. Vai contra todas as regras da experiência, e contra tudo o que sabemos do funcionamento das entidades bancárias. O que sucede na esmagadora maioria dos casos é o gestor fazer ao seu cliente um resumo das principais características do produto, entregar-lhe a ficha técnica, e fazê-lo assinar um documento no qual declara ter recebido essa ficha técnica.

Credibilidade bem superior mereceu antes a testemunha F. L., que relatou o oposto. E o Tribunal recorrido, a nosso ver bem, assim decidiu.

Impugna de seguida o facto provado nº 13: “o Banco ... exercia pressão sobre os seus balcões para que estes convencessem os potenciais investidores a subscrever esta aplicação financeira – obrigações subordinadas Y 2006”.

O Tribunal recorrido explicou assim a sua decisão: a gestora de conta “reconheceu que à data – 2007- havia pressões do Banco ... junto dos seus funcionários no sentido destes conseguirem subscritores para este tipo de produtos financeiros, apesar de nunca as ter sofrido”. A testemunha foi perguntada expressamente se não era verdade que as chefias do Banco lhes diziam para transmitirem aos clientes que aquilo era um produto semelhante aos depósitos a prazo, com juros superiores aos depósitos a prazo, e com capital garantido, e acabou por dizer que tinha conhecimento que existiam essas indicações, embora ela pessoalmente não tenha recebido as mesmas.

É quanto basta, supomos, para se concluir pelo acerto no julgamento de tal facto.

Passando agora para os factos não provados, o Tribunal explicou a sua decisão por forma convincente. No fundo, grande parte da fundamentação já resultava do que foi explicado sobre os factos provados, e a análise, à luz da livre apreciação da prova, do depoimento da gestora de conta da autora.

Assim, quanto aos factos 18 e 19, a ausência de prova foi total, sem esquecer o que supra foi dito sobre a credibilidade do depoimento da gestora de conta.

Os factos 20 e 21 foram infirmados pelos depoimentos das testemunhas, conforme se pode retirar da análise crítica supra referida).

Igualmente está correctamente fundamentada a não prova do facto nº 22: não se fez prova que a gestora de conta tenha transmitido com tanto pormenor o modo da realização do reembolso antecipado que lhe garantiu poder ocorrer.

O facto nº 23 foi infirmado pelo depoimento da testemunha F. L., que mereceu total credibilidade.

Finalmente, sobre o facto 25, basta dizer que desde logo as declarações do administrador da sociedade autora e da testemunha F. L. contrariaram esse facto. O facto em si, aliás, é de uma grande vaguidade. O que é deter conhecimentos sobre os mercados financeiros ? Conhecimentos muito superficiais, qualquer licenciado em Direito, ou Economia ou Gestão, ou leitor atento dos jornais, os podem ter. Mas esses seriam irrelevantes ou pouco relevantes para estes autos. Conhecimentos profundos, que seriam os que poderiam ser relevantes, é óbvio que não resultaram provados.

Assim, não vislumbramos aqui qualquer erro de julgamento.

Assim, a matéria de facto tem-se por definitivamente assente.

Eventual erro na aplicação do Direito a estes factos

Resta agora averiguar se a sentença recorrida efectuou uma correcta aplicação do Direito positivo a estes factos.

Desde já adiantamos resposta positiva.

A sentença começou por apreciar da violação pelo Banco ... (Banco ...) de deveres inerentes à sua actividade na aquisição de obrigações por parte da A.

Ora, da factualidade demonstrada, resulta que a autora, por sugestão da sua gestora de conta, funcionária do balcão do Banco ..., Braga, subscreveu a aplicação financeira emitida pela Y – Sociedade de Negócios, SGPS, SA, denominada Y 2006 - Obrigações Subordinadas ao Portador-, colocada para comercialização aos balcões daquela instituição bancária, fazendo um investimento de € 100.000,00 nesse produto.

Regista-se ainda que o Banco Banco ... (2) agiu na qualidade de intermediário financeiro (art. 293º,1 do Código dos Valores Mobiliários (CVM- Aprovado pelo D.L. n.º 486/99, de 13 de Novembro), devendo a sua intervenção ser qualificada como uma actividade de intermediação financeira.

Cita-se o art. 304º, n.º 2 do CVM, que “nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência”.

Por outro lado, o nº 1, do artigo 312º do mesmo código, prevê que o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, nomeadamente relativamente aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar - al. a) à data dos factos, a qual correspondente à actual al. e)-, devendo a extensão e a profundidade da informação ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente - nº 2.

Por seu turno, o art. 74º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, na redacção vigente à altura da aquisição do produto em causa (DL nº 298/92 de 31/12 antes da alteração introduzida pelo DL nº 1/2008 de 03/01) dispunha que nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.

O nº 1 do art. 7º do CVM, por sua vez, explica que a informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita.

O dever de informação persegue um objectivo de protecção dos investidores por visar o seu esclarecimento, concorrendo para um mercado mais transparente e eficiente, uma vez que contribui para uma aferição do risco e do fair value mais correcta (Cfr. Paulo Câmara, in Manuel dos Valores Mobiliários, Almedina, 2ª ed., p. 686).

Depois de estabelecer o quadro legal que subjaz à situação dos autos, a sentença considera que, no caso em apreço, a gestora de conta do balcão do Banco ..., Braga, convenceu o representante da sociedade autora a adquirir um produto financeiro, sublinhando a sua vantagem remuneratória face a um depósito a prazo e a possibilidade de resgate do capital investido a todo o tempo, não lhe tendo explicado as características da aplicação financeira e o risco envolvido na sua aquisição. Além disso, não entregou àquele qualquer informação sobre as características do produto que estava a adquirir, sendo que a A. não era propriamente um investidor qualificado, pelo que a obrigação de esclarecimento que impendia sobre o intermediário era mais acentuada.

Daqui retira o Tribunal recorrido a conclusão de que o Banco..., agindo na qualidade de intermediário financeiro, não cumpriu as exigências impostas pelos mencionados preceitos, violando as exigências de boa-fé e a confiança que a A., na qualidade de cliente, depositava na instituição bancária, tendo prestado informações que não eram verdadeiras ou omitido factos acerca da natureza do produto financeiro em causa e da garantia de reembolso do capital investido.

De seguida analisa-se a obrigação de indemnização dos intermediários financeiros, à luz do disposto no art. 314º CVM. E conclui-se que a obrigação de indemnizar por parte do Banco Réu – que assumiu as obrigações do Banco..., por força da aquisição da totalidade do seu capital e da fusão jurídica das duas entidades financeiras, como é facto notório (art. 412º, nº 1, do C.P.C) - resultaria, desde logo, da aplicação das regras gerais de direito civil, pois situando-se o dever de informação no domínio da responsabilidade pré-contratual, tal obrigação deriva do preceituado no art. 227º, nº 1 do Código Civil, conjugado com o disposto no art. 483º do mesmo diploma legal. Assim, a violação do dever de informação para com a A. por parte do Banco ... responsabiliza o Réu. A actuação do Banco ... gerou, assim, a obrigação de indemnizar o dano causado à A. – consubstanciado na privação da quantia dos € 100.000,00 investidos-, seja ao abrigo do disposto no artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil – norma que exige às partes que actuem de boa-fé na execução do contrato-, seja ao abrigo do artigo 227.º, n.º1, do mesmo diploma legal, reportado ao momento prévio à formação do contrato – norma legal que exige que as partes contratantes procedam segundo as regras da boa-fé.

De seguida, a sentença recorrida analisou os vários constituintes da obrigação de indemnização no caso concreto: a ilicitude, consiste na desconformidade entre o comportamento do intermediário financeiro relativamente ao dever de informação densificado nas diversas normas acima citadas. O nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado à autora (art. 563.º do Código Civil) deve ser analisado através da demonstração, que decorre claramente da matéria de facto, de que se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, a autora não teria investido naquela aplicação, já que o retorno seguro do capital consubstanciava condição que ela colocou para fazer esse investimento) e, também, no facto de ter incumprido a obrigação que assumiu de proceder ao reembolso do capital investido no fim do prazo contratual. A culpa consiste no juízo de censura que é possível fazer sobre o evento, sendo que se presume por aplicação do disposto quer no art. 314º, nº 2, do CVM, quer no art. 799º, nº 1 do Código Civil (no sentido da aplicação deste preceito à culpa in contrahendo, cfr. Menezes Leitão, ob. cit., pág. 357). A lesão do património da autora, enquanto bem jurídico protegido, traduz o dano.

A conclusão final foi a de que a inobservância dos deveres de informação pelo Banco ... na aquisição do produto financeiro em causa, torna o Réu – que assumiu os direitos e obrigações do Banco ... - responsável pelos prejuízos causados à autora, nos termos do art.º 314.º, n.º1 do CVM.

Aqui chegados, para fazermos o ponto da situação, podemos fazer nossas as palavras constantes do acórdão da TRE de 11/1/2018 (Relator - Tomé de Carvalho), que têm inteira aplicação, na resolução de um litígio em tudo semelhante a este:

Na hipótese judicanda a situação contratual em discussão reporta-se à responsabilidade civil decorrente de serviços de intermediação financeira prestados por uma instituição de crédito. De um lado, surge a instituição bancária a afirmar que deve prevalecer o princípio da autonomia contratual e que o resultado ocorrido não lhe pode ser assacado e que o mesmo se situa na esfera do risco negocial. Em contraponto, o particular sustenta que houve preterição de informação essencial que o induziu em erro e que, a ter tido conhecimento das características do produto bancário negociado, nunca teria aceite a proposta da instituição de crédito e que o prejuízo que lhe foi causado deve ser suportado pela sociedade Ré”.

O ora recorrente começa por afirmar que o Tribunal a quo condenou o Recorrente por considerar que o facto do gerente bancário do Réu ter dito ao Autor que a aplicação financeira tinha “garantia de capital e juros” no termo do prazo configura a prestação de uma informação falsa.

Ora, tal afirmação não consta da lista dos factos provados, pelo que tal argumento não merece mais apreciação.

De seguida, o recorrente passa algum tempo a tentar desmontar aquilo que lhe parece ser uma falácia em que o Tribunal teria incorrido, porque, afirma, este “parece considerar que a aplicação financeira era afinal um “produto de risco”, pelo facto do Autor não ter recebido o capital investido no final do prazo”. Ora, afirma a recorrente, esse raciocínio confunde a causa com a consequência. Não é porque um investimento se possa vir a revelar ruinoso, que o mesmo pode ser classificado como investimento de risco.

E acaba por concluir que o investimento que a autora foi levada a efectuar era assim um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.

O que dizer ?

Lendo a fundamentação da sentença recorrida, o que se pode ver lá é apenas que, “no caso em análise, a gestora de conta do balcão do Banco ..., Braga, convenceu o representante da sociedade autora a adquirir um produto financeiro, sublinhando a sua vantagem remuneratória face a um depósito a prazo e a possibilidade de resgate do capital investido a todo o tempo, não lhe tendo explicado as características da aplicação financeira e o risco envolvido na sua aquisição. Além disso, não entregou àquele qualquer informação sobre as características do produto que estava a adquirir, sendo que a A. não era propriamente um investidor qualificado, pelo que a obrigação de esclarecimento que impendia sobre o intermediário era mais acentuada”.

Como se vê, até aqui não há qualquer qualificação do contrato proposto ao cliente com o rótulo de “produto de risco”.

Apenas há a constatação que o Banco... não cumpriu as exigências impostas por lei, violando as exigências de boa-fé e a confiança que a autora, na qualidade de cliente, depositava na instituição bancária, tendo prestado informações que não eram verdadeiras ou omitido factos acerca da natureza do produto financeiro em causa e da garantia de reembolso do capital investido.

E não vamos embarcar numa deriva formalista, buscando definições “científicas” do que é um “produto de risco” ou de “baixo risco”, ou de “alto risco”.

Para o que agora nos interessa, risco significa apenas a possibilidade de o cliente perder grande parte ou todo o capital que aplicou no produto. E aqui, pensamos que aquele raciocínio, fulminado pela recorrente de “falácia”, tem plena valia e aplicação. Ficou provado, e é incontroverso, que após a data de vencimento das obrigações subscritas, a autora pretendeu resgatar o montante dos € 100.000,00 aplicados, e o réu não lhe disponibilizou tal montante até à presente data”. Que é o mesmo que dizer, para todos os efeitos práticos, que o cliente perdeu o capital que investiu. Se o perdeu, é porque, quod erat demonstrandum, no “ADN” do referido produto, existia esse risco de perda total. E era justamente isso que o Banco, através dos seus funcionários, deveria ter transmitido com total lealdade à sua cliente, a autora. Esta última tinha os referidos € 100.000,00 “guardados” num depósito a prazo, e não, note-se, aplicados noutro produto do mesmo género do aqui em discussão. O que só por si já diz muito sobre o seu perfil de investidora. Daí que possamos ter a certeza que a autora queria seguramente saber se existia a possibilidade de as coisas correrem mal e perder todo o capital. Já vimos que foi, por parte do banco, deliberadamente induzida numa falsa sensação de segurança, que a levou a subscrever o produto, e, posteriormente, a perder todo o capital investido.

Daí que a sentença conclua, e bem, que “o Banco ..., agindo na qualidade de intermediário financeiro, violou de forma grave o dever de informação que tinha para com a A., sua cliente, sendo que esta, no final do prazo contratado, viu-se desapossada da quantia investida nas obrigações subordinadas Y 2006”.

Nota-se o esforço argumentativo da recorrente em tentar fazer passar a ideia que o investimento efectuado era um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”. Mas todo esse esforço soçobra fragorosamente perante o singelo e brutal facto do desaparecimento do capital. E isto porque, mais uma vez, o relevante não era apresentar ao cliente uma definição legal ou doutrinária sobre o conceito de produto de risco, era antes esclarecer o cliente do que poderia em abstracto correr mal com o produto, e quais as consequências. Essa informação, que assiste às instituições de crédito como algo de simples e banal, para o cliente médio é totalmente desconhecida, e logo tem de lhe ser transmitida pelo outro contraente ou pelo intermediário. Só assim o cliente poderia tomar uma decisão informada e esclarecida.

Donde não colhe toda a longa e douta argumentação da recorrente para nos convencer de que “não havia necessidade de que a advertência do risco da perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, porque não é inerente ao produto !”.

Basta ler a secção designada “Advertência aos investidores”, contida na nota informativa do produto em causa, logo na 2ª página, para perceber que existe risco de perda de capital. O mínimo dos mínimos, para cumprir a obrigação de informação que impendia sobre o Banco ..., seria informar o cliente que o que lhe estava a ser proposto era uma obrigação subordinada, se necessário explicando o que isso era, e explicando o que poderia suceder em caso de falência ou liquidação da emitente.

E se formos, por exemplo, ao site da DECO (www.deco.proteste.pt) pesquisar “obrigação subordinada”, encontramos de imediato esta referência: “as obrigações subordinadas são as reembolsadas em último lugar em caso de falência do emitente. Dessa forma, apresentam um risco acrescido e, por isso, oferecem normalmente uma remuneração ligeiramente superior. Só são recomendadas quando a solvabilidade dos emitentes é bastante elevada”.

E, note-se ainda, que na sentença recorrida não deixou de se fazer constar que “a crise do sistema financeiro iniciou-se em Agosto de 2007 e, por isso mesmo, à data da subscrição das obrigações financeiras Y 2006 pela A., já não se pode sustentar a sua imprevisibilidade ou mesmo a ignorância das suas consequências (Cfr. Luís Máximo dos Santos, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano I, nº 4, págs. 56 a 59; também no sentido de que a crise do sistema financeiro era previsível v. Eduardo Paz Ferreira, artigo publicado na mesma Revista, pág. 70 e ss.). Mas ainda que se pudesse invocar essa imprevisibilidade, tal facto não retira ou diminui a responsabilidade ao Banco ..., pois as obrigações do intermediário financeiro acima referidas, designadamente a obrigação de informação, já estão consagradas na lei desde data muito anterior ao início da mencionada crise. Nem se pode dizer que a insolvência de um Banco era coisa inédita em Portugal, porque em 1986 já tinha ocorrido a falência da Caixa ...”.

Falece pois esta linha de argumentação do recorrente.

Igualmente, o teor das conclusões 33 a 55 não nos traz qualquer demonstração de erro de julgamento cometido na sentença sub judice.

A interpretação que o recorrente entende que se deve fazer das afirmações do “funcionário do banco” é a sua interpretação. Não foi a do Tribunal recorrido, e não é a desta Relação.

A afirmação constante dos pontos nºs 39 e 40 diz-nos que “no início de 2008 ainda não tinha deflagrado a crise financeiro de Setembro de 2008 (com a falência do LB). Nessa altura não era vulgar o incumprimento das obrigações assumidas em títulos, ou a insolvência dos emitentes. Por isso, esse risco não era algo que o público em geral tivesse consciência e que se buscasse certificar ou fosse necessário elucidar”.

Admitimos como verdadeiro que no início de 2008 o público em geral não estivesse sensibilizado para os sinais da crise financeira global que se aproximava a passos largos. Mas eles estavam aí. Recorrendo à cronologia apresentada pelo Prof. João César das Neves (3), em fins de 2005 rebentou a bolha no mercado imobiliário americano; em fins de 2006 começou a crise do subprime; em 14 de Setembro de 2007 foi necessário apoiar o Northern Rock, o qual veio a ser nacionalizado em 22/2/2008; em 14 de Março de 2008, apoio ao Bear Stearns; etc.

Uma coisa é o público em geral, outra, muito diferente, são instituições financeiras que lançam produtos complexos para se financiarem. Destas, os clientes esperam um conhecimento atento da realidade financeira internacional. E recordemos que, tal como ficou provado, não foi a autora que se dirigiu ao Banco ... a pedir um produto financeiro que lhe desse maior rentabilidade para o seu dinheiro. Pelo contrário, o que se provou foi que a autora era cliente do Banco ..., agência de Braga, desde pelo menos o ano de 2003, onde constituiu uma conta à ordem através da qual movimentava dinheiro, efectuando pagamentos e realizando poupanças. Mais, provou-se que a autora estabeleceu uma relação de confiança com os funcionários daquela agência bancária, nomeadamente com a sua gestora de conta C. E.. E a autora, no dia 2 de Novembro de 2007, constituiu naquela agência um depósito a prazo com o valor de € 100.000,00, por 91 dias. E foi após esse facto que a autora foi contactada pela gestora de conta que lhe sugeriu a aplicação dos € 100.000,00 num produto financeiro mais rentável do que o depósito a prazo, em que o reembolso do capital investido poderia ocorrer em qualquer altura.

Neste cenário, que é o único provado, afirmar que “nessa altura não era vulgar o incumprimento das obrigações assumidas em títulos, ou a insolvência dos emitentes”, para daí concluir que “esse risco não era algo que o público em geral tivesse consciência e que se buscasse certificar ou fosse necessário elucidar”, é, salvo melhor opinião, um não argumento. Nem sequer é preciso -pensamos- repetir o que se escreve na sentença recorrida sobre o dever de informação a cargo da entidade bancária, para o perceber.

Bastava a existência do risco, teórico, por menor que ele fosse, para a entidade emitente, ou a intermediária financeira, ter a obrigação de o referir ao cliente. Até poderia ser aceitável, supomos, depois de indicar ao cliente a existência do risco, desvalorizá-lo e dizer que ele era reduzido, como faz agora a recorrente nas suas alegações. O que não podia nunca ter sido feito era a omissão pura e simples do mesmo.

Não é possível olhar para os factos provados e retirar daí que o Banco agiu sem culpa, ao contrário do que alega a recorrente.

Alega ainda a recorrente que não está provado que se tenha tornado total ou parcialmente impossível receber o montante investido pelo Autor nas Obrigações Y.

Aqui há que responder por duas vias. A primeira é que de facto, tal não está provado. Provado está apenas que após a data de vencimento das obrigações subscritas, a autora pretendeu resgatar o montante dos € 100.000,00 aplicados, mas o Réu não lhe disponibilizou tal montante até à presente data.
De qualquer forma, esta questão que o recorrente vem agora suscitar não foi nunca suscitada na primeira instância, não tendo sido referida na contestação apresentada.

Donde, essa questão não faz parte do objecto do processo, pois não foi incluída na petição inicial / contestação, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida.

É uma nova questão que o recorrente trouxe agora em sede de recurso.

Ora, por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido. Só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido.

Escreve a propósito Abrantes Geraldes (ob cit, fls. 109): “a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas”.
A única excepção a esta regra, como bem se compreende, são as questões de conhecimento oficioso, das quais o Tribunal tem a obrigação de conhecer, mesmo perante o silêncio das partes.
Não sendo uma situação de conhecimento oficioso, não pode o Tribunal superior apreciar uma questão nova, por pura ausência de objecto: em bom rigor, não existe decisão de que recorrer. É um caso de extinção do recurso por inexistência de objecto.

Assim, não iremos conhecer dessa questão.

O alegado nas conclusões 48 e 49 é, salvo melhor opinião, irrelevante. A sentença recorrida abordou e colocou a questão no quadro em que ela deve ser colocada, a da violação do dever de informação.

Quanto ao ponto 51, basta lembrar que ficou provado que a autora não teria efectuado a subscrição das obrigações Y 2006 caso tivesse sido advertida do risco da perda do capital investido (nº 9).

De seguida alega o recorrente que “ainda que se censure a conduta do Banco Réu (o que não se concede), essa censura nunca poderá ser reconduzível a um dolo ou a uma culpa grave. Terá havido portanto (e quando muito) uma indução do Autor em erro, sem que por parte do funcionário do Banco Réu houvesse intenção ou consciência de o fazer – trata-se portanto de uma indução negligente em erro. Uma tal conduta apenas pode ser reconduzível à mais leve das formas de negligência - a negligência inconsciente -, pois revela que o agente agiu por imprevidência, descuido, imperícia ou ineptidão, não chegando sequer a conceber a possibilidade do facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse da diligência devida”.

A esta argumentação responde a sentença recorrida, ao referir: “a propósito desta matéria, perfilha-se o entendimento explanado no Ac. do STJ de 17.03.2016 (Proc. n.º 70/13.1TBSEI.C1, in http://www.dgsi.pt): “Trata-se de uma modalidade de responsabilidade civil que se situa numa zona intermédia entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, e que aqui qualificamos como responsabilidade contratual, aplicando-se em consequência o regime do art. 799.º do CC. (…) A culpa na responsabilidade contratual presume-se, nos termos do art. 799.º do CC. Esta norma, segundo Menezes Cordeiro, contém uma dupla presunção de ilicitude e de culpa. «Perante a falta de cumprimento, presume-se que: o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir – ilicitude; o devedor incorre no correspondente juízo jurídico de censura – culpa”» (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 5.ª Edição revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2014, pp. 431-432). Na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente a «falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade» (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, ob. cit., p. 432). Assim, numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado. O responsabilizado só se liberará se lograr provar que, afinal, prestou a informação ou se beneficiou de alguma causa de justificação ou de escusa (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, ob. cit., p. 433). No domínio do direito bancário, a relação entre o Banco e o cliente é uma relação particular, em que as partes são levadas a confiar uma na outra. Sobretudo, o sujeito que se encontra na posição de cliente não profissional, e que não tem formação nem experiência na área financeira, baixa as suas defesas naturais por conferir à instituição bancária uma total competência para cuidar dos seus investimentos, depositando nela uma especial confiança, tornando-se, por isso, ainda mais vulnerável, sobretudo, se as primeiras aplicações produziram rendimentos e ele é assim induzido a confiar ainda mais no produto. Gera-se assim uma situação em que os envolvidos descuram a preocupação de obter informações, pelos seus próprios meios. Esta realidade humana deve ser tutelada pelo Direito e, por isso, se cria uma situação que dá azo a obrigações específicas de informar a cargo do Banco, fruto de responsabilidade obrigacional, no caso de inobservância. (…) O Banco assegurou ao cliente que o produto financeiro proposto era um instrumento de uma empresa do mesmo grupo, sem qualquer risco, com reembolso do capital e juros garantidos. A declaração do Banco, segundo a qual “estava assegurado o reembolso do capital e dos juros, não comportando qualquer risco”, interpretada à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais fixados no art. 236.º, n.º 1 do CC e que remetem para a percepção do declaratário médio ou normal, significa a assunção de um compromisso perante o cliente, segundo o qual o investimento não comportaria riscos para o capital investido e de garantia ao cliente do reembolso do capital, implicando assim uma assunção de responsabilidade. Neste sentido também se orientou o acórdão deste Supremo Tribunal, de 10-01-2013, (proc. n.º 89/10.4TVPRT.P1.S1), relatado pelo Conselheiro Tavares de Paiva, segundo o qual «(…) trata-se de um quadro negocial, a que seguramente não é alheio todo o relacionamento contratual de confiança existente entre a autora e o banco Réu desenvolvido ao longo dos anos e que num contexto negocial do tipo do que vem provado, à própria luz do art. 236 nº 1 do CPC, não pode deixar de ser interpretado como um compromisso contratual por parte do banco réu para com a autora traduzido precisamente naquele compromisso de garantir o reembolso do capital que foi aplicado na aquisição dos identificados activos financeiros.)» (…) A confiança do cliente, investidor não qualificado, nestas informações, deve ser protegida pela ordem jurídica, sob pena de se minar o valor colectivo da segurança jurídica. Neste caso, sendo o prestador das informações um Banco, a questão da responsabilidade coloca-se com mais acuidade. O dador aparece, perante o destinatário, portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações e que induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé, pois o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objectivamente possuem (Agostinho Cardoso Guedes, «A Responsabilidade do Banco por informações à luz do art. 485 do Código Civil», Revista de Direito e Economia, Ano XIV, 1988, pp. 138 e 139) (…). As modalidades de responsabilidade civil aqui em causa são a responsabilidade civil pré-contratual ou culpa in contrahendo (art. 227.º do CC), porque nos preliminares do contrato o Banco informou o autor que estava garantido o retorno, e a responsabilidade civil contratual porque o Banco violou o compromisso assumido no acordo feito com o cliente (garantia de restituição do capital e dos juros) e executou o contrato, violando os deveres de boa fé (art. 762.º do CC)”.

Donde, não tendo o réu logrado ilidir a presunção de culpa sobre ele lançada pelo art. 799º,1 CC, está assente que a conduta do Banco é culposa.

Assente a existência de culpa do Banco, já vimos que a sentença recorrida considerou que a conduta do mesmo teria de ser qualificada como gravemente culposa, tanto mais que a data da subscrição da aplicação financeira em causa já ocorreu depois do início da crise financeira e quando já seria possível às instituições financeiras anteverem as graves consequências que ocorreriam nos mercados com fortes repercussões nos produtos de risco.

Olhando para os factos provados, não podemos deixar de concordar. Em primeiro lugar, porque existia uma relação de confiança da autora para com a sua gestora de conta C. E.. Esta contactou a autora, e desde logo, induziu a mesma em erro, ao dizer-lhe que o reembolso do capital investido poderia ocorrer em qualquer altura, o que não corresponde à verdade, como resulta da nota técnica junta aos autos. E não podemos partir do princípio que a gestora de conta desconhecia o teor da mesma. Pelo contrário, a presunção, natural, é a de que conhecia todas as características do produto. O contrário teria de ser alegado e provado, o que não sucedeu. Por outro lado, na apresentação da aplicação financeira, a gestora de conta jamais se referiu à designação “obrigações subordinadas”, nem à Y como entidade emitente do produto financeiro, nem alertou a autora para qualquer risco quanto à possibilidade de perda do capital investido. Mais, a gestora de conta não leu, explicou ou entregou à autora qualquer documento que contivesse informações sobre a natureza e as características do produto financeiro subscrito, nomeadamente qualquer contrato, nota informativa ou prospecto, nem entregou qualquer documento que titulasse a subscrição efectuada.

Perante esta descrição, em que avulta não só a omissão de dados essenciais do produto proposto para que a autora pudesse fazer um juízo esclarecido sobre se queria correr o risco de o subscrever, como até a prestação de informação falsa sobre o mesmo, não podemos deixar de concluir pela existência de culpa grave. O Banco ... tinha obrigação de ter conhecimento detalhado sobre o produto, e tinha igualmente a obrigação de o transmitir aos clientes a quem tentasse aliciar para a subscrição do mesmo. O desvio a este comportamento, nos termos descritos supra, no mínimo, tem de ser visto como decorrendo de culpa grave.

É o que igualmente resulta do referido Acórdão do STJ de 17.03.2016, onde se lê no sumário que “Actua com culpa grave, para o efeito de não aplicabilidade do prazo de prescrição de dois anos, o Banco que recorre a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que este nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido.”.

Refere-se de seguida o recorrente à questão da prescrição.

A sentença recorrida ponderou o seguinte: “dispõe o artigo 324º, nº 2 do CVM, aplicável ao caso (uma vez que se concluiu que o Banco ... agiu como intermediário financeiro), que o direito prescreve no prazo de dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos. E o Banco Réu entende que o prazo deve ser contado desde a data da celebração do negócio, até porque a partir daí a Autora recebeu por correio, não só o aviso de débito correspondente à subscrição efectuada, bem como o aviso de crédito a cada seis meses relativo aos juros -o que não ficou demonstrado- e os vários extractos periódicos onde lhe aparecia essa obrigação como integrando a sua carteira de títulos, tendo-lhe sido creditados em conta os juros relativos aos cupões da obrigação, o que originava o competente registo no seu extracto e até a emissão de avisos de lançamento que lhe eram enviados, tudo sem que alguma vez tivesse reclamado.

Sucede, porém, que tal prazo não se aplica aos casos em que o intermediário actuou com dolo ou culpa grave, conforme decorre da norma indicada, e, por outro lado, parece-nos que a interpretação de tal preceito não pode ser assim tão linear.

Com efeito, desde logo, há a considerar também as normas do Código Civil que estabelecem os princípios gerais do instituto jurídico em análise e nomeadamente o disposto no art. 306º nº 1 do Código Civil, segundo o qual o prazo da prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido.

No caso em análise, apesar da A. ter conhecimento do produto que adquiriu em finais de 2007 (através da “comunicação de cliente”, bem como da recepção dos extractos periódicos aludidos no ponto 12), o certo é que o Réu não provou, como lhe competia, que nessa altura o Banco ... a tenha informado das reais características da aplicação financeira. Acresce que só no dia 09 de Maio de 2016 terminou o período de emissão, permitindo à subscritora reclamar o capital investido. Com efeito, as Obrigações Subordinadas Y 2006 eram emitidas por um prazo de 10 anos, não sendo permitido o reembolso antecipado da emissão por iniciativa dos obrigacionistas.

Assim, se não era permitido à A. pedir o reembolso do capital antes de 09 de Maio de 2016, como é que ela poderia saber antes dessa data que a quantia investida não lhe iria ser reembolsada?

Deste modo e não obstante o conhecimento em 2007 de que o produto adquirido não era um depósito a prazo mas sim uma obrigação, nada resulta provado no sentido de que nessa altura o Banco ... tenha explicado à A. todas as características do produto. Por outro lado, o facto de não poder reclamar o reembolso da quantia investida antes de 09 de Maio de 2016 faz com que, antes dessa data, não pudesse exercer o seu direito a esse reembolso e, consequentemente, o prazo da prescrição de tal direito só começou a correr a partir desse momento – 09 de Maio de 2016.

Pelas razões expostas, afigura-se que o prazo prescricional de dois anos ocorreria apenas no dia 09 de Maio de 2018, ou seja, depois da propositura da presente acção”.

Esta argumentação do Tribunal recorrido é correcta e não é em nada rebatida pelo recorrente, o qual se limita a referir que em seu entendimento não existe culpa grave por parte do Banco.

Mas a sentença recorrida diz mais, chamando a atenção para o disposto no art. 324º,2 CVM: “salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos”.

Daqui resulta, em primeiro lugar, que nos casos de dolo ou culpa grave o prazo prescricional não é o de 2 anos previsto nesse mesmo artigo. Deve entender-se, como aliás refere a sentença recorrida, que, afastada que esteja a norma especial, é de aplicar a norma geral, sendo pois o prazo de prescrição o de 20 anos (art. 309º CC).

A sentença recorrida explica devidamente o porquê de ter chegado a esta solução, pelo que nesta matéria, damos aqui por reproduzida a respectiva argumentação, com total concordância.

Assim, não há qualquer erro na aplicação do Direito feita pelo Tribunal recorrido.

Alega finalmente o recorrente que “estribar na violação do dever de informação uma qualquer indemnização devida pelo recorrente é solução injusta e que repugna qualquer espírito são, sobretudo quando é certo que o Autor, por sua livre e própria iniciativa deu “carta branca” ao funcionário do Réu - seu amigo de longa data, e que havia já sido seu gestor noutro Banco - para efectuar os investimentos que bem entendesse, assim renunciando àquele seu direito à informação e à condução do seu investimento!”. Esta alegação, supomos, deve ser resultado de mero lapso, pois faz referências factuais que não são, ao que tudo indica, as destes autos.

E as referências feitas nas conclusões seguintes (63 e seguintes), salvo melhor opinião, não têm qualquer fundamento ou pertinência, pelo que não iremos perder tempo com as mesmas.

Para terminar, vamos apenas deixar claro que o que foi decidido pela primeira instância, e por nós agora confirmado, corresponde à jurisprudência claramente maioritária dos nossos Tribunais superiores, como os seguintes excertos demonstram.

Acórdão do TRL de 22/2/2018 (António Santos)

Provando-se que o Banco sugeriu ao autor a aplicação de 100.000,00€ na aquisição de OBRIGAÇÕES Y, informando-lhe que de uma aplicação se tratava que era segura , com as características de um depósito a prazo, e com risco exclusivamente Banco, incorreu o referido Banco em inobservância do dever de informação do cliente. A violação do dever de informação indicado em 5.2., porque da responsabilidade de intermediário financeiro, é fonte de obrigação de indemnização dos danos causados ao cliente/investidor em consequência da referida violação. Actua com culpa grave, para o efeito de não aplicabilidade do prazo de prescrição de dois anos, o Banco que mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação pertinente, faz com que um cliente dê a sua anuência em investir em determinado instrumento mobiliário que dificilmente subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do mesmo.

Acórdão do TRE de 22/3/2018 (Paulo Amaral)

Viola o dever de informação e constitui-o em responsabilidade contratual, a conduta de um Banco que, na comercialização de produtos financeiros, presta aos seus clientes informação errónea, afirmando que garantia o capital investido e que o restituiria logo que solicitado, assim levando-os a subscrever aqueles produtos.

Acórdão do TRE de 11/1/2018 (Tomé de Carvalho)

Toda e qualquer solução não pode partir de uma concepção apriorística e a procedência da responsabilidade do intermediário financeiro depende basicamente do contexto negocial encetado e da relação de proximidade existente entre os sujeitos negociais contratantes, tudo analisado à luz dos elementos constitutivos da responsabilidade contratual, da boa-fé negocial e do quadro factual apurado. Os intermediários financeiros podem ser obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitante ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública. Os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência e desses parâmetros de actuação resulta que é indiscutível que a qualidade da informação deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita. Estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade contratual se se demonstrar que, sem a violação do dever de informação, o investidor não celebraria qualquer negócio - ou celebraria um acordo diferente daquele rubricou -, que aquele negócio produziu um dano e que tal violação foi causa adequada do prejuízo.

Acórdão do TRE de 21/12/2017 (Maria da Conceição Ferreira)

Tendo o banco prestado aos clientes informação não verdadeira relativa à garantia de reembolso por si do capital investido por aqueles, é o banco condenado a pagar-lhes a quantia que investiram em obrigações. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública. Ora, considerando que o banco prestou aos clientes informação não verdadeira relativa à garantia de reembolso por si do capital investido por aqueles, esta conduta do réu viola as exigências da boa-fé e da lealdade, dado que essa informação teve um peso significativo na decisão dos clientes de subscrever o produto financeiro cujo reembolso pensava estar garantido. Nestes termos, condena-se o banco a pagar aos clientes a quantia que investiram em obrigações financeiras, acrescida dos juros de mora à taxa legal, calculados sobre aquela quantia.

Acórdão do TRL de 21/6/2018 (António Manuel Fernandes dos Santos)

Provando-se que o Banco sugeriu ao autor a aplicação de 50.000,00€ na aquisição de OBRIGAÇÕES Y 2006, informando-lhe que de produto financeiro se tratava que era equivalente a um depósito a prazo, tendo as mesmas garantias e segurança, e cujo capital estava garantido, incorreu o referido Banco em inobservância do dever de informação do cliente. O incumprimento do dever de informação indicado em 5.1., porque da responsabilidade do Banco e enquanto intermediário financeiro, é fonte de obrigação de indemnização dos danos causados ao cliente/investidor em consequência da violação da obrigação de informação. Actua com culpa grave, para o efeito de não aplicabilidade do prazo de prescrição de dois anos, o Banco e intermediário financeiro que mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação pertinente, faz com que um cliente dê a sua anuência em investir em determinado instrumento mobiliário que dificilmente subscreveria se tivesse conhecimento de todas as “verdadeiras” características do mesmo.

Acórdão do TRE de 8/3/2018 (Mário Coelho)

A conduta de um Banco que, na comercialização de produtos financeiros, presta aos seus clientes informação errónea, afirmando que garantia o capital investido e que o restituiria logo que solicitado, assim levando-os a subscrever aqueles produtos, viola os ditames da boa-fé a que se encontra sujeito, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. Tal conduta constitui o Banco em responsabilidade contratual, por violação do dever de informação.

Acórdão do TRG de 27/4/2018 (Alexandra Rolim Mendes)

O intermediário financeiro nas relações com o cliente tem de agir de acordo com padrões de diligência, lealdade e transparência superiores aos de um homem médio, o que se compreende atenta a progressiva complexidade dos produtos financeiros e a necessidade de protecção dos clientes que na maioria das vezes são a parte menos experiente na contratação. No caso em apreço, tendo o funcionário do Banco convencido o pai da Autora que actuava em representação desta, a adquirir um produto financeiro, convencendo-o de que era seguro, que o capital estava garantido, não lhe explicando as características do produto e o risco envolvido na sua aquisição e não lhe entregando qualquer informação sobre as características do papel comercial que estava a adquirir, sendo o pai da A. um investidor não qualificado, pelo que a obrigação de esclarecimento que impendia sobre o intermediário era mais acentuada, conclui-se que o Banco não cumpriu as exigências impostas pela lei e nomeadamente pelo CVM, violando as exigências de boa-fé e a confiança que o cliente depositava na instituição bancária, tendo prestado informação que não era verdadeira acerca da garantia de reembolso do capital investido. A conduta do Banco violou de forma grave o dever de informação, ficando pois excluída da aplicação do prazo curto de prescrição previsto no art. 324º, nº 2 do Código dos Valores Mobiliários, e sujeita ao prazo ordinário de 20 anos.

A violação do dever de informação situa-se no âmbito da responsabilidade pré-contratual, não obstando a este entendimento o facto de o contrato se ter realizado e constitui o Banco na obrigação de indemnizar caso estejam verificados os pressupostos gerais dessa obrigação.

Acórdão do TRL de 11/10/2018 (Eduardo Petersen)

Provando-se que um Banco induziu cliente com perfil conservador e que não tinha intenção de adquirir Obrigações Subordinadas Y mas um depósito a prazo, à aquisição duma dessas obrigações, garantindo que o capital podia eventualmente ser resgatado por iniciativa do cliente ao fim de cinco anos, quando tal resgate por iniciativa do cliente não estava previsto e só podia ser pedido ao fim de 10 anos, e afirmando-lhe ainda que o reembolso do capital era garantido a 100%, não explicando o que eram obrigações subordinadas, não constando de qualquer documento entregue ao cliente uma definição mínima da consequência de subscrição de uma obrigação subordinada, incorreu o referido Banco em inobservância do dever de informação do cliente. Tal violação, da responsabilidade de intermediário financeiro, constitui este na obrigação de indemnizar os consequentes danos causados. A conduta supra descrita integra culpa grave, pelo que não se aplica o prazo de prescrição de dois anos.

Assim, em conclusão final, a sentença recorrida mostra-se correctamente elaborada, pelo que o recurso não merece provimento.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando na íntegra a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 14/2/2019

Relator ­ (Afonso Cabral de Andrade)

1º Adjunto (Alcides Rodrigues)
2º Adjunto ­ (Joaquim Boavida)

1. Conselheiro Abrantes Geraldes, ob cit, fls. 286.
2. De acordo com o art.º 800°, nº1, do Código Civil, “O devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais factos fossem praticados pelo próprio devedor”. Assim sendo, a actuação da gestora de conta do Banco .... vinculou esta instituição bancária nos seus precisos termos, responsabilizandoo pelo inerente cumprimento.
3. As 10 questões da crise, 2ª edição, D. Quixote, fls. 94 e ss.