Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
235/15.1T8VCT.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
ACÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO
JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: É competente, em razão da matéria, o tribunal comum (e não o administrativo) para conhecer de acção declarativa de simples apreciação negativa tendo por objecto a impugnação de escritura de justificação notarial em que a ré justificante declarou ter-lhe sido transmitido o direito concessionado sobre sepultura perpétua de um cemitério por sucessão mortis causa e por doação, não tituladas, e adquirido por usucapião.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

Em escritura pública de justificação notarial outorgada no dia 28-10-2014, celebrada num Cartório de Viana de Castelo, a aqui ré e apelada AA, “declarou que é dona e legítima possuidora, com exclusão de outrem, do seguinte bem: Sepultura Perpétua nº …, no Cemitério Paroquial de Barroselas (…) detentora do Alvará de Concessão número quarenta e seis (…) titulado em nome de herdeiros de Josefa da Conceição Gomes de Miranda”, declaração esta a que se segue, no texto da escritura, o seguinte: “…ainda que consigno eu Notária, nos termos do direito público, aplicável, detendo apenas um direito real administrativo de gozo, ocupação ou utilização privativa e, assim, a título necessariamente resolúvel e resgatável, como direito real limitado que é”.

E ali continuou a justificante a declarar: “Que por óbito de sua avó materna, Josefa …, ocorrido em 06-07-1971, os seus pais (…), a sua tia materna (…) e seus tios (…) procederam à partilha verbal não formalizada, por volta do ano de 1991 (…), a acima identificada sepultura foi adquirida por sua mãe Maria …. Que, no ano de 1992 (…), os seus pais Maria … e marido (…) doaram à ora justificante AA (…), a indicada sepultura, sem que, no entanto, ficasse a dispor de título formal que lhe permita o respectivo averbamento em seu nome. Que nesta sepultura foram sepultados os restos mortais de seus avós Boaventura (…) e Josefa … (…), dos seus pais (…) e de seu marido António …, falecido em 22-09-2004. Que efectivamente sempre zelou, cumprindo com todos os regulamentos do cemitério, mantendo-a limpa e asseada, visitando-a em homenagem de saudade pelos que partiram e jamais abandonando esta Sepultura Perpétua, na qualidade de sua legítima dona, com a convicção de exercer um direito próprio, pagando as respectivas quotas, taxas e multas; Que estas declarações que presta para todos os efeitos legais, designadamente para averbamento em seu nome, na Junta de Freguesia (…), da transmissão e sua concessão, atentas as características da invocada posse e o espírito que presidiu à sua manutenção que, se não origina um verdadeiro direito de propriedade por usucapião, dado o tipo de bem em causa, como acima referido, origina ou mantém a aquisição e consequente transmissão de um direito limitado, permitindo o gozo da Sepultura Perpétua, continuação do regime de concessão, enquanto a ora justificante não o abandonar.” No texto da escritura não se distinguem, com nitidez, as declarações prestadas pela própria justificante das ali entendidas verter pela Notária. Aqui, como noutros passos adiante, os sublinhados são de nossa iniciativa.

Publicitado tal acto, veio a interessada autora BB, em 16-01-2015, deduzir, no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, contra a dita justificante ré, esta acção declarativa de simples apreciação negativa.

Nela alegou, em suma, que não são verdadeiras as declarações por esta prestadas na escritura, nunca houve partilha alguma, o bem permanece como património comum da herança de Josefa … titulada pelos herdeiros, todos descendentes, logo nenhuma doação poderia ter feito a mãe da justificante. A sepultura dos restos mortais de seus pais e, depois, de seu marido foi feita mediante autorização solicitada aos restantes herdeiros e por estes dada e, neste último caso, a título precário. No mais impugnou, por incorrectos ou inverdadeiros, os actos de alegada posse. Concluiu, pois, que não assiste à ré o direito a que esta se arroga.

Pediu, em consequência, que, julgando-se procedente a acção, se:

a) Declare impugnado, para todos os legais efeitos, o facto justificado na escritura de 28-10-2014 (…) referente à invocada aquisição e transmissão por usucapião de um direito limitado de gozo da Sepultura Perpétua identificada em epígrafe;
b) Declare ineficaz e de nenhum efeito a dita escritura de justificação, de modo a evitar que a ré, através daquele instrumento, averbe quaisquer direitos sobre a indicada Sepultura Perpétua;
c) Declare que não assiste à ré o direito invocado na dita escritura;
d) Ordene o cancelamento de quaisquer registos, ou simples averbamentos operados com base na escritura aqui impugnada. Este pedido e a respectiva causa de pedir, face à particular natureza da acção – declarativa de simples apreciação negativa – e do respectivo objecto definido por aqueles elementos revestem-se, apesar da dificuldade em defini-los, de especial importância, por ser em função deles que, como se dirá adiante, deve discernir-se a competência material aqui questionada.

A ré, contestando, impugnou a factualidade alegada pela autora em contrário da por si declarada na escritura de justificação, reafirmou os actos nesta exarados – sucessão mortis causa e doação –, esclareceu que, através dela, pretendeu justificar ser detentora de um direito real administrativo de gozo, ocupação ou utilização privativa da sepultura (transmissível) mediante a invocação da usucapião, asseverou terem sido praticados e estarem verificados os declarados actos alusivos ao corpus e ao animus da posse e, assim, preenchidos os requisitos da aquisição do “uso e fruição” do pretendido direito concessionado, de tudo concluindo que deve a acção ser julgada improcedente e, por isso, absolvida do pedido.

Após, foi proferido despacho saneador, nele o tribunal tendo oficiosamente, ao conhecer da respectiva excepção dilatória, declarado a sua incompetência absoluta em razão da matéria e absolvido a ré da instância, por entender, em suma, aqui se destacando os passos que julgamos mais significativos do percurso decisório empreendido, o seguinte:

“Para além das relações jurídicas stricto sensu, constituídas entre particulares e a administração, e que conferem aos particulares direitos subjetivos determinados, com as correspetivas obrigações do lado da administração pública, os particulares ocupam em consequência da atividade administrativa exercida em cumprimento da prossecução do interesse público – artigo 266º da Constituição da República Portuguesa – determinadas posições jurídicas subjetivas, que lhes conferem, direitos ou interesses legalmente protegidos, tutelados pela Constituição – artigo 268º, nº. 4, da Constituição da República Portuguesa – e pela legislação administrativa, nomeadamente através dos meios judiciais específicos da jurisdição administrativa. A apreciação da existência, e do âmbito desses direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos, depende exclusivamente da apreciação das normas de direito administrativo que os atribuem.”
[…]
“Conforme já foi referido, a autora pede que se declare impugnado o facto justificado na escritura de 28 de outubro de 2014, identificada no artigo 1º da petição inicial, referente à invocada aquisição transmissão por usucapião de um direito limitado de gozo da sepultura aí identificada; declarar ineficaz e de nenhum efeito a dita escritura de justificação, de modo a evitar que a ré, através daquele instrumento, averbe quaisquer direitos sobre a indicada sepultura perpétua; declare que não assiste à ré o direito invocado na dita escritura, ordene o cancelamento de quaisquer registos, ou simples averbamentos operados com base na escritura impugnada.”
[…]
“Assim os poderes de fruição, utilização e disposição conferidos aos concessionários de sepulturas perpétuas (em campas ou jazigos) nos cemitérios paroquiais e que têm na sua génese um contrato exclusivamente administrativo (concessão de uso privativo de domínio público) titulada por alvará a emitir pelo Presidente da Junta de Freguesia e após deliberação prévia deste órgão e o pagamento da correspondente taxa, integra a categoria de um direito real administrativo, insuscetível de o fazer entrar no domínio privado e como tal constituir objeto de posse ou de um direito propriedade, por funcionamento das regras de usucapião.
O seu conteúdo e o seu regime inserem-se, pois, e em exclusivo, na esfera própria do direito público já que cemitério e sepultura em qualquer das modalidades que esta possa revestir, constituem sempre uma unidade de objeto ou de fim, formando um conjunto harmónico, cujos elementos não podem existir dissociados ou separados.
A concessão pelas autarquias locais de terrenos nos cemitérios sob sua administração para jazigos e sepulturas perpétuas traduz-se em concessão do direito ao uso privativo de um bem sob domínio público, consubstanciando um contrato administrativo, sendo competente para conhecer de ação que verse esse contrato administrativo o Tribunal Administrativo de Círculo.
Assim sendo, os pedidos formulados pela autora na petição inicial não envolve a apreciação de questões de direito privado, designadamente no domínio da posse e propriedade, mas sim a apreciação de questões de direito público, relacionadas com um contrato administrativo e saber se ao mesmo é, ou não usucapivel.”

A autora não se conformou e interpôs recurso para esta Relação, concluindo assim as suas alegações:

“1- O despacho saneador recorrido, proferido em 17 de Junho de 2015, que declara o Tribunal Judicial de Viana do Castelo – enquanto tribunal comum - incompetente em razão da matéria, aponta como competente o Tribunal Administrativo e absolve a Ré da instância, padece de vários erros e ilegalidades,
2- Pois nem o pedido formulado pela Recorrente, nem a causa de pedir invocada, constituem terreno do direito administrativo. Vejamos,
3- A Recorrente intentou a presente acção pedindo: a) que se declare impugnado “o facto justificado na escritura de 28 de Outubro de 2014”, na qual a recorrida invoca a aquisição e transmissão por usucapião do direito limitado de gozo da sepultura perpétua número seiscentos e dezasseis; b) que se “declare ineficaz e de nenhum efeito a dita escritura de justificação, de modo a evitar que a Ré, através daquele instrumento, averbe quaisquer direitos sobre a indicada Sepultura Perpétua”; c) que se “declare que não assiste à Ré [ora recorrida] o direito invocado na dita escritura; e, por fim, d) que se “ordene o cancelamento de quaisquer registos, ou simples averbamentos operados com base na escritura aqui impugnada”.
4- Para fundamentar os pedidos formulados, a Recorrente alegou, em síntese, ter tomado conhecimento que na edição de 18 de Dezembro de 2014 do jornal “Notícias de Viana” n.º 1684, foi dada publicidade a uma escritura de justificação outorgada pela recorrida no Cartório Notarial de Viana do Castelo, segundo a qual a recorrida declara ser dona e legitima proprietária, com exclusão de outrem da “sepultura perpétua número seiscentos e dezasseis, no Cemitério Paroquial de Barroselas (…) detentora da concessão número quarenta e seis (…) titulada em nome de herdeiros de Josefa …”.
5- Alegou ainda a Recorrente que as declarações prestadas pela recorrida não têm correspondência com a verdade, pois a sepultura em causa nunca foi objecto de partilha, nem aquisição por qualquer dos herdeiros da falecida Josefa …, pelo que permanece em comum no acervo hereditário, não podendo, consequentemente, ter sido doada à recorrida/justificante.
6- Tal objecto situa-se, claramente e salvo mais douto entendimento, no domínio do direito privado, pois visa a resolução de um litígio entre particulares titulares de posições jurídico administrativas – direito de concessão e ocupação de sepultura perpétua – que lhes (tanto à recorrente, como à recorrida) foram transmitidas por morte dos seus anteriores titulares (in casu, a avó Josefa … e suas filhas).
7- Trata-se, no fundo, da discussão entre dois particulares, ambos despidos de qualquer poder público, da questão de saber se estão ou não reunidos os pressupostos para a procedência da figura da usucapião – inequivocamente, um instituto do direito privado.
8- Note-se, aliás, que em momento algum nem a Recorrente, nem a recorrida, colocam em causa a existência do direito de concessão e ocupação de sepultura perpétua: o que se discute - como resulta até da contestação apresentada pela recorrida - é se estão ou não preenchidos os pressupostos de que depende a procedência da suscitada usucapião.
9- Por isso é que entendemos, modestamente, que o Tribunal a quo errou, pois, partindo de considerações absolutamente fundamentadas e rigorosas acerca do enquadramento constitucional e infra constitucional (vide artigos 212º, 266º, 268º da Constituição da República Portuguesa CRP - e artigo 3º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - ETAF) e das questões abstractamente subsumíveis aos tribunais administrativos, chega a conclusões que, modestamente, entendemos incorrectas.
De facto,
10- E por um lado, é reconhecido pela generalidade da doutrina e da jurisprudência que a questão da competência dos Tribunais em razão da matéria se determina “pelo conteúdo da lide”, o que corresponde a afirmar que “a competência dos tribunais é normalmente aferida em função dos termos em que a acção é proposta, ou seja, tendo em conta o pedido e a causa de pedir tal como se encontram formulados pelo Autor”.
11- Por outro lado, é também assumido que a Constituição prevê, no seu art. 209º, a existência de várias categorias de tribunais, aí se incluindo, os chamados tribunais judiciais e os tribunais administrativos e fiscais.
12- Quer isto dizer que se o art. 211º, n.º 1 da CRP estabelece que “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais” – a que corresponde o art. 64º do CPC e o art. 40º, n.º 1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário -,
13- O art. 212º, n.º 3 da CRP consagra que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” - princípio a que corresponde o art. 1º, n.º 1 do ETAF: “os tribunais de jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
14- A este propósito, ensina a doutrina, digamos, maioritária que a “relação jurídica de direito administrativo” “é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres aos particulares perante a administração “ – Freitas do Amaral in “Direito Administrativo” -, enquanto a jurisprudência mais firme assegura que “a Relação jurídico administrativa é aquela em que pelo menos um dos sujeitos é a Administração, estando em causa um litígio regulado por normas de direito administrativo” – in acórdão do STJ de 8.05.2007;
15- Aliás, várias são as decisões dos tribunais superiores que, embora reconhecendo ser “entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que os cemitérios públicos são bens dominiais, possuídos e administrados pelas autarquias, afectos a um fim de utilidade pública” e disponibilizados aos particulares “através da celebração de contratos de concessão”, acabam por concluir que, naquela situação concreta [atendendo à forma como a acção é delineada pelo seu autor], “não está em causa qualquer litígio emergente de relações jurídicas administrativas” – vide acs. RP de 23.04.2013, ou da RE de12.01.2012.
16- De facto, ao contrário do que se pode ler no 1º parágrafo da 3ª página do despacho saneador recorrido, a Recorrente não visa apreciar a existência, nem o âmbito do direito subjectivo ou interesse legalmente protegido traduzido na concessão da sepultura perpétua.
17- O que a Recorrente pretende ver esclarecido é se a Ré, reuniu as condições necessárias para poder invocar a usucapião do uso exclusivo daquela sepultura, notando, porém, que o instituto jurídico da “usucapião” é um instituto de direito privado, convocado por particulares com base na posse.
18- Portanto, dúvidas não subsistem que a pretensão deduzida pela recorrente contra a recorrida (ambas particulares isentas de qualquer poder público) e que consiste em saber se o recurso à figura de direito privado (no caso, a usucapião) foi legítimo / legal e os seus efeitos válidos, não é jurídico-administrativa, mas própria de direito privado;
19- As questões que foram colocadas ao Tribunal a quo pela Recorrente não se prendem nem com a prática de qualquer acto administrativo ou de interpretação, validade e execução de contrato de natureza administrativa, nem com a apreciação da legalidade de normas ou de actos materialmente administrativos ou emanados de pessoas colectivas de direito público;
20- Não se trata, salvo o devido respeito, de qualquer questão enquadrável no conceito de “relação jurídica administrativa” previsto no art. 1º do ETAF que, tendo base constitucional, integra enumeração específica no art. 4º do mesmo ETAF – cujas alíneas se hão-de considerar, sempre e como ensina o mestre Vieira de Andrade (in “Justiça Administrativa”), delimitadas em função da cláusula geral do n.º 1 do art. 1º do ETAF, i. é, “só cabe aos tribunais administrativos no âmbito das relações jurídicas de direito administrativo”.
21- Os pedidos formulados pela Recorrente, reconduzem-se somente à apreciação de questão tipicamente de direito privado, como é o domínio da posse, razão pela qual entendemos que o tribunal judicial (concretamente, o da Comarca de Viana do Castelo) é o tribunal competente em razão da matéria.
22- A Mmª Juiz a quo, no despacho recorrido, não obstante a síntese que faz do pedido da Recorrente e dos seus fundamentos, entende que a relação jurídica subjacente à lide é uma relação jurídica administrativa, interpretação que é, salvo o devido respeito, inaceitável porque contrária à lei, à doutrina e à jurisprudência mais firme.
23- Em nosso entendimento, o Tribunal a quo ao repudiar a competência do tribunal judicial e optar pela do tribunal administrativo, parte da ideia errada de que o que se discute na acção é o título de concessão do uso privativo da sepultura perpétua, quando na verdade o objecto desta lide é, simplesmente, a escritura invocando usucapião realizada pela recorrida!
24- Pelo exposto, ao decidir como decidiu o Tribunal a quo denegou justiça à Autora e violou, nomeadamente, o disposto nos artigos 2º, 64º do CPC, os artigos 1º e do ETAF, o artigo 40º da LOSJ e o artigo 211º da CRP.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., revogando V. Exas. a decisão recorrida e substituindo-a por outra que ordene os ulteriores termos do processo no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, farão sã, serena e objectiva JUSTIÇA.”

Nas contra-alegações, a ré justificante, concluiu da seguinte maneira:

“1- Os pedidos formulados pela autora na petição inicial não envolvem a apreciação de questões de direito privado, designadamente no domínio da posse e propriedade, mas sim a apreciação de questões de direito público, relacionadas com um contrato administrativo e saber se o mesmo é, ou não, usucapível.
2- Os tribunais comuns são materialmente incompetentes para apreciar os litígios emergentes de um contrato sujeito ao regime substantivo dos contratos administrativos (Parte III do CCP) – art. 3.1.b do CCP e art .4.1.f do ETAF.
3- A concessão pelas autarquias locais de terrenos nos cemitérios sob sua administração para jazigos e sepulturas perpétuas traduz-se em concessão do direito ao uso privativo de um bem sob domínio público, consubstanciando um contrato administrativo, sendo competente para conhecer de ação que verse esse contrato administrativo o Tribunal Administrativo de Círculo;
4- Verifica-se assim a exceção dilatória de incompetência material implicando a absolvição da ré da instância – artigo 99º, nº. 1, 278º, nº. 1, alínea a) e 577º, alínea a), todos do Código de Processo Civil.
Termos em que, e por tudo o exposto, e com o douto suprimento de V. Ex.ª o presente recurso deve ser julgado improcedente, por não provado e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida com todos efeitos legais.”

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

É pelas conclusões que, sem prejuízo dos poderes oficiosos, se fixa o thema decidendum e se definem os limites cognitivos deste tribunal – como era e continua a ser de lei e pacificamente entendido na jurisprudência (artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC).

Neste caso, a questão consiste em saber se é competente, em razão da matéria, o tribunal comum (ou o administrativo) para conhecer de acção declarativa de simples apreciação negativa tendo por objecto a impugnação de escritura de justificação notarial em que a ré justificante declarou ter-lhe sido transmitido o direito concessionado sobre sepultura perpétua de um cemitério por sucessão mortis causa e por doação, não tituladas, e adquirido por usucapião.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Releva a factualidade já descrita no relato antecedente, que emerge dos autos.

IV. APRECIAÇÃO/SUBSUNÇÃO JURÍDICA

1.A Constituição da República Portuguesa (CRP), em matéria de tribunais – enquanto órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo – e sua organização fundamental, prevê, entre outras categorias, a dos tribunais judiciais e a dos tribunais administrativos e fiscais – artº 209º, nº 1, alíneas a) e b).

Estabelece o n.º 3, do seu art.º 212.º, que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.

E, por sua vez, o nº 1, do artº 211º, que “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal que exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais” – princípio da competência jurisdicional residual.

Tal como decorre do nº 1, do artº 40º, da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto – Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) –, este princípio encontra-se também vertido no artº 64º, do Código de Processo Civil (CPC): “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”, remetendo o artigo seguinte (65º) para as leis de organização judiciária a determinação das causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais.

De acordo com o artº 38º, da LOSJ, e do artº 5º, da Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro – Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) –, a competência fixa-se no momento em que a acção se propõe.

Por isso, à luz do citado princípio, a questão da competência reconduz-se sempre à de indagar se a lei a atribui ao foro administrativo ou se, residualmente, esta deve permanecer na jurisdição comum.

No nº 1, do artº 1º, do ETAF, reafirma-se o princípio consagrado no já citado nº 3, do artigo 212º da CRP: “os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.

Trata-se de “uma cláusula geral através da qual se define o âmbito material do exercício da função jurisdicional do Estado através da ordem jurisdicional administrativa”. Sérvulo Correia, in Impugnação de Actos Administrativos, Cadernos de Justiça Administrativa, nº 16, 1999, página 11.

Em tal contexto normativo e a propósito do patente alargamento ocorrido a partir da Lei 13/2002, de 19 de Fevereiro, da competência material da jurisdição administrativa a questões até aí do foro comum, já se discutiu se terá havido a pretensão de estabelecer uma reserva absoluta de competência para o julgamento dos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. Prepondera, no entanto, o entendimento negativo, mas sob condições.

Como decorre do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 211/2007, ancorando-se em Vieira de Andrade (citado) De 21-03-2007, relatado pelo Consº Vítor Gomes (acessível no site desse Tribunal)., aí se perfilha o entendimento (dito predominante) de que o artº 212º, nº 3 (antes 214º, nº 3), “não visou estabelecer uma reserva absoluta, quer no sentido de exclusiva, quer no sentido de excludente, de atribuição a tal jurisdição da competência para o julgamento dos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. O preceito constitucional não impôs que todos estes litígios fossem conhecidos pela jurisdição administrativa (com total exclusão da possibilidade de atribuição de alguns deles à jurisdição «comum»), nem impôs que esta jurisdição apenas pudesse conhecer desses litígios (com absoluta proibição de pontual confiança à jurisdição administrativa do conhecimento de litígios emergentes de relações não administrativas), sendo constitucionalmente admissíveis desvios num sentido ou noutro, desde que materialmente fundados e insusceptíveis de descaracterizar o núcleo essencial de cada uma das jurisdições.”

Nas treze alíneas do nº 1, do artº 4º, do ETAF (cuja epígrafe refere “âmbito da jurisdição”, parecendo com isso querer-se explicitar e concretizar o princípio do artº 1º), estão elencadas, de modo positivo mas exemplificativo, as matérias respeitantes ao objecto de certos litígios incluídos no âmbito da jurisdição administrativa, enquanto que, nos nºs 2 e 3, se excluem, mas também sem carácter taxativo, litígios com as diferentes espécies de objecto aí referidas.

Salienta-se, por ser a hipótese que, prima facie, parece a mais susceptível de aqui ser convocada, na medida em que conexionável com o objecto desta causa Enfatizaremos, sempre, o objecto do litígio e o objecto da causa, porquanto é, sem dúvida, em função deles, e não da respectiva viabilidade ou mérito jurídicos, que teremos de discernir qual a jurisdição competente, o que nem sempre, como se verá, se nos apresenta como tarefa fácil e clara., a da alínea a), do referido nº 1:

“Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto:

a) Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal”.

O próprio Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) aprovado pela Lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro, no artº 2º, ao precipitar no seu âmbito normativo o princípio da tutela jurisdicional efectiva, concretiza, na alínea a), do nº 2, como um dos seus vectores objectivos, o “reconhecimento de situações jurídicas subjectivas directamente decorrentes de normas jurídico-administrativas ou de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo”. Como é sabido, a infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal (artº 96º, alínea a), CPC). Pode ser arguida pelas partes ou suscitada oficiosamente em qualquer estado do processo. Constitui excepção dilatória e implica a absolvição do réu da instância (sem prejuízo, se tal for requerido, do aproveitamento dos articulados e remessa do processo ao tribunal em que devia ter sido proposta a acção) – artºs 97º, 99º, 278º, nº 1, alínea a), 576º, nºs 1 e 2, 577º, alínea a), e 578º, todos do CPC.

2. Ora, está sedimentado e é pacífico, na Doutrina e na Jurisprudência, o entendimento – de que aqui as partes não se afastam – segundo o qual a competência do tribunal deve, em geral, apreciar-se e determinar-se em função do pedido, tal como arquitectado e apresentado em juízo pelo autor, e dos fundamentos ou causa de pedir invocados na respectiva petição inicial, ou seja, do objecto do processo ou conteúdo da lide. Não interessa, para o efeito, qualquer juízo sobre a viabilidade ou concludência da pretensão nem a perspectiva sobre o seu mérito e desfecho.

Releva, assim, para este efeito, como thema decidendum, a relação material controvertida proposta. Não importa o seu mérito, nem sequer a legalidade e propriedade de qualquer dos procedimentos subjacentes (no caso, a justificação notarial e a consequente acção de impugnação respectiva). Sobre isso, e por exemplo, cita abundante jurisprudência o Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 20-06-2012, relatado pelo Consº Raul Borges.

Em se tratando de traçar a linha divisória entre a jurisdição comum e a jurisdição administrativa, releva também, frequentemente, a natureza característica dos sujeitos ou a qualidade em que actuam.

Como se refere em Acórdão do Tribunal de Conflitos de 08-11-2012 Relatado pelo Consº Abrantes Geraldes., a competência material deve aferir-se “em função da acção proposta, tanto na vertente objectiva, atinente ao pedido e à causa de pedir, como na subjectiva, respeitante às partes.”

Efectivamente, estando em causa actos respeitantes a entidades públicas ou a concedentes/concessionários, essa qualidade, não sendo embora critério decisivo, reflecte-se na aplicação deles.

E, como ensinava Manuel de Andrade Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, pág. 91., a competência do tribunal “afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum) (…). É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor compreendidos aí os respectivos fundamentos, não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão.” Note-se que, nesta acção, não é parte a entidade concedente – Junta de Freguesia.

Refere a tal propósito Maria João Estorninho In “A reforma de 2002 e o Âmbito da Jurisdição Administrativa”, citada no Acórdão da Relação do Porto de 22/11/2011, relatado pelo Desembargador Fernando Samões.

que “O critério para a delimitação da competência dos Tribunais administrativos parece passar a ser, nesta matéria da actividade contratual (…), o da sujeição a normas de direito público: ou relativas à própria execução do contrato ou relativas aos procedimentos pré-contratuais, caso em que (…) essa sujeição a normas procedimentais jurídico-públicas acaba por contagiar todo o regime jurídico aplicável aos contratos, nomeadamente para efeitos de contencioso administrativo.”

E, seguindo, com a devida vénia, o notado Acórdão da Relação do Porto de 22-11-2011, nele se refere:

“Um dos objectivos da reforma dos tribunais administrativos e fiscais, operada pelo novo ETAF, foi eliminar o critério delimitador da natureza pública ou privada do acto de gestão gerador do pedido, causador de grandes incertezas na determinação do tribunal competente, resultante da al. h) do art.º 51.º do anterior ETAF, aprovado pelo DL 129/84, de 27/4.
Assim, por vontade expressa do legislador, o critério para a atribuição da competência em razão da matéria aos tribunais administrativos ou aos tribunais judiciais deixou de radicar na distinção entre gestão pública e gestão privada para passar a assentar no conceito de relação jurídica administrativa.
Pretendeu-se, deste modo, evitar que os tribunais administrativos constituíssem “foro especial” para as pessoas colectivas de direito público, recolocando a competência material no seu lugar próprio de pressuposto processual referente ao tribunal.
Por isso é que a competência material deve ser definida em função do conteúdo da relação material controvertida e não dos sujeitos dessas relações.
Torna-se, assim, primordial saber o que deve entender-se por relação jurídica administrativa.“

Para isto, valemo-nos, também, data venia, da laboriosa síntese recolhida no Acórdão da Relação do Porto, de 15-11-2011 Relatado pela Desembargadora Ondina Carmo Alves.:

“Segundo FREITAS DE AMARAL, Direito Administrativo, III vol., 423 e segs., a relação jurídica administrativa é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração.
Este tipo de relação jurídica, pressupõe assim a intervenção da Administração Pública investida do seu poder de autoridade “jus imperium”, impondo aos particulares restrições que não têm na actividade privada. É para dirimir os conflitos de interesses surgidos no âmbito destas relações e com vista à garantia do interesse público que se atribui competência específica aos tribunais administrativos.
Para CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Dicionário de Contencioso Administrativo, 2007, 117-118, por relação jurídico-administrativa deve entender-se a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas.
E, para J. C. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa”, Lições, 79, apesar dos vários sentidos em que pode ser tomado o conceito de relação jurídica administrativa, define-a como sendo “aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido”.
Tal significa que o foro administrativo será sempre competente quando estão em causa litígios emergentes de relações jurídico-administrativas.
Como esclarecem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª, edição, pág. 815, “Estão em causa apenas os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (ou fiscais) (n° 3, in fine). Esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: (1) as acções e os recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão do poder público (especialmente administração); (2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal.
Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza “privada” ou “jurídico-civil”. Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal”.
É verdade que a Administração pode actuar na esfera de direito público ou na esfera do direito privado, pode praticar actos de gestão pública e actos de gestão privada.
MARCELO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 10ª ed., II, 122, entendia por gestão pública a actividade da Administração regulada pelo Direito Público e por gestão privada a actividade da Administração que decorra sob a égide do Direito Privado.
Esclarece-se ainda na citada obra que reveste a natureza de gestão pública, toda a actividade da Administração que seja regulada por uma lei que confira poderes de autoridade para prosseguimento do interesse público, discipline o seu exercício ou organize os meios necessários para o efeito.”

Ainda segundo Mário Aroso de Almeida Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, página 57., “as relações jurídico-administrativas não devem ser definidas segundo critério estatutário, reportado às entidades públicas, mas segundo um critério teleológico, reportado ao escopo subjacente às normas aplicáveis.”

Também acerca do conceito de relação jurídico-administrativa, refere o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 20-09-2012, tal como o mais recente de 21-02-2013 Ambos relatados pelo Conselheiro Pires Esteves., que sendo ele “erigido tanto na Constituição como na lei ordinária, em pedra angular para a repartição de jurisdição entre os tribunais administrativos e os tribunais judiciais”, na falta de definição legal, “deverá esta ser entendida no sentido tradicional de relação jurídica regulada pelo direito administrativo, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a administração”, pois “uma relação jurídica administrativa deve ser uma relação regulada por normas de direito administrativo que atribuam prerrogativas de autoridade ou imponham deveres, sujeições ou limitações especiais, por razões de interesse público, que não se colocam no âmbito de relações de natureza jurídico-privada.”

3. Olhando para o disposto nos nºs 3 e 4, do actual artº 581º, do CPC, define-se, normalmente, o pedido como o efeito jurídico pretendido e a causa de pedir como o facto jurídico concreto que lhe serve de base. Adiante se referirá a problemática de tal definição quando, como neste caso, se trata de acções declarativas de simples apreciação negativa.

Ora, não se perdendo de vista que estamos ante acção de impugnação de escritura notarial, convém ter presente que este mecanismo se encontra previsto nos artºs 89º a 91º, do Código do Notariado, prevendo três hipóteses correspondentes a outras tantas situações naqueles epigrafadas Assim: “Artigo 89.º
1 - A justificação, para os efeitos do n.º 1 do artigo 116.º do Código do Registo Predial, consiste na declaração, feita pelo interessado, em que este se afirme, com exclusão de outrem, titular do direito que se arroga, especificando a causa da sua aquisição e referindo as razões que o impossibilitam de a comprovar pelos meios normais.
2 - Quando for alegada a usucapião baseada em posse não titulada, devem mencionar-se expressamente as circunstâncias de facto que determinam o início da posse, bem como as que consubstanciam e caracterizam a posse geradora da usucapião.
Artigo 90.º
1 - A justificação, para os efeitos do n.º 2 do artigo 116.º do Código do Registo Predial, tem por objecto a dedução do trato sucessivo a partir do titular da última inscrição, por meio de declarações prestadas pelo justificante.
2 - Na escritura de justificação devem reconstituir-se as sucessivas transmissões, com especificação das suas causas e identificação dos respectivos sujeitos.
3 - Em relação às transmissões a respeito das quais o interessado afirme ser-lhe impossível obter o título, devem indicar-se as razões de que resulte essa impossibilidade.
Artigo 91.º
1 - A justificação, nos termos do n.º 3 do artigo 116.º do Código do Registo Predial, consiste na afirmação, feita pelo interessado, das circunstâncias em que se baseia a aquisição originária, com dedução das transmissões que a tenham antecedido e das subsequentes.
2 - A esta justificação é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 89.º e nos n.os 2 e 3 do artigo anterior.”: justificação para estabelecimento do trato sucessivo, para reatamento do trato sucessivo ou para estabelecimento de novo trato sucessivo (no registo predial).

Com efeito, o Código de Registo Predial – que, é bom lembrá-lo aqui, regula instituto destinado essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário – estabelece, no seu artº 116, precisamente intitulado “Justificação relativa ao trato sucessivo”, o seguinte:

“1 - O adquirente que não disponha de documento para a prova do seu direito pode obter a primeira inscrição mediante escritura de justificação notarial ou decisão proferida no âmbito do processo de justificação previsto neste capítulo.
2 - Caso exista inscrição de aquisição, reconhecimento ou mera posse, a falta de intervenção do respetivo titular, exigida pela regra do n.º 2 do artigo 34.º, pode ser suprida mediante escritura de justificação notarial ou decisão proferida no âmbito do processo de justificação previsto neste capítulo.
3 - Na hipótese prevista no número anterior, a usucapião implica novo trato sucessivo a partir do titular do direito assim justificado.”

4. Para melhor se tentar compreender e delinear o objecto da acção, atenta a sua espécie, afigura-se-nos útil enfatizar aqui, em primeiro lugar, a posição e perspectiva das próprias partes em relação ao litígio no contexto da justificação notarial, e, depois, o peculiar regime substantivo dos cemitérios. Não esquecendo que nas acções de simples apreciação negativa há como que uma inversão de posição das partes, reflectida no ónus de alegar e provar.

Ora, recordando o teor das declarações vertidas na escritura em apreço, é evidente, até pela redacção do texto, a hesitação da ré justificante na afirmação da natureza do direito que pretendeu justificar e da própria Notária quanto à legalidade/admissibilidade e à eficácia do acto. Dúvidas que a consulta do Regulamento do Cemitério de Barroselas, abaixo referido, particularmente do seu artº 57º-A, em face do litígio entre as partes, poderá ter adensado, mas significativas de que o problema não respeita à entidade pública nem à concessão propriamente dita mas se cinge à desavença entre as interessadas.

Com efeito, aquela começou por declarar que “é dona e legitíma possuidora” de um bem, sendo este a sepultura perpétua no cemitério de Barroselas; continuou que a tal (“sepultura …. detentora”) se refere o Alvará de concessão nº 46, titulado em nome de herdeiros de Josefa …, sua avó – logo a seguir constando “... consigno eu Notária, nos termos do direito público, aplicável, detendo apenas um direito real administrativo de gozo, ocupação ou utilização privativa e, assim, a título necessariamente resolúvel e resgatável, como direito real limitado que é”.

Acrescentou que seus pais e tios (herdeiros daquela) procederam a partilha verbal, nunca formalizada, mediante a qual por esta “foi adquirida a sepultura”; que seus pais lha doaram mas sem que ficasse a dispor de título formal; que – sempre em termos similares aos de quem justifica um qualquer direito real sobre uma coisa objecto de relações jurídico-privadas (artº 202º, do Código Civil) e a fim de levar ao registo predial a situação jurídica verdadeira e actual dessa coisa ou direito –, praticou actos “de posse” actuando “na qualidade de sua legítima dona, com a convicção de exercer um direito próprio…” O domínio, em regra, é referido ao direito real de máxima amplitude, referindo-se o dono como o proprietário ou o titular do direito de propriedade e não o detentor de mera concessão., embora acrescente que visa o “averbamento em seu nome, na Junta de Freguesia…da transmissão e sua concessão, atentas as características da invocada posse e o espírito que presidiu à sua manutenção…”, sendo que – remata-se – “se não origina um verdadeiro direito de propriedade por usucapião, dado o tipo de bem em causa, como acima foi referido, origina ou mantém a aquisição e consequente transmissão de um direito limitado, permitindo o gozo da Sepultura Perpétua, continuação do regime de concessão, enquanto a ora justificante não o abandonar.”

Recorrendo, pois, a um expediente mais frequentemente usado para justificar a aquisição pelo modo originário (artºs 1305º, 1316º e 1317º, do C. Civil) de um direito real (em regra o de propriedade ou pleno domínio) por via de usucapião ou prescrição aquisitiva (artº 1287º, e sgs) ou por via derivada a partir do último titular inscrito no registo predial e, assim, para estabelecimento do trato sucessivo, reatamento do trato sucessivo ou estabelecimento de novo trato sucessivo em conformidade com as regras desse direito tabular, a ré justificante, manifestamente tergiversando, não afirmou ter adquirido originariamente, por usucapião, um direito de propriedade plena (direito real, absoluto) sobre a sepultura.

Ela, aceitando a constatação – afinal consensual, uma vez que a autora também a não põe em causa – de que a Sepultura Perpétua foi objecto de concessão titulada pelo respectivo Alvará e como tal (direito e título) se radicaram na esfera jurídico-patrimonial de Josefa … e, mortis causa, na dos respectivos herdeiros, afirmou, isso sim, que tal posição subjectiva se lhe transmitiu, por via derivada, mediante a partilha e doação, negócios estes de direito privado, não formalizados, inválidos, ineficazes para lhe assegurar a titularidade do Alvará, limitando-se a concluir, em termos dúbios, que se a posse “não origina um verdadeiro direito de propriedade por usucapião (…), origina ou mantém a aquisição e consequente transmissão de um direito limitado…”.

É, portanto, para justificar a partilha verbal e a doação, suprir a falta do respectivo título formal e, assim, conseguir, como disse, o “averbamento em seu nome”, na Junta de Freguesia, “da transmissão e sua concessão” e, portanto, para alcançar algo semelhante ao chamado “reatamento do trato sucessivo” previsto nos artºs 116º, nº 2, do CRP, e 90º, do CN, ou, ainda, talvez, para justificar uma idealizada aquisição originária, apesar da existência do Alvará em nome de Josefa, do direito concessionado e, assim, conseguir o “estabelecimento de novo trato sucessivo” nos termos dos artºs 116º, nºs 2 e 3, do CRP, e 91º, do CN, que ela titubeia entre as declaradas “origem” ou “manutenção” da aquisição do direito “e consequente transmissão”, ou seja, entre a aquisição originária por usucapião e a aquisição derivada O que assim se apelida também quanto à partilha apesar da polémica sobre a qualificação da transmissão mortis causa. pela partilha e pela doação sem título. Uma coisa, porém, é o simples reatamento do trato sucessivo, mediante suprimento dos títulos em falta, reconstituindo-se as sucessivas transmissões, com especificação das suas causas e identificação dos respectivos sujeitos; outra é, independentemente de ter havido uma inscrição e da falta dos títulos de transmissão e da intervenção dos respectivos sujeitos, terem-se, entretanto, verificado os factos integrantes dos requisitos da aquisição originária por usucapião e, portanto, apesar daquela, haver lugar ao estabelecimento de novo trato sucessivo (de nova inscrição do direito originariamente adquirido).

5. Abordemos agora a natureza do direito em causa e, em particular, o seu modo e requisitos de eventual transmissão, seja mortis causa ou por negócios inter vivos.

Remonta ao artº 29º, do Decreto nº 44 220, de 3 de Março de 1962 (DR, 1ª séria, nº 48), o cometimento às Câmaras e às Juntas de Freguesia do encargo de elaborar os seus regulamentos sobre polícia de cemitérios, designadamente os preceitos a observar em matéria de concessões de terrenos para sepulturas perpétuas e jazigos particulares, uso e fruição dos mesmos e destino dos abandonados.

As alterações a esse diploma posteriormente introduzidas pelos Decretos nº 45864, de 12 de Agosto de 1964, 463/71, de 2 de Novembro, 857/76, de 20 de Dezembro, e pelo Decreto-Lei nº 168/2006, de 16 de Agosto, não se repercutiram nessa matéria das concessões a privados.

O Decreto nº 48870, de 18 de Dezembro de 1968 (DR, 1ª série, nº 297), no seu parágrafo único, estabeleceu que os regulamentos dos cemitérios obedecerão aos preceitos constantes dos modelos anexos relativos aos cemitérios municipais e aos cemitérios paroquiais.

Do respectivo Capítulo V, intitulado “Da concessão de terrenos”, resulta, conforme artº 33º, que “A requerimento dos interessados, poderá a Junta de Freguesia fazer concessão de terrenos, no cemitério, para sepulturas e construção ou remodelação de jazigos particulares”. Os artigos 34º e 35º prevêem que será “deliberada a concessão” pela Junta, ficando os interessados sujeitos ao pagamento da “taxa de concessão”. Por seu turno, o artº 36º e seu parágrafo único prevêem que “A concessão de terrenos será titulada por alvará do presidente da Junta de Freguesia” a emitir depois do cumprimento das formalidades prescritas, do qual constarão, entre outros, os elementos de identificação do concessionário e a sua morada. Os artigos 37º a 41º tratam dos direitos e deveres dos concessionários e, nos artºs 42º a 46º, das sepulturas e jazigos abandonados, considerando-se como tal e “podendo declarar-se prescritos os jazigos cujos concessionários não sejam conhecidos ou residam em parte incerta e não exerçam os seus direitos por período superior a 10 anos, nem se apresentem a reivindicá-los dentro do prazo de 60 dias, depois de citados por éditos publicados”.

Entretanto, pelo artº 32º, nº 2, do Decreto-Lei nº 411/98, de 30 de Dezembro, foram revogadas “as normas jurídicas” constantes do Decreto nº 48870 e os regulamentos de cemitérios que contrariem esse diploma (que trata essencialmente do regime de remoção, transporte, inumação, exumação, trasladação e cremação de cadáveres).

Este último diploma foi alterado pelos Decretos-Lei nºs 5/2000, de 29 de Janeiro, 138/2000, de 13 de Julho, pela Lei 30/2006, de 11 de Julho e, ainda, pelo Decreto-Lei nº 109/2010, de 14 de Outubro, mas sem reflexos significativos quanto à matéria objecto desta acção – a concessão.

Acresce que, nos termos do artº 16º, nº 1, alínea gg), da Lei nº 75/2013, de 12 de Setembro, é da competência da Junta de Freguesia “Conceder terrenos, nos cemitérios propriedade da freguesia, para jazigos, mausoléus e sepulturas perpétuas”, e, conforme alínea ll), “Declarar prescritos a favor da freguesia, após publicação de avisos, os jazigos, mausoléus ou outras obras, bem como sepulturas perpétuas instaladas nos cemitérios propriedade da freguesia, quando não sejam conhecidos os proprietários ou relativamente aos quais se mostre que, após notificação judicial, se mantém desinteresse na sua conservação e manutenção de forma inequívoca e duradoura”.

Vigora na Freguesia de Barroselas, do concelho de Viana do Castelo, o Regulamento nº 433/2012 Publicado na 2ª série do Diário da República nº 203, de 19 de Outubro desse ano., que regula a organização e funcionamento dos serviços de cemitério na área da autarquia Terá sido aprovado um outro, em razão da União com a freguesia de Carvoeiro, cuja publicitação no Diário da República não conseguimos localizar, mas de cujo texto disponível no site daquela Junta se infere nenhuma alteração de monta este ter implicado..

No Título III relativo à “Concessão de Terrenos”, o respectivo artº 43º, nº 1, dispõe que estes podem, por decisão do Presidente da Junta, ser objecto de “concessões de uso privativo, para instalação de sepulturas perpétuas e para a construção ou remodelação de jazigos particulares”. O nº 2 esclarece que tais concessões “não conferem aos titulares nenhum título de propriedade ou qualquer direito real privado, mas somente um direito subjectivo público de uso privativo daquela parcela de terreno, em conformidade com o regime legal vigente, designadamente as regras de natureza administrativa ditadas pelo fim público subjacente aos cemitérios.”

Por seu turno o nº 3, do mesmo artigo, estabelece que “As concessões de terrenos do cemitério de Barroselas são susceptíveis de transmissão mortis causa ou por acto inter vivos, nos termos do título III do capítulo III do presente Regulamento”, enquanto que o seu nº 4 prevê que “Os jazigos ou sepulturas que vierem à posse da Freguesia, nomeadamente por caducidade da concessão, abandono e declaração de prescrição, poderão ser mantidos na posse da Freguesia (…) ou poderão ser concessionados (…).”

Os dois artigos subsequentes tratam dos trâmites necessários (requerimento para a concessão, decisão da concessão e taxa devida), dizendo o artº 46º, que trata do alvará:

“1 - A concessão de terrenos é titulada por alvará a emitir pelo Presidente da Junta nos trinta dias subsequentes ao pagamento da taxa de concessão, e mediante apresentação de comprovativo do pagamento dos impostos inerentes ao ato de cedência.
2 - Do alvará constam os elementos de identificação do concessionário, morada, referências do jazigo ou sepultura perpétua, nele devendo constar, por averbamento, todas as atualizações dos titulares dos concessionários.
3 - Sempre que o concessionário alterar a residência, fica obrigado a informar por requerimento a Junta de Freguesia de Barroselas.
4 - Extraviado ou inutilizado o título ou alvará, poderá a Junta passar uma 2.ª via, desde que requerida pelo concessionário.
5 - A haver mais de um concessionário, deverá o requerimento ser assinado por todos e, no caso de algum ou alguns serem já falecidos, tal deverá ser comprovado.”

Referem-se os artigos subsequentes (47º a 52º) aos direitos e deveres dos concessionários, seguindo-se-lhe o capítulo III intitulado “Da transmissão”, cujo teor se transcreve:

“Artigo 53.º Transmissão

A transmissão das concessões, bem como das construções funerárias associadas a jazigos e sepulturas perpétuas, é efetuada "mortis causa" ou por ato entre vivos, nas condições previstas nos artigos 54.º, 54.º-A e 55.º do presente regulamento.

Artigo 54.º Transmissão por ato entre vivos

1 - As transmissões por atos entre vivos, dos direitos concessionados relativos aos equipamentos cemiteriais do cemitério de Barroselas são admitidas nos termos dos números seguintes.
2 - Existindo cadáveres ou ossadas, a transmissão só é admitida quando se tenha procedido à trasladação dos mesmos para jazigos, sepulturas ou ossários de caráter perpétuo, ou se o adquirente declarar no pedido de averbamento que se responsabiliza pela perpetuidade da conservação, no próprio jazigo ou sepultura, dos cadáveres ou ossadas aí existentes.

Artigo 54.º-A Reversão da concessão

1 - Haverá lugar à reversão da concessão a favor da Junta de Freguesia nos casos de intenção de alienação por ato entre vivos dos direitos concessionados e bem assim da parte edificada dos jazigos e ou das sepulturas.
2 - Para efeitos do número anterior, os concessionários que pretendam alienar os seus direitos deverão previamente informar a Junta de Freguesia dessa intenção, em comunicação a dirigir ao presidente da Junta por escrito com antecedência mínima de trinta dias, identificando o pretendente e indicando o(s) valor(es) da transmissão.
3 - Caso a Junta de Freguesia pretenda acionar a reversão aqui prevista, deverá, nos oito dias seguintes ao termo do prazo previsto no número anterior, comunicá-lo ao alienante por escrito, assumindo a posição de adquirente nas condições gerais aqui previstas.
4 - Em qualquer caso, o valor da operação não poderá ser superior ao valor da taxa de concessão correspondente em vigor à data, acrescido do valor da construção, se a houver, que será acordado e ou aceite pela Junta de Freguesia.

Artigo 55.º Autorização

1 - Verificados os condicionalismos previstos nos artigos anteriores, as transmissões entre vivos dependem de autorização do Presidente da Junta e do pagamento de metade do valor das taxas que estiverem em vigor relativas ao terreno ou equipamento em causa.
2 - A comprovação do pagamento referido no número anterior releva e substitui a autorização para o ato, para efeitos ali previstos.

Artigo 56.º Transmissão por morte

1 - As transmissões das concessões de jazigos ou sepulturas perpétuas, por morte do concessionário, são livremente admitidas nos termos gerais de direito.
2 - A transmissão, no todo ou em parte, a favor de pessoas estranhas à família do concessionário, só é admitida desde que o adquirente declare no pedido de averbamento que se responsabiliza pela perpetuidade da conservação, no próprio jazigo ou sepultura, dos cadáveres ou ossadas aí existentes, devendo esse compromisso constar daquele averbamento.
3 - O concessionário adquirente não poderá opor-se aos direitos, devidamente comprovados, dos possíveis herdeiros do autor da sucessão.

Artigo 57.º Averbamento

O averbamento da transmissão a que se refere o artigo anterior, só é efetuado após apresentação de documento comprovativo da realização da transmissão por morte, nomeadamente, escritura de habilitação de herdeiros, escritura pública de partilhas, inventário judicial de partilhas ou testamento e do pagamento dos impostos que forem devidos ao Estado.

Artigo 57.º-A Uso e Fruição e Conservação de Jazigos e Sepulturas Perpétuas

1 - Quem, comprovadamente, fizer prova do uso, fruição, conservação e manutenção de um jazigo e sepultura perpétua, sem que tenha, no entanto, documento que comprove a transmissão inter vivos do mesmo, nem possua a qualidade reconhecida de herdeiro, poderá requerer junto da autarquia o averbamento para seu nome do respetivo alvará.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se que tem o uso, fruição, conservação e manutenção do jazigo e sepultura perpétua quem exercer sobre o mesmo por mais de 20 anos, todos os poderes e direitos inerentes ao titular inscrito do alvará, à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém.
3 - Caso, no decurso do prazo acima referido (20 anos), apareça algum herdeiro do titular originário do alvará a reclamar os seus direitos sucessórios por documento sucessório válido, deverá a Junta de freguesia proceder ao registo do Alvará para nome do mesmo, fazendo prevalecer, assim, a sucessão hereditária.”

Por fim, num capítulo IV, intitulado “Das sepulturas e jazigos abandonados”, regula-se o seguinte:

“Artigo 58.º Conceito

1 - Consideram-se abandonados, podendo declarar-se prescritos a favor da autarquia, os jazigos e sepulturas cujos concessionários não sejam conhecidos ou residam em parte incerta e não exerçam os seus direitos e obrigações por período superior a dez anos, nem se apresentem a reivindicá-los dentro do prazo de sessenta dias depois de citados por meio de éditos publicados em dois dos jornais mais lidos no concelho e afixados nos lugares de estilo, ou relativamente aos quais se mostre que, após notificação judicial, se mantém desinteresse na sua conservação e manutenção, de forma inequívoca e duradoura.
2 - O prazo de dez anos referido no número anterior conta-se a partir da data da última inumação ou da realização das mais recentes obras de conservação ou de beneficiação que nas mencionadas construções tenham sido feitas, sem prejuízo de quaisquer outros atos dos proprietários, ou de situações suscetíveis de interromperem a prescrição nos termos da lei civil.
3 - Dos éditos constarão os números dos jazigos, identificação, localização e data das inumações dos cadáveres ou restos mortais que no mesmo se encontrem depositados, bem como o nome do último ou últimos concessionários inscritos que figurarem nos registos.
4 - Simultaneamente com a citação dos interessados coloca-se no jazigo ou sepultura perpétua placa indicativa do abandono.

Artigo 59.º Declaração de prescrição

1 - Decorrido o prazo de sessenta dias previsto no artigo anterior sem que o concessionário ou seu representante tenha feito cessar a situação de abandono, a Junta de Freguesia declarará a prescrição do jazigo ou sepultura perpétua, a favor do Freguesia, à qual será dada a publicidade referida no n.º 3 do artigo anterior.
2 - A declaração de prescrição importa a apropriação pela Freguesia do jazigo ou sepultura perpétua.” Todos os sublinhados por nós apostos.

É, pois, relativamente pacífico o entendimento de que os cemitérios são bens do domínio público, afectos à utilidade pública.

As coisas públicas estão fora do comércio jurídico privado, sendo inalienáveis, imprescritíveis e não oneráveis. Não é, por isso, possível a posse, em termos de direito privado, muito menos real, nem os poderes de fruição, utilização e disposição atribuídos aos concessionários são usucapíveis. Razão por que está fora de questão a aquisição originária do direito de propriedade sobre as sepulturas ou mesmo por via derivada (compra e venda).

É possível, isso sim, a concessão do uso privativo da parcela respectiva, havendo quem o qualifique como um direito real de natureza administrativa.

Uma vez atribuídas, as concessões entram no património dos concessionários e são transmissíveis em vida ou por morte. No primeiro caso, mediante autorização prévia e nas condições definidas pela Junta de Freguesia; no segundo, independentemente de tais requisitos. A obtenção e a satisfação daquelas, contudo, não passam de mera condição de eficácia do negócio perante a autarquia. Sintomaticamente, o Regulamento analisado, quanto às alienação entre vivos, nenhuma especifica e, quanto à sucessão mortis causa, alude, no artigo, 57º, à escritura de partilhas, inventário ou testamento, ou seja, apenas parece admitir coerentemente transmissões e não qualquer forma de aquisição originária.

As concessões não geram posse em termos de um direito privado. Logo, elas não podem ser adquiridas por usucapião. Sem embargo, recorda-se que o velho Assento do STJ, de 14-12-1937 (relator: Consº Costa Santos), cujo sumário foi “Os tumulos construidos em cemiterios municipais ou paroquiais são susceptiveis de posse, a qual os concessionarios e seus sucessores podem defender pelos respectivos meios”, justificou-se assim: “O que ha a discutir e se uma sepultura, tumulo ou jazigo são susceptiveis de posse e, consequentemente, se se pode usar de acções possessorias contra a turbação ou esbulho. Os cemiterios, quer os municipais, quer os paroquiais, são cousas publicas sendo permitido a todos utilizarem-se deles para o fim a que são destinados com as restrições impostas pela lei e regulamentos administrativos. Mas tanto as camaras como as juntas de freguesia sempre puderam e podem ainda fazer nesses cemiterios concessões temporarias ou perpetuas para sepulturas ou jazigos.
Sobre a natureza de tais concessões e que as opiniões divergem. Vejamos o que dizem os textos legais sobre o assunto:
Na portaria de 26 de Setembro de 1866 ler-se:
Considerando que ainda nos cemiterios legalmente autorizados a propriedade que neles se adquire não pode deixar de reputar-se sui generis e sujeita as disposições policiais que o Governo entender convenientes a bem da saude dos povos... As portarias de 13 de Abril e 21 de Novembro de 1868 sustentam que a aquisição de terrenos para sepulturas e um contrato sui generis que não transfere para o adquirente, como a venda, o pleno dominio do terreno cedido e so a faculdade de o usar para um fim certo e determinado. Não ha, pois, aquisição de propriedade ou dominio, que não pode transmitir-se por contrato de venda. A portaria, porem, de 19 de Março de 1881 volta a doutrina seguida na de 1866, pois diz: e com efeito especial a propriedade dos jazigos, o que quer dizer que não podem em relação a ela exercer-se todos os direitos que resultam do dominio, mas simplesmente aqueles que a natureza especial dessa propriedade permite. As questões, porem, que sem implicarem com a natureza especial dessa propriedade e sem a modificarem ou alterarem digam respeito ao dominio e a posse dos jazigos e ao facto de se permitir a estranhos o uso da cousa comum com consentimento de um dos comproprietarios sem o assentimento dos outros, sendo, como são, questões de puro direito civil, que nada influem na natureza e aplicação especial dessa propriedade sui generis, são da exclusiva competencia dos tribunais de justiça, as quais e e deve ser inteiramente estranha a autoridade administrativa.
O paragrafo 1 do artigo 18 da Lei n. 621, de 23 de Junho de 1916, dispõe o seguinte: Na alienação dos bens imobiliarios referidos no n. 2 do artigo 94 da lei n. 88 não se incluem as vendas e trocas de terrenos destinados a construção e alinhamento de edificações junto das ruas, avenidas e estradas de valor inferior a 1000 escudos em Lisboa e Porto e a 300 escudos nos outros municipios, bem como as vendas de terrenos dos cemiterios para a construção de jazigos, podendo quaisquer das alienações referidas ser deliberadas pelas comissões administrativas. O regulamento para a liquidação e cobrança da contribuição de registo (hoje sisa),,aprovado por decreto de 23 de Dezembro de 1899, diz no seu artigo 1: A contribuição de registo em geral incide sobre todos os actos que importam transmissão perpetua ou temporaria de propriedade de qualquer valor, especie e natureza por titulo gratuito ou oneroso, qualquer que seja a denominação ou forma do titulo; e no seu artigo 2: Compreendem-se na disposição do artigo antecedente, n.1, os contratos de compra e venda, escambo ou troca, constituição de enfiteuse e censo consignativo, e bem assim as alienações perpetuas ou temporarias, quer dos terrenos para construção de jazigos, quer dos proprios jazigos.
Temos, pois que, segundo a portaria de 1866, os terrenos concedidos nos cemiterios constituem uma propriedade sui generis; que nos termos da de 1881 os jazigos constituem uma propriedade especial em relação a qual se exercem os direitos de dominio, que a sua natureza especial permite. A Lei n. 621, seguindo a mesma orientação, fala-nos na venda e alienação de terrenos dos cemiterios para a construção de jazigos. Onde se dão estes factos ha transferencia ? Do uso ou da propriedade? Da propriedade, por nela se compreender a alienação.
Diz o artigo 2359 do Codigo Civil: O direito de alienação e inerente a propriedade.
O simples uso de cousas publicas não e susceptivel de alienação. Pela alienação ou venda constitue-se uma propriedade particular. E que de propriedade se trata resulta ainda do citado regulamento de contribuição de registo, contribuição esta que incide sobre os actos de transmissão de propriedade. Entre esses actos contam-se as alienações perpetuas ou temporarias, quer dos terrenos para a construção dos jazigos, quer dos proprios jazigos.
Portanto as concessões referidas constituem uma propriedade privada, sui generis, especial, com restrições impostas pelas leis e regulamentos administrativos e resoluvel em virtude do seu destino, pois que não impede a mudança dos cemiterios para outro local.
Dado este caracter das concessões, como a propriedade se manifesta pela posse, evidente e que o seu objecto ou as cousas sobre que se exercem são susceptiveis de posse, e consequentemente e legal o emprego das acções possessorias contra os particulares que perturbarem ou esbulharem a referida posse; e este e o caso dos autos.

Não há, assim, aquisição originária da concessão, tanto que o abandono por mais de 10 anos gera a prescrição a favor da autarquia. Não há direito de propriedade, mas de concessão.

Escreveu Marcelo Caetano: No Manual de Direito Administrativo, volume II, Almedina, 10º edição, 3ª reimpressão, pág. 919.

“… Não há texto legal que expressamente declare a dominialidade dos cemitérios e a doutrina, sobretudo estrangeira, discute o carácter deles.
Parece-nos, porém, que os cemitérios municipais e paroquiais são bens do domínio público, porquanto: a) são objecto de propriedade de uma autarquia local; b) são destinados à inumação dos cadáveres de todos os indivíduos que falecerem na circunscrição, não sendo lícita a recusa da sepultura fora dos casos especiais previstos na lei; c) é livre o acesso de todos ao campo santo.
Possuem pois o índice evidente de utilidade pública: o uso directo e imediato do público. É aliás o que resulta do artigo 48.°, in fine, da Constituição….”.

E, ainda, a propósito do direito “a possuir privativamente e in perpetuum o terreno de uma sepultura ou para a construção de um jazigo”, justifica assim o seu entendimento Idem, página 940.:

“… nos parece que, sendo impossível a constituição de direitos reais privados sobre coisas sujeitas à propriedade pública, não há na cedência do terreno para sepultura perpétua ou jazigo outra coisa mais senão a concessão de uso privativo sobre uma parte da coisa pública. Essa concessão admite-se com carácter perpétuo por influência de sentimentos de piedade que levam o legislador a garantir a situação jurídica por ela criada, mesmo em caso de desafectação do cemitério e transferências, para outro lugar, onde o antigo concessionário adquire direito a novo terreno (Dec. de 20 de Setembro de 1836, art. 18.°). Mas nem por isso deixam tais concessões de existir sob a potencial influência do interesse público geral. Tais concessões entram no património dos concessionários e são transmissíveis em vida ou por morte, nos termos das leis administrativa…”

Em obra nesta matéria muito invocada Cemitérios, Jazigos e Sepulturas, de Vítor Dias, 1963, citando (na página 371, nota 1) Marcel Waline, in Manuel Élementaire de Droit Administratif., citando-se autor estrangeiro, consta:

“Convenhamos porém que, quando dizemos que os jazigos e as sepulturas são inalienáveis, estamos a enquadrar esta afirmação num contexto de relações jurídicas privadas e disciplinadas pelo direito civil privado; esta asserção já não é verdadeira se incluirmos esta temática no âmbito do direito público pois que, nada impedindo - e até se exigindo em alguns casos - que as coisas públicas sejam negociáveis entre o Estado e o particular com o objectivo de tornar melhor ou mais conveniente o seu aproveitamento, a comerciabilidade das coisas públicas no contexto do regime do direito público é consentido e até enaltecido - a inalienabilidade dos bens do domínio público não equivale de modo algum a uma colocação definitiva fora do comércio destes bens e que na realidade os representantes qualificados do Estado podem sempre decidir alienações de domínio sob condição de seguirem um certo processo”.

Nesta linha, segue o Acórdão, do Tribunal Central Administrativo Norte, de 15-04-2010 Processo nº 01249/04.2BEVIS (José Augusto Araújo Veloso).:

“É sabido que os cemitérios, sob a jurisdição das freguesias, são bens do domínio público da respectiva autarquia, e que a existência de um direito dos particulares ao uso privativo de uma parcela desse bem depende da prévia concessão da administração local, titulada por alvará, estando fora do comércio jurídico privado [artigo 202º nº2 do CC].
O direito de propriedade de particulares sobre jazigos só existe, pois, se e na medida em que exista aquele direito ao uso privativo da respectiva parcela do bem do domínio público, direito este que só se constitui através daquele título especial, a concessão, que, podendo embora ser acto, configura, normalmente, contrato administrativo [sobre este tema ver, na doutrina, Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, volume II, Almedina, Coimbra, 1980, páginas 919, 937, 938, e 946 e seguintes; Vítor Manuel Lopes Dias, Cemitérios, Jazigos e Sepulturas, páginas 422 e seguintes; Pires de Lima, Propriedade e Transmissão de Jazigos, RT, ano 44º; e Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, volume III, Páginas 54 e 55].
Quer se entenda que o jazigo constitui um todo com o terreno em que está implantado, fazendo, por isso mesmo, parte integrante do cemitério, fora do comércio jurídico e insusceptível de posse e de tutela possessória, quer se admita a natureza privatística dos direitos incidentes sobre jazigos [solução para a qual propendemos], sempre teremos de concluir pela insusceptibilidade da sua aquisição mediante usucapião.
De facto, a construção do jazigo não retira à parcela de terreno concedida o carácter de bem do domínio público, o que transforma o direito de propriedade sobre o mesmo numa propriedade sui generis, porque cerceada por limitações inerentes à própria dominialidade dos cemitérios. Todavia, tais limitações não impedem o desenvolvimento desse direito de propriedade sui generis com uma certa autonomia, a ponto de ser susceptível de transmissão mortis causa ou inter vivos, mas sempre dependente da sua matriz quanto à respectiva existência.
Assim, e mesmo adoptando esta postura doutrinal mais aberta, não poderemos deixar de considerar que esse direito de propriedade sobre jazigos radica, em última análise, numa relação jurídica que é desencadeada pelo contrato de concessão da parcela terreno em que está implantado, e que lhe imprime contornos e limitações inerentes à respectiva dominialidade pública desta última.
Resulta, pois, inadmissível a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre jazigos implantados em cemitério público, dado que, ao admiti-lo, nós estaríamos a permitir intoleráveis intromissões de poderes privados no domínio público, como a posse que sustenta a usucapião, completamente desenraizados de qualquer intervenção da administração e quiçá contra ela.
Em suma, há que reconhecer como fontes únicas da existência do direito de propriedade sobre jazigos, em cemitério público, a lei e a vontade da administração, vertida em acto ou contrato administrativo de concessão.”

Ainda sobre a transmissão, sintetiza-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 06-03-2002 Processo 046143 (Costa Reis).,

“III - Todavia tais concessões são susceptíveis de transmissão quer mortis causa quer por acto entre vivos.
IV - A transmissão "natural" das concessões é por via da sucessão legítima, a qual não necessita de consentimento ou autorização da autarquia a quem pertence o cemitério, o que não acontece quando a mesma se faz o titular da concessão e um terceiro em que essa autorização é condição da eficácia do negócio.” Nesta matéria, cfr Acórdãos desta Relação de Guimarães de 25-05-2005, processo 987/05-1 (Desemb. António Gonçalves) – que curiosamente versava sobre acção de impugnação de justificação notarial similar proposta no Tribunal Judicial de Viana do Castelo, ali julgada procedente, confirmada depois, sem que jamais se questionasse a competência material –, de 12-06-2008, processo nº 991/08-1 (Desemb. Antero Veiga) e de 11-09-2012, processo nº 29/09.3TBVVD.G; da Relação do Porto, de 28-02-1994, processo 9330714 (Desembargador Ribeiro de Almeida), de 18-11-1996, processo 9650585 (Desemb. Alves Correia), de 08-11-1999, processo 9951037 (Desembargador Antero Ribeiro), de 25-11-2002, processo 0251136 (Desemb. Fernandes do Vale), de 12-05-2009, processo 3376/08.8TJVNF-A.P1 (Rodrigues Pires), de 01-06-2010, processo 344/03.0TBLMG.P1 (Desemb. João Proença) e de 23-04-2013, processo 8113/12.0TBVNG.P1 (Desemb. Francisco Matos); da Relação de Évora, de 12-01-2012, processo 803/06.2TBOLH.E1 (Desemb. Alexandra Moura Santos); do Tribunal Central Administrativo Norte, de 15-04-2010, processo 01249/04.2BEVIS (Desemb. José Augusto Veloso); do Supremo Tribunal Administrativo, de 07-03-1989, processo 026036 (Consº Guilherme da Fonseca) de 24-09-1998, processo 043843 (Cons. Correia de Lima), de 06-03-2002, processo 046143 (Consº Costa Reis) e de 08-07-2003, processo 010/02 (Consº António Madureira); e do STJ, de 09-02-2006, processo 06B202 (Consº Salvador da Costa) e de 08-05-2007, processo 07A981 (Consº Sebastião Póvoas).

Da perspectiva que de tudo o exposto resulta comungou o tribunal recorrido, reportando-se a considerações doutrinárias e jurisprudenciais idênticas sobre a natureza e regime dos cemitérios. Só não referiu se teve ou não em conta o aludido Regulamento autárquico.

6. Apesar de tudo o já exposto, é condição para avançarmos pôr, ainda, em evidência que, sem dúvida nenhuma, estamos, neste caso, perante uma pura acção declarativa de simples apreciação negativa Nos termos do artº 10º, nº 3, alínea a), do CPC, acções de simples apreciação são as que visam obter unicamente a declaração de existência ou de inexistência de um direito ou de um facto.. Recordando-se o que a autora alegou e pediu e a forma como a ré contestou, constata-se que nenhuma feição condenatória ou constitutiva lhe foi dada. A autora limita-se a impugnar o direito justificado e a pedir que ele se considere inexistente. Cfr. Acórdãos do STJ, de 25-06-2015, processo 17933/12.4T2SNT.L1.S2 (Consº Abrantes Geraldes), de 09-07-2015, processo nº 448/09.5TCFUN.L1.S1 (Consº Martins de Sousa) e de 30-09-2010, processo nº 392/03.0TBCNF.P1.S1 (Consª Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) e de 10-12-2009, processo nº 210/04.1TBSRE.C1.S1 (Consº Mário Cruz), Neste último se refere lapidarmente “I.Nas acções de simples apreciação negativa, é ao R. que compete a prova do direito impugnado. II.Não existe identidade de pedido nem de causa de pedir entre uma acção de simples apreciação negativa e uma outra em que se pretende o reconhecimento do direito sobre o mesmo objecto. III.Numa escritura de impugnação notarial e do consequente registo dela decorrente, o que se pretende é atacar a própria escritura e os dizeres nela insertos que levaram ao registo e á presunção da titularidade do direito. IV.Numa acção constitutiva o que se pretende é que seja reconhecido o próprio direito.

Tal acção é, com efeito, o meio aludido no artº 101º, do Código de Notariado, de impugnar em juízo o facto justificado e, assim, as declarações prestadas na escritura e perante Notário relativas ao direito pelo réu justificante propalado ou de que ele se arroga titular, visando, por tal via, o autor impugnante atacar tais afirmações e seus efeitos e destruir a eficácia do acto: “Do que se trata é antes da ineficácia [não da nulidade] de tal escritura, declarando-se que não produz efeitos, por os réus não terem adquirido o prédio por usucapião”. Acórdão Uniformizador do STJ nº 1/2008, de 4-12-2007, publicado no DR, 1ª, nº 63, de 31-03-2008 (texto), no qual se decidiu: “Na acção de impugnação de escritura de justificação notarial (…), tendo sido os réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar a presunção do registo decorrente do artigo 7º., do Código do Registo Predial.” No texto se esclarece que a procedência da acção não gera nulidade da escritura mas ineficácia.

Predomina, em tais circunstâncias, o entendimento de que o ónus da prova dos factos constitutivos do direito a que o réu se arroga, nos termos do artº 343º, nº 1, do Código Civil, sobre ele impende. É o que, por exemplo, se reitera no recente Acórdão do STJ, de 09-07-2015 Processo nº 448/09.5TCFUN.L1.S1 (Martins de Sousa). Do Sumário respectivo: “IV - Impugnada judicialmente a escritura de justificação notarial, impende sobre o justificante, na qualidade de réu, o ónus da prova da aquisição do direito de propriedade e da validade desse direito, nos termos do art. 343.º, n.º 1, do CC, sem que possa beneficiar da presunção registal emergente do art. 7.º do CRgP. V - Em caso de invocação de aquisição por usucapião, o justificante tem de provar as características da posse imprescindíveis à verificação daquele modo de aquisição originária do direito de propriedade, devendo indicar, logo na escritura, as circunstâncias de facto que determinam o seu início e que consubstanciam e caracterizam essa posse, não sendo suficiente a mera alusão a conceitos jurídicos abstractos para atribui à posse as qualidades para usucapir. VI - Na falta dessa prova, e mesmo que não se possa concluir pela falsidade das declarações vertidas na escritura de justificação, a acção de impugnação deverá proceder, atendendo à insuficiência probatória de factos que permitam suportar a usucapião (ou outro modo de aquisição originária), devendo, a final, ser declarada não a nulidade, mas sim a ineficácia da escritura de justificação notarial”..

A especificidade destas acções projecta-se na sua estrutura, objecto, requisitos, legitimidade, ónus da prova e caso julgado.Miguel Teixeira de Sousa, Acções de Simples Apreciação (objecto; conceito; ónus da prova; legitimidade), in RDES, XXV (1978), página 123 e seguintes. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista, Coimbra Editora, 1985, páginas 186 e 187, nota 1, e 245 e 246, nota 3.

Como refere o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, embora a certificação obtida por meio delas (da existência ou inexistência de uma situação subjectiva ou de um facto) não assegure uma tutela efectiva de determinados interesses de direito substantivo, a sua forma de protecção jurisdicional projecta-se mais na “prevenção das violações da ordem jurídica privada afastando, com especial valor de caso julgado, as incertezas sobre a atribuição das situações subjectivas”, sendo “o valor da certeza jurídica (…) o fundamento último das acções de simples apreciação”. Ob. citada, páginas 130 e 131.

Nelas, como nas “acções de jactância”, o autor “provoca a chamada a juízo do réu para que este aí faça prova dos factos ou da situação de que se arroga”. São um minus em relação às de condenação (pois não pressupõem qualquer violação de um direito nem comportam a exigência de uma prestação).

As acções de simples apreciação negativa, pressupondo “uma relação jurídica afectada por uma situação de incerteza e um interesse jurídico em afastar estas dúvidas objectivas”, apesar da sua natureza e da polémica em torno da definição do seu objecto, “não podem dispensar o elemento de fundamentação, isto é a causa de pedir”. Idem, páginas 135 e 141.

Assim, “o pedido é exclusivamente a apreciação da existência ou inexistência da situação subjectiva ou do facto, pois esse é o efeito que se pretende obter através da acção”, ou seja, “factos juridicamente relevantes em abstracto e concretamente susceptíveis de constituir uma situação legalmente tutelada para um dos sujeitos jurídicos”, motivo por que “não pode o pedido destas acções comportar questões jurídicas, mas apenas determinadas e concretas relacionações entre pessoas ou entre pessoas e objectos ou consequências jurídicas”. Idem, página 142.

A causa de pedir consiste na “específica fundamentação fáctica”Idem, página 143. aduzida pelo autor como fundamento da impugnação e pode incluir factos extintivos, modificativos ou impeditivos do direito de que o réu se arrogou titular.

Na visão do referido Professor, algo diversa da corrente na Jurisprudência, “… em matéria de acções de simples apreciação negativa, o ónus da prova deve dar-se por preenchido desde que o réu questione a veracidade com que vêm rotulados os factos articulados pelo autor. O que normalmente pode ser feito provando o réu a constituição favorável para si da situação subjectiva ou colocando directamente em causa os factos articulados pelo autor, situações que se equivalem para ambas as partes, pois qualquer delas está sujeita à regra de que a dúvida não sanada sobre a veracidade dos factos impeditivos da situação defendida pelo réu se resolve contra a parte a quem estes aproveitam, isto é, contra o autor (artº 516º). Assim, aduzindo e provando o réu factos incompatíveis com os apresentados pelo autor é a este que cabe a prova de factos impeditivos da situação ou do facto. Esta devolução do ónus da prova do réu para o autor, para prova por este de factos impeditivos da situação arguida pelo réu, possui plena justificação. Assim se evita que a causa de pedir tenha nas acções de simples apreciação uma função diversa daquela que apresenta nas demais acções declarativas, tal como aconteceria se à causa de pedir fosse apenas fornecida uma tarefa individualizadora dos factos presentes em juízo e sobre os quais deve incidir a actividade probatória, incumba ela ao autor ou ao réu.” Idem, página 144..

“Assim, em conclusão, dever-se-á considerar preenchido o ónus da prova distribuído nos termos do artº 343º, nº 1, do Código Civil, sempre que o réu obtém, directa ou indirectamente, a prova da não veracidade dos factos alegados pelo autor, cumule ou não concomitantemente um pedido de apreciação da existência de uma diferente situação subjectiva ou facto”. Idem, página 145.

Mais recentemente, o mesmo académico Miguel Teixeira de Sousa, num post inserto no Blog do IPPC, em 18-03-2014., explicitou o seu pensamento demarcando-se da orientação predominante na Jurisprudência quanto à causa de pedir e ao ónus da prova neste tipo particular de acções.

É que, diz ele a propósito, “não parece que possa ser este o regime legal e, por isso, não parece que o artº 343º, nº 1, CC deva ser o único preceito a regular a distribuição do ónus da prova numa acção de apreciação negativa. A solução reside antes em entender que:

i) O autor tem o ónus de alegar – e, em caso de impugnação pelo réu, provar – os factos impeditivos, modificativos ou extintivos que constituem a causa de pedir do seu pedido de declaração da inexistência de um direito ou facto;
ii) O réu pode limitar-se a impugnar os factos alegados pelo autor e a procurar obter (apenas) a improcedência da causa com base na contraprova ou na prova do contrário daqueles factos;
iii) O réu pode ainda, além de procurar obter a improcedência da causa, pretender obter o reconhecimento do seu direito; nesta hipótese, deve deduzir o respectivo pedido reconvencional, aplicando-se então (mas apenas então) o disposto no artº 343º, nº 1, do CC”. É que, se bem compreendemos, para ele a causa de pedir a invocar necessariamente pelo autor não pode limitar-se à mera impugnação mas deve conter uma específica fundamentação fáctica.

Também Antunes Varela Obra e local citados., defendia, exemplificando, que “a acção de simples declaração de inexistência dum direito pressupõe, além da menção do direito a que se refere o pedido, a concretização da respectiva causa de pedir”, ou seja, que “nas próprias acções de mera declaração negativa, o autor tem de mencionar a causa de pedir”. Embora aponte em sentido diferente, A, Anselmo de Castro, DPCD, III, página 186, nota 2, o qual entende que “a causa de pedir caberá ao réu deduzi-la na contestação”.

7. Mas voltemos ao nosso caso.

O pedido, consiste, como se viu, tão só, em que se declare impugnado o facto justificado referente à invocada aquisição e transmissão, derivada (sucessão mortis causa e doação) e originária (usucapião) do direito e, assim, ineficaz e de nenhum efeito a dita escritura de justificação.

A causa de pedir traduz-se na afirmação, da autora, de que o direito à concessão e respectivo alvará, contrariamente a tudo quanto na escritura a ré declarou, permaneceu na titularidade da herança indivisa por óbito de Josefa em que ela é interessada e que, portanto, inexiste o direito da ré. Não alega, pois, factos propriamente integrantes de excepções (impeditivos, modificativos ou extintivos do direito justificado).

Ora, se a justificação dos actos e títulos de transmissão em falta e a obtenção, por esse modo, do reatamento do trato sucessivo (no dizer da justificante, do “averbamento em seu nome” da “transmissão e sua concessão” e do alvará respectivo) puder, por si própria, ainda que operando entre particulares e em função de negócios privados, afectar a posição jurídica subjectiva da entidade pública concedente (Junta de Freguesia) e contender com as normas de direito público respectivos e, desse modo, influenciar a relação jurídico-administrativa que baseia a concessão, parece que estaremos perante litígio cujo objecto consiste em tutelar “direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo” (artºs 1º, nº 1, alínea a), do ETAF, e artº 2º, nº 2, alínea a), do CPTA).

O mesmo pareceria, na hipótese de aquisição originária da concessão, sendo ela possível e eficaz apenas mediante a justificação notarial, à revelia da entidade pública interessada e das normas administrativas aplicáveis. Tal direito teria por objecto um bem público, constituir-se-ia à custa do inerente domínio e, portanto, repercutir-se-ia directa e inelutavelemnte sobre relação de índole jurídico-administrativa.

Mas não é bem assim.

Na verdade, acontece que, apesar da incerteza das declarações da ré justificante e de ela, ainda agora ao contestar, percutir na alegação de que, além das ditas transmissões, “pretendeu com o presente instrumento de justificação notarial passar a ser detentora de um direito real administrativo de gozo, ocupação ou utilização privativa sobre a sepultura mediante a invocação da usucapião” (cfr. itens 6º, 7º, 18º e sgs.), ambas as partes estão de acordo neste processo e, por isso, tem de partir-se desse dado de facto assente, que a concessão foi atribuída e emitido o respectivo Alvará titulado pela Josefa e, à sua morte, pelos herdeiros respectivos, e que assim subsiste perante a Junta de Freguesia. Nas acções de simples apreciação negativa, a posição pelo réu assumida na contestação, em face das particularidades da causa de pedir, acaba por modelar também o objecto da disputa.

Consistindo, pois, o problema em saber se a ré adquiriu a concessão, tem direito ao alvará e a assumir perante a Junta de Freguesia a posição de contraparte no contrato respectivo como propalou e lhe compete provar, infere-se que nem a acção emerge de litígio com aquela, nem este resulta do contrato administrativo, nem ele assenta em normas desta natureza, nem, portanto, o resultado da acção de impugnação se reflectirá directamente na relação jurídico-administrativa, antes se circunscreverá aos sujeitos de direito privado um dos quais, por via da justificação notarial, se arrogou deter uma posição subjectiva na concessão adquirida por via de regras civilísticas que o outro exige ele demonstre.

O objecto da acção não contende, pois, directamente com normas ou actos jurídicos próprios do direito administrativo, nem com a entidade pública, sem embargo, claro, dos poderes, direitos e faculdades a esta por aqueles atribuídos mas que só oportuna, e portanto indirectamente, poderá accionar.

Assim, nesta acção de impugnação:

1) Se a autora provar que não houve partilha verbal nem doação verbal nem actos expressivos do corpus e animus da posse, logo a inveracidade das declarações prestadas, a impugnação procede, tornando a escritura simplesmente ineficaz;
2) Se a autora não provar a inveracidade de tais factos nem a ré provar a veracidade dos factos declarados, na dúvida prevalecem as regras do ónus da prova, procede a acção de impugnação por a ré não ter cumprido o dever a seu cargo (sendo aquela julgada contra si). As regras do ónus da prova funcionam exactamente quando, produzidas todas as provas, por uma e outra parte, permanece um estado de dúvida. Como se sabe, aquelas não visam definir quem tem de produzir a prova de certo facto, pois, nos termos do artº 413º, CPC, o tribunal deve tomar em consideração todas as produzidas, independentemente da parte de quem emanem, já que elas é que têm por função demonstrar a realidade dos factos. A sua finalidade essencial é estabelecer contra qual das partes deve o tribunal decidir no caso de persistir a dúvida quanto à ocorrência do facto controverso, como decorre dos artigos 346º, do CC, e do artº 414º, do CPC
3) Se a ré provar as suas declarações mas estas, subsumindo juridicamente os respectivos factos, não conduzem ao direito de que se arroga, procede também a impugnação.
4) Se a ré provar as suas declarações e tais factos conduzirem a tal direito, improcede a acção de impugnação.
5) A menos que, neste último caso, a autora tivesse alegado (coisa que não aconteceu) e provado factos impeditivos, modificativos ou extintivos de tal direito do réu, caso em que a impugnação procederia.

Ora, da procedência da acção, ao tornar ineficaz a escritura de justificação, nenhuma interferência resultará na relação jurídico-administrativa em causa.

Só no caso de improcedência, é que a pela ré pretendida aquisição, por usucapião, do direito real, absoluto, erga omnes, da titularidade da concessão, potenciaria a modificação subjectiva desta, desse modo parecendo afectá-la.

O mesmo ocorrerá no caso de a ré provar os factos transmissivos e, assim, a aquisição derivada da concessão e do alvará.

Acontece é que, nesta hipótese, tal afectação já resultava da escritura de justificação notarial existente. Não será consequência da sentença a proferir. A improcedência apenas implica a sua subsistência e a manutenção das expectativas com que foi e para que foi celebrada.

Neste contexto não se poderá, pois, dizer que o litígio emerge da relação jurídico-administrativa e tem por objecto direitos e interesses de particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou no contrato de concessão enquanto acto jurídico abrigado em normas de tal natureza.

O objecto do litígio (pedido e causa de pedir tal como, bem ou mal, configurados, insiste-se) confina-se à inexistência, a declarar caso a acção proceda, do direito de concessão na esfera jurídica da ré e, para tal, à apreciação dos actos (partilha e doação) que justificariam o pretenso reatamento do trato sucessivo da inscrição do Alvará em nome da Josefa para o daquela, assim suprindo a falta dos alegados títulos de transmissão, ou à verificação dos factos consubstanciadores da aquisição originária por via de usucapião do direito concessionado justificativa do estabelecimento, com base nela, de novo trato sucessivo.

Tal objecto não comporta qualquer tutela de direito directamente fundado no contrato de concessão e que pela entidade administrativa concedente tenha, por qualquer forma, sido posto em causa, antes foi despoletado pela incerteza litigiosa causada na autora emergente da justificação notarial promovida pela ré. A situação jurídica subjectiva propalada por esta não decorre directamente do contrato administrativo de concessão, mas alegadamente da transmissão e usucapião.

Tudo, portanto, nasce e gravita no âmbito ou em torno de relações e procedimentos jurídico-privados que, só por si, não se impõem – nem sequer pelo caso julgado decorrente da eventual improcedência da acção – à Junta de Freguesia, perante a qual e em função do respectivo Regulamento há regras e condições a observar e que aqui não estão em causa.

Não emergindo, pois, o litígio em apreço, em termos claros, certos e seguros, de relação jurídica administrativa nem a tendo directamente por objecto, a causa deve manter-se na jurisdição comum onde foi apresentada.

É que, ao contrário do que se pressupôs na decisão recorrida e defende a apelada, não versa esta acção sobre o contrato administrativo de concessão nem ela envolve a apreciação de questões de direito público com a sua constituição, modificação ou extinção directamente relacionadas, mas apenas a apreciação e decisão de questões de direito privado (sucessão mortis causa, doação, posse e aquisição originária por usucapião da titularidade do direito e alvará) estranhas ao administrativo e cuja controvérsia se instalou entre particulares.

É assim que vem desenhada a relação material litigada.

Para a dirimir terá o tribunal de operar principalmente no âmbito daqueles invocados regimes e decidir sobre a sua aplicabilidade e verificação dos inerentes pressupostos quanto ao direito de concessão. Ainda que, para tanto, tenha de lançar mão do contrato administrativo respectivo e cotejar o regime deste com o daqueles, daí não decorre que então resolva, muito menos com eficácia de caso julgado, qualquer litígio sobre ele directamente existente entre as partes, muito menos com a Junta de Freguesia interessada, cujas prerrogativas ou direitos quanto à titularidade da concessão e do respectivo Alvará ou à sua transmissão decorrentes do regulamento administrativo aplicável e acima expostas não ficam por qualquer modo cerceadas.

Divergimos, pois, do sentido que presidiu à decisão proferida no Acórdão desta Relação de 11-09-2012, processo nº 29/09.3TBVVD.G1, mas alinhamos no que norteou o do Acórdão da Relação de Évora de 12-01-2012, processo 803/06.2TBOLH.E1, e do Acórdão da Relação do Porto, de 23-04-2013, processo 8113/12.0TBVNG.P1 (notando-se que o objecto da presente acção não tem, para o que aqui importa, natureza diversa do da divisão de coisa comum – de uma sepultura, entre herdeirospara que foram julgados competentes os tribunais comuns) e, ainda, no subjacente ao caso tratado no citado Acórdão desta Relação de 25-05-2005, processo 987/05-1 (que versava também sobre acção judicial de impugnação de escritura de justificação notarial que correu na Comarca de Viana do Castelo na qual a ré se arrogara dona e legítima possuidora também de uma sepultura, num cemitério, adquirida por usucapião, a final julgada procedente).

Nesta perspectiva, dando-se razão à apelante, não se pode manter a decisão recorrida.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente procedente o recurso e, em consequência, dando provimento à apelação, revogam a decisão recorrida, devendo ser substituída por outra que determine o prosseguimento da causa conforme for julgado adequado na fase em que o processo se encontra.

Custas pelos apelada – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).

Notifique.

Guimarães, 05 de Novembro de 2015


José Amaral



Maria Dolores Sousa



Helena Melo

Sumário:

É competente, em razão da matéria, o tribunal comum (e não o administrativo) para conhecer de acção declarativa de simples apreciação negativa tendo por objecto a impugnação de escritura de justificação notarial em que a ré justificante declarou ter-lhe sido transmitido o direito concessionado sobre sepultura perpétua de um cemitério por sucessão mortis causa e por doação, não tituladas, e adquirido por usucapião.