Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3158/11.0TJVNF-F.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
RECUSA DE CUMPRIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: O administrador da insolvência pode recusar o cumprimento da promessa obrigacional, mesmo com tradição da coisa; e se pode recusar esse cumprimento, não lhe pode ser imposta a execução específica.
Decisão Texto Integral: MANUEL S e mulher MARIA N, residentes na Rua Ana Lopes Correia, 244, na freguesia de Selho, S. Jorge, do concelho de Guimarães, instauraram contra
a) A Insolvente P, LDA.,
b) OS CREDORES DA MASSA INSOLVENTE da P, LDA, e
c) A MASSA INSOLVENTE de P, LDA., representada pela Administradora da Insolvência, Dra. Dalila L, com escritório na Rua C, 21, 1.°, pedindo a condenação dos RR a:
a) Reconhecerem que a Ré P, Lda. e, por isso, a Ré Massa Insolvente têm o dever de cumprir o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre aquela primeira Ré e os Autores em 27 de Julho de 1999, após a sua modificação segundo juízos de equidade, conforme determinado no acórdão do STJ transitado em julgado e supra referido;
b) Verem modificado o contrato-promessa em causa segundo juízos de equidade, nos termos do artigo 437° do Código Civil, por forma a que seja atribuída à Massa Insolvente uma importância em dinheiro correspondente ao valor efectivo do terreno que a Ré P, Lda. alega ter pago a Joaquim A, valor esse a liquidar no decurso do processo, por arbitramento, ou a final, em execução de sentença, em substituição da declaração de quitação feita por essa Ré no contrato-promessa celebrado em 27 de Julho de 1999;
c) Fixado e pago, ou compensado, nos termos abaixo referidos, o valor a considerar, em numerário, em substituição da quitação dada pela Ré P, Lda., e verificado o incumprimento dos contratos, verem lavrada sentença que, nos termos do artigo 830°, nº 1 do Código Civil, opere a transmissão da propriedade dos dois referidos prédios para os Autores;
d) Verem compensado o crédito da Ré P, Lda. a que se alude na alínea b) deste pedido, com o contra crédito que os Autores têm sobre ela, em resultado da impossibilidade culposa de cumprimento pela Ré P, Lda. da obrigação de entregar aos Autores os referidos 22% da construção possível na parte restante do prédio, valores esses a liquidar por arbitramento no decurso do processo ou em execução de sentença;
e) Reconhecerem que a P, Lda. e a Massa Insolvente não podem optar pelo incumprimento desse contrato, por aplicação no disposto no artigo 102° do CIRE;
ou, e para o caso de se entender que a Massa Insolvente pode recusar o cumprimento, e efectivamente o recusa,
f) Serem os Réus condenados a reconhecer que os Autores, porque obtiveram a tradição dos prédios que lhes deviam ser entregues em pagamento do preço acima referido, e porque a Ré P, Lda. não cumpriu total ou parcialmente o contrato ajuizado, gozam do direito de retenção sobre esses prédios, nos termos do artigo 755º nº 1, alínea d) do Código Civil, até serem pagos, com preferência a quaisquer outros credores, pelo crédito resultante do incumprimento, no montante de 174.579,26 € e que vier a ser apurado na venda desses prédios.
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Alegaram para tanto - muito em síntese, e no que para a decisão proferida interessa -, serem promitentes compradores de duas casas de habitação que constituem o preço da venda pelos AA. à sociedade P, Lda, dos terrenos em que, com outras, foram tais casas construídas; e que, após vicissitudes várias, a Insolvente entregou as moradias aos AA., mas jamais outorgou o necessário documento da sua venda.
Daí o pedido de execução específica do contrato promessa formulado em via principal e, subsidiariamente, o de reconhecimento do crédito de € 174.579,26, garantido por direito de retenção, atenta a traditio verificada.
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Contestou a Massa Insolvente. Sem negar o essencial alegado pelos AA., afirma a ilegitimidade da detenção dos imóveis pelos AA., dado que, após a decisão do Supremo Tribunal, a Contestante pediu a devolução das chaves daqueles imóveis.
Conclui pela improcedência da acção.
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Foi proferido despacho saneador, tendo nele sido proferida, entre outras, a seguinte decisão:
“O estado dos autos permite se conheça, desde já, do pedido de execução específica do contrato-promessa que engloba os alinhados sob as alíneas a) - na vertente de dever a Massa cumprir o contrato promessa - c) e e), decisão que se toma ao abrigo e por imposição da al. b) do nº 1 do art. 595.° do CPC (…)
Como se disse, apenas é possível decidir, nesta fase, os pedidos formulados sob as alíneas a), c) e e), pois, em relação aos demais pedidos, nomeadamente à fixação do crédito dos AA. pelo incumprimento, é controvertida matéria de facto indispensável para decisão…”.
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E foi então proferida, sobre aqueles pedidos, a seguinte decisão:
“…a) - julgo improcedente o pedido de execução específica do contrato promessa em litígio, qualquer que seja o seu valor, dele absolvendo os RR.
b) - julgo verificada a litispendência quanto ao pedido de reconhecimento e condenação dos RR a pagar aos AA. a quantia de € 174.579,26, garantido por direito de retenção e emergente do incumprimento do contrato-promessa em causa, por formulado igual pedido, com a mesma causa de pedir, pelos mesmos AA. e contra os mesmos RR., na acção para verificação ulterior de créditos e eventual separação de bens que constitui o apenso E, anteriormente proposta. Consequentemente, abstenho-me de conhecer do mérito deste pedido e, no tocante a ele, absolvo os RR. da instância…”.
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Não se conformando com a decisão proferida, vieram os AA dela interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:
1 - No presente processo, os autores, como detentores de um contrato promessa de compra e venda que lhes assegurava a entrega de dois prédios, como parte do preço devido em pagamento de bens que anteriormente haviam vendido, sem receberem qualquer preço, à insolvente Pousaconstruções Lda., e considerando um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que, pronunciando-se sobre o assunto, havia decidido que esta insolvente podia deixar de cumprir o contrato, isto é, retardar o pagamento do preço, até que fosse restabelecido o equilíbrio das prestações que se julgou dever ocorrer, pediram a condenação da ré a reconhecer o dever de cumprir esse contrato promessa, logo que efectuada a referida modificação segundo juízos de equidade, a ver modificado esse contrato, a reconhecer, ainda assim, o incumprimento do contrato promessa quanto a outra parte do preço (22% da construção futura), a indemnizar danos existentes nas construções, a proceder a um encontro de contas entre ambas e à compensação dos créditos e débitos, ao reconhecimento de que a massa insolvente não podia deixar de cumprir esse contrato, por ser apenas uma parte (pagamento do preço) de outro já formalizado e de que a ré usufruíra, a condenação da ré a reconhecer o direito de retenção sobre os prédios entregues aos autores até ao pagamento integral do preço devido pelo incumprimento.
2 - No saneador sentença, porém, o tribunal apenas decidiu, julgando-os improcedentes, os pedidos formulados sob as alíneas a), b) e c) (relativos à execução do contrato promessa, à sua modificação segundo juízos de equidade) e alínea e) (condenação da massa insolvente à impossibilidade de optar pelo incumprimento do contrato promessa) nada dizendo, nem decidindo, sob os pedidos das alíneas d) e f) (de condenação da ré a ver compensado o seu crédito com o contra crédito dos autores, e de reconhecimento de que os autores gozam do direito de retenção), para além de, quanto a este último pedido, referir que nele se pede o pagamento de uma indemnização, o que não corresponde à verdade, pois apenas se pede o reconhecimento do direito de retenção.
3 - As citadas omissões de pronúncia constituem nulidades, de que importa conhecer e resolver, nos termos do artigo 615.°, nº 1 alíneas d) e f) do Código de Processo Civil, por forma a decidir que as partes outorgantes no contrato promessa estão condenadas a cumpri-lo, após a sua modificação segundo juízos de equidade, que essa condenação resulta de caso julgado, a que é devido obediência; que o contrato promessa deve ser modificado, e como, que deve haver lugar a um encontro de contas, com eventual compensação de créditos e débitos, e, alternativamente, que os autores gozam do direito de retenção sob os prédios, nos termos do artigo 755.°, nº 1, alínea f) do Código de Civil.
4 - Decidiu o despacho saneador, sempre erradamente, a nosso ver, por um lado, julgar improcedente o pedido de execução específica do contrato, qualquer que seja o seu valor, e, por outro lado, julgar verificada litispendência em relação a um pedido pretensamente idêntico formulado noutro processo por entender, interpretando o pedido da alínea f), em termos que este não consente, no sentido de que aí se pedia a condenação no pagamento de uma indemnização.
5 - Erradamente, porém, se decidiu e não apenas pelo facto de erradamente se ter qualificado o contrato em causa como apenas um contrato promessa de compra e venda, único a que se reportam as fontes jurisprudenciais e doutrinárias citadas, mas ainda por manifesta violação de caso julgado, e por erradamente se ter entendido ocorrer a citada litispendência.
6 - Na verdade, começando pela litispendência, não há manifestamente identidade de pedidos, pois no apenso E pede-se a condenação dos réus a "verificados os créditos dos autores (…) serem graduados no local próprio" enquanto no apenso F, muito diferentemente, se pede a condenação dos réus a "reconhecer que os autores (…) gozam do direito de retenção sobre esses prédios, nos termos do artigo 755º nº 1 do Código Civil, até serem pagos, com preferência sobre quaisquer outros credores, pelo crédito resultante do incumprimento ( ... ) "
7 - Por outro lado, a decisão no sentido da improcedência dos demais pedidos, assentou na matéria de facto que o tribunal deu por provada, e que como tal se aceita, dela resultando que, tendo a ré P, Lda. sido declarada insolvente por sentença transitada em julgado de 23/11/2011, outorgara com os autores, através de escritura pública de 27 de Julho de 1999, um contrato de compra e venda, através do qual comprou aos autores prédios que a estes pertenciam, sem pagamento de qualquer preço, porque o preço deveria vir a ser pago com a entrega aos autores até ao dia 30 de Janeiro de 2003, das duas casas referidas na petição, conforme ao mesmo tempo as partes também convencionaram, no contrato promessa ajuizado.
8 - Igualmente, com efeito, se provou que, nesse mesmo dia 27 de Julho de 1999, e através desse contrato promessa, compradora e vendedores declararam que este contrato promessa de compra e venda, ''por vontade das partes nele declarada, constitui parte integrante e complemento de um outro, no mesmo dia celebrado entre as mesmas partes", que era uma "escritura pública nesse dia outorgada no 1º Cartório Notarial de Guimarães entre os autores e a referida P, Lda.", que constituía "um contrato de compra e venda através do qual os autores venderam à citada P, Lda., pelo preço de 30.000.000$00, que não foi pago" os prédios que pertenciam aos autores (facto B).
9 - Complementando o mesmo propósito, e conforme a sentença deu por provado, "esse contrato formal de compra e venda constitui apenas uma parte do compromisso outorgado pelas mesmas partes, representando a expressão da vontade das partes nele outorgantes, como aí declararam, o dever de pagamento do preço pela P, Lda., representado por bens futuros, a construir pela mesma P, Lda.", pelo que a P, Lda., "nos termos do contratado, prometeu vender aos autores, dando desde logo quitação integral do preço, e os autores prometeram comprar-lhe duas casas germinadas (…) ", que a P, Lda. se obrigou a entregar "aos autores, construídas e prontas a habitar, no prazo de 2 anos após levantamento da licença de construção na Câmara Municipal de Guimarães, levantamento esse que teve lugar no dia 30 de Janeiro de 2001" - folhas 54 a 61 (factos E, F e I).
10 - Provou-se ainda que a P, Lda., em cumprimento do clausulado no contrato, entregou aos autores as casas em causa em Fevereiro de 2010, na sequência de uma decisão do Tribunal da Relação que determinou essa entrega e o cumprimento do contrato, embora, como adiante se verá, o Supremo Tribunal de Justiça viesse a revogar essa decisão, ficando desde então na posse dos prédios, regularizando a transmissão fiscal.
11 - Ora, da conjugação dos compromissos referidos resulta que erradamente se considerou no saneador sentença que as partes celebraram apenas um contrato promessa de compra e venda, pois aquilo a que elas chamaram como tal mais não foi, como elas próprias quiseram e declararam, uma forma de pagar o preço da venda ajustada entre elas, e, por isso, a figura jurídica que as partes quiseram e construíram, uma compra e venda definitiva, integrada e complementada por um contrato promessa estabelecendo o preço, foi uma união de contratos, ou seja, as partes celebraram um único contrato através de dois instrumentos, que entre si se ajustavam e complementavam, um contrato de compra e venda de imóveis, cujo preço deveria ser pago futuramente, através de uma escritura de transmissão de bens que só futuramente passariam a existir, e que, por isso, só futuramente podiam ser integrados no património dos autores.
12 - Ora, é necessário tirar consequências do facto de entre as partes, como elas expressamente declararam, se ter estabelecido um único vínculo, com um nexo funcional entre dois compromissos, um outorgado por escritura, outro constante de um contrato promessa que as partes quiseram que daquela fosse parte integrante, o que significa que entre ambos estes compromissos existe um laço de dependência intrínseca, pois a compra e venda não era possível de realizar-se, porque as partes não a quiseram assim, sem que também se realizasse a entrega dos bens futuros, ou seja, sem que fosse pago o preço (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações, 5.a ed., 1, 265, Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, 395 e Ac. do STJ de 27 de Fevereiro de 1996, in CoI. Jurisp. STJ, Ano IV, 1, página 99, desenvolvidamente referido no texto).
13 - Verdadeiramente o que as partes outorgaram foi um contrato de permuta de bens presentes por bens futuros, sendo certo que o acórdão da Relação do Porto de 7 de Setembro de 2009 (CoI. Jurisp. ano XXXIV, Tomo 4, pág. 167) doutrinou, aliás, que o regime jurídico aplicável ao contrato de permuta de bens presentes por bens futuros é o da compra e venda, conforme o artigo 939.° do Código Civil, e que nesse contrato a transmissão do direito de propriedade das coisas permutadas tem como efeito o próprio contrato de permuta, apenas sucedendo que os efeitos de ambas as prestações ocorrem em momentos diferentes: quanto aos bens presentes no momento da celebração do contrato, quanto aos bens futuros no momento em que se tomem presentes.
14 - Nunca, de resto, ante a referida união de contratos, poderia, a Administradora da Insolvência recusar-se a cumprir a promessa de compra e venda (no caso nem sequer se sabe se recusou), que mais não era do que o resto que faltava cumprir do contrato de compra e venda, porque uma parte do contrato já estava aceite e cumprida, com a entrega dos prédios que pertenceram aos autores, e de autêntico locupletamento à custa alheia (a Insolvente ficava proprietária do terreno que os autores lhe venderam, sem lhes pagar qualquer preço), e muito menos com fundamento no artigo 46.° do CIRE, uma vez que este permite a apreensão e todo o património do devedor, mas o património não é apenas o que tem expressão activa, mas também, por necessária inerência, o que nele representa obrigações, designadamente a do pagamento do preço devido pela referida transmissão, pois, sem pagamento do preço não haveria compra e venda (artigo 879.° do Código Civil).
15 - Acresce que por uma outra razão o contrato sempre teria de ser cumprido pela Insolvente, pois, está provado que em acção anterior movida pelos autores contra a P, Lda., e registada na Conservatória de Registo Predial de Guimarães em 13 de Julho de 2005 (facto Q), pedindo aí os autores a condenação da ré a ver para eles transmitida a propriedade dos prédios prometidos vender, veio a ser decidido, com trânsito em julgado que a ré tinha o direito de ver modificado o contrato para repor o equilíbrio das contraprestações (folhas 137 verso e 138) e tinha o direito de não fazer a escritura, mas apenas até que fosse operada essa modificação, com reposição do equilíbrio das contraprestações, o que significa que logo que reposto o equilíbrio das contraprestações, a ré está condenada definitivamente a transmitir para os autores a propriedade dos prédios em questão.
16 - Tal decisão faz no presente processo caso julgado, quer porque entre este e esse existe identidade de sujeitos, de pedidos e de causa de pedir, pois sempre se pretende num e noutro, e pelas mesmas razões, a entrega dos prédios, mas ainda que se entendesse que não existia a referida tríplice identidade, sempre haveria que atender à autoridade do caso julgado, que obstaria à produção aqui de qualquer decisão que contrariasse aquela obrigação decorrente da citada decisão do Supremo.
17 - Na verdade, ainda que não ocorra aquela tríplice identidade, certo é que o caso julgado formado pela decisão do STJ transitado em julgado, não apenas "preclude todos os meios de defesa" (Manuel de Andrade, apud 1. A. dos Reis, Código de Processo Civil, VaI. V, pág. 174) como, na sua extensão, abarca "todo o objecto da causa" (Ac. STJ de 24/11/77 in BMJ 271, 172).
18 - De resto, como vem sendo decidido, esse entendimento é imposto como única solução compatível com a "economia processual, o prestígio das instituições judiciárias e a estabilidade e certeza das relações jurídicas" (cfr. Ac. STJ de 10/07/97 in Cal. Jurisp. STJ V, 11,165).
19 - Como escreveu Alberto dos Reis "desde que uma sentença transitada em julgado reconhece a alguém certo beneficio, certo direito, certos bens, é absolutamente indispensável para que haja confiança e segurança nas relações sociais que esse beneficio, esse direito e esses bens constituam aquisições definitivas, isto é, que não lhe possam ser tiradas por uma sentença posterior", pois, a não ser assim "ninguém podia estar seguro e tranquilo, a vida social, em vez de assentar sobre uma base de segurança e de certeza ofereceria o aspecto da insegurança, da inquietação, da anarquia", e Manuel de Andrade, versando os aspectos concretos do processo civil, é absolutamente peremptório em afirmar que "se a sentença reconheceu no todo ou em parte o direito do autor, ficam precludidos todos os meios de defesa do réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir, e até os que ele poderia ter deduzido com base num direito seu".
20 - No caso sub judice, o silêncio da Administradora da Insolvência ante os pedidos dos autores de que cumpra o contrato promessa, que a sentença reconhece, mesmo que possa ser interpretado como recusa de cumprimento, tem de ser visto e avaliado à luz do disposto no artigo 102.° do CIRE, o que significa que não estando cumprido nem o contrato constante da escritura pública atrás citada, porque o preço não foi pago, nem o contrato promessa que constituía complemento essencial daquele contrato constante da escritura pública, não pode a Administradora da Insolvência, deixar de cumprir o contrato promessa, pois se isso lhe fosse consentido estaria a consentir-se também o incumprimento do contrato definitivo já celebrado, para mais com grave prejuízo das regras da boa-fé negocial, e do locupletamento à custa alheia, por se consentir à Insolvente a aquisição de bens, através de um contrato de compra e venda, sem pagamento do preço.
21 - Mas, a recusa de cumprimento do contrato promessa de compra e venda, ainda que pudesse ser vista isoladamente, isto é, ainda que fosse afastada a ideia da união de contratos, com a necessária consequência de cumprimento conjunto de ambos, e pudesse ser configurada apenas uma junção de contratos inteiramente autónomos, sempre teria de ser julgada, directamente ou por analogia, segundo as regras da resolução dos contratos, designadamente a do artigo 432.°, nº 2 do Código Civil que proíbe a resolução à parte que, por circunstâncias não imputáveis ao outro contraente, não estiver em condições de restituir o que houver recebido: é que, a ser o contrato resolvido, a insolvente teria de devolver aos autores o terreno que estes lhe venderam, o que é impossível, pois construiu nele 10 casas, das quais já vendeu 8 a terceiros.
22 - Por fim, dúvidas não restam de que estão absolutamente provadas as condições inerentes à imediata execução do contrato promessa, considerando, como não pode deixar de se considerar o resultado do arbitramento já realizado por iniciativa das partes e por ambas aceite, permitindo julgamento imediato, no despacho saneador, e de que, de qualquer maneira, não é possível decidir-se como se decidiu que os autores não têm direito à contraprestação que lhes é devida, seja qual for o preço que resultar da modificação do contrato promessa, bem como que gozam o direito de retenção que lhes é reconhecido no artigo 755.°, nº l , alínea f) do Código Civil, nos termos peticionados.
Pedem, a final, que seja revogada a sentença produzida e, em consequência, julgada a acção nos termos preconizados, ou, a não se entender assim, organizando-se os temas de prova e seguindo-se os demais termos do processo, em relação a toda a matéria articulada e a todo conjunto de pedidos formulados.
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Pela recorrida foram apresentadas Contra-Alegações, nas quais pugna pela manutenção da decisão recorrida.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:
- a de saber se a decisão proferida é nula por omissão de pronúncia;
- se deveria condenar-se a ré Massa Insolvente a cumprir o contrato promessa;
- se não se verifica a exceção da litispendência entre o pedido formulado nesta acção e o pedido formulado na acção de verificação ulterior de créditos (apenso F).
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Foram dados como provados na 1ª Instância os seguintes factos:
A - No processo n° 3158/11.0T JVNF, do 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial desta comarca de Vila Nova de Famalicão, a que os presentes autos estão apensos, a sociedade por quotas P, Lda. foi declarada insolvente, conforme sentença produzida no dia 23 de Novembro de 2011, e já transitada em julgado, tendo sido nomeada como administradora da insolvência a Senhora Dr.a Dalila L, com escritório na Rua C, 21,1.°, nesta cidade.
B - Em 27 de Julho de 1999, a Ré P, Lda., representada pelo seu sócio gerente com poderes para o acto, Avelino O e os aqui Autores, celebraram por escrito um contrato promessa de compra e venda (doc. n° 1 junto aos autos no apenso de reclamação de créditos dos aqui Autores, com cópia a fs. 104 a 106 deste), contrato esse que por vontade das partes, nele declarada, constitui parte integrante e complemento de um outro, no mesmo dia celebrado entre as mesmas partes - fs. 104 a 109.
C - Nesse contrato, os aí outorgantes declararam que por escritura pública nesse dia outorgada no 1° Cartório Notarial de Guimarães, entre os Autores e a referida P, Lda., foi celebrado um contrato de compra e venda através do qual os Autores venderam à citada P, Lda., pelo preço de 30.000.000$00, que não foi pago, os seguintes prédios que lhes pertenciam:
1) Lameiro e vinha com ramada, situado no Lugar da Agrela ou Destro, da freguesia de Silvares, concelho de Guimarães, com a área de 5838 m2, a confrontar de Norte com José de Sousa Francisco, de Sul com a estrada, de Nascente com Belmiro Moreira Gomes e de Poente com António Pereira, Artur Cardoso e Joaquim Alberto Salgado Vaz, inscrito na matriz rústica sob o artigo 212 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 00838/140599;
2) Prédio urbano de rés-do-chão e andar, com a superfície coberta de 92 m2, uma dependência com 10 m2 e quintal com 600 m2, situada no mesmo Lugar de Agrela ou Destro, da indicada freguesia de Silvares, a confrontar de Norte com o Casal de Murça, de Sul e Poente com caminho público e de Nascente com Jerónimo Gonçalves, inscrito na matriz urbana sob o artigo 144 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n000839/140599.
D - Tais prédios integravam-se no património dos Autores, em cujo nome se encontravam registados na Conservatória do Registo Predial de Guimarães (cfr. documentos a fs. 119 e 121).
E – E esse contrato formal de compra e venda constituía apenas uma parte do compromisso outorgado pelas mesmas partes, representando a expressão da vontade das partes nele outorgantes, como aí declararam, o dever de pagamento do preço pela P, Lda., representado por bens futuros a construir pela mesma P, Lda.
F - A Ré P, Lda., nos termos do contratado, prometeu vender aos Autores, dando desde logo quitação integral do preço, e os Autores prometeram comprar-lhe, duas casas geminadas, localizadas no extremo nascente dos terrenos vendidos pelos Autores pela citada escritura, casas essas a construir nos lotes nºs 9 e 10 devidamente assinaladas em planta anexa ao contrato e que dele se declarou parte integrante (cfr. documento nº 1 já referido).
G - Conforme o referido contrato-promessa, a Ré P, Lda obrigou-se a construir tais casas, nos prédios adquiridos aos Autores pela referida escritura, construção que teria lugar de acordo com caderno de encargos próprio conhecido pelas partes, sendo as casas exactamente iguais às restantes que iam ser construídas pela P, Lda. no local.
H - Tais casas seriam, e foram efectivamente, dotadas de cave, com garagem para 3 automóveis, rés-do-chão com sala, cozinha, casa de banho completa, marquise e despensa e 1° andar com 3 quartos, um com quarto de banho privativo e um outro quarto de banho para os restantes quartos, correspondendo aos lotes nºs 9 e 10 do loteamento referido.
I - A P, Lda. no contrato-promessa, parte integrante da escritura, conforme a vontade das partes, obrigou-se ainda a entregar tais casas aos Autores construídas e prontas a habitar no prazo de 2 anos após o levantamento da licença de construção na Câmara Municipal de Guimarães, levantamento esse que teve lugar no dia 30 de Janeiro de 2001 - fs. 110 a 117.
J - Os Autores e a Ré P, Lda conferiram às respectivas declarações nesse contrato consignadas a eficácia de execução específica, prevista no artigo 830° do Código Civil.
K - A P, Lda. obrigou-se, outorgando já como reconhecida proprietária dos imóveis em causa, que registou a seu favor, a celebrar futuramente a favor dos Autores a escritura definitiva de que o mesmo contrato era promessa, escritura essa que, nos termos referidos, devia ser outorgada até ao dia 30 de Janeiro de 2003, com a entrega das citadas casas até essa mesma data.
L - A P, Lda., não entregou aos AA as referidas casas até 31 Janeiro de 2003, apesar de as ter construído efectivamente no local e conforme o loteamento por si requerido e aprovado.
M - A P, Lda., em 31 de Janeiro de 2003, tinha os prédios construídos e prontos, há muito requerera para os mesmos licença de habitabilidade, ou de utilização, que lhe foi concedida pela Câmara Municipal de Guimarães em 27/10/2003 - fs. 126/127.
N - Além disso, a P, Lda., já inscrevera tais prédios na matriz urbana, tendo-lhes sido atribuídos os artigos 1277 e 1278 urbanos de Silvares, Guimarães, que assim se descrevem:
Art°. 1277: Sito no Lugar da Agrela, Lote 9, confrontando de norte com P, Lda e Belmiro Moreira Gomes, sul com caminho público, nascente com Belmiro Moreira Gomes e terreno do domínio público e poente com lote 8, de cave, rés do chão e 1º andar destinado a uma habitação, composto por garagem na cave, uma divisão, cozinha, casa de banho e despensa no rés do chão e três divisões e duas casas de banho no 1º andar - fs. 129/130.
Art°. 1278: Sito no Lugar da Agrela, Lote 10, confrontando de norte com P, Lda. e Belmiro Moreira Gomes, sul com caminho público, nascente com Belmiro Moreira Gomes e terreno do domínio público e poente com lote 9, de cave, rés do chão e 1º andar destinado a uma habitação, composto por garagem na cave, uma divisão, cozinha, casa de banho e despensa no rés do chão e três divisões e duas casas de banho no 10 andar - fs. 131/132.
O - Os Autores resolveram propor no Tribunal Judicial de Guimarães uma acção, à qual viria a caber o n° 664/03.3TCGMR e que correu termos pela 2.8 Vara Cível- fs. 91 a 98.
P - Na petição inicial dessa acção, os Autores pediram a condenação da identificada P, Lda. a, verificado o incumprimento do contrato-promessa, ver lavrada sentença que produzisse os efeitos da declaração negocial desta última, operando a transmissão da propriedade dos prédios em causa dela para os Autores, completamente livres de ónus e encargos.
Q - Os Autores promoveram o registo dessa acção na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, em 13 de Julho de 2005.
R - A referida acção foi contestada pela P, Lda., sustentando esta que retardou a entrega das casas, porque o seu compromisso de por essa forma pagar o preço devido, deveria ser modificado,
S - na medida em que, ao celebrar a escritura de compra e venda dos mencionados prédios, no que respeita ao prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 212, ela representara um terreno com a área de 5838 m2, área essa que para si fora determinante em relação à assunção das obrigações que para ela resultavam do contrato (pagamento de 30.000.000$00, com entrega de duas casas geminadas e de 22% da construção futura), mas constatara, posteriormente, que esse prédio tinha, afinal, uma área menor, de apenas 5111 m2, já que os restantes 727 m2 pertenciam antes a um prédio vizinho, propriedade de um irmão do Autor marido, a quem essa Ré teve de os comprar para poder concretizar o projecto de loteamento que tinha para o local.
T - Daí pretender a Ré uma redução proporcional da sua contraprestação, em relação ao referido contrato, para o que deduziu reconvenção, que obteria provimento em 1ª instância, (a acção foi julgada improcedente e a reconvenção procedente, sendo em consequência os Autores condenados a verem modificado o contrato referido, "por forma a que o preço aí consignado, relativamente ao primeiro dos prédios descritos (prédio rústico denominado Lameiro e Vinha, situado no Lugar da Agrela ou Destro, freguesia de Silvares deste concelho, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº838, de Silvares e inscrito na matriz sob o artigo 212) seja reduzido na proporção da área em falta").
U - Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação, que foi julgado parcialmente procedente, com a consequência de se ter então decidido, além da improcedência da reconvenção: "Julgar procedente o pedido formulado pelos Autores e consequentemente comprovado que se mostre o cumprimento das respectivas obrigações fiscais, declara-se que a Ré P, Lda. cede aos Autores Manuel S e Maria N, por permuta - na sequência do contrato de compra e venda celebrado em 27.7.1999 (…) a propriedade dos seguintes prédios urbanos de Silvares: (artigo 1277) Sito no Lugar da Agrela, Lote 9, confrontando de norte com P, Lda e Belmiro Moreira Gomes, sul com caminho público, nascente com Belmiro Moreira Gomes e terreno do domínio público e poente com lote 8, de cave, rés- do-chão e 1 ° andar destinado a uma habitação, composto por garagem na cave, uma divisão, cozinha, casa de banho e despensa no rés-do-chão e três divisões e duas casas de banho no 1 ° andar; (artigo 1278) Sito no Lugar da Agrela, Lote 10, confrontando de norte com P, Lda. e Belmiro Moreira Gomes, sul com caminho público, nascente com Belmiro Moreira Gomes e terreno do domínio público e poente com lote 9, de cave, rés-do-chão e 1 ° andar destinado a uma habitação, composto por garagem na cave, uma divisão, cozinha, casa de banho e despensa no rés-do-chão e três divisões e duas casas de banho no 1 ° andar".
V - Imediatamente após a notificação desta decisão, a Ré P, Lda. decidiu espontaneamente proceder à entrega dos dois prédios aos Autores, Autores estes que, em consequência da mesma decisão, procederam à regularização fiscal das transmissões.
X No dia 16 de Agosto de 2010, a P, Lda., vendeu, com destino à construção urbana, à sociedade "Grande S Construções, SA", com sede no Edifício Minerva, Rua Dr. A, nº 8, 1°, freguesia de Santo Ildefonso, do concelho do Porto, que se dedica a obras de construção e urbanização, mediante o pagamento do preço, conforme declararam, de 50.000,00 €, a totalidade do prédio rústico denominado "Agrela ou Destro", com a área de 3711 m2, sito no lugar do seu nome, da freguesia de Silvares, inscrito na matriz sob o artigo 212, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº 838-Silvares, conforme escritura pública lavrada no Cartório Notarial do Notário Dr. Aníbal Castro da Costa, situado na Rua Conselheiro Santos Viegas, Edifício Domus, III, lojas 3 e 4, nesta cidade de Vila Nova de Famalicão.
Y O prédio vendido pela P, Lda., constitui a parte sobrante do prédio transmitido pelos Autores à referida P, Lda., e em relação ao qual esta se comprometera a, em complemento ainda do preço devido, entregar aos Autores ou aos seus herdeiros legais 22% da construção a edificar.
Z Na escritura referida, esse prédio, que constitui a parte remanescente das construções já efectuadas pela Ré nos 10 lotes que compunham o loteamento, foi declarado possuir a área de 3711 m2.
AA A referida venda, só por si, tornou impossível, como directa e necessária consequência, o futuro cumprimento, nessa parte, da obrigação assumida pela P, Lda. perante os Autores de lhes pagar ainda, em complemento do preço devido, com a entrega de 22% da construção futura.
BB A Ré interpusera recurso daquele acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, produzido em 5 de Janeiro de 2010, para o Supremo Tribunal de Justiça.
CC O Supremo Tribunal de Justiça, por seu turno, pelo seu acórdão de 13 de Janeiro de 2011, viria a conceder parcialmente a revista da Ré, absolvendo-a do pedido de execução específica do contrato-promessa accionado e, "não se proferindo, consequentemente, a declaração em falta, e confirmando-se o acórdão recorrido quanto ao mais", isto é, confirmando-se a improcedência da reconvenção deduzida pela referida Ré - cfr. docs de fs. 118 a 138.
DD Segundo o aí decidido, o referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça formulou as seguintes conclusões e resumo:
"- A interpelação do promitente faltoso no âmbito do contrato promessa, para a concretização da sua prestação, designadamente para a realização da escritura referente ao contrato definitivo, é dispensável sempre que ocorra recusa expressa e antecipada, por parte deste, ao seu cumprimento.
A alteração superveniente e anormal das circunstâncias que estiveram na base das negociações e formação do contrato promessa, designadamente na fixação das contrapartidas, justificam a modificação do contrato de forma a restabelecer-se o equilíbrio contratual inicial, quando delas resulta injustificada diminuição da prestação de uma das partes.
- O promitente, que ainda não tenha cumprido integralmente a sua prestação, pode, perante a exigência do seu cumprimento pelo outro promitente, opor a este a excepção de não cumprimento resultante da diminuição da sua prestação em consequência da alteração anormal e superveniente das circunstâncias que estiveram na base das negociações e formação do contrato promessa até que, por modificação do contrato, seja reposto o equilíbrio entre as respectivas contraprestações" - fs. 137 v. e138
EE O Supremo Tribunal de Justiça julgou definitivamente fixados os seguintes factos que teve por assentes, e que se vão transcrever integralmente, com saliência dos que mais relevam para efeitos desta acção (fs.126 e ss):
"1º- A aquisição, por partilha judicial de António V e Maria S do direito de propriedade sobre o prédio rústico sito em Agrela ou Destro, Silvares, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº 00838, matricialmente inscrito sob o artigo 212, foi inscrita, em 14 de Maio de 1999, a favor de Manuel S, casado com Maria N (alinea A) dos factos assentes).
2º- A aquisição, por partilha judicial de António V e Maria S, do direito real de propriedade sobre o prédio urbano, sito em Agrela ou Destro, Silvares, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº 00839, matricialmente inscrito sob o artigo 144, foi inscrita em 14 de Maio de 1999, a favor de Manuel S, casado com Maria N (alinea B) dos factos assentes).
3°- Manuel S e Maria N, por um lado, e Avelino O, em representação da sociedade comercial com a firma P, Lda, por outro, declararam, por escritura pública, no dia 27 de Julho de 1999, os primeiros venderem à representada do segundo, o que este declarou aceitar para a sua representada, os seguintes prédios:
1) Pelo preço de 15.000.000$00, já recebido, o prédio rústico denominado Lameiro e Vinha, situado no lugar de Agrela ou Destro, Silvares, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n° 838 e matricialmente inscrito sob o artigo 212;
2) Pelo preço de 15. 000. 00$00, já recebido, o prédio urbano composto de casa de rés-do-chão e andar, dependência e quintal, situado no lugar de Agrela ou Destro, Silvares, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº 839, e matricialmente inscrito sob o artigo 144 (alínea C) dos factos assentes).
4° - Manuel S e Maria N, por um lado, e Avelino O, em representação da sociedade comercial com a firma P, Lda., por outro, declararam, por escrito, datado de 27 de Julho de 1999, que intitularam de "Contrato-Promessa" que:
"Um - Que, por escritura desta data, outorgada no 1º Cartório Notarial de Guimarães, entre os primeiros e a representada do segundo outorgante, foi celebrada uma Escritura de Compra e Venda, em que os primeiros venderam à firma P, Lda., representada pelo segundo outorgante, os prédios referidos naquela escritura, pelo preço de 30.000.000$00 (Trinta milhões de escudos);
Dois - A referida escritura concretiza, em parte, o Contrato-Promessa de Compra e Venda assinado pelos outorgantes em 05 de Maio de 1999;
Três - No entanto, a parte que se refere ao pagamento com bens futuros, cujo objectivo não se concretizou pela referida escritura, irá ser feita pela seguinte forma:
a) A representada do segundo outorgante entregará aos primeiros outorgantes por venda, duas casas geminadas, localizadas no extremo nascente, devidamente assinaladas na planta anexa e que faz parte integrante deste contrato;
b) As casas atrás referidas irão ser construídas nos prédios transmitidos nesta data;
c) As casas a entregar aos primeiros outorgantes, referidos na alínea a), serão construídas de acordo com o caderno de encargos a elaborar e que serão exactamente iguais às restantes casas que irão ser construídas;
d) A entrega das casas atrás referidas será feita no prazo de dois anos, após o levantamento da licença de construção na Câmara Municipal de Guimarães;
Quatro - Também em relação ao número cinco do Contrato-Promessa outorgado em 05 de Maio último, não foi aquele ponto concretizado na escritura outorgada hoje, pelo que a representada do segundo outorgante obriga-se desde já ao seguinte:
a) A parte do terreno objecto da escritura de Compra e Venda assinada nesta data que não será construída de imediato, dada a inviabilidade de construção nesta oportunidade, fica sujeita à entrega aos primeiros ou aos seus herdeiros legais, de 22% da construção a edificar, no caso de, no futuro, se concretizar essa possibilidade;
b) A parte do terreno referida na alinea anterior está devidamente assinalada na planta anexa e que faz parte integrante do presente contrato;
c) Concretizando-se a futura construção na parte do terreno referida na alinea a), a casa ou casas a entregar aos primeiros outorgantes serão localizadas nos extremos dos lotes a construir (…);
Seis - Pelos outorgantes é dito que atribuem às respectivas declarações deste contrato a eficácia de execução específica, prevista no artigo 830° do Código Civil" (alínea O) dos factos assentes).
5° - As casas referidas em 4° seriam dotadas de cave, com garagem para três automóveis, rés-do-chão com sala, cozinha, casa de banho completa, marquise e despensa, e 1 ° andar com 3 quartos, um com quarto de banho privativo e outro quarto de banho privativo e um outro quarto de banho para os restantes quartos (alínea E) dos factos assentes).
6° - A aquisição por compra do direito real de propriedade sobre o prédio urbano sito em Agrela ou Destro, Silvares, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº 00839, matricialmente inscrito sob o artigo 144 encontra-se inscrita, desde 11 de Agosto de 1999, a favor de P, Lda. (alinea F) dos factos assentes).
7º - Numa área de 2892,00 m2 dos prédios referidos em 3° • 1) e 3°• 2), a Ré P, Lda. levou a efeito um projecto de loteamento, a que correspondeu o alvará 42/00, para a constituição de 10 lotes, tendo em vista a construção de outras tantas habitações unifamiliares (alínea G) dos factos assentes).
8° - A licença de construção respeitante a esse projecto foi levantada em 30 de Janeiro de 2001 (alinea H) dos factos assentes).
9° - As habitações referidas em 7° já se acham edificadas (alinea I) dos factos assentes).
10° - A Directora do Departamento de Administração Geral da Câmara Municipal de Guimarães, em cumprimento do despacho do Vereador com poderes subdelegados, António A, datado de 14 de Maio de 2003, exarado no requerimento registado no departamento de Administração Geral sob o n° 0-303, datado de 5 de Maio de 2003, em que Manuel S requeria a emissão de certidão onde constasse se os prédios construídos ao abrigo dos alvarás de licença de construção números 11212001, 933/2002, 113/2001 e 1098/02, lotes nºs 9 e 10 do alvará de loteamento nº42100, possuem licença de utilização, certificou, em 14 de Maio de 2003, que os prédios licenciados pelos alvarás de construção números 11212001, 933/2002, 113/20001 e 1098/02, lotes números 9 e 10, do alvará de loteamento número 42100, não possuem licença de habitação (alínea J) dos factos assentes).
11°-Na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, o prédio referido em r - I) encontra-se descrito como tendo a área de 5838 m2 (alínea Z) dos factos assentes).
12º- Na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, o prédio referido em 3,0.2) encontra-se descrito como tendo a área de quintal de 600 m2 (alínea M) dos factos assentes).
13º- No processo de inventário judicial n ° 90/98, requerido por óbito de António V e Maria S, a cabeça-de-casal relacionou, sob a verba nº10, um prédio rústico, lameiro e vinha em ramada, sito no lugar da Agrela ou Destro, com a área de 7500 m2, a confrontar do norte e poente com António P, do sul com Artur C e do nascente com estrada, não descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 212, e relacionou, sob a verba nº11, um prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, dependência e quintal, sito no lugar da Agrela, com a área coberta de 92 m2, dependência com 10m2 e quintal com 600 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n° 584, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 144 (alínea N) dos factos assentes).
14°- A referida cabeça-de-casal relacionou, ainda, sob a verba nº12, um prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, dependência e quintal, sito no lugar da Agrela, com a área coberta de 36 m2, dependência com 7 m2 e quintal com 100 m2, a confrontar do norte, nascente e poente com herdeiros de António V, e do sul com casal de Mouril, parte do descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº7747, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 129, e relacionou, sob a verba n° 13, um prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, dependência e quintal, sito no lugar da Agrela, com área coberta de 41 m2, dependência com 8 m2 e quintal com 100 m2, a confrontar do norte, nascente e poente com herdeiros de António V e do sul com Casal de Mouril de fora, parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n° 7 747, inscrito na matriz sob o artigo 130 (alinea O) dos factos assentes).
15° - Joaquim A e Maria M intentaram, em 27 de Outubro de 1999, por apenso ao processo de inventário n° 90/98, acção declarativa, com processo ordinário, contra Maria S, Maria A, José A, José V, Manuel S, Maria N, Maria E, Abílio J, Maria H e Serafim C, que, sob o n° 162/00, correu termos na 2a Vara Mista de Guimarães, pedindo a condenação dos réus a procederem à emenda da partilha, quanto à área dos quintais dos prédios urbanos descritos nas verbas números 12 e 13, a verem rectificadas, no título, as descrições daquelas verbas, por forma a constar, na verba n° 12, que o quintal tem a área de 637m2 e, na verba n° 13, que o quintal tem a área de 331 m2 (alínea PJ dos factos assentes).
16° - Por sentença, confirmada por Acórdãos da Relação de Guimarães de 18 de Junho de 2003 e do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2004, a acção referida em 15.° foi julgada parcialmente procedente, determinando-se, em consequência, a emenda da partilha a que se procedeu por óbito de António Vaz e Maria Salgado, por forma a ficar a constar, na verba n° 12 da relação de bens, que o quintal tem a área de 390 m2 e, na verba n° 13 dessa relação, que o quintal tem a área de 337 m2 (alinea Q) dos factos assentes).
17° - Na acção referida em 15º, ficaram assentes, entre outros, os seguintes factos:
1. No dia 17 de Dezembro de 1998, realizou-se a conferência de interessados;
2. Nessa conferência, os interessados acordaram que os prédios relacionados sob as verbas nºs 10 e 11 eram adjudicados ao interessado Manuel S e que os prédios relacionados sob as verbas nºs 12 e 13 eram adjudicados ao interessado Joaquim A;
3. Por sentença de 29 de Janeiro de 1999, transitada em julgado, foi homologada a partilha, adjudicando-se aos interessados os respectivos quinhões;
4. Os prédios relacionados sobre as verbas números 12 e 13 encontravam-se separados do prédio relacionado sob a verba n° 10 por um muro de suporte existente, a nascente daqueles dois primeiros prédios;
5. Todos os interessados (. . .) tinham conhecimento que cada uma das áreas dos quintais dos prédios relacionados sob as verbas números 12 e 13 abrangia todo o terreno que em cada um deles se estendia até ao muro sito a nascente;
6. A área de quintal do prédio relacionado sob a verba n ° 12, tendo como limite, a nascente, um muro que aí existia, é de 390 m2;
7. A área de quintal do prédio relacionado sob a verba n° 13, tendo como /imite, a nascente, um muro que ai existia é de 337 m2;
8. Após o trânsito em julgado da sentença referida em 17º- 3., o réu Manuel S derrubou o muro referido em 17° - 4 (alinea R) dos factos assentes).
18° A ré P, Lda. requereu para os prédios ou casas referidas em 7.° as licenças de habitabilidade ou utilização, que foram concedidas pela Câmara Municipal de Guimarães por alvarás números 191412003 e 191512003, de 21 de Outubro de 2003 (alinea S) dos factos assentes).
19° - A ré P, Lda inscreveu esses prédios na matriz urbana, tendo-lhes sido atribuídos os artigos 1277 e 1278 urbanos de Silvares com a seguinte descrição:
- artigo 1217 Sito na lugar da Agrela Lote 9, confrontando, de norte, com P, Lda. e Belmiro M, de sul, com caminho público, de nascente, com Belmiro M e terreno do domínio público e, de poente, com lote 8; cave, rés-do-chão e 1° andar, destinado a uma habitação, composto por garagem na cave, uma divisão, cozinha, casa de banho e despensa no rés do chão e três divisões e duas casas de banho no 1º andar;
- artigo 1278 Sito no lugar da Agrela lote 10, confrontando, de norte, com P, Lda. e Belmiro M, de sul, com caminho público, de nascente, com Belmiro M e terreno do domínio público e, de poente, com lote 9; cave, rés do chão e 1.° andar, destinado a uma habitação, composto por garagem na cave, uma divisão, cozinha, casa de banho e despensa no rés do chão e três divisões e duas casas de banho no 1.° andar (alínea T) dos factos assentes).
20 - Autores e ré P, Lda. atribuíram às duas casas geminadas referidas em 4° Três o valor de 35 000 000$00, a que corresponde o actual contravalor de € 174 579,26 (alinea T) dos factos assentes).
21 - Na sequência da carta junta a f1s. 192, remetida pelo ilustre mandatário dos autores à ré, o sócio-gerente desta assinou e remeteu aos autores a carta junta a f1s. 163 (resposta aos quesitos 3° e 4°)
22 - Ao celebrar a escritura referida em 3°, relativa ao prédio identificado em 3° I), a ré representou um terreno com a área de 5 838 m2, que se estendia para além do muro que aí existia (resposta ao quesito 6°)
23 - Foi nesse pressuposto que acordou as contrapartidas referidas nessa escritura (resposta ao quesito 7°).
24 - E acordou as contrapartidas discriminadas em 4. ° Três a) e 4. ° - Quatro a) (resposta ao quesito 8º)
25 - A ré P, Lda. optou por não proceder à entrega das casas referidas em 4. ° - Três a) até se apurar das consequências decorrentes da acção referida em 15. ° (resposta ao quesito 9°)
26 • A ré P, Lda. prometeu a venda referida em 4º Três dando, desde logo, quitação integral do preço aos autores (resposta ao quesito 11°).
27 - A ré P, Lda. protelou a entrega dos imóveis (resposta ao quesito 13°).
28 - O prédio rústico referido em 3° - I) possui, a menos, a área que, sensivelmente, corresponde à projectada em amarelo no documento junto a f1s. 79 dos autos do processo apenso (resposta ao quesito 14 0).
FF O referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça foi objecto de um pedido de aclaração e de uma arguição de nulidades, tendo os Exmos. Julgadores consignado, em resposta a esses pedidos, que "o contrato-promessa persiste nos precisos termos em que foi elaborado, enquanto não for cumprido ou modificado" - fs. 140 a 144.
GG Os Autores, sabendo da produção da sentença que decretou a insolvência da P, Lda., logo em 19 de Março de 2012 abordaram a Senhora Administradora da Insolvência propondo-se com ela, em cumprimento do dito acórdão do Supremo, que transitaria em julgado apenas em meados de Abril, negociar extrajudicialmente a fixação do preço devido na sequência do aludido contrato de permuta, para o que propunham que se desse por compensada a obrigação dos Autores de verem modificada a sua prestação, com o crédito destes sobre a Insolvente de receberem 22% da construção a edificar.
HH Até hoje não foi, porém, possível obter qualquer posição definitiva da Massa Insolvente, embora tudo leve a crer que se pretende a conversão em dinheiro da parte do preço resultante da correcção a que há-de proceder-se.
II As partes - Autores e Ré P, Lda.- estão condenadas, por sentença transitada em julgado, a fixarem entre si o necessário a restabelecer o equilíbrio das prestações no referido contrato.
JJ Os Autores propuseram, após a notificação da decisão definitiva do STJ, à Administradora da Insolvência, e com vista ao cumprimento daquela decisão, alterar o contrato inicial, por forma a receberem os dois referidos prédios e renunciarem à indemnização que lhes seria devida pela impossibilidade de, atenta a venda do prédio pela Ré P, Lda., receberem os 22% de construção futura que lhes era devido.
KK Porém, a demandada Administradora da Insolvência viria, embora muito tardiamente, a recusar essa possibilidade de transacção.
LL Em requerimento apresentado no processo de insolvência, os Autores vieram pedir, para o caso de se entender aplicável o artigo 102º do CIRE, que a Administradora da Insolvência se pronunciasse em definitivo sobre se entendia ou não dever cumprir o contrato e aquela decisão do STJ.
*
Da nulidade da decisão por omissão de pronúncia:
Alegam os recorrentes que no saneador sentença objecto deste recurso o tribunal apenas decidiu, julgando-os improcedentes, os pedidos formulados sob as alíneas a), b) e c) (relativos à execução do contrato promessa, à sua modificação segundo juízos de equidade) e alínea e) (condenação da massa insolvente à impossibilidade de optar pelo incumprimento do contrato promessa) nada dizendo, nem decidindo, sob os pedidos das alíneas d) e f) (de condenação da ré a ver compensado o seu crédito com o contra crédito dos autores, e de reconhecimento de que os autores gozam do direito de retenção), para além de, quanto a este último pedido, referir que nele se pede o pagamento de uma indemnização, o que não corresponde à verdade, pois apenas se pede o reconhecimento do direito de retenção.
E que as citadas omissões de pronúncia constituem nulidades nos termos do artigo 615.°, nº 1 alíneas d) e f) do CPC.
Mas sem razão, como é bom de ver.
O tribunal recorrido não deixou de conhecer dos pedidos formulados - que enunciou mesmo no relatório da decisão, de a) a f). O que decidiu foi conhecer, de imediato, dos pedidos formulados nas alíneas a), c) e e), relacionados com o pedido de execução específica do contrato-promessa, e do pedido de indemnização (formulado subsidiariamente) pelo não cumprimento daquele contrato por parte da Administradora da Insolvência.
Isso mesmo é referido no início da decisão proferida: “O estado dos autos permite se conheça, desde já, do pedido de execução específica do contrato-promessa que engloba os alinhados sob as alíneas a) - na vertente de dever a Massa cumprir o contrato promessa - c) e e), decisão que se toma ao abrigo e por imposição da aI. b) do n.º 1 do art. 595.° do CPC”, acrescentando-se depois que “…apenas é possível decidir, nesta fase, os pedidos formulados sob as alíneas a), c) e e), pois, em relação aos demais pedidos, nomeadamente à fixação do crédito dos AA. pelo incumprimento, é controvertida matéria de facto indispensável para decisão…”.
Não se verifica, assim, omissão de pronúncia, nem a invocada nulidade, uma vez que é referido expressamente no despacho recorrido que em relação aos demais pedidos a matéria de facto atinente aos mesmos é controvertida.
Quanto ao demais alegado, de que quanto ao último pedido, nele se pede apenas o reconhecimento do direito de retenção, tal afirmação não corresponde à verdade, como resulta da formulação de tal pedido, feita de forma subsidiária, na alínea f).
Depreende-se do pedido formulado (ainda que de forma pouco clara, reconhece-se) que os AA pretendem ver-lhe reconhecido o direito de crédito sobre a Massa insolvente, no montante de € 174.579,26, resultante do incumprimento do contrato-promessa, crédito esse que goza do direito de retenção sobre os prédios que lhe foram transmitidos.
Foi esse pedido que o tribunal conheceu no despacho saneador, considerando estar em condições de o fazer nesse momento, concluindo que se verificava, relativamente ao mesmo, a exceção de litispendência, por os AA haverem deduzido o mesmo pedido nos autos de verificação ulterior de créditos, nos termos previstos nos artºs 146º e ss. do CIRE, e daí não ter apreciado o seu mérito.
Nenhuma nulidade verificamos, assim, no despacho recorrido.
*
Quanto à improcedência do pedido de execução específica do contrato promessa, nenhum reparo temos a fazer à decisão recorrida, que fez, quanto ao mesmo, uma correta apreciação da questão, subsumível ao disposto no artº 106º do CIRE.
Importava decidir, face à matéria de facto dada como provada, se os AA. podem impor à Massa Insolvente - pelo seu Administrador - a execução específica do contrato promessa meramente obrigacional, em que houve tradição para os promitentes compradores das coisas prometidas vender.
Como dissemos, decidiu bem a questão, a sentença recorrida, concluindo pela possibilidade de o Administrador da Massa Insolvente poder recusar o cumprimento do contrato promessa, o que implica a improcedência do pedido formulado, de execução específica do contrato – que mais não é do que a substituição, por via judicial, da declaração da parte que o não quer cumprir (artº 830º nº 1 do CC).
Começamos por dizer que, contrariamente ao ora alegado pelos recorrentes (contrariando embora os pedidos formulados), estamos, de facto, na presença de um contrato promessa celebrado entre os AA e a P, Lda, entretanto declarada insolvente.
Trata-se de uma convenção pela qual ambas as partes se obrigam a celebrar determinado contrato (art. 410°, n° 1, CC).
Do contrato promessa nasce, assim, uma obrigação de prestação de facto positivo - a obrigação de emitir a declaração de vontade correspondente ao negócio cuja realização se pretende assegurar, o negócio prometido.
Ora, foi precisamente um contrato-promessa que as partes celebraram, contrato esse cujos contornos estão devidamente enunciados na matéria de facto provada e que a ré não cumpriu, embora tenha entregue aos AA as duas moradias objecto do mesmo contrato.
E é precisamente o cumprimento coercivo desse contrato-promessa que os AA pretendem obter nesta acção.
Mas sem êxito, como se decidiu na sentença recorrida.
Nos termos do nº 1 do artº 106.° do CIRE (Promessa de contrato), “No caso de insolvência do promitente-vendedor, o administrador da insolvência não pode recusar o cumprimento de contrato-promessa com eficácia real, se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente-comprador”.
E nos termos do nº 2 “À recusa de cumprimento de contrato-promessa de compra e venda pelo administrador da insolvência é aplicável o disposto no n.º 5 do artigo 104.º, com as necessárias adaptações, quer a insolvência respeite ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedor”.
Da simples leitura da norma conclui-se que são aqui reguladas as duas modalidades de contrato promessa: o dotado de eficácia real e o meramente obrigacional. Estabelece-se no nº 1 que o Administrador de Insolvência não pode recusar o cumprimento de contrato promessa com eficácia real se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente comprador; e consagra-se no nº 2 o princípio geral de que o administrador pode recusar o cumprimento de qualquer outro contrato promessa (meramente obrigacional ou com eficácia real mas sem traditio), ainda que tenha havido tradição da coisa.
No caso dos autos, estamos perante um contrato promessa meramente obrigacional, embora com entrega da coisa (das moradias objecto do contrato promessa).
Como é sabido, o contrato promessa de compra e venda não transfere a propriedade da coisa; essa transferência só ocorrerá no momento e por força da outorga do negócio prometido, a prometida compra e venda, ou pela execução específica da promessa de venda, em que a sentença substitui a declaração de venda do faltoso - art. 830º do CC.
Claro que as partes podem atribuir eficácia real ao contrato promessa, nos termos previstos no artº 413º do CC, o que significa que podem acordar, logo no momento da celebração do contrato, a transferência da propriedade da coisa prometida.
Efetivamente, nos termos do nº 1 do art. 413º do CC, “À promessa de transmissão ou constituição de direitos reais sobre bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo, podem as partes atribuir eficácia real, mediante declaração expressa e inscrição no registo”, prevendo-se no nº 2 do mesmo preceito as formalidades legais a respeitar quanto a essa declaração.
Assim, se a promessa tiver eficácia real, ela prevalece sobre todos os direitos que posteriormente ao seu registo se constituírem em relação à coisa; tudo se passa como se a alienação ou oneração se tivesse efectuado na data em que a promessa foi registada.
Não sendo este o caso do contrato promessa dos autos, a propriedade sobre o imóvel não se transferiu para o promitente-comprador.
E é justamente por isso que os AA. pretendem que o Tribunal se substitua ao Administrador de Insolvência, decretando a transferência da propriedade das moradias prometidas vender para a sua esfera jurídica.
Mas não têm apoio legal para o fazer, uma vez que não atribuíram eficácia real ao contrato-promessa, mesmo que tenha havido tradição da coisa.
Exige-se, efectivamente, na lei (no nº 1 do art. 106.° do CIRE) para que o administrador da insolvência não possa recusar a celebração do contrato-promessa, que o mesmo tenha eficácia real; que tenha havido tradição da coisa objecto do contrato prometido; e que o insolvente seja o promitente-vendedor.
O n ° 2 do preceito regula os casos restantes, nos quais falha qualquer um dos três requisitos exigidos pelo nº 1, ou seja, os casos em que o contrato-promessa tem eficácia real mas não houve tradição da coisa ou em que, tendo havido tradição, o insolvente não é o promitente-vendedor e os casos em que o contrato-promessa não tem eficácia real (tenha ou não havido tradição e seja o insolvente o promitente-vendedor ou o promitente-comprador).
Estabelece este número a regra geral, aplicável à grande maioria dos contratos-promessa: nestes casos, ao contrário do caso regulado no nº 1, o administrador pode recusar o cumprimento, aplicando-se então, por remissão do n° 2 do art. 106.°, o n° 5 do art. 104.° e, finalmente, por remissão deste último, o n° 3 do art. 102º.
Não restam dúvidas, cremos, face à redacção do preceito em análise, de que o administrador da insolvência pode recusar o cumprimento do contrato-promessa quando, independentemente de traditio, o contrato-promessa tem eficácia meramente obrigacional – como é o caso dos autos (cfr. neste sentido, entre outros, Calvão da Silva, “Sinal e contrato promessa”, p. 165, Carvalho Fernandes e João Labareda “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado”, p. 400, Pestana de Vasconcelos “Contrato-promessa e falência/insolvência - Anotação ao Ac. do TRC de 17.4.2007, Agravo 65/03”, p. 61 e ss e Alexandre Soveral Martins, “Um Curso do Direito da Insolvência”, 2015, Almedina, pág. 155/156).
Concluímos assim do exposto, que resulta claramente da conjugação dos artºs 102.° nº1, 104.° e 106.° do CIRE, que o administrador da insolvência pode recusar o cumprimento da promessa obrigacional, mesmo com tradição da coisa; e se pode recusar esse cumprimento, não lhe pode ser imposta a execução específica, pelo que, alinhando com o decidido na 1ª instância, improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso dos apelantes.
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Da questão da litispendência:
Colocava-se então a questão de saber se, validamente recusado o cumprimento do contrato promessa pela Massa Insolvente, assistia aos promitentes compradores o direito de retenção, pelo crédito resultante de tal incumprimento, no valor peticionado de 174.579,26 €.
Concluiu-se na decisão recorrida que se verificava a exceção de litispendência quanto a este pedido, absolvendo os RR da instância, sem apreciação do mérito da questão.
E bem, em nosso entender.
Efetivamente, no apenso ao processo de insolvência da ré “P, Lda.” os AA vieram, nos termos do art. 146° a 148° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (quanto a uma parte do pedido, por mera cautela), propor contra a insolvente, os credores da massa insolvente daquela e contra a própria massa insolvente, acção para verificação ulterior de créditos, bem como, eventualmente, para exercer o direito à separação de bens, nos termos do nº 1 e seguintes do art. 146° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), formulando os seguintes pedidos:
“Nestes termos e nos mais de direito, deve a presente acção ser julgada procedente por provada, sendo, em consequência:
a) verificados os créditos dos Autores supra referidos, um, deduzido condicionalmente, no montante de 174.579,26 €, o qual tem natureza de crédito garantido, outro de 90.000,00 €, com a natureza de crédito comum, a serem graduados no local próprio;
b) Na hipótese de os prédios cuja transmissão de propriedade para os Autores se reclama se encontrarem apreendidos para a Massa, declarada a sua separação da mesma e a restituição aos Autores”.
Ora, comparando o pedido formulado nesta acção – que deu entrada em juízo em 27.11.2012 – com o da acção de verificação ulterior de créditos e eventual exercício do direito à separação de bens apreendidos para a massa – que deu entrada em juízo em 26.11.2012 -, constatamos que os pedidos são os mesmos, sendo também os mesmos os fundamentos para eles invocados.
Alegam ali os AA que são credores da Massa Insolvente pelo eventual crédito resultante da possível recusa de cumprimento do contrato e da transmissão para os Autores da propriedade dos imóveis, no valor de 174.579,26€ e que esse crédito deve ser reconhecido como garantido, atentas as regras dos artigos 755°, nº 1, e 759° nºs 1, 2 e 3 do Código Civil, e al a) do nº 4 do art. 47° do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.
Ora, tal pedido é exactamente o mesmo formulado nesta acção, na alínea f), sendo, além disso, as mesmas as partes, e sendo a mesma a causa de pedir - o contrato-promessa incumprido -, o que determina o conhecimento (oficioso) pelo tribunal da exceção da litispendência, prevista no artº 580º do CPC, exceção essa que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição do R da instância onde essa exceção for operante, que é o caso dos autos.
Efetivamente, sobre o conceito de litispendência, prevê o artigo 580.° do CPC que a exceção de litispendência pressupõe a repetição de uma causa, estando a anterior ainda em curso, tendo ela por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
Prevê-se depois no artº 581º que se repete a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico; e há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.
Sobre a acção na qual deve ser deduzida a litispendência, prevê-se no artº 582º do CPC que a litispendência deve ser deduzida na ação proposta em segundo lugar, considerando-se proposta em segundo lugar a ação para a qual o réu foi citado posteriormente.
Porque a Ré contestante foi citada no mesmo dia em ambas as acções, considerou-se, bem, na decisão recorrida, proposta em segundo lugar a açção comum que entrou no dia 27.11.2012, pois a acção especial para verificação ulterior de créditos entrou em 26.11.2012.
E com base nos preceitos legais citados, concluiu-se pela verificação da exceção da litispendência quanto ao pedido formulado pelos AA na alínea f), abstendo-se do conhecimento do mérito de tal pedido e absolvendo os RR da instância quanto aos mesmos.
Concordamos inteiramente com a decisão proferida, também nesta parte, dando como improcedentes, na totalidade, as conclusões de recurso dos apelantes.
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Decisão:
Pelo exposto:
Julga-se Improcedente a Apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas (da Apelação) pelos recorrentes.
Notifique
Guimarães, 23.6.2016.
Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Desembargadora Ana Cristina Duarte
2º Adjunto: Desembargador Francisco Xavier