Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
628/14.1TBBGC-C.G1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
OBRIGAÇÃO DE PRESTAR CONTAS
PRESTAÇÃO DE CONTAS PELO AUTOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – No processo de prestação de contas, a situação em que se encontram o autor e o réu no que concerne à apresentação das contas é diferente, pois é sobre o réu que recai a obrigação de as prestar, dispondo ele dos elementos necessários para o fazer ou podendo obtê-los; já o autor terá mais dificuldades para o fazer.
II - Por isso, para a apresentação das contas pelo autor, a lei é menos exigente do que para a do réu e, também por tal motivo, são cometidos ao tribunal amplos poderes de indagação.
III - Se o autor apresentar as contas de forma imprecisa ou incompleta deve ser convidado a aperfeiçoá-las ou serem feitas diligências e por isso o juiz não tem necessariamente que aprovar as contas apresentadas pelo autor mas sim proferir decisão justa.
IV - Considerando essa menor exigência, entende-se que a não apresentação sob a forma de conta-corrente e a falta de documentação não são motivos de rejeição.
V - Incumbir pessoa idónea para dar parecer sobre as contas é uma mera faculdade (e não obrigatoriedade).
VI - O autor da acção de prestação de contas deve limitar-se a pedir que o réu as preste ou conteste a acção, não podendo incluir na petição a condenação em juros de mora.
VII - Só prestadas as contas, pode o autor pedir que o réu seja notificado para lhe pagar o saldo que elas apresentem a seu favor e, se o réu não pagar o saldo apurado nas suas contas no prazo de 10 dias após a notificação,incorre em mora e terá de pagar juros à taxa legal a partir do dia seguinte ao décimo posterior à notificação.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

1 –Relatório.

AA (A), residente em Bragança, instaurou acção de prestação de contas, com processo especial, contra BB (R), residente em França, pedindo que este seja condenado na apresentação das contas da sua administração desde 1998 até 2006.
A acção foi, por sentença, julgada procedente, nos termos do disposto no artigo 1014.º-A, n.º 5 do antigo CPC (correspondente ao artigo 942.º, n.º 5, do novo CPC), condenando-se o R a prestar contas da sua administração desde 02.10.1998.
Notificado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1014.º-A, n.º 5 do CPC, o R apresentou contas sem dar cumprimento ao disposto no artigo 1016.º, n.º 1, do CPC, tendo sido determinada a rejeição das mesmas e a apresentação de contas pela A.
Inconformado, o R interpôs recurso de agravo de tal despacho.
O Tribunal da Relação do Porto julgou não provido o agravo e confirmou o despacho que determinou a apresentação de contas pela A.
Notificada para esse efeito, conforme o disposto no artigo 1015.º, n.º 1 do CPC (correspondente ao artigo 943.º, n.º 1 do novo CPC), a A veio apresentar as contas constantes de fls. 333-338e pediu que o R seja condenado a pagar-lhe metade do saldo positivo apurado, no valor de € 75.748,54, acrescido dos respectivos juros moratórios desde 04.09.2006, até integral e efectivo pagamento.
Foi proferida decisão nos termos do disposto no artigo 943.º, n.º 2, do CPC.
Nadecisãoproferida, foidecidido aprovar parcialmente as contas apresentadas pela A e, por conseguinte, condenar o R a pagar-lhe o valor de € 31.360,07 (trinta e um mil trezentos e sessenta euros e sete cêntimos), acrescido de juros de mora contados desde 07.11.2008, até efectivo e integral pagamento.
Inconformada com tal decisão, a A interpôs recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição):
“1ª) – Devem ser modificadas as respostas à factualidade vertida nos artigos 5 e 6, dos Factos Provados, por forma a considerar-se como provado, que o Recorrido pagou de impostos relativos a bens comuns, nomeadamente, de Contribuição Autárquica e de IMI, o montante total de € 2.175,49.
2ª) – Deve ser eliminado, ou considerado não provado, o nº 6 dos Factos não Provados, ou seja, que o Réu suportou ainda, a quantia de € 6.655,68 com outras despesas de administração do património, a saber seguros, electricidade e administração de condomínio.
3ª) – Modificada, como deve ser, a resposta à Matéria de Facto provada, e até independentemente de tal modificação, é manifesto que o valor que a A./Recorrente tem direito a haver do R./Recorrido, a título de reembolso de metade do saldo positivo da gestão do património comum dos litigantes, é superior ao montante de € 31.360,07, discriminado na douta sentença recorrida.
4ª) – Constata-se desde logo, que não foi contabilizada na douta sentença recorrida, na soma das receitas comuns, a importância de € 10.354,73, correspondente ao valor dos certificados de aforro dos Serviços Financeiros Postais, pertencente ao casal e de que o Recorrido dispôs em proveito exclusivo, conforme assente no nº 12 dos Factos Provados.
5ª) – Por outro lado, foi somado com o valor de € 10.036,73 a importância que de facto, é de € 10.036,33, correspondente ao depósito na conta n.º 0400004270, junto do mesmo banco Banesto, Banco Español de Crédito, SA, na Puebla de Sanábria, que era comum do casal e da qual o Recorrido dispôs em proveito exclusivo (v. nº 11 dos Factos Provados).
6ª) – Assim, o valor total das Receitas ascende a € 96.963,62 (€ 59.949,47 + € 4.193,99 + € 1.024,56 + € 1.132,07 + € 9.773,67 + € 10.036,33 + € 10.354, 73 + € 498,80).
7ª) – A soma total das Despesas com o património comum ascende apenas, ao valor global de € 2.853,81 (€ 678,32 + € 2.175,49).
8ª) – O que perfaz o Saldo positivo de € 94.109,81, tendo a A./Recorrente direito a metade de tal importância, no montante de € 47.054,91.
9ª) – A interpelação do Recorrido para a prestação de contas ocorreu com a sua citação para os termos dos presentes autos, o que sucedeu em 16/04/2007.
10ª) – Deve por isso, o Recorrido ser condenado a pagar à Apelante os juros de mora à taxa legal, contados desde 16/04/2007, até integral e efectivo pagamento.
11ª) – Foram violados ou mal interpretados os artigos 607º, nº 3, nº 4 e nº 5;943º, nº 2 e 942º, nº 1 do novo C.P.C. e o artº 805º, nº 1, do Cód. Civil NESTES TERMOS e nos mais de direito aplicáveis, devem Vªs Exªs, Senhores Juízes Desembargadores, julgar a presente Apelação procedente, e em consequência, revogar a decisão proferida sobre a matéria de facto, modificando-se as respostas à matéria de facto, como supra explicitado e proferida nova decisão de mérito, julgando procedente a presente Acção, e condenando o R./Recorrido a pagar à A./Recorrente o montante de € 47.054,91, acrescido de juros de mora desde 16/04/2007 até integral e efectivo pagamento.”
Também inconformado com a mesma decisão,o R igualmente interpôs recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição):
1- Deve ser modificada a matéria de facto dada como provada, por forma a ser considerado como não provados os factos constantes em 3, 7, 9, 10, 11 e 12 da matéria de facto considerada provada na sentença recorrida, pelo seguinte:
2- A autora foi notificada através do seu mandatário a 21/2/2013, do despacho de (fls. 329), que renova o despacho de (fls 279), para apresentar as contas, no prazo de 30 dias, ref, citius: 2196722.
3- Apesar da prorrogação de prazo por mais 30 dias, artigo 147º/2 do C.P.C., veio a autora apresentar apenas em 9/5/2013 o articulado (a fls 333 a 339). que designou por “contas de gestão” (a fls 333 a 339).
4- Este articulado foi apresentado fora do prazo legal(60dias) subsequente à notificação.
5- Referiu a autora neste articulado, de 9/5/2013, (a fls.337), que os relatórios de gestão e respetivos documentos seriam apresentados na secretaria do Tribunal, por excederem a dimensão de 3MB.
6- Não tendo sido juntos no próprio dia, em 10/9/2013, (fls. 346), veio a autora novamente requerer a junção aos autos, dos relatórios de gestão e respectivos documentos, por não terem sido juntos oportunamente por “manifesto lapso” e por excederem a dimensão de 3MB, seriam apresentados na secretaria.
7- Em 5/11/2013, com a informação que até à data ainda não tinham sido entregues os documentos a que se faz referencia a fls. 346, não tendo ate ao momento sido dado cumprimento ao n.º 3, do n.º 10 da Portaria n.º 280/2013,de 26/8, foi o Ilustre mandatário da autora notificado do douto despacho (de Fls.348), para esclarecer o que tivesse por conveniente no prazo de 5 dias.
8- Foi ainda notificado o Il Mandatário da autora no sentido de a autora apresentar os documentos no prazo de 5 dias dos doutos despachos de: 27/11/2013, (Fls349); de 30/6/2014, (fls. 350); de 4/11/2014, (fls. 350),
9- A 18/12/2014 veio o ilustre mandatário da autora requer o prazo de 5 dias para juntar toda a documentação,(fls. 357).
10- Em 03/2/2015 foi proferido o douto despacho (de fls. 359), a julgar prejudicado o requerido pela autora 18/12/2014 (a fls. 357), ordenando a notificação da autora para juntar o relatório no prazo de 5 dias.
11- Perante esta notificação veio o mandatário da autora, em 8/4/2015, apresentar o requerimento (a fls. 360), a solicitar a junção aos autos do relatório de gestão e contas e pertinentes documentos anexos, pedindo a condenação do réu a pagar metade do valor do saldo apurado, no valor de 75.748,54.
12- Não tendo até 29/4/2015, sido entregue qualquer relatório e documentos pela autora, (conclusão fls. 362).
13- Simplesmente foi entregue pela autora na secretaria, em 30/4/2015 o requerimentos de fls. 363, através do qual entregou o que designou por “documentos”, duas folhas, com os títulos emendados “Relatório de rendas” e “património comum”, com os dizeres que lá se encontram inscritos, e uma factura simplificada, (fls. 364, 365 e 366), (que se encontram localizadas a seguir a fls. 339 dos autos), a que o réu não reconhece qualquer validade, peloque se impugnam.
14- Além destas folhas apresentadas em 30/4/2015, (passados mais de dois anos, quando foi notificada para presentar as contas em 21/2/2013), nada mais foi entregue pela autora, nem relatórios de gestão, nem juntou quaisquer documentos aos autos.
15- Além de não terem sido apresentados documentos ou relatórios de gestão nunca foram apresentadas quaisquer contas sob a forma de Conta Corrente, onde devia ser especificada a proveniência das receitas e aplicação das despesas, com o respectivo saldo.
16- Também não foram apresentadas em duplicado e instruídas com quaisquer documentos justificativos dos valores apresentados.
17- Sendo apenas apresentado o articulado (a fls.337), em 9/5/2013, e um requerimento em 30/4/2015 com duas folhas, com os títulos emendados “Relatório de rendas” e “património comum”, com os dizeres que lá se encontram inscritos, e uma factura simplificada, fls 364, 365 e 366.
18- Este exercício de apresentação de valores, discricionário, sem qualquer fundamento, ou qualquer documento que o justifique, com todo o respeito, não pode permite dar como provado, que o reu obteve rendimentos de Janeiro de 1998 até 2006 num total de 86.609,29€.
19- Apesar de a douta sentença proferida nos autos (a fls. 197 a 200), ter determinado que a autora requer a prestação de contas desde 1988 a 2000 e estar o réu obrigado a prestar contas neste período, desde 2/10/1988 a 2000 (fls198 e 199).
20- Pese a possibilidade de o julgador poder decidir segundo o seu prudente arbítrio e as regras da experiencia (artigo 945, n.º 5 do C.P.C.), não se podem considerar justificadas as verbas da receita e da despesa sem documentos, a não ser nos casos em que não é costume exigi-los.
21- A livre apreciação da prova, não abrange os factos para cuja prova se exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos (artigo 607º n.º 5 C.P.C.)
22- Cabendo o ónus da prova das contas apresentadas ao respectivo apresentante de contas.
23- Verificando-se que todas as peças apresentadas pela autora, foram entregues fora do prazo legal e fora dos prazos concedidos pela Meritíssima Juiz, motivos pelos quais não podem ser recebidas e aceites por manifestamente extemporâneas.
24- Nas partilhas judiciais realizadas entre autor e réu, foram relacionados e partilhados, definitivamente todos os bens comuns, não restando mais para partilhar e não foram relacionadas quaisquer contas ou direitos nos autos de partilha.
25- O aqui réu está obrigado a prestar contas, apenas dos bens cuja administração, efectivamente exerceu e no período definido, por douta sentença proferida a fls. 197 a 200, ter considerando que a autora requer a prestação de contas desde 1988 a 2000 e estar o réu obrigado a prestar contas desde 2/10/1988 (fls198 e 199), pelo que, com todo o respeito, não pode ser dado como provado que entre, “1998 e 2006, o Réu recebeu a título de rendas de prédios urbanos comuns a importância global de € 59.949,47.” .
26- Não se encontra demostrado nem documentalmente, nem provado por qualquer outro modo, os valores referidos nos factos dados como provados em; 9. 10.11. e 12., nem que fossem bens comuns do casal, nem podia, porque o reu tinha bens próprios, como se referiu, desde 1997 ambos tinham contas separadas e cada um detinha bens próprios.
27- O réu já não tem contas a prestar à autora, cfr. docs. juntos pelo réu, (a fls. 224 a 230 dos autos), relativamente a vários pagamentos feitos pelo réu à autora em 1998, relativamente a acertos de contas (a fls. 231) datado de 14/12/1998, onde se verifica que os rendimentos dos imóveis administrados, na altura pela imobiliária “CC”, foram e na realidade eram entregues a autora e réu em partes iguais.
28- Perante a ausência de prova, deve ser modificada a matéria de facto que o Tribunal “a quo” deu como provados e não devem ser dados como provado os factos constantes em 3, 7,9, 10, 11 e 12, dos factos provados, da douta sentença recorrida.
29- Face à não apresentação das contas pela autora e a entrega dos elementos que apresentou no processo ter sido manifestamente extemporânea e sem relevância, a douta sentença recorrida devia absolver o réu da instância, de acordo com o disposto no artigo 943º, n.º 4 do C.P.C.
30- A petição de contas deduzida pela autora, Fls.2, encerra contradições na sua fundamentação, ora refere que o reu administrou bens entre 1998 e 2006, mas não especifica quais são os bens, factos articulados e 1.º. Ora refere em, 3.º, que o reu administrou e usufruiu da totalidade dos bens móveis e imóveis do casal (…) desde 1988 a Outubro de 2000. afirmando em 4.º, que a partir de 2000 os bens do casal passaram a ser administrado por ambos.
31- Concluindo por pedir que o reu apresente contas mas sem indicar qual o período nem sobre o que pretende, que o réu preste contas. Verificando-se que se está perante a ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir, senão mesmo, o que é legitimo considerar, perante a ausência de pedido.
32- É muito difícil o julgador determinar, através da sentença, perante tantas incertezas, e a falta de elementos, quais as questões sobre o qual deve ou não deve pronunciar-se ou que podia tomar ou não conhecimento, ou condenar em objecto ou quantia superior ao do pedido, podendo uma decisão destas tornar-se numa sentença nula (artigo 615º, n.º 1, al d) e e) do C.P.C.).
33- Independentemente da modificação da matéria de facto que venha a ocorrer, no entender do recorrente, deve a douta sentença recorrida ser considerada nula por conhecer de questões que não podia tomar conhecimento, de acordo com o artigo 615º, n.º 1, al d) segunda parte, do C.P.C.).
34- Face a considerada ausência de pedido, ao período de prestação de contas, fixado na douta sentença proferida a fls. 197 a 200, determinando que a autora requer a prestação de contas desde 1988 a 2000 e estar o réu obrigado a prestar contas desde 2/10/1988, ao condenar o réu a prestar contas de 1998 a 2006, a douta sentença recorrida viola o principio estabelecido na alínea e) n.º 1 do artigo 615º do C.P.C..
35- Mesmo apresentadas extemporaneamente, não foram apresentadas sob a forma de conta corrente, nem foram entregues pela autora quaisquer documentos comprovativos dos valores que refere.
36- “Só através do processo de prestação de contas, apresentadas sob a forma de conta corrente, e não de forma avulsa e desgarrada (..)”, se pode, cumprir, legalmente, a obrigação de prestação de contas, neste sentido o Acordão do STJ de 9/6/2009, Processo: 225A/2000.S1.
37- Não poderia o réu ser condenado a pagar qualquer valor à autora dado que este não teve a administração dos bens comuns no período em causa, tendo ficado todas as contas acertadas entre autora e réu e por não terem sido as contas apresentadas neste processo dentro do prazo e sob a forma legal de conta corrente, nem foram apresentados os documentos comprovativos dos valores descritos pela autora.
38- O réu foi condenado a pagar de juros de mora sobre o valor apurado pela douta sentença, contados desde 07.11.2008 até efectivo e integral pagamento.
39- Porém, só depois de “ser apurado o saldo e o montante a que cada interessado tem direito, é que o obrigado a prestar contas pode ser condenado e depois interpelado para pagar esse montante”.
40- “(….)No caso de haver mora, após essa interpelação, é que haveria lugar ao pagamento de juros de mora”, cfr. o disposto no artigo 1164º do Código Civil.
41- Considerando-se sempre a sua prescrição no prazo de 5 anos, (artigo 310º, d) do Cód. Civil).
42- A autora veio a apresentar o articulado que designou por contas de gestão em 9/5/2013 e a douta sentença recorrida, de 30/9/2015, condenou o réu a pagar metade do valor do saldo apurado da qual se considera notificado a 8/10/2015, pelo que não poderia o réu ser condenado em juros devidos juros desde07.11.2008, neste sentido os Acórdãos do STJ; de 11/5/1995, Processo: 086739 e de 10/7/2012, Processo: 85A/1998.P1.S1 43- Tendo sido dada a oportunidade à autora de apresentar as contas, não teve depois o réu oportunidade de se pronunciar em qualquer fase processual, audiência prévia ou julgamento, não sendo, em sua opinião, assegurado o principio do contraditório e da igualdade e da cooperação das partes que o Processo Civil tão bem consagra, através dos artigos 3.º e 4.º, 5º alínea b), 7º, 591º, 604º.
44- Face à complexidade dos autos, na modesta opinião do réu, devia ter sido marcada audiência prévia, nos termos do artigo 591º do C.P.C a fim de ser facultado o exercício do contraditório ao réu realizar eventual tentativa de conciliação e ser proferido despacho saneador, caso esta se frustrasse, e se poder identificar o objecto do litigio e enunciar os temas de prova de acordo com o disposto nos artigos 595 e 596 do C.P.C., como aliás foi determinado, por despacho proferido em audiência preliminar, (a fls 239).
45- Entende ainda o recorrente que o disposto no do artigo 943º, nº 2, do C.P.C., interpretado no sentido que o foi na decisão recorrida, de não ser assegurado principio do contraditório e da igualdade e da cooperação das partes, é ilegal por contrariar as disposições dos artigos 3.º e 4.º, 5º alínea b), 7º, 591º, 604º e inconstitucional por contrariar o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e indirectamente, os artigos 12.º, n.º 1 e 13, n.º1 e o principio da proteção da confiança dos cidadãos, consagrado no artigo 2.º do mesmo diploma.
46- A douta decisão que julgou procedente a prestação e contas, não devia ter apreciado e ter-se pronunciado, aprovando as contas e consequentemente condenar o réu a pagar, mesmo parcialmente, os valores a os apresentados pela autora.
47- Normas jurídicas violadas: artigos 3.º e 4.º, 5º alínea b), 7º, 591º, 604º do Código de Processo Civil (C.P.C); artigos 186º, n.ºs 1 e 2, 576.º, n.ºs1 e 2 e 577º b) do C.P.C.); artigo 607º, n.º 5, artigo 615º, n.º 1, al d) e e) do C.P.C.);artigo 943º do C.P.C.; n.ºs 3 e 5 do artigo 10º da portaria .º 280/2013, de 26/8.Artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e indirectamente os artigos; 12.º, n.º 1 e 13, n.º1 e o principio da proteção da confiança dos cidadãos, consagrado no artigo 2.º do mesmo diploma.
48- No entender da recorrente devia ainda ter sido interpretado e aplicado o artigo 943º. n.º 1 do C.P.C, com o sentido, que a autora não apresentou as contas sob a forma de conta corrente, com especificação das receitas, despesas e respectivo saldo, nem apresentou quaisquer documentos comprovativos, e ainda que os elementos trazidos aos autos não foram apresentados nos prazos estabelecidos nesta norma.
49- Ao considerar as contas apresentadas pela autora, a douta decisão recorrida viola o artigo o n.º 2 do artigo 943º, ao não incumbir pessoa idónea de dar parecer sobre todas as verbas inscritas pelo autor.
50- Ao dar como provados os valores relacionados pela autora sem que esta apresentasse os documentos comprovativos, foi violado o artigo 607º, n.º 5 doC.P.C.
51- Devia ter sido aplicado o principio estabelecido no n.º 4 deste artigo 943º, e o réu ter sido absolvido da instância.
52- Não obstante o estabelecido no artigo 943º, nº 2, do C.P.C., devia ter sido dada oportunidade ao réu de se pronunciar em obediência ao principio da igualdade das partes e do contraditório e da cooperação, estabelecidos nos artigos 3.º e 4.º, 5º alínea b), 7º, 591º, 604º do C.P.C., através da marcação da audiência prévia e eventualmente do julgamento.
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Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, com o mui douto suprimento de V. Ex.ªs, deve o presente recurso merecer total provimento e em consequência:
- a douta decisão que condenou o réu na prestação de contas ser declarada nula, se tal não for decidido,
- deve o réu ser absolvido do pedido na totalidade ou da instância, não se confirmando a douta sentença recorrida, se não for seguido este entendido.
- ser modificada a matéria de facto, não sendo considerados como provados os factos contidos em: 3, 7, 9, 10, 11 e 12 dos factos dados como provados, pela douta decisão recorrida, sendo decidido em conformidade.”
Não há contra-alegações.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto dos recursos, cumpre apreciar e decidir.
Foram considerados provados na 1.ª instância os seguintes factos:
“1. O casamento entre a Autora e o Réu foi dissolvido por divórcio decretado pelos Tribunais Franceses no dia 15.04.1999 e confirmado pelo Tribunal da Relação do Porto por acórdão proferido a 22.05.2001 e transitado a 19.06.2001.
2. A acção de divórcio foi intentada pela Autora, junto dos Tribunais Franceses, em 02.01.1998.
3. No período compreendido entre 1998 e 2006, o Réu recebeu a título de rendas de prédios urbanos comuns a importância global de € 59.949,47.
4. Despendeu no mesmo período, em serviços de manutenção, a quantia total de € 678,32.
5. Pagou de impostos relativos àqueles bens, nomeadamente Contribuição Autárquica e IMI, despesas de execuções fiscais e outras, o montante total de € 16.555,16.
6. Suportou ainda a quantia de € 6.655,68 com outras despesas de administração do património, a saber seguros, electricidade e administração de condomínio.
7. Ainda em 1998, o Réu recebeu de rendas da fracção autónoma inscrita com o artigo XXXX, sita na Quarteira, a importância total de € 4.193,99.
8. Em 1998, o Réu recebeu de rendas da fracção autónoma inscrita com o artigo XXX, sita em Bragança, a importância total de € 1.024,56.
9. Em 02.01.1998, o Réu tinha depositada na conta n.º XXXX, junto da CGD, a importância de € 1.132,07, que era comum do casal e da qual dispôs em proveito exclusivo.
10. Em 02.01.1998, o Réu tinha também depositada na conta n.º XXXX, junto do Banesto, Banco Español de Crédito, S.A., na Puebla de Sanábria, a importância de € 9.773,67, que era comum do casal e da qual dispôs em proveito exclusivo.
11. Em 02.01.1998, o Réu tinha ainda depositada na conta n.º 0XXXX, junto do mesmo banco Banesto, Banco Español de Crédito, SA, na Puebla de Sanábria, a importância de € 10.036,33, que era comum do casal e da qual dispôs em proveito exclusivo.
12. Em certificados de aforro dos Serviços Financeiros Postais, o casal tinha o valor de € 10.354,73, importância da qual dispôs o Réu em proveito exclusivo.
13. O casal era proprietário, em 02.01.1998, de um veículo automóvel de marca Ford Fiesta, matrícula QJ, que foi alienado pelo Réu em Março de 1999, a DD, pelo montante de € 498,80.
14. No período de Janeiro/1998 até Dezembro/2000, o Réu teve na sua inteira disponibilidade, o prédio urbano inscrito na respectiva matriz predial com o artigo XXX, sito em Bragança, o qual tinha o valor locatício de, pelo menos, € 500,00/mês.
15. No período de Março/1999 até Agosto/2006, o Réu teve na sua inteira disponibilidade, a fracção autónoma inscrita na respectiva matriz predial com o artigo XXX, sita em Bragança, a qual tinha o valor locatício de, pelo menos, € 150,00/mês.
16. O Réu teve ainda, no período de Janeiro/1998 até Agosto/2006, na sua inteira disponibilidade, a fracção autónoma inscrita na respectiva matriz predial com o artigo XXX, sita em Bragança, a qual tinha o valor locatício de, pelo menos, € 150,00/mês.
17. O Réu teve finalmente, no período de Janeiro/1999 até Dezembro/2000, na sua inteira disponibilidade, a fracção autónoma inscrita na respectiva matriz predial com o artigo XXXX, sita na Quarteira, a qual tinha o valor locatício de, pelo menos, € 350,00/mês.”


2 – Objecto do recurso.

Questões a decidir tendo em conta o objecto dos recursos delimitado pelos recorrentes nas conclusões dasrespectivas alegações, nos termos do artigo 684.º, n.º 3 do CPC, sendo que, por uma questão lógica, apreciaremos primeiro as questões do recurso do R:
Recurso do R:
1.ª Questão- Saber se a sentença é nula por conhecer de questões que não podia tomar conhecimento, de acordo com o artigo 615º, n.º 1, al d) segunda parte, do C.P.C.).
2.ª Questão – Inadmissibilidade do conhecimento de questão nova: Extemporaneidade das contas apresentadas pela A.
3.ª Questão – Saber se a prestação de contas da A obedece aos requisitos legais.
4.ª Questão- Impugnação da matéria de facto - saber se os factos provados 3,7,9,10,11 e 12 devem ser alterados para não provados.
5.ª Questão- Saber se a petição inicial é inepta.
6.ª Questão- Saber se deve haver pagamento de juros e desde quando.
7.ª Questão- Saber se houve desrespeito pelo contraditório.
Recurso da A:
1.ª Questão – Impugnação da matéria de facto - saber se os factos 5 e 6 devem ser considerados não provados e o facto n.º 6 deve ser eliminado.
2.ª Questão – Saber se o cálculo das contas expresso na sentença tem alguma incorrecção.
3.ª Questão – Saber se deve haver pagamento de juros e desde quando.


3 - Análise dos recursos.

I - Recurso do R.

1ª Questão- Saber se a sentença é nula por conhecer de questões que não podia tomar conhecimento, de acordo com o artigo 615º, n.º 1, al d) segunda parte, do C.P.C.).

Vem o R invocar a nulidade da sentença por conhecer de questões que não podia tomar conhecimento, de acordo com o artigo 615.º, n.º 1, al d) segunda parte, do CPC) alegando que, “faceà considerada ausência de pedido, ao período de prestação de contas, fixado na douta sentença proferida a fls. 197 a 200, determinando que a autora requer a prestação de contas desde 1988 a 2000 e estar o réu obrigado a prestar contas desde 2/10/1988, ao condenar o réu a prestar contas de 1998 a 2006, a douta sentença recorrida viola o principio estabelecido na alínea e) n.º 1 do artigo 615º do C.P.C.”
Cumpre decidir:
Nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d), II parte, do CPC (como já antes se lia no art.º 668.º, n.º 1, al. d) do anterior C.P.C.), e no que ora nos interessa, que «é nula a sentença quando»:
. excesso de pronúncia (alínea d), II parte) - «O juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Assim, o «juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes; na decisão que proferir sobre essas questões, não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 67 e 68).
Ora, no caso dos autos, como refere a este propósito a M.ª juíza a quodecorre da petição inicial que a A pretende que o R preste contas desde 1998 a 2006, alegando que aquele administrou e usufruiu sozinho os bens do casal até 2000 e que, desde então, passaram os mesmos a ser administrados por ambos, tendo a A já dado conta dessa administração noutro processo.
E o R apenas contestou a obrigação de prestar contas referente ao ano de 1998 e até Maio de 1999.
Tanto basta para se concluir que a sentença dos autos não padece de nulidade invocada.


2.ª Questão- Extemporaneidade da prestação de contas.

Vem o R invocar a extemporaneidade das contas da A, afirmando que todas as peças apresentadas pela A foram entregues fora do prazo legal e fora dos prazos concedidos pela Meritíssima Juíza, motivos pelos quais não podem ser recebidas e aceites por manifestamente extemporâneas.
Ora, tal questão nunca foi suscitada perante o tribunal a quo e teria sido oportuno fazê-lo aquando da apresentação de tais peças (note-se que não poder deduzir oposição é diferente de não pode arguir nulidades).
É entendimento unânime na jurisprudência que o objecto do recurso é a decisão, ou seja, os recursos visam modificar decisões e não criar soluções sobre matéria nova – neste sentido Acórdão do STJ de 06.02.87inBMJ n.º 364, página 719, onde se pode ler os seguinte: "vem este Supremo Tribunal decidindo de há muito, constituindo jurisprudência assente e indiscutida, que os recursos visam modificar decisões e não criar decisões sobre matéria nova, não sendo lícito invocar nos mesmos questões que as partes não tenham suscitado perante o tribunal recorrido.”
Na doutrina, é também este o entendimento, conforme se constata da lição de Castro Mendes (inRecursos, 1980, página 27) e de Armindo Ribeiro Mendes (inRecursos em Processo Civil, 1992, páginas 140 e 175).
Logo, não deve o Tribunal conhecer de tal questão.
Ainda assim, sempre se dirá que a lei prevê no art.º 943.º, n.º 1 do CPC, a prorrogação do prazo e, por isso, tendo a Mmª Juíza admitido as contas em causa, temos de concluir que as considerou em prazo justificado.
Improcede nesta parte a apelação.


3.ª Questão- Saber se as contas apresentadas pela A obedecem aos requisitos legais.

Por outro lado, o Rvem ainda invocar o desrespeito pelo artigo 943.º, n.º 1 do CPC, pelo facto da A não ter apresentado as contas sob a forma de conta corrente, com especificação das receitas, despesas e respectivo saldo, nem ter apresentado quaisquer documentos comprovativos.
E alega ainda que, ao considerar as contas apresentadas pela A, a douta decisão recorrida viola o artigo 943.º, n.º 2,ao não incumbir pessoa idónea de dar parecer sobre todas as verbas inscritas pelo A.
Vejamos:
Nos termos do art.º 943.º do CPC:
Termos a seguir quando o réu não apresente as contas
«1 - Quando o réu não apresente as contas dentro do prazo devido, pode o autor apresentá-las, sob a forma de conta corrente, nos 30 dias subsequentes à notificação da falta de apresentação, ou requerer prorrogação do prazo para as apresentar.
2 - O réu não é admitido a contestar as contas apresentadas, que são julgadas segundo o prudente arbítrio do julgador, depois de obtidas as informações e feitas as averiguações convenientes, podendo ser incumbida pessoa idónea de dar parecer sobre todas ou parte das verbas inscritas pelo autor.
3 - Se tiver sido citado editalmente e for revel, o réu pode, até à sentença, apresentar ainda as contas, seguindo-se, neste caso, o disposto nos artigos seguintes.
4 - Se o autor não apresentar as contas, o réu é absolvido da instância.»
Para a apresentação das contas pelo A, a lei é menos exigente do que para a do R e, por isso, são cometidos ao tribunal amplos poderes de indagação.
Se o A apresentar as contas de forma imprecisa ou incompleta deve ser convidado a aperfeiçoá-las ou serem feitas diligências e, por isso, o juiz não tem necessariamente que aprovar as contas apresentadas pelo A mas sim proferir decisão justa – neste sentido Luís Filipe Pires de Sousa (inprocessos Especiais de Divisão de Coisa Comum e Prestação de Contas”, 2017).
Considerando essa menor exigência entendemos que a não apresentação sob a forma de conta-corrente e a falta de documentação não são motivos de rejeição – neste sentido Acórdãos da Relação do Porto de 28.05.2007 proferido no processo n.º 0752489 e de 12.04.2014, proferido no processo n.º 1057/09.4TBVFR-A.P1.
Quanto ao facto de não ter sido incumbida pessoa idónea para dar parecer sobre as contas, basta ler o referido n.º 2 do artigo em causa, para se verificar que estamos perante uma mera faculdade (e não obrigatoriedade) “…podendo ser…”, pelo que tal omissão não é – sem mais – uma violação legal.
Como já referimos é diferente a situação em que se encontram A e R no que concerne à apresentação das contas. É sobre o R que recai a obrigação de as prestar, dispondo ele dos elementos necessários para o fazer ou podendo obtê-los; já o A terá mais dificuldades para o fazer.
Com efeito, como se pode ler no Acórdão da Relação de Lisboa de 06.10.2016, proferido no processo n.º 5533-03.4TBALML2-2:“A lei confere, então, ao juiz os poderes referidos no nº 2 do art. 943 com vista a que as contas sejam julgadas com base em elementos tão seguros quanto possível.
Fala a lei em “prudente arbítrio do julgador”. Dizia a propósito Alberto dos Reis que não estamos aqui perante o exercício de um poder discricionário, sendo, antes, dado ao juiz um poder latitudinário. Acrescentando que no «julgamento das contas o juiz move-se com grande liberdade e largueza; mas não pode emitir a decisão que lhe apetecer; há-de lavrar a sentença que, em seu prudente arbítrio, corresponder ao estado dos autos; e a sentença fica sujeita, mediante recurso, à censura da Relação, que, usando por sua vez de prudente arbítrio pode revogá-la ou alterá-la». Salientando que prudente arbítrio e poder discricionário são conceitos jurídicos diferentes.
Esclarecendo Lopes do Rego que «o “prudente arbítrio” do julgador tem de ser entendido como pressupondo uma apreciação jurisdicional necessariamente “não arbitrária”, efectuada segundo critérios de ponderação e razoabilidade, que oriente os critérios de conveniência e oportunidade que estão na sua base sempre em função da realização dos fins do processo».
No acórdão desta Relação de 13-9-2012 entendeu-se: «… as contas devem ser decididas pelo juiz com dependência apenas da própria vontade, dirigida esta pela sua inteligência de pessoa ponderada e com saber e experiência jurídicos.
(…) não se trata de impor, sempre e em todas as circunstâncias, a obtenção de informações, a realização de averiguações, ou a nomeação de pessoa para dar parecer. Como se diz no sumário do ac. do TRL de 06/10/1992 (0033691 da base de dados do ITIJ): I - Não é necessária a intervenção de pessoa idónea para dar o parecer a que alude o n. 2 do artigo 1015 do CPC, se o julgador, face à forma como as contas se encontram elaboradas e às notas explicativas, as puder considerar como boas.
Depende das circunstâncias. É lícito ao juiz fazê-lo, mas também pode deixar de o fazer. Teve-se em vista impedir, com a alteração do antigo sistema cominatório….
Se as contas estão devidamente apresentadas, são manifestamente razoáveis, os critérios escolhidos são claros e lineares, dizem respeito a uma questão simples … nenhuma dúvida levantam e tiveram que ser apresentadas pelo autor porque o réu nem mesmo depois de instaurado o processo se preocupou em as apresentar, é evidente que nenhuma razão existe para que o juiz esteja a fazer diligências que necessariamente se lhe afigurarão como inúteis.
Luís Filipe Pires de Sousa comenta que para efeitos de cumprimento do actual nº 2 do art. 943 do CPC o juiz começa por analisar as diferentes verbas da receita e da despesa, após o que chegará a uma de duas conclusões: ou alguma dessas verbas, segundo a sua experiência, lhe provocam reparos, suscitam dúvidas quanto à sua existência e quantificação; ou as verbas lhe parecem todas razoáveis, exactas e verosímeis, sendo verosímil o que corresponde ao funcionamento normal das coisas. Nesta última hipótese o juiz exerce o seu prudente arbítrio julgando logo boas as contas e dizendo as razões por que assim julga, isto é, por que aprova as contas sem colher informações, nem ordenar averiguações, nem requisitar o parecer de pessoa idónea.”
Em suma: Improcede nesta parte o recurso.


4.ª Questão- Impugnação da matéria de facto - saber se os factos 3,7, 9, 10, 11 e 12 devem ser alterados para não provados.

O recorrente considera incorrectamente julgados os seguintes factos, (considerando que não devem ser dados como provados):
“3. No período compreendido entre 1998 e 2006, o Réu recebeu a título de rendas de prédios urbanos comuns a importância global de € 59.949,47.”
“ 7. Ainda em 1998, o Réu recebeu de rendas da fracção autónoma inscrita com o artigo XXXX, sita na Quarteira, a importância total de € 4.193,99. “
“ 9. Em 02.01.1998, o Réu tinha depositada na conta n.º XXXX, junto da CGD, a importância de € 1.132,07, que era comum do casal e da qual dispôs em proveito exclusivo.”
“10. Em 02.01.1998, o Réu tinha também depositada na conta n.º 0XXXX, junto do Banesto, Banco Español de Crédito, S.A., na Puebla de Sanábria, a importância de € 9.773,67, que era comum do casal e da qual dispôs em proveito exclusivo.”
“11. Em 02.01.1998, o Réu tinha ainda depositada na conta n.º XXXXX, junto do mesmo banco Banesto, Banco Español de Crédito, SA, na Puebla de Sanábria, a importância de € 10.036,33, que era comum do casal e da qual dispôs em proveito exclusivo.”
“ 12. Em certificados de aforro dos Serviços Financeiros Postais, o casal tinha o valor de € 10.354,73, importância da qual dispôs o Réu em proveito exclusivo. “
E justifica essa discordância com o facto das contas da A terem sido apresentadas fora de prazo, sem a forma de conta corrente onde devia ser especificada a proveniência das receitas e aplicação das despesas, com o respectivo saldo, nem em duplicado e instruídas com quaisquer documentos justificativos dos valores apresentadose por se tratar de um “exercício de apresentação de valores, discricionário, sem qualquer fundamento, ou qualquer documento que o justifique, com todo o respeito, não pode permite dar como provado, que o reu obteve rendimentos de Janeiro de 1998 até 2006 num total de 86.609,29€”.
Como facilmente se constata, as razões apresentadas para a impugnação da matéria de facto não são propriamente substanciais mas antes formais, correspondendo à imputação de vícios das contas apresentadas pela A, já supra analisados (extemporaneidade e falta de requisitos).
Uma vez que improcedem os vícios referidos, improcede a argumentação do recorrente também quanto a esta parte do recurso.


5.ª Questão- Saber se a petição inicial é inepta.

Por outro lado, vem também o recorrente invocar a ineptidão da petição inicial, alegando que a mesma encerra contradições na sua fundamentação, (ora refere que o R administrou bens entre 1998 e 2006, mas não especifica quais são os bens, factos articulados e 1.º; Ora refere em 3.º que o R administrou e usufruiu da totalidade dos bens móveis e imóveis do casal (…) desde 1988 a Outubro de 2000, referindo em 4.º que, a partir de 2000, os bens do casal passaram a ser administrado por ambos; concluindo por pedir que o R apresente contas mas sem indicar qual o período nem relativamente ao que pretende que o R preste contas) verificando-se a ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir, senão mesmo, perante a ausência de pedido e por isso pede que se determine a nulidade de todo o processado e a absolvição da instância.
Ora, tal como quanto à questão da extemporaneidade das contas, também esta questão é uma questão nova.
Aliás é curioso verificar que o R contestou a petição inicial e não levantou esta questão, sendo certo que o teor da contestação aponta para a compreensão da petição inicial.
Improcede assim também nesta parte o recurso.


6.ª Questão- Saber se deve haver pagamento de juros e desde quando.

Vem ainda o recorrente alegar que não devia ter sido condenado a pagar de juros de mora sobre o valor apurado pela douta sentença, contados desde 07.11.2008 até efectivo e integral pagamento, pois só depois de “ser apurado o saldo e o montante a que cada interessado tem direito, é que o obrigado a prestar contas pode ser condenado e depois interpelado para pagar esse montante, pelo que só no caso de haver mora após essa interpelação é que haveria lugar ao pagamento de juros de mora”, cfr. o disposto no artigo 1164.º do Código Civil.
Conclui que se aA veio a apresentar o articulado que designou por contas de gestão em 09/05/2013 e a douta sentença recorrida de 30/9/2015, condenou o R apagar metade do valor do saldo apurado, não poderia o R ser condenado nos devidos juros desde 07.11.2008.
Nesta aspecto, tem razão o recorrente.
Como se pode ler no Acórdão do STJ de 11.05.1995, proferido no processo n.º 086739, disponível em www.dgsi.pt: “[o] autor da acção de prestação de contas deve limitar-se a pedir que o Réu as preste ou conteste a acção, não podendo incluir na petição a condenação em juros de mora.
Prestadas as contas, o Autor pode pedir que o Réu seja notificado para lhe pagar o saldo que elas apresentem a seu favor, sem prejuízo da oposição que deduza contra as mesmas contas, sendo o pedido de juros é perfeitamente compatível com o pedido de pagamento de certa importância - o saldo.
Não tendo o Réu pago o saldo apurado nas suas contas no prazo de 10 dias, após a notificação para o fazer caiu em mora e terá de pagar juros à taxa legal a partir do dia seguinte ao décimo posterior à notificação.”
Ou seja, não há por ora qualquer condenação em juros.
Donde, procede nesta parte o recurso.


7.ª Questão- Saber se houve desrespeito pelo contraditório.

Finalmente, vem o recorrente invocar que não teve oportunidade de exercer o contraditório nos autos, pois tendo tido a A a oportunidade de apresentar as contas, não teve o R oportunidade posterior de se pronunciar em qualquer fase processual, audiência prévia ou julgamento, não sendo assegurado o principio do contraditório e da igualdade e da cooperação das partes que o Processo Civil tanto defende, artigos 3.º e 4.º, 5.º alínea b), 7.º, 591.º e 604.º.
Defende que deveria ter a faculdade de exercer o contraditório “não obstante a norma do artigo 943.º, n.º 2, do CPC, que interpretada no sentido de não ser assegurado princípio do contraditório e da igualdade e da cooperação das partes, pode ser ilegal por contrariar as disposições dos artigos 3.º e 4.º, 5.º, alínea b), 7.º, 591.º e 604º ou inconstitucional perante a contrariedade face ao artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e até os artigos 12.º, n.º 1 e 13.º, n.º1 e o princípio da protecção da confiança dos cidadãos, consagrado no artigo 2.º do mesmo diploma”.
Alega ainda que “[f]ace à complexidade dos autos, na modesta opinião do réu, devia ter sido marcada audiência prévia, nos termos do artigo 591º do C.P.C a fim de ser facultado o exercício do contraditório ao réu realizar eventual tentativa de conciliação e ser proferido despacho saneador, caso esta se frustrasse, e se poder identificar o objecto do litigio e enunciar os temas de prova de acordo com o disposto nos artigos 595 e 596 do C.P.C.”
Cumpre decidir:
Não se pode esquecer que estamos a analisar uma fase processual em que já não é admitida a contestação das contas por parte do R e, por isso se recorre à metodologia empregue: análise do parecer, apuramento das receitas, despesas e respectivo saldo, exame discriminado das contas e sua conferência com a documentação existente nos autos.
Não havia, pois, que designar qualquer audiência prévia, até porque estamos perante um processo especial e o seu regime não o prevê, pelo menos nesta fase processual.
Note-se que o R já teve oportunidade de prestar contas e não o fez, razão pela qual não lhe assiste qualquer razão na questão que colocou, o que implica a improcedência da mesma, rejeitando-se a sua argumentação no que concerne à inconstitucionalidade invocada, já que o “equilíbrio processual”, nomeadamente quanto à igualdade de armas, está assegurado pela possibilidade que, numa primeira fase, é dada ao R de assumir o objectivo do processo, sendo “afastado” como uma cominação pela sua conduta de, digamos assim, “falta de colaboração” ou desinteresse.
*
Em suma: Procede o recurso do R apenas na parte relativa à sua condenação em juros, devendo revogar-se, nesta parte, a sentença.

Recurso da Autora

1.ª Questão- Impugnação da matéria de facto - saber se os factos 5 e 6 devem ser excluídos dos factos provados.

Entende a Recorrente que, da matéria de facto discutida nos autos, foram incorrectamente julgados como provados os seguintes factos:
“5. Pagou de impostos relativos àqueles bens, nomeadamente Contribuição Autárquica e IMI, despesas de execuções fiscais e outras, o montante total de € 16.555,16.
6. Suportou ainda a quantia de € 6.655,68 com outras despesas de administração do património, a saber seguros, electricidade e administração de condomínio.

Relativamente ao facto n.º 5 alega que:
A Mm.ª Juíza a quo, “quanto ao ponto 5. dos factos provados, (...) aos documentos juntos a fls. 55, 63-66, 94-105, 108-112 e 165-178”, mas não tomou em devida consideração, desde logo, a circunstância de que as despesas apresentadas pelo R. nos autos e os respectivos documentos de suporte, sempre foram impugnados pela A., que nunca os aceitou.
Acresce que os documentos atendidos na sentença recorrida, demonstram a realização de despesa em nome do R., mas, por um lado, não comprovam sequer que tenha sido o R. efectivamente a suportar tais despesas e por outro lado, não elucidam se as despesas em causa se referem a bens comuns ou a outros bens, nomeadamente, a bens próprios do Recorrido.
Assim, os documentos de fls. 55, 63, 94 a 105, 108 a 112, não identificam os bens a que respeitam nem deles decorre a necessidade da sua realização para a boa administração dos bens comuns a cargo do R.
Os documentos de fls. 64 e 65 não dizem respeito a Contribuição Autárquica, nem a IMI, nem a qualquer outro imposto relacionado com bens comuns, mas comprovam o pagamento de IRS referente ao ano de 2000, data em que os litigantes estavam já divorciados, e portanto, englobam rendimentos próprios auferidos pelo Recorrido.
O mesmo sucede com o documento de fls. 166, referente a IRS de 2002.
Os documentos de fls. 66 e 174/175 comprovam despesas de interesse pessoal do R e desnecessárias, porquanto bastava ter solicitado à A. cópia dos contratos de arrendamento em causa. Além disso, não se demonstra que tais despesas tenham sido necessárias para a boa administração dos bens comuns a cargo do R.
Os documentos de fls. 165, 167 a 169, 171, 172, 173, 176 e 177 dizem respeito a Contribuição Autárquica ou a IMI, mas não identificam os bens a que respeitam, nomeadamente, se concernem a bens comuns dos litigantes.
Acresce que os documentos de fls. 165, 166, 167 a 169, 171, 172 e 173, incluem valores cobrados a título de juros de mora, taxas de justiça e encargos e custas processuais com processos de execução fiscal, que a Recorrente não tem obrigação de suportar, por serem exclusivamente imputáveis ao Recorrido, administrador dos bens comuns a quem por isso, incumbia proceder ao pagamento oportuno das despesas e impostos relacionados com tais bens, caso tais despesas digam efectivamente respeito a bens comuns.
Mais acresce que o documento de fls. 165 diz respeito a duas Notas de Cobrança em relaxe desde 1998, mas referentes a Contribuições referentes aos anos de 1996 e de 1997, os quais não estão abrangidos pela âmbito da presente Acção (2/01/1998 a 4/09/2006).
O documento de fls. 170 não demonstra a necessidade da realização da despesa para a boa administração dos bens comuns a cargo do R. O documento de fls. 178 diz respeito a IMI de bens comuns, mas não resulta do mesmo que tenha sido o Recorrido a efectuar o respectivo pagamento.
Por último, constata-se que a soma de todos os valores discriminados nos documentos de fls. 55, 63-66, 94-105, 108-112 e 165-178 não perfaz o montante de € 16.555,16, mas sim o de € 16.439,07, tendo sido somado incorrectamente o valor de € 116,09, respeitante ao documento de fls. 167, o qual se acha incluído, porém, no documento de fls. 168-169.
Conclui que apenas pode considerar-se como provado o que a recorrente alegou no art.º 4.º do requerimento de fls. 333, ou seja, que o recorrido pagou de impostos relativos a bens comuns, nomeadamente, de Contribuição Autárquica e de IMI, o montante total de € 2.175,49 (que corresponde à soma das quantias de 631,44 + 713,98 + 713,98 + 116,09, declaradas a tal título pelo recorrido nas declarações anuais que apresentou para efeitos de tributação de IRS e referentes respectivamente, aos anos de 1998, 1999, 2000 e 2001).

Relativamente ao facto n.º 6 da matéria de facto provada alega que:
A Mm.ª Juíza aquo atendeu aos documentos juntos a fls. 49-53, 62, 76, 81-93, 106, 113-123, 133-137, 145-154, 162 e 179-183, mas não tomou em devida consideração, desde logo, a circunstância de que as despesas apresentadas pelo R nos autos e os respectivos documentos de suporte, sempre foram impugnados pela A, que nunca os aceitou.
Acresce que os documentos atendidos na sentença recorrida, demonstram a realização de despesa em nome do R., mas, por um lado, não comprovam sequer que tenha sido o R efectivamente a suportar tais despesas (ou por exemplo, os respectivos arrendatários) e por outro lado, não elucidam se as despesas em causa se referem a bens comuns ou a outros bens, nomeadamente, a bens próprios do Recorrido.
Deve por isso, ser excluída da matéria de facto provada a factualidade vertida no n.º 6 do respectivo elenco, ou considerar-se a mesma como não provada.

Vejamos:
Analisados os elementos dos autos, afigura-se-nos que a recorrente tem toda a razão, nas suas observações, que por exaustivas se dão por reproduzidas, devendo assim nesta parte proceder o seu recurso.


2.ª Questão- Saber se o cálculo das contas expresso na sentença tem alguma incorrecção.

Aponta a recorrente dois erros de cálculo na decisão impugnada, porquanto não foi contabilizada na soma das receitas comuns a importância de € 10.354,73, correspondente ao valor dos certificados de aforro dos Serviços Financeiros Postais, pertencente ao casal e de que o recorrido dispôs em proveito exclusivo, conforme assente no n.º 12 dos factos provados.
E por outro lado, foi somado com o valor de € 10.036,73 a importância que de facto, é de € 10.036,33, correspondente ao depósito na conta n.º 0400004270, junto do mesmo banco Banesto, Banco Español de Crédito, SA, na Puebla de Sanábria, que era comum do casal e da qual o Recorrido dispôs em proveito exclusivo (v. nº 11 dos factos provados).
Conclui que o valor total das receitas ascende a € 96.963,62 (€ 59.949,47 + € 4.193,99 + € 1.024,56 + € 1.132,07 + € 9.773,67 + € 10.036,33 + € 10.354, 73 + € 498,80) e não a € 86.609,29, como computado na sentença recorrida.
Por outro lado, a soma total das despesas com o património comum ascende a apenas, ao valor global de € 2.853,81 (€ 678,32 + € 2.175,49).
O que perfaz o saldo positivo de € 94.109,81, tendo a A / recorrente direito a metade de tal importância, no montante de € 47.054,91.
Mais uma vez, são pertinentes e fundadas as observações da A, devendo a sentença ser alterada em conformidade.


3.ª Questão- Saber se deve haver pagamento de juros e desde quando.

A sentença considerou que o R deve pagar juros de mora desde 07.11.2008, por só poder incorrer em mora depois de ser judicialmente interpelado para cumprir, razão pela qual só poderá haver condenação no pagamento de juros de mora a partir de 07.11.2008, que é a data em que foi interpelado judicialmente para prestar as contas da sua administração (em 04.11.2008 foi o Ilustre Mandatário do Réu notificado para, no prazo de 20 dias, apresentar as contas, presumindo-se a sua notificação no 3.º dia útil posterior).
A recorrente entende que o R lhe deve pagar juros moratórios desde 04/09/2006, data do trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, até integral e efectivo pagamento.
Já analisámos esta questão na parte relativa ao recurso do R, pelo que damos por reproduzidas as considerações aí efectuadas, do que decorre a improcedência do recurso nesta parte.

Em suma: O recurso da A procede parcialmente.


4 – Dispositivo.

Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso do Réu e parcialmente procedente o recurso da Autora, revogando-se a decisão recorrida e,em consequência, condenar o Réu a pagar à Autora o montante de € 47.054,91.


Custas por ambos os recorrentes, na proporção do respectivo decaimento.

Guimarães, 16.02.2017

Elisabete de Jesus Santos Oliveira Valente

Heitor Pereira Carvalho Gonçalves

Amílcar José Marques Andrade