Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
113/14.1T8GMR.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: ÓNUS DA ALEGAÇÃO
PEDIDO DE INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Compete ao credor que formule o pedido de insolvência o ónus de alegação da verificação de qualquer dos factos-índices ou presuntivos tipificados nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 20º do CIRE de que a lei faz depender a declaração de insolvência
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Nos presentes autos de Insolvência de Pessoa Singular n.º 113/14.1T8GMR, de Guimarães – Inst. Central - 1ª Sec. Comércio - J2 – Comarca de Braga, em que é requerente M…, Lda., e, requerido, J…, veio a requerente, na qualidade de credora, interpor recurso de apelação da decisão proferida nos autos que indeferiu liminarmente o pedido de declaração de insolvência, nos termos conjugados dos artigos 20º a contrario e 27º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

O recurso veio a ser admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta a recorrente formula as seguintes conclusões:
(…)
Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
Atentas as conclusões do recurso de apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:
- reapreciação da decisão recorrida

II) FUNDAMENTAÇÃO
1. OS FACTOS ( factos com interesse á reapreciação da decisão recorrida):
1. M…, Lda., veio requerer a declaração de insolvência de J…, nos termos dos artigos 1º-nº1, 2º.nº1-al.a), 3º-nº1, 9º, 20.º-nº1-al.b), 25º, 31º, 32º e 249º, todos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, invocando ser credora do requerido pela quantia de € 4.031,48 (quatro mil e trinta e um euros e quarenta e oito cêntimos), referentes á falta de pagamento de quatro facturas vencidas em Fevereiro e Março de 2012, que deu origem a procedimento de injunção, que identifica, ao qual foi reconhecida força executiva em virtude da falta de oposição por parte do requerido, não obtendo, mesmo assim, pagamento por parte deste, mais alegando desconhecer o activo e passivo do requerido.
2. Nos termos da decisão recorrida foi indeferido liminarmente o pedido de declaração de insolvência, com o fundamento de ser a matéria alegada manifestamente insuficiente para o resultado pretendido, não integrando nenhum dos fundamentos que permitem a declaração de insolvência, nos termos conjugados dos artigos 20º a contrario e 27º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.


2. O DIREITO APLICÁVEL
Nos termos do art.º 1º do CIRE, que estatuí relativamente à “Finalidade do processo de insolvência”, “ O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente.”
Considerando-se, ainda, nos termos do art.º 3º-n.º1, do citado diploma legal, em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.
Relativamente à legitimidade para apresentar o pedido de insolvência é a mesma conferida aos credores do devedor nos termos do art.º 20º do CIRE, dispondo o referido preceito:
“1. A declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se algum dos seguintes factos:
a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas;
b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;
c) Fuga do titular da empresa ou dos administradores do devedor ou abandono do local em que a empresa tem a sede ou exerce a sua principal actividade, relacionados com a falta de solvabilidade do devedor e sem designação de substituto idóneo;
d) Dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e constituição fictícia de créditos;
e) Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor;
f) Incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos, nas condições previstas na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 218.º;
g) Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos;
h) Sendo o devedor uma das entidades referidas no n.º 2 do artigo 3.º, do CIRE, manifesta superioridade do passivo sobre o activo segundo o último balanço aprovado, ou atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, se a tanto estiver legalmente obrigado;
i) Tributárias;
ii) De contribuições e quotizações para a segurança social;
iii) Créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou
cessação deste contrato;
iv) Rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respectiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua actividade ou tenha a sua sede ou residência; (…)
Como se conclui das normas em referência, a lei faz depender a declaração de insolvência da verificação de qualquer dos factos-índices ou presuntivos tipificados nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 20º do CIRE, cujo ónus de alegação compete ao credor que formule o pedido de insolvência, cabendo já ao devedor a alegação e prova de factos ou circunstâncias demonstrativas de que não está insolvente, tal como decorre ainda do disposto no n.º3 do art.º 30º do citado diploma legal. (v. Ac. TRL de 30/11/2010, 10/12/2009,23/2/2006, entre muitos outros ).
Compulsados os autos, e, atento o factualismo alegado, desde logo, para além da invocação da existência de dívidas do requerido e de que é, alegadamente, credora a requerente, no montante global de € 4.031,48, nenhum factualismo é alegado, nomeadamente, respeitante à realidade económica do requerido, e, de que se revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, tal como impõe concluir-se nos termos do fundamento do pedido de insolvência do art.º 20º nº1 al. b) do CIRE, em que se baseia a credora/requerente.
E, sendo certo, caber ao devedor a alegação e prova de factos ou circunstâncias demonstrativas de que não está insolvente, nos termos do art.º 30º-n.º4 do CIRE, a exigência desta prova por parte do alegado devedor pressupõe, necessariamente, a prévia verificação da existência de qualquer dos factos-índices ou presuntivos tipificados nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 20º do CIRE, o que, desde logo, não se mostra susceptível de se vir a concretizar no caso dos autos, por insuficiência de alegação, não sendo o factualismo alegado suficiente a caracterizar qualquer das situações jurídicas legalmente previstas e que constituem pressuposto da declaração de insolvência.
Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, «o que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. Assim mesmo, pode suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações, ou até de uma única, indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, do mesmo modo que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente para fundar saúde financeira bastante (…) “ - Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Volume I, págs. 70 e 71 – o que há-de resultar dos factos alegados na petição inicial, incumbindo à requerente da insolvência alegar o concreto factualismo do qual resulte, nomeadamente, e ao que ao caso dos autos releva, e por referência à alínea. b) do n.º1 do art.º 20º do CIRE, por aquela invocada, que, tendo o devedor incumprido as suas obrigações para com a requerente, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, se revela a impossibilidade de aquele satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;
alegação esta a que a apelante não procedeu no caso em apreço, concluindo-se, a par do já decidido pelo Tribunal de 1ª instância - ser a matéria alegada manifestamente insuficiente para o resultado pretendido, não integrando nenhum dos fundamentos que permitem a declaração de insolvência, nos termos conjugados dos artigos 20º a contrario e 27º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, nestes termos se demonstrando ser manifestamente improcedente o pedido de declaração de insolvência, o que impõe o indeferimento liminar do pedido nos termos e por aplicação da norma do artº 27º-nº1-al.a) do CIRE.
“Nos termos do normativo inserto no artº 264º-nº1 do CPC é sobre as partes que recai o ónus de alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções: é o princípio do dispositivo, que enforma o nosso processo civil, não podendo o Tribunal substituir-se ás partes, colmatando a ausência de factos essenciais á composição do litígio”. (Ac.TRL, de 29/4/2004, in www.dgsi.pt; A.Varela, Manual de Processo Civil, 1984, pg.397 e sgs.; A.Reis, CPC anotado, volume V, pg95 e sgs. ).
Conclui-se, nos termos expostos, pela improcedência da apelação.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Guimarães, 20 de novembro de 2014
Maria Luísa Ramos
Raquel Rego
António Sobrinho