Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
637/16.6T8VCT-E.G1
Relator: CONCEIÇÃO SAMPAIO
Descritores: REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
TEMPESTIVIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/07/2020
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O requerimento de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente deve ser formulado antes da elaboração da conta de custas.
II - Se até esse momento a parte não deduziu o pedido correspondente, a conta é elaborada nos termos gerais decorrentes da tabela legal, sendo certo não poder considerar-se que tal seja um resultado implícito não expectável ou não discernível a partir do texto da lei, atendendo desde logo à própria redação do preceito - "o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final".
III - A contagem do processo é uma mera operação material, que tem como parâmetros a condenação concreta e definitiva no seu pagamento e as regras normativas, enunciadas no RCP, pelo que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem de estar decidida antes da elaboração da conta para nela poder ser considerada.
IV - A dispensa do pagamento requerida após a conta final apenas seria concebível caso os valores ultrapassassem flagrantemente padrões de proporcionalidade, em termos qualificáveis de iníquos e intoleráveis, atingindo níveis que impusessem o afastamento do regime legal.
Decisão Texto Integral:
I – RELATÓRIO

X, Resinas de …, Lda., Ré nos presentes autos, inconformada com o despacho que indeferiu o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, dele vem interpor recurso, finalizando com as seguintes conclusões:

1. O presente recurso é interposto sobre o despacho proferido pelo Tribunal “a quo” em 09.12.2019 com a referência 44784625, na parte em que indeferiu a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, pedida pela Apelante por requerimento de 16.10.2019 com a referência 33723726 (reforma de custas).
2. A Apelante discorda, em absoluto, da posição do Tribunal de primeira instância, e entende que o seu requerimento foi tempestivo e merece deferimento.
3. Perante a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, a Apelante tem de pagar, a título de remanescente de taxa de justiça, a quantia de € 53.448,00 (cinquenta e três mil, quatrocentos e quarenta e oito euros).
4. Conforme é dito no Acórdão desta Relação de 10.07.2019 (processo 797/12.5TVPRT-A.G2) “A aferição judicial da justeza do montante da taxa de justiça remanescente relativamente à “especificidade da situação” não está submetida ao princípio da instância (não tem que ser requerida pela parte, que assim não tem qualquer ónus atinente e, deste modo, não está sujeita a ver precludida a possibilidade da prática de um ato processual que lhe competisse praticar), constituindo antes, aliás ainda em decorrência de exigências constitucionais que o RCP claramente visou acautelar, um verdadeiro poder-dever do juiz (princípio da oficialidade)”.
5. Para além de se tratar de um poder/dever do Juiz, é inequívoco que o Juiz decidirá melhor após a elaboração da conta, pois, nesse momento, fica a conhecer o valor exato dos montantes e causa e da sua eventual desproporcionalidade, injustiça e desadequação, que estão subjacentes à norma flexibilizadora consagrada no n.º 7 do artigo 6.º do RCP.
6. Este preceito legal, que contém um comando dirigido ao juiz no sentido de, oficiosamente e em conformidade com os pressupostos legais, poder dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça a considerar na conta final, não impõe às partes que, antes da elaboração da conta, requeiram a sua dispensa sob pena de preclusão do seu direito, ou seja, não as impede de requerer a dispensa com a notificação da conta que, essa sim, fixa o valor a pagar.
7. Em conformidade, o limite temporal para ser pedida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça corresponde àquele que legalmente é concedido à parte para liquidar voluntariamente o remanescente da taxa de justiça, ou seja, sendo a parte vencida, no prazo de 10 dias a contar da notificação da conta – artigo 31.º n.º 1 do RCP.
8. No caso dos presentes autos, a Apelante requereu a dispensa no prazo de 10 dias a contar da notificação da conta, tendo-o feito, portanto, tempestivamente.
9. Em face do disposto no artigo 193.º n.º 3 do CPC, não obsta à admissibilidade desse pedido o facto de ter sido feito por via de incidente de reforma de conta previsto no artigo 31.º n.º 1 do RCP.
10. Em relação ao mérito da pretensão da Apelante, o valor da ação fixado na P.I. foi de € 186.290,97 (cento e oitenta e seis mil, duzentos e noventa euros e noventa e sete cêntimos).
11. A Apelante apresentou contestação e formulou um pedido reconvencional no valor de € 1.826,592,45 (um milhão, oitocentos e vinte e seis mil, quinhentos e noventa e dois euros e quarenta e cinco cêntimos).
12. No despacho saneador, proferido em 12.07.2016, o Tribunal de primeira instância decidiu pela inadmissibilidade da reconvenção e a Apelante não reagiu por meio de recurso, conformando-se.
13. No mesmo despacho, o Tribunal de primeira instância, em momento imediatamente anterior ao posicionamento sobre a inadmissibilidade da Reconvenção, fixou o valor da ação no montante de € 2.012,883,14, o qual corresponde à soma do valor da P.I. com o valor da Reconvenção.
14. Pese embora, como referido, a Apelante não tivesse reagido ao despacho saneador, e, assim, também não tomou posição sobre o valor da ação aí fixado, a verdade é que, não tendo sido admitida a reconvenção, o valor da ação teria de ser o inserto na P.I., ou seja, 186.290,97 (cento e oitenta e seis mil, duzentos e noventa euros e noventa e sete cêntimos).
15. Estabelece o artigo 299.º do CPC que “na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta, exceto quanto haja reconvenção ou intervenção principal”.
16. No entanto, o valor do pedido formulado pelo Réu (pedido reconvencional), só é somado ao valor do pedido formulado pelo Autor quando os pedidos sejam distintos, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 530.º do CPC.
17. A soma do valor dos pedidos não é automática, ou seja, o aumento do valor só produz efeitos quanto aos actos e termos posteriores à reconvenção, sendo certo que a admissibilidade da reconvenção depende de despacho judicial e da verificação dos requisitos previstos no artigo 266.º do CPC.
18. Não tendo sido admitido o pedido reconvencional, por ter sido entendido que tal pedido não preenchia nenhum dos requisitos elencados no artigo 266.º do CPC, o valor da acção tem, obrigatoriamente, que corresponder ao valor do pedido formulado na petição inicial – neste sentido, Acordão da Relação de Guimarães de 08.10.2015, processo n.º 1089/14.0TJVNF.G1.
19. Como referido, a Apelante não reagiu à fixação do valor pelo Tribunal de Primeira Instância (e este já não é o momento oportuno para o fazer), mas essa situação pode, e deve ser considerada e valorada de modo favorável para efeitos da pretensão que pretende ver decretada com o presente recurso.
20. Acresce que, o, à data, mandatário da Apelante, não procedeu ao pagamento da taxa de justiça subsequente (2.ª prestação), nem compareceu à audiência de discussão e julgamento.
21. Como consequência, a Ré não pôde, sequer, fazer prova dos factos alegados na sua defesa por impugnação, nem a prova testemunhal apresentada pela Autora foi sujeita a contraditório por mandatário da Apelante na audiência de julgamento.
22. O n.º 7 do artigo 6.º do RCP, estabelece que “Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”.
23. A complexidade da causa é apreciada à luz dos critérios estatuídos no n.º 7 do artigo 570.º do CPC, que prevê que integram o conceito de acções de especial complexidade, as que contenham articulados ou alegações prolixas; digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso, ou; impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
24. Na presente ação discutiu-se, apenas e só, o incumprimento, pela Ré, de um contrato de fornecimento de mercadorias que celebrou com a Autora, a resolução do contrato por esse motivo, e a consequente obrigação de restituir o preço antecipadamente recebido, no montante de € 185.238,00, acrescido dos respetivos juros de mora.
25. Conforme consta da sentença proferida em primeira instância, as questões a decidir foram tão somente a caracterização do contrato celebrado entre as partes; o incumprimento contratual e as respetivas consequências; e a assunção da responsabilidade pelo incumprimento.
26. A audiência de julgamento foi realizada num único dia, 14 de Novembro de 2016, e compreendeu, apenas, a inquirição das seis testemunhas arroladas pela Autora.
27. Na fase de recurso, também apenas se discutiu a questão do incumprimento e da resolução do contrato, conforme P.I.
28. Os articulados e as alegações das partes não foram prolixas; a questão não era de grande complexidade jurídica, nem importaram a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; nem implicou a audição de um elevado número de testemunhas, nem a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
29. A audiência de discussão e julgamento se realizou no dia 14 de Novembro de 2016 e a sentença foi proferida no dia 19 de Dezembro de 2016, pouco mais de um mês depois.
30. As alegações de recurso da Apelante foram apresentadas no dia 15 de Fevereiro de 2017, o recurso foi admitido por despacho de 28 de Março de 2017, e o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães foi elaborado em 11 de Maio de 2017 e notificado no dia 18 e mesmo mês.
31. A própria tramitação dos autos foi, diga-se, muito rápida, pois, iniciou-se com a apresentação da P.I. em 18 de fevereiro de 2016, e terminou com o acórdão proferido por este Tribunal da Relação no dia 18 de Maio de 2017, ou seja, um ano e três meses depois.
32. A taxa de justiça é um montante pecuniário aplicável como contrapartida exigida pela prestação concreta de serviços de justiça a cargo dos tribunais, no exercício jurisdicional.
33. A possibilidade de dispensa do remanescente da taxa de justiça foi consagrada pela Lei para acautelar o princípio do acesso ao direito e aos tribunais, que tem assento no artigo 20.º da CRP, e que decorre dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da CRP.
34. O legislador procurou acautelar situações injustas, em que a determinação da taxa de justiça, calculada apenas em função do valor da acção, se traduzisse num valor exorbitante, manifestamente exagerado, sem correspondência e proporcionalidade face ao serviço de administração da justiça prestado.
35. É cristalino que o montante da taxa de justiça a final, de € 53.448,00 é manifestamente desproporcional em função do serviço prestado, pelo que, em termos de juízo de proporcionalidade, razoabilidade e adequação, face à tramitação processada, ao comportamento processual das partes, aos valores da acção, das taxas de justiça já pagas (no montante de € 4.488,00), e ao valor do remanescente da taxa de justiça, mostra-se materialmente justificado o exercício de conformação casuística das custas, dispensando-se o pagamento da taxa de justiça na parte excedente ao valor tributário de € 275.000,00.
36. Sem prescindir, e caso o Tribunal não siga o entendimento que aqui se defende, o que apenas por mera cautela de patrocínio de concede, sempre se invoca a posição adotada por parte da jurisprudência (a título de exemplo, acórdão STJ de 03.10.2017) que se inclina para uma solução mitigada, ou seja, entende que o prazo para a apresentação do pedido de dispensa preclude com a notificação da conta de custas, mas aceita que, em casos limite, a parte possa requerer e o juiz possa admitir e juiz possa oficiosamente dispensar o pagamento da taxa de justiça remanescente para além do momento da conta final.
37. Nos termos da fatualidade concreta acima alegada, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, o aumento do valor da ação de € 186.290,97 para € 2.012,883,14 (que levou à elaboração da conta de custas em apreciação) deveu- se um pedido reconvencional que não foi, sequer, admitido; a Apelante foi impedida de fazer prova em virtude da falta do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça; o julgamento foi realizado sem a presença do mandatário da Apelante por este não ter comparecido; e os autos não revestiram especial complexidade.
38. A situação dos presentes autos é, pois, sem a menor dúvida, de gritante ou iníqua desproporcionalidade entre a atividade judiciária despendida e o montante da taxa de justiça que o Estado arrecada.
39. Conforme vem referido no Acórdão desta Relação de 10.07.2019 (processo 797/12.5TVPRT-A.G2), “No exercício do poder/dever de garantir a adequação das custas ao serviço prestado ao cidadão, e, não tendo o juiz operado tal correcção e face a uma desproporção tão nítida, deve entender-se, até porque assim melhor se executam as decisões do Tribunal Constitucional na matéria e melhor se salvaguardam os princípios e direitos constitucionais consagrados nos artigos 20.º e 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, que o cidadão poderá, mesmo após a apresentação da conta de custas e em conformidade com o n.º 3 do artigo 31.º, reclamar da mesma conta, face a uma situação que pode revelar-se muito mais gravosa que, por exemplo, um erro de cálculo.”.
40. E acrescenta que “Deste modo, consegue-se realizar a justiça material, face a uma questão em que a contraparte não sofre qualquer prejuízo, sendo certo que, nas palavras do Tribunal Constitucional, “a manifesta desproporção entre o valor cobrado de taxa de justiça e o custo implicado na acção, que registou uma tramitação muitíssimo reduzida, dela não decorrendo para o autor o benefício inerente ao elevado montante peticionado reclama, pois, (...) que se censure (...) o critério normativo que permitiu um tal resultado”.
Conclui a Recorrente que o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça foi apresentado oportunamente e deverá merecer provimento.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

A questão decidenda a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em saber se o requerimento para dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, apresentado após a notificação da conta de custas, é ou não tempestivo, e no caso de o ser se, ainda assim, a desproporção do valor da taxa de justiça em face do serviço judiciário prestado é materialmente intolerável.
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III – FUNDAMENTAÇÃO

Os factos a considerar são os que resultam do relatório e ainda do despacho de que se recorre que tem o seguinte teor:

«O pedido de reforma da conta de custas (cfr. artigo 31º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais) apresentado pela Ré assenta em dois fundamentos. O primeiro encontra-se previsto no artigo 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais; o segundo apela à regra do decaimento (ao que se supõe, porque não foi invocado, no disposto no artigo 527º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Quanto ao primeiro fundamento consideramos que o mesmo não consubstancia um fundamento de reforma ou de reclamação da conta de custas, tal como o artigo 31º do Regulamento das Custas Processuais configura o incidente. Por outro lado, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ser requerida até a conta de custas ser notificada às partes (cfr., neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Guimarães de 04.05.2017, relatado por Jorge Teixeira, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02.07.2019, relatado por Pedro Brighton, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06.06.2019, relatado por António Moreira, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.01.2019, relatado por Falcão de Magalhães, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19.12.2018, relatado por Sílvia Pires, todos disponíveis in www.dgsi.pt). Não pode, pois, proceder a reclamação/reforma da conta com este fundamento.
Quanto ao segundo fundamento também não vislumbramos fundamento para uma alteração dos critérios utilizados pelo Sr. Contador. Como bem refere este na informação que antecede, o que releva na feitura dos cálculos é delimitado pelo disposto no artigo 529º, nº 2, do Código de Processo Civil, e não pela regra constante do nº 2, do artigo 527º, do mesmo diploma legal, que terá a sua aplicação concreta em sede de custas de parte.
Nestes termos, e porque não vislumbramos qualquer violação das regras legais aplicáveis, julgo improcedente a presente reclamação/reforma da conta.
Sem custas atenta a simplicidade do incidente.
Notifique»

Considera a Recorrente que o despacho recorrido ao não conceder a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 6º, nºs 1, 2 e 7, e 7º, nº 2 do RCP e 18º, e 20.º e 2º, da CRP, já que, sustenta, o pedido foi apresentado tempestivamente e o valor remanescente corresponde a montante excessivo e desproporcionado, sem nenhuma correspondência real com o serviço prestado no quadro do sistema judicial.
A primeira questão suscitada pela apelante respeita ao limite temporal para apresentação do pedido de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente.
Na decisão recorrida entendeu-se que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ser requerida até a conta de custas ser notificada às partes.
A Recorrente, por sua vez, considera que o limite temporal corresponde àquele que legalmente é concedido à parte para liquidar voluntariamente o remanescente da taxa de justiça, ou seja, o prazo de 10 dias a contar da notificação da conta.
A questão do limite temporal para o exercício da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, tem sido muito debatida na jurisprudência sem, contudo, alcançar uma resposta uniforme.
A este propósito, é possível encontrar dois entendimentos distintos.
O primeiro entendimento é que a dispensa do remanescente da taxa de justiça pode ser requerida pelas partes e apreciada pelo tribunal até ao termo do prazo para o pagamento voluntário das custas.
O segundo entendimento consiste em que a dispensa do remanescente da taxa de justiça pode ser requerida pelas partes e apreciada pelo tribunal até à elaboração da conta de custas.
A jurisprudência maioritária vem-se inclinando no sentido de considerar que o requerimento de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente deve ser formulado antes da elaboração da conta de custas.
Também nós perfilhamos este entendimento.
Enunciamos de seguida as suas razões.
A primeira delas, assenta na importância da fixação de um momento preclusivo prévio à conta e encontra expressão clara na fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional, Ac. nº527/2016 de 4 de Outubro, que julgou conforme à constituição a norma do nº 7 do art. 6 do RCP, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas, pois tal norma assim interpretada não viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva, designadamente na dimensão de garantia de um processo justo, nem interfere com qualquer outro parâmetro constitucional. (1)

O Tribunal Constitucional, tendo embora por função apreciar a conformação constitucional daquela interpretação da norma, desenvolveu argumentação muito sólida na consideração da importância da fixação de um momento preclusivo para o exercício da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça: sem tal fixação, a conta do processo não assumiria carácter definitivo, ficando como que suspensa de um comportamento eventual do destinatário da obrigação de custas não referenciado no tempo.
Depois, reconhece não apresentar qualquer dificuldade digna de tutela a satisfação do ónus de requerer a dispensa do pagamento em momento anterior ao da elaboração da conta, bem podendo a parte, em tempo, suscitar a apreciação jurisdicional da sua pretensão, sendo isso genericamente, coerente com a sucessão de atos do processo. A fixação do efeito preclusivo no momento em que o processo é contado tem coerência lógica com o processado (na medida em que a conta deverá refletir a referida dispensa), ou seja, não se trata de um efeito que surpreenda pelo seu posicionamento na marcha processual.
A parte dispõe de um prazo indiscutivelmente razoável para exercer a faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, desde a prolação da decisão final até ao momento da elaboração da conta.
Se até este momento, a parte não deduziu o pedido correspondente, a conta é elaborada nos termos gerais decorrentes da tabela legal, sendo certo não poder considerar-se que tal seja um resultado implícito não expectável ou não discernível a partir do texto da lei, atendendo desde logo à própria redação do preceito - "o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final".
Não é, pois, correto afirmar-se que a só após a notificação da conta a parte tem conhecimento dos montantes eventualmente excessivos que lhe são imputados a título de taxa de justiça. Na verdade, pelo menos após a prolação da decisão final, a parte dispõe de todos os dados de facto necessários ao exato conhecimento prévio das quantias em causa: sabe o valor da causa, a repartição das custas e o valor da taxa de justiça previsto na tabela I do RCP, por referência ao valor da ação.
Daí que, em coerência com esta orientação, haverá que entender-se ser a gravidade da consequência do incumprimento do ónus (que consiste na elaboração da conta sem a redução ou dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça) ajustada ao comportamento omitido.
Uma outra linha de raciocínio, assente na função da conta final, conduz-nos à mesma solução.
Como decorre dos arts. 29º e 30º do RCP, a conta de custas é elaborada pela secretaria do tribunal que funcionou em 1.ª instância, após o trânsito em julgado da decisão final, sendo elaborada de harmonia com o julgado em última instância e abrangendo as custas da ação, dos incidentes, dos procedimentos e dos recursos.
A contagem do processo é apenas uma mera operação material, que tem como parâmetros a condenação concreta e definitiva no seu pagamento e as regras normativas, enunciadas no RCP.
Por sua vez, preceitua o art.º 6º, nº 7, do RCP, que nas causas de valor superior a € 275 000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
Não constando de forma expressa nesta norma o momento em que as partes podem requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, resulta a nosso ver claro que da sua adequada interpretação decorre que tem de ser anterior à elaboração da conta a final, para nesta poder ser considerado e incluído – ou não – o remanescente da taxa de justiça.
Decorrendo a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, necessariamente, de uma decisão constitutiva proferida pelo juiz, e como se afirma no acórdão do STJ de 13/07/2017 (2) "podendo naturalmente inferir-se se nada se disser sobre esta matéria na parte da sentença atinente à responsabilidade pelas custas que o julgador considerou que os pressupostos de que dependeria tal dispensa não estão verificados sendo, neste contexto, consequentemente previsível para a parte, total ou parcialmente vencida, que a conta de custas a elaborar não irá contemplar seguramente essa dispensa’, deverá o direito a reiterar perante o juiz a justificabilidade da dispensa do remanescente da taxa de justiça ser ‘exercitado durante o processo’, não havendo qualquer razão justificativa para aguardar-se pela elaboração da conta para, só então, requerer-se a dispensa.
Ou seja, como se afirma no acórdão desta Relação de Guimarães, de 24/04/2019 (3) "porque a conta deve refletir tal dispensa, se e quando determinada, é apodíctico considerar que o momento para a decisão sobre a questão tem de ser anterior à sua elaboração". No mesmo sentido, considerou-se no acórdão da Relação de Lisboa, de 15/10/2015 (4), que "da interpretação conjugada do art. 6° nºs 1 e 7 com os art.s 3° n° 1, 14º.s 1, 2 e 9, 30° n° 1 todos do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-A anexa ao mesmo regulamento, decorre que a pretensão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ser formulada pela parte – caso não seja conhecida antes oficiosamente pelo juiz, nomeadamente quando prolação da sentença – em momento anterior à elaboração da conta de custas". Acrescentando-se que existem razões preponderantes para que a decisão sobre a dispensa do remanescente da taxa de justiça deva ser tomada antes da elaboração da conta, "nomeadamente o princípio da economia e utilidade dos actos processuais, que tem afloramento no artº 130° do CPC, nos termos do qual não é lícito realizar no processo actos inúteis”.

A este propósito, e ancorando-se quer na letra da lei quer no elemento teleológico, pode ler-se no acórdão do STJ de 03/10/2017 que "o teor literal do nº 7 do art. 6º do RCP aponta claramente para a bondade da interpretação que se orienta no sentido de que o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem que ser formulado pela parte (caso o não tenha feito anteriormente o juiz) em momento anterior à elaboração da conta de custas. Como nos ensina Oliveira Ascensão (O Direito. Introdução e Teoria Geral, p. 350), aliás em concordância com o que dispõe o nº 2 do art. 9º do CCivil, “A letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação”. E, de outro lado, diferente interpretação deste normativo levaria a sufragar a prática de atos (a feitura de uma conta final, a sua notificação e, eventualmente, até mesmo algum pagamento entretanto feito) que teriam depois que ser destruídos, logo estaríamos perante a prática de atos inúteis, quando o que é certo é que a lei os proíbe (v. art. 130º do CPCivil). Mais: outra interpretação levaria ao absurdo da dispensa do pagamento poder ser equacionada sem qualquer limitação temporal (não se argumente com o prazo para reclamar da conta, pois que não é disso que se trata, além de que o exercício da oficiosidade que existe nesta matéria sempre independeria de qualquer prazo), inclusivamente quando estivesse já a correr execução para pagamento da taxa de justiça a dispensar".

No caso em apreciação, a Recorrente depois de notificado da conta de custas veio pedir a reforma da conta, onde além do mais, requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente.
A reforma ou a reclamação da conta não são os meios processual adequados para suscitar a questão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, pois que, a reforma destina-se a reformar a conta que não estiver de harmonia com as disposições legais (art.º 31º nº 2 do RCP) e a reclamação da conta visa corrigir erros materiais ou a elaboração de conta efetuada pela secretaria sem obedecer aos critérios definidos no art. 30º, nº 3 do RCP (5).
Em suma, o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça não foi feito em tempo nem pelo modo adequado.
Improcedem pois as conclusões de recurso na parte em que se reportam à admissibilidade processual de requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente em momento posterior ao da conta final. O que é dizer, de nenhuma censura é passível o despacho recorrido ao considerar extemporâneo o requerimento apresentado pela Ré tendente à dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente.
Por fim, sustenta a Recorrente que, caso se considere que a dispensa do pagamento só poderia ser requerida até à elaboração da conta de custas, a situação dos presentes autos é de tal forma gritante e de iníqua desproporcionalidade entre a atividade judiciária despendida e o montante da taxa de justiça que o Estado arrecada, que a pretensão deve ser atendida.
A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa, sendo que nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento (art. 6º, nº1 e 7 do RCP).
Quanto ao significado de complexidade da causa, muito embora se trate dum conceito indeterminado, na sua densificação, constitui elemento relevante o preceituado no artigo 530º, nº 7, do Código do Processo Civil, inserido em matéria de responsabilidade tributária.

De acordo com este preceito, para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:

a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

Do quadro normativo delineado resulta que na aferição da dispensabilidade do remanescente da taxa de justiça importa ter presente os parâmetros estabelecidos no n.º 7 do art. 530.º do Código Processo Civil, devendo, por isso, na ponderação concreta atender-se à dificuldade da ação, à dimensão dos articulados e alegações das partes, à natureza das questões a analisar e, ainda, à complexidade temporal e material da instrução processual, cabendo também em sede de recurso jurisdicional determinar, igualmente, se se justifica ou não a dispensa do remanescente da taxa de justiça, verificando se a mesma se afigura desproporcionada em face do concreto serviço prestado, por a questão apreciada não se afigurar de complexidade inferior ou superior à comum e se a conduta processual das partes se limitou ao exigível e legalmente devido (6).
As questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica serão, por regra, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica do decisor.
Nessa medida, a dispensa do remanescente da taxa de justiça revestirá natureza excecional, pressupondo uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.
A conduta processual das partes não tem uma natureza de censura, que é reservada para as situações de litigância de má fé, ou premial, reduzindo-se a taxa de justiça nas situações em que as partes se empenharam na simplificação do processo ou colaboraram com o tribunal. O que está em causa é a determinação da utilização que as partes fizeram do sistema de justiça para aferir se a taxa de justiça é desproporcionada. Assim, a conduta processual das partes refere-se à utilização que fizeram do sistema de justiça através dos atos que praticaram ou levaram o tribunal a praticar. Concretamente, está em causa saber se as partes deduziram incidentes, se o processo terminou na audiência prévia ou na sentença, após a realização da audiência de julgamento, se foi interposto recurso para a Relação, para o Supremo Tribunal de Justiça ou para o Tribunal Constitucional. É a isto que se refere a conduta processual das partes para os efeitos do art. 6º nº7 do RCP. Se os atos praticados pelas partes se resumiram ao essencial, estas fizeram uma utilização do sistema de justiça em que o concreto serviço prestado pode não justificar o pagamento de uma taxa de justiça tão elevada como aquela que resulta do valor da ação, devendo proceder-se à sua redução.
Subjacente à apreciação deverá estar sempre o princípio basilar de que deve haver proporcionalidade entre o valor da taxa de justiça a pagar por cada interveniente no processo e a contraprestação inerente aos custos deste para o sistema de justiça.
A taxa de justiça assume, como todas as taxas, natureza bilateral ou correspetiva, constituindo contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do respetivo sujeito passivo. Por isso que, não estando nela implicada a exigência de uma equivalência rigorosa de valor económico entre o custo e o serviço, dispondo o legislador de uma larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas, é, porém, necessário que a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afeta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe (7).
Balizados por este enquadramento normativo, debrucemo-nos sobre o caso sub judice.
A tramitação dos presentes autos, no que respeita à atividade processual, consubstanciou-se nos articulados (petição inicial, contestação com reconvenção e réplica), requerimentos das partes, realização da audiência prévia com prolação do despacho saneador, apreciação do pedido reconvencional, fixação do objeto do litigio e enunciação dos temas de prova, produção de prova com a realização de julgamento, incidente de nulidade do julgamento, prolação da sentença, recurso para o Tribunal da Relação com invocação de nulidade e impugnação da matéria de facto e prolação de acórdão, a que se seguiu o incidente de reclamação das custas de parte e pedido de reforma da conta de custas.
As decisões proferidas quer na primeira quer na segunda instância, como se alcança da sua análise, implicaram algum labor e se as questões jurídicas suscitadas não exigiam particular especialização jurídica ou técnica, também não se pode dizer que assumiam notória simplicidade. Nesta medida, consideramos que houve lugar a atividade jurisdicional que se eleva já de um plano médio.
À presente ação foi fixado o valor de € € 2.012,883,14 (dois milhões, doze mil, oitocentos e oitenta e três euros e catorze êntimos), por força da reconvenção deduzida pela Ré, que embora não admitida demandou a fixação daquele valor.
O valor da taxa de justiça a pagar pela Recorrente é de € 53.448,00 (cinquenta e três mil, quatrocentos e quarenta e oito euros).
A proporcionalidade da taxa de justiça em relação ao valor da causa e, por isso, em relação à utilidade que para o particular resultaria da prestação do serviço, não pode, é certo, ser o critério aferidor da razoabilidade do concreto valor da taxa de justiça, desde logo, porque o custo do serviço de administração da justiça não varia necessariamente em função do valor da causa e muito menos varia proporcionalmente a ele.
Todavia, relembre-se, para o sucesso da pretensão da Recorrente, a desproporção deste valor teria de ser gritante, ofensiva do mais elementar sentido de justiça, de tal modo que se imporia a sua dispensa ou redução mesmo para além do prazo estabelecido para o efeito.
Não o é.
Aceitando que o valor da taxa de justiça é muito elevado, não estamos perante uma situação de intolerável desproporcionalidade entre a atividade judiciária despendida e o montante da taxa de justiça a pagar.
O Supremo Tribunal de Justiça apreciou já a questão em análise (8), no seu acórdão de 14 de Fevereiro de 2017. Na espécie sobre que incidiu o acórdão estava em causa uma taxa de justiça de €92.029,50 imputada ao autor por um processo que não passou praticamente da sua liminaridade: os atos praticados reconduziram-se apenas à junção de uma petição inicial tendente a uma declaração de insolvência, à citação do devedor (que não deduziu oposição), a um despacho logo a seguir a ordenar a suspensão da instância e a um outro despacho proferido pouco depois (cerca de um mês) a determinar a extinção da instância. Face a uma tão flagrante desproporção entre a taxa de justiça a pagar e o serviço de justiça realizado, o tribunal entendeu que, apesar de formulado depois da conta final do processo, não podia deixar de ser atendido o pedido de dispensa da taxa remanescente.
Ponderou-se, a propósito, que uma decisão contrária à lei ordinária justificar-se-ia se os valores cobrados ultrapassassem flagrantemente padrões de proporcionalidade, em termos qualificáveis de iníquos, atingindo níveis que impusessem o afastamento do regime legal. Situações como algumas daquelas que demandaram do Tribunal Constitucional a sua intervenção corretora da legislação tributária-processual, antes da alteração do direito ordinário, como era o caso da cobrança de € 118 360,80 de taxa de justiça, em ação com o valor tributário de € 10 000 000,00, que terminara ainda antes de decorrido o prazo da contestação, com a homologação da desistência do pedido (TC 421/2013, de 15/07/2013, ou da cobrança de custas no valor total (sem consideração de custas da outra parte) de € 584 403,82, num procedimento cautelar com recurso para a Relação, com o valor tributário de € 51 742 000,00 (TC 227/2007, de 28/03/2007).
É face a uma desproporção tão nítida que haverá de se consentir que, mesmo após a elaboração da conta, seja dispensada a taxa de justiça remanescente.
Ora, salvo o devido respeito, não existe no caso concreto uma tão flagrante ou gritante desproporção entre a taxa de justiça imputada à Recorrente e os serviços de justiça que lhe foram dispensados.
Evidencia-se que, mesmo que porventura se entenda que existe alguma desproporcionalidade, esta sempre estará muito longe de ser flagrante, gritante ou intolerável, de modo a justificar qualquer correção excecional em nome de mais altos princípios fundamentais.

Improcede, pois, a apelação da Recorrente.
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SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil)

I - O requerimento de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente deve ser formulado antes da elaboração da conta de custas.
II - Se até esse momento a parte não deduziu o pedido correspondente, a conta é elaborada nos termos gerais decorrentes da tabela legal, sendo certo não poder considerar-se que tal seja um resultado implícito não expectável ou não discernível a partir do texto da lei, atendendo desde logo à própria redação do preceito - "o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final".
III - A contagem do processo é uma mera operação material, que tem como parâmetros a condenação concreta e definitiva no seu pagamento e as regras normativas, enunciadas no RCP, pelo que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem de estar decidida antes da elaboração da conta para nela poder ser considerada.
IV - A dispensa do pagamento requerida após a conta final apenas seria concebível caso os valores ultrapassassem flagrantemente padrões de proporcionalidade, em termos qualificáveis de iníquos e intoleráveis, atingindo níveis que impusessem o afastamento do regime legal.
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IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente (sendo o valor para efeitos de recurso de € 53.448,00 - cinquenta e três mil, quatrocentos e quarenta e oito euros).
Guimarães, 7 de Maio de 2020

Assinado digitalmente por:
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Fernanda Proença Fernandes
2º - Adj. - Des. Alexandra Viana Lopes - Declaração de voto:

Votei o presente acórdão por considerar que o ordenamento jurídico vigente, face à iniciativa das partes na pendência do processo, não permite revogar a decisão recorrida sobre a reforma da conta, apesar de reconhecer, de forma distinta da conclusão do acórdão votado, que existe uma manifesta e grave desproporção entre o valor da taxa de justiça remanescente (apenas decorrente dum aumento de valor da causa para valor superior a € 275 000, 00 por dedução de pedido reconvencional) e o serviço prestado pelo Estado em relação ao pedido que desencadeou o aumento do valor da causa para valor superior a € 275 000, 00.
1. De facto, na presente causa com valor processual e tributário de € 2 012 883, 14 (valor de € 186 290, 97 da ação acrescido do valor de € 1 826 592, 45 da reconvenção), instaurada em 2016 e com acórdão final do Tribunal da Relação de Guimarães de 2017:
a) Não é aplicável a previsão da dispensa ope legis e automática da taxa de justiça remanescente em relação ao objeto reconvencional, com pedido rejeitado e extinto no despacho saneador, nos termos e para os efeitos do art. 6º/8 do Regulamento das Custas Processuais (que prevê «Quando o processo termine antes de concluída a fase de instrução, não há lugar ao pagamento do remanescente»), aditado pelo art.2º do DL nº86/2018, de 29 de outubro, entrado em vigor no dia seguinte à publicação (art.3º), e aplicável aos processos pendentes apenas quanto «aos atos praticados a partir da entrada em vigor do presente decreto-lei» (art.4º).
b) Teria sido apenas aplicável a previsão da dispensa judicial do remanescente da taxa de justiça nas ações com valor superior a € 275 000, 00, prevista no art.6º/7 do Regulamento das Custas Processuais, em referência à taxa devida nos termos do art.6º/1 e 2 e da parte final da Tabela I desse Regulamento, dispensa realizada oficiosamente ou a pedido das partes.
2. Esta dispensa judicial, oficiosa ou a pedido das partes, referida em1-b), para além de se dever elaborar antes da conta do processo, com efeitos preclusivos que não têm sido considerados inconstitucionais (veja-se o Acórdão do TC nº527/2016, relatado pelo Conselheiro Teles Pereira, para que se remete, que conclui que não há inconstitucionalidade do art.6º/7 do RCP, ao estabelecer uma preclusão no uso e conhecimento desta faculdade), deverá ainda ser realizada, de acordo com a posição maioritária da jurisprudência mais atual, na decisão de condenação em custas do incidente, da sentença da ação ou do acórdão do Tribunal Superior, nos termos do art.527º do C. P. Civil, ab initio, ou em decisão de reforma desta decisão, nos termos do art.616º/1 do C. P. Civil, suscitada pela parte interessada perante decisão que omitisse ou errasse a apreciação (nomeadamente: no Ac. do STJ de 31.01.2019, relatado por Tomé Gomes no processo nº478/08.4TBASL.E1.S1; no Ac. do STJ de 04.07.2019, relatado por Maria do Rosário Morgado, no processo nº314/07.9TBALR-E.E1.S.; no Ac. RG de 24.04.2019, relatado por Ramos Lopes no processo nº1118/16.3TVRL-B.G1).
Neste sentido, não sendo determinada esta dispensa judicial excecional nas decisões de condenação em custas, a condenação operada vigora em referência à aplicação plena do Regulamento das Custas Processuais, nas suas normas e nas suas Tabelas, e fica consolidada com o trânsito em julgado das decisões, nos termos do art.628º do C. P. Civil.
3. Após o trânsito em julgado das decisões de condenação em custas, a contagem do processo que execute as referidas decisões com aplicação plena do Regulamento das Custas Processuais nas suas normas e nas suas Tabelas, apenas é passível de reforma, nos termos do art.31º do R. C. Processuais: se houver violação da decisão judicial transitada em julgado; se não forem aplicadas as regras do Regulamento das Custas Processuais (ou forem aplicadas regras do Regulamento das Custas Processuais que não se devessem aplicar por inconstitucionalidade, nos termos do art.204º da Constituição da República Portuguesa).
4. Ora, nesta ação de 2016:
a) Encontram-se transitadas em julgado decisões judiciais de condenação em custas que não apreciaram e decidiram, oficiosamente ou a requerimento das partes, qualquer dispensa excecional de pagamento de taxa de justiça remanescente nos termos do art.6º/7 do Regulamento das Custas Processuais, passando este Regulamento a ser aplicado integralmente.
b) O recorrente pediu apenas a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, nos termos e para os efeitos do art.6º/7 do R. C. Processuais, no prazo de reclamação da conta.
c) O recorrente, no seu recurso de apelação, em referência à decisão do seu requerimento de reforma da conta, não invocou a execução da conta em violação da decisão judicial ou das normas do Regulamento das Custas Processuais.
d) Por sua vez, não há condições para considerar não aplicável a Tabela I, em referência ao art.6º/1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais (na parte que prevê o acréscimo de taxa de justiça para as causas com valor superior a € 275 000), por inconstitucionalidade, nos termos do art.204º Constituição da República Portuguesa, decorrente de violação o princípio da proporcionalidade no acesso à justiça, nos termos dos arts.2º, 18º e 20º da mesma C. R. Portuguesa.
De facto, apesar da atual previsão mais justa do art.6º/8 do R.C. Processuais, ao eliminar automaticamente o acréscimo de taxa de justiça nas causas superiores a € 275 000, 00 quando as mesmas terminem antes de concluída a instrução e não são julgadas, expressar uma opção abstrata e de funcionamento automático mais justa e adequada, o regime legal já dispunha antes desta previsão da possibilidade de moderação da onerosidade do valor da taxa face aos atos processuais praticados, mediante o mecanismo da dispensa da taxa de justiça remanescente, nos termos do art.6º/7 do R. C. Processuais, que não foi tempestivamente usado.
Assim, a desproporcionalidade concreta ocorrida nestes autos entre o valor da taxa prevista na Tabela I para as causas superiores a € 275 000, 00, em relação aos atos praticados (a atividade desenvolvida de julgamento - condensação e fixação de temas de prova, a admissão de requerimentos de prova, a produção de prova e audiência de julgamento, a prolação da sentença e a reapreciação da sentença em fase de recurso de apelação para o Tribunal da relação de Guimarães- reportou-se efetivamente apenas ao valor económico de € 186 290, 97 da ação, cujas taxas de justiça já estavam contempladas no escalão € 150 000, 00- € 200 000, 00; a atividade respeitante ao valor de € 1 826 592, 45 limitou-se apenas à apreciação de um pedido reconvencional e resposta e prolação do despacho de rejeição do pedido reconvencional no saneador), decorreu da falta de atuação da parte na dedução tempestiva do pedido de dispensa ou de reação às decisões judiciais que não aplicaram a norma excecional da dispensa do art.6º/7 do R.C. Processuais, que se encontram transitadas e consolidadas.
Desta forma, não existem fundamentos para revogar a decisão recorrida e determinar a reforma da conta de custas.



1. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 527/16, de 4/10, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
2. Disponível em www.dgsi.pt.
3. Disponível em www.dgsi.pt.
4. Disponível em www.dgsi.pt.
5. Neste sentido, o acórdão da Relação de Guimarães de 04/05/2017, disponível em www.dgsi.pt.
6. Acórdão do STA de 23 de maio de 2019, acessível em wwwdgsi.pt., aresto que seguiremos de perto na fundamentação do presente acórdão.
7. O acórdão referido da Relação Lisboa, de 28 de Março de 2019, disponível em www.dgsi.pt.
8. Acórdão do STJ de 14 de Fevereiro de 2017, referido no acórdão do mesmo Tribunal de 3 de Outubro de 2017, este disponível em www.dgsi.pt.