Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
732/09.8GAVNF-A.G1
Relator: LAURA MAURÍCIO
Descritores: PENA ACESSÓRIA
INIBIÇÃO DE CONDUZIR
CUMPRIMENTO
REGIME DE DESCONTINUIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) O artº 69º, do Código Penal não prevê a possibilidade do cumprimento descontínuo da pena acessória de inibição de condução, porquanto não faria sentido aplicar ao crime um regime mais benevolente do que aquele que é traçado para a contra-ordenação, por factos da mesma natureza mas de gravidade menor, onde tal regime é expressamente afastado pela lei.

II) Assim, o prazo da proibição apenas não decorre durante o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coação processual, pena ou medida de segurança.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório

No âmbito dos autos com o NUIPC nº 732/09.8GAVNF, em que é arguido A. F., foi, em 30 de maio de 2017, proferido despacho cujo teor é o seguinte:

“Concordo com a liquidação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo que a homologo. Notifique. Comunique nos termos promovidos.”

E tal despacho recaiu sobre promoção do seguinte teor:

“ Uma vez que, de acordo com a informação que antecede, o condenado já se encontra em liberdade, promovo se determine que o período de 3 anos de proibição de conduzir veículos com motor em que foi condenado nos presentes autos teve o seu início no dia 22-05-2017 e terá o seu termo no dia 22-05-2020, com informação à ANSR e ao IMT.”


*

Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:

1. O arguido foi restituído à liberdade em 21 de maio do presente ano.

2. O arguido está titulado há muitos anos.

3. O arguido perfez 50 anos de idade na prisão e não pôde revalidar a carta de condução

4. Por força dessa circunstância, não pode exibir o título e como tal, não se pode candidatar ao exame de condução prático para a referida revalidação no período de 22-05-2017 a 22-05-2020.

5. Esta sanção acessória fará caducar o direito ao título de condução.

6. Em bom rigor, a sanção acessória está prejudicada porque a licença não está em vigor, porque não revalidada aos 50 anos, estava preso.

7. O arguido está a ser tratado de forma absolutamente desigual em relação aos demais cidadãos da república – art.13 da CRP.


*

O recurso foi admitido e fixado o respetivo regime de subida e efeito.

*

O Ministério Público respondeu ao recurso interposto nos seguintes termos:

I - Por sentença transitada em julgado em 03/03/2011 foi o arguido condenado, nestes autos, para além do mais, na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de dez meses.

II — Para cumprimento dessa pena, foi a carta de condução do arguido remetida a estes autos em 06/02/2012.

III — Por decisão de 04 de Setembro de 2013, transitada a 21 de Outubro de 2013, em cúmulo jurídico de penas, foi o arguido condenado, nestes autos, na pena acessória única de três anos.

IV —O arguido esteve privado de liberdade, de forma ininterrupta, entre 05/03/2010 e 22/05/2017, pelo que, nos termos do disposto no art.° 69.°, n.° 6 do CP, o termo inicial da pena acessória apenas ocorreu em 22/05/2017.

V - Atendendo a que a lei não prevê qualquer possibilidade da pena acessória ser cumprida de forma descontínua, nem sendo possível substitui-la por outra pena ou suspender a sua execução, sob pena de violação do princípio da legalidade e das garantias constitucionais que regem a aplicação das penas, o termo final irá ocorrer em 22/05/2020.


*

No Tribunal da Relação o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.

*

Cumprido o disposto no art.417º, nº2, do CPP, não foi apresentada resposta ao Parecer.

*

Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência.

*

Fundamentação

Delimitação do objeto do recurso

O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr.Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º, nº1 e 412º, nºs 1 e 2, ambos do CPP).

No caso sub judice a questão suscitada pelo recorrente e que, ora, cumpre apreciar, traduz-se em saber se deverá ser revogada a decisão recorrida e determinar-se a liquidação da pena após revalidação da licença de condução.


*

Apreciando e decidindo

Dispõe o art.69º, nº1 al.a) do Código Penal que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por (…) crimes previstos nos artigos 291º e 292º.

E dispõe o nº2 do mesmo art.69º do Código Penal que a proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria.

Por seu turno, o nº6 do mesmo art.69º do dispõe que não conta para o prazo da proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coação processual, pena ou medida de segurança

Vejamos:

A razão de ser da proibição é a perigosidade da condução e respeita a quem conduz.

Do disposto nos artigos 69°, n.º 3, do Código Penal e 500°, n.ºs 2 e 4 do Código de Processo Penal, resulta a ideia de que o legislador pretende que a proibição de conduzir seja cumprida de forma contínua. Pois, não se entenderiam as imposições resultantes daquelas normas se a proibição de conduzir pudesse ser cumprida em dias determinados (só em dias úteis ou só nos fins-de-semana, por exemplo) ou apenas durante certas horas do dia (fora do horário de trabalho do arguido).

Com efeito, a pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, por força do disposto no artº 69º, nº 1, al. a), do C. Penal reveste a natureza de pena acessória visando prevenir a perigosidade do agente, e o que está em causa com a proibição de conduzir veículos com motor é a restrição de um direito civil, só podendo atingir colateralmente o seu direito ao trabalho. Este, no entanto, na sua vertente de direito à segurança do emprego, não constitui um direito absoluto, podendo ser legalmente constrangido, desde que este se mostre justificada, proporcional e adequada à preservação de outros direitos ou garantias constitucionais, podendo, pois, ser restringido para a salvaguarda de outros direitos humanos, como o direito à vida, à liberdade e à segurança da pessoa.

O artigo 69º do C. Penal não prevê, assim, a possibilidade do cumprimento descontínuo da pena acessória de inibição de condução: porquanto não faria sentido aplicar ao crime um regime mais benevolente do que aquele que é traçado para a contra-ordenação, por factos da mesma natureza mas de gravidade menor, onde tal regime é expressamente afastado pela lei.

Assim, o prazo da proibição apenas não decorre durante o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coação processual, pena ou medida de segurança.

Os custos, de ordem profissional e/ou familiar, que poderão advir para o arguido do facto de a proibição de conduzir em causa afetar diversas vertentes do seu quotidiano são próprios das penas, que só o são se representarem para o condenado um verdadeiro e justo sacrifício, com vista a encontrarem integral realização as finalidades gerais das sanções criminais, sendo que tais custos nada têm de desproporcionados em face dos perigos para a segurança das outras pessoas criados pela condução em estado de embriaguez e que a aplicação da pena pretende prevenir.

É o que decorre da norma constante do artigo 69.º do Código Penal, na interpretação segundo a qual a execução da pena acessória aí prevista tem de ser contínua, sem que se mostre violada qualquer disposição da Constituição da República Portuguesa.

Verifica-se assim que sob pena de violação da lei criminal não é possível de determinar para momento diferente do previsto na lei o cumprimento da pena acessória. (cfr., neste sentido Acs. da Relação de Lisboa de 29/3/2007,18/04/2013, in www.dgsi.pt/jtrl; e Acs. da Relação do Porto, de 27-01-2010 e 17/03/2010, in www.dgsi.pt/jtrp).

Esta interpretação é a que melhor se ajusta às condições específicas do tempo em que é aplicada a norma do art. 69º nº 2 do C.Penal.

Com efeito, o tempo de aplicação desta norma continua a ser um tempo de elevados níveis de sinistralidade rodoviária e um tempo que demanda sanções eficazes, contra os que, através da condução, põem em causa a vida, a integridade física e o património de terceiros.

Assim pelas razões referidas não é permitido por lei, como o recorrente pretende, ser temporalmente limitada na sua execução a sanção acessória de inibição de conduzir.

A pretensão do recorrente não tem, pois, qualquer suporte na letra e no espírito da lei.

Termos em que o recurso improcede.


*

Decisão

Face ao exposto, acordam os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em:

- julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido A. F., mantendo-se o despacho recorrido.

- Condenar o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.


*


Elaborado e revisto pela primeira signatária
Guimarães, 23 de outubro de 2017

Laura Goulart Maurício
Alda Tomé Casimiro

Processo nº732/09.8GAVNF-A.G1