Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
165595/11.1YIPRT.G2
Relator: HENRIQUE ANDRADE
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
REGULAMENTO COMUNITÁRIO
PACTO ATRIBUTIVO DE JURISDIÇÃO
ACEITAÇÃO TÁCITA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/15/2013
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - O artº23.º, nº1, alínea a), do Regulamento (CE) nº44/2001 exige que o pacto de atribuição de jurisdição seja celebrado por escrito ou verbalmente com confirmação escrita, o que não significa que ele tenha que ser assinado pelas partes, podendo a sua aceitação ocorrer tacitamente, conforme se decidiu no douto acórdão do STJ, de 08-01-2009, no processo 5138/06.8TBSTS.S1 – Serra Baptista, in www.dgsi.pt.
II – No que respeita aos “graves inconvenientes” de que fala a alínea g) do artº19.º do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais (DL 446/85, de 25-10, na redacção do DL 249/99, de 07-07), este não é o único conceito a ter em conta, havendo que o sopesar com os interesses da contraparte e, segundo o corpo do preceito, com o “quadro negocial padronizado”.
Logo, pela dita sopesagem se deve concluir que os interesses da recorrida, sedeada em Sevilha, justificam a adopção do foro desta cidade; ela não se justificaria, por exemplo, se o foro convencionado se situasse mais longe do da sede da parte que o invocasse que o da sede da contraparte.
Mas, a isto, junta-se o facto de “o quadro negocial padronizado”, ou seja, os usos comerciais, apontarem, justamente, no sentido de que a parte proponente de certo contrato inclua, na sua proposta, a adopção do foro que mais lhe convém.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – “Através de requerimento de injunção, veio «J…, Lda.» pedir a condenação de «I…» na quantia de € 31.404,65 (capital e juros), alegando ter-lhe prestado serviços de transporte de retro escavadora e horas de retro escavadora, serviços que foram solicitados pela requerida, mas que, devidamente facturados, não foram pagos na data do vencimento respectivo.
Contestou «I…, SA», sociedade comercial de direito espanhol, excepcionando a incompetência territorial por ter sido convencionado entre as partes a competência dos tribunais de Sevilha (…)”.
“(…), foi proferido despacho que julgou o tribunal internacionalmente incompetente, em virtude de violação de pacto privativo de jurisdição e, consequentemente, absolveu a ré da instância.”.

Inconformada, a autora apela do assim decidido, concluindo deste modo:
“1- Ao presente litígio é aplicável o Regulamento Comunitário 44/2001 de 22/12/2000 sendo, por isso, à luz das normas contidas em tal regulamento, mormente, do art. 23.º, que se deve apurar se a invocada cláusula contratual que concede a jurisdição dos diferendos sobre a interpretação ou execução do contrato celebrado entre as partes é válida e eficaz.
2- Ora, analisando os documentos de fls. 27 e 28, constata-se que as alegadas condições gerais do contrato, além de se encontrarem em língua estrangeira, não contêm quaisquer elementos identificativos da contra-parte, mormente, da A. nem, outrossim, se encontram assinadas por nenhuma das partes, bem como não contém qualquer comprovativo do seu envio à apelante;
3- Pelo que, apesar de a referida cláusula estar inserida num documento escrito, da mesma não resulta ter havido qualquer acordo entre as partes resultando, antes, ter sido efectuada unilateralmente pela apelada e independentemente da vontade da apelante;4- E nem se diga, como faz o tribunal apelado, que o facto de a apelante ter cumprido o serviço que lhe foi adjudicado configura uma aceitação tácita das condições gerais do contrato, pois, em parte alguma, se prova que a apelante tenha recepcionado tal documento e, muito menos, que o tenha aceitado.
5- De qualquer forma, a cláusula que designa como competente determinado Tribunal apenas seria válida se estivessem reunidos os pressupostos constantes do disposto no art. 99.º, n.º 3 do CPC o que, in casu, não se verifica uma vez que, como já se deixou dito, a atribuição da competência aos Tribunais Espanhóis não resultou de prévio acordo escrito entre as partes e não corresponde a nenhum interesse sério das mesmas – neste sentido ver também o disposto nos arts. 13.º, 17.º e 21.º ex vi o disposto no n.º 5 do art. 23 do REg. CE 44/2001.
6- Pelo que, face à documentação junta, o Tribunal “a quo” jamais estava em condições de poder decidir, com suficiente certeza, se a cláusula foi efectivamente objecto de consenso entre as partes, o qual se deve manifestar de forma clara e precisa, sendo certo que as exigências de forma escrita, in casu, também não se verificam não se podendo, por isso, assegurar que o consentimento foi efectivamente prestado.
7- Por outro lado, o caso sub judice constitui um típico caso de cláusulas contratuais gerais, elaboradas sem prévia negociação individual, onde os seus proponentes ou destinatários se limitam, respectivamente, a subscrevê-las ou aceitá-las;
8- Ora, atentos ao teor das alegadas condições gerais do contrato, facilmente podemos concluir que a cláusula 23ª (à semelhança das restantes) está impressa em letra reduzida e de leitura difícil, pelo que um contratante normal jamais atentaria ao seu conteúdo,
9- Além disso, a resolução do presente litígio nos Tribunais Judiciais de Sevilha acarreta graves inconveniente para a A., pois que esta é uma pequena empresa, sem recursos económicos para se deslocar Sevilha, constituir aí mandatário e, bem assim, para assegurar as deslocações de peritos e testemunhas, tanto mais que, conforme se pode constatar dos documentos juntos aos autos, todos os serviços prestados foram levados a cabo em Vila Verde – Braga o que coloca, desde logo, graves inconvenientes de logística acaso houvesse a necessidade de o tribunal e/ou os peritos se deslocarem ao local;
10- E o certo é que a apelada, por sua vez, é uma empresa de grande dimensão, com vários negócios executados em Portugal, e com mandatário já constituído.
11- O que tudo determina a nulidade da referida cláusula, que expressamente se invoca, devendo em consequência, considerar-se excluída das condições gerais do contrato - arts. 8.º e 19.º, al. g), ambos do DL 446/85 de 25/10.
12- Assim, sabendo-se que o facto jurídico em que a A. estrutura a acção é o incumprimento de um contrato de prestação de serviços, com as obrigações que dele decorreriam, mormente, de pagamento do preço por parte da Ré, sempre se dirá que, em função das regras supletivas especiais do art.º 5º do Regulamento Comunitário em questão, o Tribunal Judicial das Varas de Guimarães não é internacionalmente incompetente para conhecer do litígio entre as partes devendo ser revogada a sentença apelada e, em consequência, declarar o tribunal recorrido internacionalmente competente para conhecer da causa.
13- Pelo exposto, violou a douta sentença recorrida, entre outros, o disposto nos arts. 13.º, 17.º, 21.º, 22.º e 23.º do Regulamento Comunitário 44/2001 de 22/12/2000, os arts. 99.º e 101.º do CPC e os arts. 8.º e 19.º, al. g) do DL 446/85 de 25/10.”.
A resposta ao recurso foi considerada intempestiva, e, por isso, mandada desentranhar dos autos.

O relator exarou, então, a seguinte decisão sumária:
“O recurso é o próprio, nada obstando ao conhecimento do seu objecto, o que se fará em decisão sumária, atenta a respectiva simplicidade.
II – As questões a decidir são as que abaixo se enunciam.
III – Fundamentação:
i) Factualidade assente:
Não vem discutida, nem organizada sistematizadamente, podendo, a partir do douto despacho recorrido, considerar-se como tal a seguinte:
“1 - Do pedido de encomenda junto a fls. 27-28 (estes documentos não estão numerados) constam as condições gerais do contrato de prestação de serviços que celebrou com a autora, constando expressamente da sua Cláusula nº 23 que em caso de litígio são competentes os Tribunais de Justiça de Sevilha.
2 - Juntas aos autos as faturas relativas aos serviços prestados, delas não consta qualquer indicação contrária à fixação daquele foro.
3 - O caso coloca-se entre duas empresas: uma portuguesa e outra espanhola.
4 – A autora cumpriu efectivamente o contrato.
5 – Todas as cláusulas do contrato surgem no mesmo contexto e têm a mesma apresentação gráfica.”.

ii) O mérito do recurso:
Está fora de questão que, ao caso em apreço, é aplicável o Regulamento (CE) nº44/2001, que, no seu artº23.º, nº1, alínea a), exige que o pacto de atribuição de jurisdição seja celebrado por escrito ou verbalmente com confirmação escrita.
Relativamente às conclusões 2 a 4 do recurso, dir-se-á que o facto de o pedido/encomenda da ré, dirigido à recorrente, estar escrito em espanhol não impediu esta de entender e cumprir o contrato, como consta do ponto 4 do probatório, não tendo, pois, qualquer valor específico este fundamento.
Se é exacto que as condições gerais do contrato não contêm quaisquer elementos identificativos da recorrente, não o é menos que a encomenda, de que tais condições fazem parte integrante (segundo elas mesmas dizem, sendo que o pedido, propriamente dito, refere, “Página Nº 1 de 2”), identificam, expressamente, a recorrente.
As condições gerais não se encontram assinadas por nenhum dos representantes das partes, mas o dito Regulamento também não o exige, como se viu.
Não existe algum comprovativo do envio das condições gerais, à recorrente, mas, como se viu, ela cumpriu, efectivamente, o contrato que lhe foi proposto, do que resulta, sem margem para dúvida, a conclusão de que recebeu a encomenda, que, repete-se, integra aquelas condições.
Admitamos (e a factualidade disponível para aí aponta, com efeito) que, como diz a recorrente, “apesar de a referida cláusula (23 das condições gerais) estar inserida num documento escrito, da mesma não resulta ter havido qualquer acordo entre as partes resultando, antes, ter sido efectuada unilateralmente pela apelada e independentemente da vontade da apelante”.
Acontece que este circunstancialismo não resolve a questão, conforme se vê na decisão recorrida, onde, com abono no douto acórdão ali invocado, se conclui que a aceitação das condições gerais ocorreu tacitamente (modo válido de emissão da declaração negocial, ut artº217.º do CC), sendo, disso, índice incontornável o facto de a recorrente ter cumprido, efectivamente, o contrato.

No que concerne às conclusões 5 e 6, importa, face ao já expendido, consignar que o artº99.º, nº3, alínea c), do CPC, se refere ao “interesse sério de ambas as partes ou de uma delas, desde que não envolva inconveniente grave para a outra”.
Ora, in casu, é evidente que a recorrida, estando, como está, sedeada em Sevilha, tem um interesse sério em ver declarada a competência dos tribunais desta cidade para dirimir o pleito.
A recorrente não invoca, neste contexto, o “inconveniente grave” de que fala o preceito em questão, fazendo-o, isso sim, a propósito do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.

Quanto à questão que se prende com o disposto nos artigos 8.º e 19.º, alínea g), deste regime jurídico, dir-se-á que, a nosso ver, pese embora o facto de a recorrida ser uma sociedade comercial de direito espanhol, valerá, aqui, o disposto no artº35.º, nº2, do CC, o que significa que as condições gerais do contrato - fazendo, como fazem, parte integrante da proposta (declaração) contratual que a recorrida dirigiu, em Portugal (lugar ondo o comportamento se verificou), à recorrente - deverão ser interpretadas à luz do regime jurídico em apreço, visto ser notório estarmos em presença de “cláusulas (…) cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar”, como se diz no artº1.º, nº2, do DL 446/85, de 25-10, na redacção do DL 249/99, de 07-07.
Prosseguindo:
Como se vê do ponto 5 do probatório, e se refere na decisão recorrida, não é apenas a cláusula 23 das condições gerais, que “está impressa em letra reduzida e de leitura difícil”, mas todas as cláusulas de tais condições, não podendo, por isso, pretender-se, como a recorrente, que ela passa despercebida; se ela passa, todas as cláusulas passariam, e já vimos que este ponto de vista não é aceitável.
Não é, pois, invocável o que se contém na alínea c) do artº8.º, sendo que a matéria referente às alíneas a) e b) se mostra já analisada, e não se alega algo que tenha a ver com a d).
No que respeita aos “graves inconvenientes” de que fala a alínea g) do artº19.º, dir-se-á que este não é o único conceito a ter em conta, havendo que o sopesar com os interesses da contraparte e, segundo o corpo do preceito, com o “quadro negocial padronizado”.
Logo, pela dita sopesagem se deve concluir que os interesses da recorrida, que, repete-se, está sedeada em Sevilha, justificam a adopção do foro desta cidade; ela não se justificaria, por exemplo, se o foro convencionado se situasse mais longe do da sede da parte que o invocasse que o da sede da contraparte.
Mas, a isto, junta-se o facto de “o quadro negocial padronizado”, ou seja, os usos comerciais, apontarem, justamente, no sentido de que a parte proponente de certo contrato inclua na sua proposta a adopção do foro que mais lhe convém.
Não ocorre, pois, também por aqui, a proibição da cláusula 23.
Em suma, o recurso, sem mérito, deverá improceder.

IV – Decisão:
São termos em que, julgando a apelação improcedente, se confirma a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

• Os trechos entre aspas são transcritos ipsis verbis.
• Entende-se que a reclamação para a conferência, nos termos do artº700.º, nº3, do CPC, está sujeita a custas (tabela II anexa ao Regulamento das Custas Processuais, in fine (0,25 a 3), devendo observar-se o disposto no artº14.º, nº1, deste.”.

Vem, agora, requerido, pela recorrente, que sobre o objecto do recurso recaia um acórdão, em conferência.
Nesta, o tribunal revê-se na decisão singular acima transcrita, a qual, por isso, por inteiro, avoca e faz sua, com o que julga a apelação improcedente, e confirma a decisão recorrida, com custas desta reclamação, cuja taxa de justiça se fixa em 1,5 UC, e do recurso, pela recorrente.

Em breve súmula, dir-se-á:
I - O artº23.º, nº1, alínea a), do Regulamento (CE) nº44/2001 exige que o pacto de atribuição de jurisdição seja celebrado por escrito ou verbalmente com confirmação escrita, o que não significa que ele tenha que ser assinado pelas partes, podendo a sua aceitação ocorrer tacitamente, conforme se decidiu no douto acórdão do STJ, de 08-01-2009, no processo 5138/06.8TBSTS.S1 – Serra Baptista, in www.dgsi.pt.
II – No que respeita aos “graves inconvenientes” de que fala a alínea g) do artº19.º do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais (DL 446/85, de 25-10, na redacção do DL 249/99, de 07-07), este não é o único conceito a ter em conta, havendo que o sopesar com os interesses da contraparte e, segundo o corpo do preceito, com o “quadro negocial padronizado”.
Logo, pela dita sopesagem se deve concluir que os interesses da recorrida, sedeada em Sevilha, justificam a adopção do foro desta cidade; ela não se justificaria, por exemplo, se o foro convencionado se situasse mais longe do da sede da parte que o invocasse que o da sede da contraparte.
Mas, a isto, junta-se o facto de “o quadro negocial padronizado”, ou seja, os usos comerciais, apontarem, justamente, no sentido de que a parte proponente de certo contrato inclua, na sua proposta, a adopção do foro que mais lhe convém.

Guimarães, 15-10-2013
Henrique Andrade
Eva Almeida
António Beça Pereira - Voto vencido conforme declaração que junto

Declaração de voto de vencido

Diz o Meritíssimo Juiz a quo, ao resumir o que aqui está em causa, que:
"Nos termos do artigo 23º, nº 1, a) do Regulamento (CE) nº 44/2001, exige-se que o pacto atributivo de jurisdição seja celebrado por escrito ou verbalmente com confirmação escrita. Não há dúvidas sobre a aplicação deste Regulamento, porquanto estão ambas domiciliadas em Estados membros da União Europeia. A questão que se coloca tem que ver com o facto de o pacto atributivo de jurisdição, embora escrito, não se encontrar assinado pelas partes, designadamente pela autora."
Esse preceito estabelece que:
"Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado por escrito ou verbalmente com confirmação escrita. (…)".
Assim, exige-se, para a validade do pacto atributivo de jurisdição, que ele:
- ou seja celebrado por escrito;
- ou seja verbal mas "com confirmação escrita".
Parece, portanto, claro que a validade do pacto depende ou da sua celebração por escrito ou da sua "confirmação escrita", o que implica que seja necessário que as partes expressem, por escrito, a sua vontade de o subscrever. Impõe-se, deste modo, uma forma para as partes exteriorizarem a sua vontade e essa forma é a escrita.
Nessa medida, para que se possa dizer que o pacto foi celebrado por escrito não basta que as suas cláusulas estejam reduzidas a escrito; é ainda necessário que as partes, por escrito, manifestem a vontade de a elas aderir ou de as aceitar, o que significa que ou nele apõem a sua assinatura, pois "quem subscreve o documento quer significar que aprova o seu conteúdo e assume a paternidade deste [1], ou em escrito autónomo proferem uma qualquer afirmação (inequívoca) de adesão a tal convenção.
O expressar dessa vontade não pode ser tácito; tem que ser expresso, pois não só é isso que resulta da letra do regulamento, como também não é aceitável que essa norma da União fique à mercê do direito de cada Estado Membro em matéria declaração negocial tácita [2]. O Regulamento (CE) 44/2001 tem que tem se aplicar de forma uniforme em todo o espaço da União.
Neste sentido pode ver-se a brochura explicativa da Cooperação Judiciária em Matéria Civil na União Europeia [3], onde se diz que «no que respeita aos requisitos formais, o artigo 23.º do Regulamento "Bruxelas I" estabelece um conjunto de regras diferenciadas. A regra fundamental é a de que o pacto atributivo de jurisdição deve revestir a forma escrita, apesar de não ser exigido um documento escrito assinado por ambas as partes. A troca de declarações escritas ou a confirmação por escrito de acordos verbais também preenche os requisitos de forma, o que sucede ainda quando for adoptada uma forma que se mostre de acordo com os usos que as partes tenham estabelecido entre si ou, no comércio internacional, com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.»
E foi também esse o entendimento do STJ [4], quando pronunciando-se acerca do artigo 17.º da Convenção de Bruxelas [5], que neste aspecto tinha redacção idêntica à do artigo 23.º do Regulamento (CE) 44/2001, disse que "o pacto atributivo de jurisdição que estaria expresso naquela cláusula 9ª não se mostra celebrado com confirmação escrita por parte da destinatária do escrito em que foi inserida, não sendo suficiente a eventual concordância tácita desta". E neste aresto cita-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades, mencionando-se o Ac. de 14-12-1976 (no caso Estasis Salotti di Colzani Aimo e Gianmario Colzani vs RUWA Polstereimaschinen GmbH) em que se afirma que "subordinando a validade das cláusulas atributivas de jurisdição à existência de uma 'convenção' entre as partes, o artigo 17.º impõe ao juiz da causa a obrigação de examinar, em primeiro lugar, se a cláusula que lhe atribui competência foi, efectivamente, objecto de um acordo entre as partes, que deve manifestar-se de uma maneira clara e precisa, tendo as formas exigidas pelo artigo 17.º por função garantir que o acordo entre as partes seja efectivamente estabelecido. A forma escrita prescrita pelo artigo 17.º alínea 1 da Convenção de 27 de 1968 não é cumprida no caso em que uma cláusula atributiva de jurisdição se encontra nas condições gerais de venda de uma das partes, impressas no verso de um acto contratual, a não ser que o contrato assinado por ambas as partes contenha uma referência expressa às condições gerais."
Sendo assim, "uma cláusula de pacto atributivo de jurisdição, conferindo competência ao tribunal português, aposta na factura, enviada pela autora (vendedora) ao réu (comprador), só é válida se houver aceitação escrita (e não meramente tácita). Não havendo aceitação escrita, traduz apenas uma proposta e não um verdadeiro pacto de jurisdição." [6]
E importa não esquecer que "o direito comunitário prevalece sobre o direito interno nacional, o que implica que, em caso de conflito entre uma norma de direito comunitário e uma norma de direito interno, deve ser afastada a aplicação desta última em benefício daquela." [7]
Ora, no caso em apreço não há documento algum em que, pelo menos a autora, expresse por escrito a sua vontade de subscrever o pacto atributivo de jurisdição, nos termos definidos na cláusula 23.ª das "condições gerais" do contrato.
Sendo assim, pelo que acima se deixou dito, não se acompanha a doutrina que fez vencimento no acórdão, segundo a qual a aceitação do pacto de atribuição de jurisdição pode "ocorrer tacitamente".
Finalmente, diga-se que se, porventura, a interpretação desta norma não se tem por segura; se relativamente a ela existe dúvida fundada, seria caso para, em sede de reenvio para interpretação, se solicitar ao Tribunal de Justiça da União Europeia que a resolva .[8]
Pelo exposto voto vencido, pois, inexistindo pacto atributivo de jurisdição, revogaria a decisão recorrida que julgou procedente "a excepção dilatória de incompetência em razão da nacionalidade" do tribunal a quo.
15 de Outubro de 2013
(António Beça Pereira)
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[1] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, pág. 516.
[2] Compare-se, a este propósito, os artigos 217.º do Código Civil Português, 1262.º do Código Civil Espanhol e 474.º a 476.º do Código Civil Italiano.
[3] http://europa.eu
[4] Ac. STJ de 12-6-1997, Proc. 62/97 (Ref. 4889/1997), www.colectaneadejurisprudencia. com.
[5] "Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado contratante, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado contratante têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência exclusiva. Este pacto atributivo de Jurisdição deve ser celebrado:
a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita ou (…)"
[6] Ac. Rel. Coimbra de 27-11-2007 no Proc. 9/07.3TBOFR.C1, www.gde.mj.pt.
[7] Ac. STJ de 16-9-2013 no Proc. 136/11.2TBCUB.E1, www.gde.mj.pt.
[8] Artigo 267.º do tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, cfr. Jornal Oficial da União Europeia de 30 de Março de 2010.