Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1651/14.1TBBCL.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: CIRE
PLANO DE RECUPERAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
SEGURANÇA SOCIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - A homologação de um plano de recuperação que não respeite o regime previsto nos artigos 1º e 2º do DL nº 411/91, de 17.10 e no artigo 30º, nºs 2 e 3 da LGT, por contemplar a redução dos juros e a concessão de pagamento a prestações do crédito do Instituto da Segurança Social sem a sua autorização, é ineficaz relativamente a este credor, contra ele não produzindo quaisquer efeitos.
2 - É hoje ponto assente não ser possível, contra a vontade do Estado (ou da Segurança Social), reduzir ou extinguir créditos tributários ou da Segurança Social, ou conceder moratória mediante o pagamento em prestações que se prolonguem por período superior ao previsto no Código Contributivo.
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO
No âmbito do Procedimento Especial de Revitalização, requerido por B…, Lda., foi proferida sentença homologando o plano de recuperação aprovado pelos credores
Inconformado, o Instituto da Segurança Social interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:
I. O plano homologado pois não se coaduna com o regime jurídico de regularização de dívidas à Segurança Social, bem como, a não apresentação de garantia idónea susceptível de assegurar o pleno cumprimento das dívidas, não se harmoniza com o grau de disponibilidade dos créditos públicos, violando, por isso, as normas aplicáveis em matéria de regularização de dívidas à segurança social.
II. Mas, com tal conteúdo, o plano homologado afasta ainda o regime geral de regularização de dívidas à segurança social, violando normas imperativas, nomeadamente da LGT, da Lei n.055-N2010, de 31-12, LOE 2011 bem como o Código Contributivo.
III. Pois, viola abertamente o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, previsto no artigo 30° n02 da LGT, com desrespeito pelos princípios da igualdade e da legalidade tributária.
IV. Principio que a LOE 2011 veio fortalecer, fazendo-o prevalecer sobre qualquer legislação especial, e aplicando-o aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objeto de homologação conforme se determina no artigo 30° n.03 da LGT e no artigo 125° da LOE.
V. Assim sendo, fica claro que um plano que regule a matéria dos créditos fiscais e da segurança social de forma diversa viola o disposto em normas imperativas, normas essas que não devem, pois, ceder perante a legislação especial contida no CIRE.
VI. Não pode o Plano homologado, por isso, invocar o interesse dos credores para legitimar a violação de normas imperativas que tutelam os créditos da segurança social, quando a sua indisponibilidade exige tratamento diferenciado dos restantes créditos, de acordo com a legislação específica que os regula.
VII. É ilegal a sentença de homologação do PER por terem sido violadas normas imperativas, já que o crédito da segurança social é indisponível e o seu reconhecimento e posterior pagamento não pode ficar sujeito às condições de liquidação dos restantes credores.
VIII. Pelo exposto, deveria ter sido oficiosamente declarada a não homologação do Plano por violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo, designadamente, o artigo 195° e, consequentemente, 215°, ambos do CIRE.
IX. Mas ainda que se entenda que a homologação do Plano é válida, o que não se concede, ainda assim esta homologação não deveria produzir efeitos em relação ao Recorrente, que não aderiu às medidas constantes do mesmo, sob pena de violação da lei, devendo ser-lhe considerado ineficaz.
TERMOS EM QUE
Se requer a V. Exa. se digne retificar a sentença proferida, declarando oficiosamente a não homologação do Plano, o que não aconteceu, certamente por lapso manifesto, com as devidas consequências legais,
OU, EM ALTERNATIVA: Nos melhores de direito e com o mui sempre douto suprimento, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença, como é de JUSTiÇA.
*
A requerente contra-alegou.
Admitido o recurso, os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, onde a apelação foi admitida sob a forma, modo de subida e efeito atribuídos pela 1ª instância.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” (artº 608º nº2 do NCPC).
As questões a apreciar são as constantes das conclusões que acima reproduzimos.
III – FUNDAMENTOS DE FACTO
Factos com interesse para a apreciação deste recurso:
1º «B…, Lda.» requereu Processo Especial de Revitalização de Pessoa Colectiva no dia 26/6/2014.
2º Por despacho proferido no dia 27/6/2014 foi declarado iniciado o presente processo e nomeado Administrador Judicial Provisório.
3º Foi apresentada a relação provisória de créditos.
4º No plano de recuperação apresentado consta:
1-Pagamento integral do valor do capital relativamente a todos os créditos.
2 – Perdão de juros vencidos e renúncia a juros vincendos, com excepção:
a) Dos créditos da Administração Tributária e Aduaneira e do Instituto da Segurança Social IP, por imperativo legal.
b) (…)
A taxa de juros aplicável aos créditos referidos nas precedentes alíneas a) e b) será calculado de acordo com a taxa Euribor a 3 meses, acrescida de um spread de 5%, acordado com o credor garantido CGD.
3 – (…)
4 – Crédito do Instituto da Segurança Social IP: pagamento em 120 prestações mensais sucessivas (correspondente a 10 anos), com início no mês de Janeiro de 2015 e termo no mês de Dezembro de 2024
(…)
Por imperativo legal (artº 199º do CPPT) será prestada garantia a favor da Segurança Social (…) mediante a constituição de hipoteca voluntária sobre o prédio urbano (…).
5º - Foram reconhecidos créditos que totalizam €1.332.161,46.
Votaram favoravelmente à aprovação do plano de recuperação credores que representam €913.410,77 dos créditos;
Votaram desfavoravelmente à aprovação do plano de recuperação credores que representam €55.343,75 dos créditos.
IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO
A Apelante entende que o plano não poderia ter sido homologado por não se coadunar com o regime jurídico de regularização de dívidas à Segurança Social e por falta de apresentação de garantia idónea susceptível de assegurar o pleno cumprimento das dívidas, violando, por isso, normas imperativas, nomeadamente o artº 30º nº 2 da LGT, da Lei nº 055-A12010, de 31-12, LOE 2011 bem como o Código Contributivo.
Pelo exposto, defende que deveria ter sido oficiosamente declarada a não homologação do Plano por violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo, nos ter do preceituado no art. 215°, aplicável ex vi do art. 17ºF, n° 5 do CIRE.
Apreciando:
O nº 5 do artº 17ºF do CIRE estabelece que o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação (…) aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º
Por seu turno o artº 215.º impõe a recusa oficiosa da homologação do plano no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza.
São normas procedimentais todas aquelas que “regem a actuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram presentes — incluindo, por isso, as relativas à sua própria convocatória e funcionamento — e, bem assim, as relativas ao modo como ele deve ser elaborado e apresentado” - Ac. do TRC de 29.10.2013 (5697/12.6TBLRA.C1), in dgsi.pt.
Referem-se ao conteúdo as normas relativas à parte dispositiva do plano e aquelas que estabelecem os princípios a que ele deve obedecer imperativamente ou que definem o objecto da proposta.
A norma não define o que deva considerar-se vício negligenciável. Trata-se de um conceito a integrar pelo intérprete, a quem compete identificar eventuais transgressões, da forma ou do conteúdo, que, em face dos interesses tutelados ou apesar deles, não possam ser ultrapassadas.
Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado - Reimpressão, Quid Juris Sociedade Editora, Lisboa 2009, p.713, referem “que são não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são desconsideráveis as infracções que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido”.
Assim, o que importa, para decidir se a eventual “infracção” justifica ou não a recusa de homologação de um plano aprovado pelos credores é a relevância, ou não, da violação constatada.
No plano em apreço prevê-se o fracionamento do pagamento do crédito da apelante em 120 prestações mensais sucessivas (correspondente a 10 anos), com início no mês de Janeiro de 2015 e termo no mês de Dezembro de 2024.
Estabelece o art. 1º do Dec-Lei nº 411/91, que não é permitido autorizar ou acordar extrajudicialmente o pagamento prestacional de contribuições em dívida à segurança social, nem isentar ou reduzir, extrajudicialmente, os respectivos juros vencidos ou a vencer.
Contudo, o artº 190º do Código Contributivo (CRCSPS), na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 20/2012, de 14/5, prevê tal possibilidade, estabelecendo as condições excepcionais em que pode ser autorizado o pagamento prestacional de dívida à Segurança Social e a isenção ou redução dos respetivos juros vencidos e vincendos.
No âmbito da LGT, antes da redacção introduzida pela Lei 55-A/2010 de 31/12 (Lei do Orçamento para 2011), nos casos de créditos tributários em que eram apresentados para homologação planos que contemplavam perdões de dívida, moratórias, pagamentos em prestações que, como caso dos autos, não estivessem autorizados pela entidade competente, a jurisprudência dividiu-se:
- Parte entendia que, face à indisponibilidade e irrenunciabilidade dos créditos tributários, não podiam ser homologados os planos que previssem perdões de parte da dívida ou moratórias não contempladas na lei, sob pena de violação de lei imperativa - neste sentido os Acs. da RL de 16.11.2010 (Pedro Brighton), proc. 103/09.6TYLSB-E.L1-1 e da RP de 30.06.2008 (Caimoto Jácome), proc. 0853595 in www.dgsi.pt.
- Outra parte, entendia que, face à protecção dada à igualdade dos credores no processo de insolvência e a consagração no artigo 97º da extinção dos privilégios creditórios do Estado, este processo constituía lei especial que prevalecia sobre o regime da Lei Tributária Geral, permitindo a homologação de planos que contivessem acordos de pagamento não previstos nesta lei - neste sentido os Acs. do STJ de 02.03.2010 (Silva Salazar), proc. 4554/08.5TBLRA-F.C1.S1 e 04-06.2009 (Álvaro Rodrigues), proc. 464/07.1TBSJM-L.S1; da RL de 17.05.2012 (Maria José Mouro), proc. 978/10.6TYLSB-C.L1-2; da RP de 07.04.2011 /Teresa Santos), proc. 2525/09.3TBSTS-G.P1; e da RG de 03.03.2011 (Isabel Rocha), proc. 1997/07.5TBFLG-H.G1 e 21.10.2010 (António Sobrinho), proc. 2159/09.2TBBCL-F.G1, entre outros.
Sucede que a Lei 55-A/2010, que alterou a LGT, no seu artigo 123º, aditou o actual nº 3 ao artigo 30º, com a seguinte redacção: “o disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial”. E o artigo 125º da Lei 55-A/2010 prevê expressamente a aplicabilidade do nº 3 do artigo 30º aos processos de insolvência.
Com a nova redacção do artº 30º pôs-se fim à querela jurisprudencial acima referida, prevalecendo o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários sobre o princípio da igualdade dos credores no referido processo [ver Acs. do STJ de 10.05.20012 (Álvaro Rodrigues), proc. 368/10.0TBPVL-D.G1.S1 e de 15.12.2011, (Silva Gonçalves) proc. 467/09.1TYVNG-Q.P1.S1].
No seguimento desta alteração legislativa, tem prevalecido nesta Relação de Guimarães o entendimento de que a homologação de um plano de recuperação que não respeite o regime previsto nos artigos 1º e 2º do DL nº 411/91, de 17.10 e no artigo 30º, nºs 2 e 3 da LGT, por contemplar a redução dos juros e a concessão de pagamento a prestações do crédito do Instituto da Segurança Social sem a sua autorização, é ineficaz relativamente a este credor, contra ele não produzindo quaisquer efeitos - entre outros os Acs. do TRG de 16.04.2015 (3499/12.9TBGMR-D.G1); de 06.03.2014 (643/13.2TBBCL-A.G1) e de 15.10.2013 (8604/12.2TBBRG.G1); de 18.06.2013 (4021/12.2TBGMR.G1) in dgsi.pt, entre outros não publicados.
Semelhante entendimento é acolhido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.03.2015 (Proc. 664/10.7TYVNG.P1.S1), em cujo sumário se pode ler: «O plano de insolvência aprovado mesmo contendo propostas contrárias ao preceituado nos arts. 30.º, n.ºs 1, 2, 3, 36.º, n.ºs 2 e 3, da LGT, e 190.º, n.ºs 1, 2 e 6, do CRCSPSS, não deve o mesmo ser objecto de recusa de homologação judicial, por nulidade do mesmo, antes enfermando de mera ineficácia, sendo, por isso, inoponível, relativamente ao Instituto de Segurança Social».
Consequentemente, é hoje ponto assente não ser possível, contra a vontade do Estado (ou da Segurança Social), reduzir ou extinguir créditos tributários ou da Segurança Social, ou conceder moratória mediante o pagamento em prestações que se prolonguem por período superior ao previsto no Código Contributivo.
No Plano em apreço não se contempla qualquer redução do crédito da Segurança Social, mas apenas o seu pagamento faseado, sendo que o número de prestações previstas no Plano não ultrapassa o permitido pela citada legislação (artº 81º do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2011) no âmbito da regularização de dívidas à Segurança Social.
No tocante à garantia, a constituir por meio de hipoteca sobre um prédio urbano descrito na CRP de Barcelos no nº 667/20090213, a recorrente alega a respectiva insuficiência, mas não aduz factos nem argumentos que sustentem tal alegação, tanto mais que o valor global dos créditos que se destina a garantir (Segurança Social e Administração Tributária) não alcança os €200.000.
Assim, a moratória prevista no Plano não viola norma que não possa ser derrogada pelo acordo das partes
A ora recorrente absteve-se na votação do Plano [ver fls. 512 – o prazo terminou em 7/11 (fls.520 e fls. 523 a 526) – donde se conclui pela manifesta intempestividade da declaração da ora recorrente, que aliás deveria ter sido remetida ao A.I.)], tal como a Fazenda Nacional.
O Plano em questão cumpre objectivamente o disposto no artº 191º do CRCSPSS (Código Contributivo).
Também não se vislumbra que deste Plano resulte para a ora recorrente um regime mais desfavorável do que o que inevitavelmente se lhe seguirá caso não seja aprovado.
Pelo exposto entendemos que o Plano não viola norma imperativa do regime de regularização de dívidas à Segurança Social e, como tal, não ocorre “violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo”, assim improcedendo as conclusões da apelante.
V - DELIBERAÇÃO
Nestes termos acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Guimarães, 15-10-2015
Eva Almeida
António Santos
Amália Santos