Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3574/19.9T8VCT-B.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: SUB-ROGAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. À sub-rogação aplica-se, por via analógica, o prazo de prescrição de três anos, legalmente previsto para o exercício do direito de regresso entre os responsáveis da indemnização nos termos do nº2 do artº 498º do CPC, contado do cumprimento.
II. O início da contagem do prazo de prescrição nos termos do nº2 do artº 497º do Código Civil só se inicia, por via de regra, com o cumprimento da obrigação, sendo “una” a obrigação decorrente do dever de indemnizar.
III. No caso de pagamentos faseados ou de renda o “dies a quo” da contagem do prazo de prescrição de três anos situa-se na data do último acto de pagamento de cada “núcleo indemnizatório autónomo identificado e juridicamente diferenciado”.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

X, S.A., Ré nos autos de acção declarativa, com processo comum, em curso, instaurados pela Autora COMPANHIA DE SEGUROS Y, S.A., veio interpor recurso de apelação do despacho saneador proferido nos autos na parte em que decidiu pela improcedência das excepções peremptórias invocadas pela R./Recorrente na contestação apresentada no processo n.º 2789/20.1T8VCT (entretanto apensado aos presentes autos).
*
O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida nos autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta, a apelante formula as seguintes Conclusões:
1. O presente recurso circunscreve-se e tem por objeto a parte do despacho saneador proferido pelo douto Tribunal a quo em 15 de maio de 2021, constante das páginas a 6, que (i) julgou totalmente improcedente a exceção perentória de prescrição do direito invocado pela A. Companhia de Seguros Y, S.A. (“Y”) invocada pelos RR. nas suas contestações, e (ii) julgou igualmente improcedente a exceção perentória de impossibilidade de exigência pela A. Y de eventuais quantias a pagar no futuro.

Ora,
2. No que à exceção de prescrição do direito invocado pela A. Y respeita, recorde-se que a Autora pretende, nos presentes autos, exercer, em sub-rogação do sinistrado, um alegado direito de ver ressarcidas as quantias que afirma ter despendido em virtude do acidente que envolveu o sinistrado, ocorrido nas instalações da R./Recorrente no dia 2 de novembro de 2016 (cf. pedido a) da petição inicial).
3. Sucede, porém, que dispõe o n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil que “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos (…)”,
4. Pelo que, se o acidente ocorreu em 2 de novembro de 2016, é, com o devido respeito, evidente – contrariamente ao que entendeu o douto Tribunal a quo –, que entre esse momento e o da interposição da presente ação pela Autora decorreram mais de três anos, pelo que, nesta última data, já se encontrava prescrito qualquer eventual direito da Autora, independentemente da data em que a Autora logrou realizar os alegados pagamentos, pelo que deveria ter sido julgada procedente a exceção deduzida pela Recorrente na sua contestação.

Sem prescindir,
5. Ainda que assim não se entendesse, no que não se concede, e se considerasse ter andado bem o Tribunal a quo no douto despacho ora recorrido no que concerne à aplicação analógica ao direito de sub-rogação do disposto no n.º 2 do artigo 498.º do Código Civil, ou seja, ainda que se considerasse que a contagem do referido prazo de três anos se inicia, não na data de ocorrência do sinistro, mas da data em que a seguradora realizou os pagamentos ao sinistrado, também nesse caso se encontraria prescrito o eventual direito da A. Y, pelo menos quanto a alguns créditos que alega na sua petição inicial,
6. Desde logo porquanto, em sentido diametralmente oposto ao seguido no douto despacho ora recorrido, tem vindo a ser entendimento dos nossos Tribunais Superiores que, pelo menos quando estão em causa prestações periódicas, a contagem do prazo de prescrição se inicia com o pagamento, não da última, mas antes da primeira prestação. (cf. a título de exemplo o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/12/2013 (Processo 360/12.0T2AND.C1))
7. Aliás, note-se que, mesmo a considerar-se que os valores alegadamente entregues pela A. ao sinistrado configuram uma indemnização una, e que os diferentes danos não são entre si autonomizáveis, conforme parece ser o entendimento do douto Tribunal a quo, e mesmo perfilhando o entendimento segundo o qual o prazo de prescrição da A. para o exercício dos seus direitos em sub-rogação do sinistrado se conta a partir do último pagamento efetuado, mesmo nesse caso parece ser pacífico o entendimento de que, estando em causa prestações periódicas, a sua natureza particular justifica, por si só, um tratamento diferenciado das restantes, nos termos do disposto no artigo 307.º do Código Civil (cf. a título de exemplo o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 4/11/2010 (Processo 2564/08.1TBCB.A.C1.S1)
8. Ora, sendo que, pelo menos as prestações correspondentes ao salário e à pensão anual e vitalícia do sinistrado se configuram como prestações periódicas, desde logo se tratarem de prestações reiteradas, repetidas, e realizadas em intervalos regulares, tendo a primeira transferência efetuada pela A. Y para o sinistrado, a título de salários, sido realizada em 5 de dezembro de 2016, significa isto que o direito da A. Y de exigir dos RR. as quantias referentes aos salários caducou contados três anos desde essa data, ou seja, em 5 de dezembro de 2019.
9. Tendo a A. Y instaurado a presente ação apenas em 22 de setembro de 2020, quer isto dizer que, nessa data, tinha já o seu alegado e eventual direito a tais quantias prescrito há mais de oito meses, pelo que, ainda que se considere ser devido algum valor à A. Y pelos RR. nos presentes autos, sempre teriam de ser retirados os valores alegadamente despendidos pela mesma a título de salários, no montante global de € 21.282,63 (vinte e um mil duzentos e oitenta e dois Euros e sessenta e três cêntimos), pelo que a exceção deduzida pela Recorrente na sua contestação deveria ter sido julgada procedente.

Ainda sem prescindir,
10. Mesmo que, por hipótese de raciocínio, se viesse eventualmente a entender que o prazo de prescrição de três anos se deve contar da data de cada pagamento realizado, seja qual for o tipo de prestação em causa, ainda assim se teria que considerar prescrito o eventual direito da A. Y quanto a todos os pagamentos efetuados em data anterior a 22 de setembro de 2017,
11. O que perfaz um valor global de € 9 777,06 (nove mil setecentos e setenta e sete Euros e dois cêntimos) a título de salários, e € 15 508,80 (quinze mil quinhentos e oito Euros e oitenta cêntimos), correspondentes a outras quantias respeitantes a pagamentos realizados em data anterior a 22 de setembro de 2017, que sempre teriam de ser subtraídos ao valor peticionado pela A. na sua petição inicial, pelo que a exceção deduzida pela Recorrente na sua contestação deveria ter sido julgada procedente.
Por fim,
12. No que diz respeito à exceção de impossibilidade de exigência de eventuais quantias futuras, pese embora a A. Y peticione a condenação da “1ª Ré e o 2ª Réu ao pagamento das quantias que vierem a ser suportadas pela A. a serem apuradas em sede de liquidação de sentença” (cf. pedido b) da petição inicial), a verdade é que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 593.º do Código Civil, o direito sub-rogado se afere, sem mais, pelo direito do primitivo credor, fundando-se precisamente no ato do cumprimento,
13. Ou seja, nas palavras do Venerando Tribunal da Relação do Porto, “o sub-rogado não se encontra em condições de exigir do devedor aquilo que não foi ainda objecto de cumprimento, isto é(…)o valor das provisões que teve que efectuar ou outras quantias a pagar no futuro – mesmo que estas fossem objecto de uma condenação naquilo que se viesse a liquidar” (cf. Ac. Tribunal da Relação do Porto de 1/10/2013 (Processo 3512/08.4TBVNG.P2))
14. Não se pode, com a devida vénia, por isso, deixar de concluir que o pedido b) formulado pela Autora na sua petição inicial não poderá, de forma alguma, proceder, pois que, nada tendo pago a Autora ao Sinistrado, estamos perante prestações futuras e que, como tal, não podem ser abrangidas pelo instituto da sub-rogação, nem sequer ser objeto de uma condenação naquilo que se viesse a liquidar, pura e simplesmente pelo facto de, como se referiu, o direito abrangido pela sub-rogação não compreender tais provisões para futuro ou prestações futuras.
15. E nem o argumento de que lança mão o douto Tribunal a quo, nos termos do qual com o argumento de que “a própria Y assume tal circunstância e anunciou até que, em momento processual próprio, procederá à ampliação do pedido, no que concerne aos montantes que liquidou após a propositura da acção” altera tal conclusão.
16. Na verdade, ainda que requeresse a ampliação do pedido, a A., in casu, apenas o poderia fazer quanto pedido formulado em a) na sua petição inicial, cabendo posteriormente ao douto Tribunal averiguar se a ampliação respeita ou não os limites legalmente admissíveis.
17. Ora, independentemente de tal eventual ampliação, tal em nada altera a manifesta inadmissibilidade do pedido formulado em b), dado estarem em causa de dois pedidos distintos, que merecem dois raciocínios autónomos, que o doutíssimo Tribunal a quo não logrou levar a cabo no despacho recorrido, tendo, por isso, com a devida vénia, andado mal ao decidir pela improcedência da exceção perentória de impossibilidade de exigência de eventuais quantias a pagar no futuro invocada pelos RR. na sua contestação.
18. Com a sua decisão, o Tribunal a quo violou, entre o mais, os artigos 307.º, 498.º, n.ºs 1 e 2, e 593.º, n.º 1 do Código Civil, e o artigo 265.º do Código de Processo Civil, sendo que tais normais deveriam ter sido interpretadas e aplicadas pelo Tribunal a quo no sentido acima propugnado pela Recorrente nas alegações e conclusões.

Foram proferidas contra – alegações.
O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais do artº 635º-nº2 e 4 do CPC, atentas as conclusões do recurso de apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:

- invocada excepção de prescrição do direito
- a contagem do prazo de prescrição de três anos prevista no artº 498º-nº1 do Código civil deverá iniciar-se na data de ocorrência do sinistro?
- não havendo lugar à aplicação analógica ao direito de sub-rogação do disposto no artº 498º-nº2 do Código Civil?
- e, mesmo que assim se considerasse, deverá considerar-se que as prestações correspondentes ao salário e à pensão anual vitalícia do sinistrado configuram prestações periódicas sujeitas ao regime do artº 307º do Código Civil e que assim prescreveram três anos após a primeira transferência realizada?
- ou, a considerar-se que o prazo de prescrição se deve contar da data de cada pagamento realizado, seja qual for o tipo de prestação em causa, ainda assim se teria que considerar prescrito o eventual direito da A. Y quanto a todos os pagamentos efetuados em data anterior a 22 de setembro de 2017 (reportando-se a 22 de setembro de 2020 a data da instauração da acção ) ?
- invocada “exceção de impossibilidade de exigência de eventuais quantias futuras”

FUNDAMENTAÇÃO ( de facto e de direito )

I. a) X, S.A., Ré nos autos de acção declarativa, com processo comum, em curso, instaurados pela Autora COMPANHIA DE SEGUROS Y, S.A., veio interpor recurso de apelação do despacho saneador proferido nos autos na parte em que decidiu pela improcedência das excepções peremptórias invocadas pela R./Recorrente na contestação apresentada no processo n.º 2789/20.1T8VCT (entretanto apensado aos presentes autos), designadamente, na parte em, alega “se decidiu julgar improcedente a exceção perentória de prescrição do direito invocado pela A. Companhia de Seguros Y, S.A,” e, na parte em que julgou improcedente a “exceção perentória de impossibilidade de exigência pela A. Y de eventuais quantias a pagar no futuro”.
b) O Tribunal “a quo“ julgou improcedentes as excepções deduzidas pela Ré, fundamentando-se na decisão recorrida:

“Os Réus vieram invocar a excepção de prescrição, alegando que o acidente ocorreu em 2 de novembro de 2016, pelo que é evidente que entre esse momento e o da interposição da presente ação pela Autora decorreram mais de três anos, pelo que, nesta última data, já se encontrava prescrito qualquer eventual direito da Autora.
Acrescentaram que ainda que se entendesse, como é posição de alguma jurisprudência dos nossos Tribunais, que o prazo de prescrição aplicável ao caso em que, como sucede nos presentes autos, a seguradora exerce o direito de indemnização em sub-rogação do segurado, pelas despesas em que incorreu com a regularização do sinistro, se conta, não da data em que ocorreu o sinistro, mas da data em que a seguradora realizou os pagamentos ao sinistrado, também nesse caso se encontraria o eventual direito da Autora, pelo menos quanto a alguns dos créditos que alega na sua petição inicial, prescrito. Pelo menos as prestações correspondentes ao salário e à pensão anual e vitalícia do sinistrado se configuram como prestações periódicas, porquanto tais prestações se caracterizam por se tratarem de prestações reiteradas, repetidas, e realizadas em intervalos regulares. De acordo com a documentação trazida aos autos pela Autora a primeira transferência efetuada pela Autora para o Sinistrado, a título de salários, terá sido realizada em 5 de dezembro de 2016. Isto significa que o direito da Autora de exigir dos RR. as quantias referentes a salários caducou contados três anos desde essa data, ou seja, em 5 de dezembro de 2019. A considerar-se ser devido algum valor à Autora pelos RR. nos presentes autos, sempre teriam de ser retirados os valores alegadamente despendidos pela Autora a título de salários, que, nos termos por esta alegados na petição social, perfazem um total de € 21.282,63.
Ainda que, por hipótese de raciocínio, se viesse eventualmente a entender que o prazo de prescrição de três anos se deve contar desde a data de cada pagamento realizado, mesmo quando estão em causa prestações periódicas, a verdade é que, ainda assim, se teria que considerar prescrito o eventual direito da Autora quanto a pagamentos efetuados em data anterior a 22 de setembro de 2017. Teríamos assim um valor global de € 9.777,06, que sempre teria, em qualquer caso, de ser subtraído ao valor peticionado pela Autora a título de salários transferidos para o sinistrado.
Referem os Réus que, além dos salários, o alegado direito da Autora a reclamar outras quantias respeitantes a pagamentos realizados em data anterior a 22 de setembro de 2017 encontra-se igualmente prescrito – perfazendo um valor global de € 15.508,80.
A Y veio pugnar pela improcedência da exceção dizendo que, na esteira da Jurisprudência maioritária, o prazo de prescrição conta-se não a partir da data do sinistro, mas sim da data do cumprimento, já que o direito a reaver o que se pagou, só surge com o pagamento da indemnização integral. O direito em causa só pode ser exercido pela entidade "que houver pago a indemnização...", o que significa que, também por aplicação do princípio geral consignado no artigo 306º nº 1 do Cód. Civil, o prazo da respetiva prescrição só começa a correr depois de efetuado aquele pagamento. Assim, o prazo de prescrição do direito de reembolso da Y só começa a correr quando a relação creditória se extingue, ou seja, quando é paga a última parcela da indemnização que impende sobre a responsável, pois só nessa altura se dá o cumprimento total da obrigação. O último pagamento efetuado pela Y e que se encontra documentado nos autos data de 29.08.2020, pelo que resulta claro que, à data da propositura da acção e da citação dos Réus, o direito de reembolso da mesma não se encontrava prescrito. Sem prejuízo dos montantes que a Y já liquidou após a entrada da presente acção judicial.
Diz ainda a Y que ainda que assim não se entenda e se considere que o prazo de prescrição se conta a partir do último pagamento efetuado por referência à natureza de cada pagamento, sempre se dirá, uma vez mais, que o Direito de Reembolso não se encontra prescrito. No caso em apreço, em todas as coberturas ao abrigo das quais foram efetuados pagamentos pela Y, os últimos pagamentos datam de 2018, 2019 e 2020; pelo que, forçoso será concluir que nenhum dos pagamentos efetuados ao abrigo das várias coberturas se encontrava prescrito, nem tão pouco parcialmente.
Diz ainda a Y que, os pagamentos por si efetuados se reportam a uma obrigação de indemnização que é una, na medida em que se vê obrigada a regularizar o sinistro e a ressarcir todos os danos que dele emerjam, por ocasião da celebração de um contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho.
Cumpre decidir.
O direito exercido pela Y não constitui um verdadeiro direito de regresso, mas de sub-rogação legal nos direitos do sinistrado contra o causador do acidente, na medida em que tiver pago a indemnização. Nessa situação, o prazo de prescrição deve ser contado a partir do cumprimento, por aplicação analógica do art. 498º, nº 2, do CC. Esse prazo é o de três anos aí estabelecido, sem o alargamento previsto no nº 3 do art. 498º: o direito de sub-rogação mais não é que um direito de reembolso das quantias pagas, com uma natureza diferente da do direito do lesado e com um conteúdo delimitado essencialmente pelo crédito satisfeito. No caso de fracionamento do pagamento da indemnização, deve atender-se, por regra, ao último pagamento efetuado, sendo porém de admitir que essa regra possa ser temperada nos casos em que seja possível a "autonomização da indemnização que corresponda a danos normativamente diferenciados". Esta autonomização de núcleos da indemnização, para este efeito de contagem do prazo de prescrição, será admissível apenas em relação a danos autónomos e consolidados, de natureza claramente diferenciada e inteiramente ressarcidos.
Assim sendo, o Tribunal concorda inteiramente com a posição defendida pela Y e entende que o seu direito não está prescrito, improcedendo assim a exceção deduzida.
***
Os Réus vieram invocar a exceção perentória de impossibilidade de exigência de eventuais quantias a pagar no futuro; alegaram ainda nos autos que a Autora Y está impedida, nos presentes autos, de exigir o pagamento de quaisquer quantias a pagar no futuro, isto porque a sub-rogação não se verifica em relação a prestações futuras (cfr. 593º nº 1 CC). A sub-rogação está dependente do cumprimento de uma obrigação (por terceiro).
A Y respondeu dizendo que não poderia naturalmente peticionar o reembolso de despesas que não havia efetivamente liquidado ainda que tivesse essa perspetiva, em abono aliás do decidido pelo douto Tribunal do Trabalho, no que concerne ao pagamento de pensões.

Cumpre decidir.
Ora, como é evidente a Y não pode peticionar o reembolso de despesas que não liquidou. Contudo, a própria Y assume tal circunstância e anunciou até que, em momento processual próprio, procederá à ampliação do pedido, no que concerne aos montantes que liquidou após a propositura da acção.
Improcede assim esta exceção”.

II. A) – invocada excepção de prescrição do direito

1. Veio a Autora COMPANHIA DE SEGUROS Y, S.A., na decorrência de indemnização paga ao lesado A. P., devida por acidente ocorrido em 2/11/2016, exercer, em sub-rogação do sinistrado, o direito de ressarcimento das quantias que despendeu, invocando a Ré X, S.A. a prescrição do direito.
Alega a apelante que a contagem do prazo de prescrição de três anos prevista no artº 498º-nº1 do Código Civil deverá iniciar-se na data de ocorrência do sinistro, não havendo lugar à aplicação analógica ao direito de sub-rogação do disposto no artº 498º-nº2 do Código Civil, e, assim, tendo o acidente ocorrido em 2 de Novembro de 2016, entre esse momento e o da interposição da presente acção pela Autora (22 de Setembro de 2020) decorreram mais de três anos, pelo que, nesta última data, já se encontrava prescrito qualquer eventual direito da Autora, independentemente da data em que realizou os pagamentos.
Nos termos do disposto do artº 498º-nº1 “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, (…)”.
Dispondo o nº2 do citado artigo, que “Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.
Como vem sendo entendido, de forma uniforme pela jurisprudência, à sub-rogação deverá aplicar-se, por via analógica, o prazo de prescrição de três anos, legalmente previsto para o exercício do direito de regresso entre os responsáveis da indemnização nos termos do nº2 do artº 498º do CPC, contado do cumprimento. - Ac. STJ de 11/2/2021, P. 2315/18.2T8FAR.E1.S1, “É jurisprudência hoje pacífica, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, que às situações de sub-rogação legal é aplicável, analogicamente, o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 498.º, n.º 2, do CC, a contar do pagamento efetuado pelo sub-rogado ao credor originário”.
Com efeito, nos termos do artº 593º-nº1 do Código Civil, “O sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam”, sendo a indicada norma “aplicável a todas as formas de sub-rogação, sejam elas voluntárias ou legais. Em qualquer dos casos, os poderes do novo credor medem-se pela satisfação dada aos direitos do credor, como resulta do nº1” – P.Lima e A.Varela, in Código Civil, anotado, Vol.I, 3ª edição, pg.578.
Como se refere no Ac. STJ de 25/3/2010, P. 2195/06.0TVLSB.S1, in www.dgsi.pt, “assentando decisivamente a subrogação, enquanto fonte da transmissão de um crédito, no facto jurídico do cumprimento, o prazo prescricional de curta duração, previsto no nº1 do art. 498º do CC, apenas se inicia – no que se refere ao direito ao reembolso efectivado através da figura da subrogação – com o pagamento efectuado ao lesado”; “fulcro da sub-rogação e medida dos direitos do sub-rogado é o cumprimento. Sendo a sub-rogação uma transmissão do crédito, fonte desta transmissão é, em todos os casos, o facto jurídico do cumprimento (Galvão Telles, "Obrigações", 3ª ed., p. 230)”.
No mesmo sentido se decidiu neste TRG, no Ac. de 21/1/2016, P. 328/14.2TBMDL.G1, Ac. TRG de 30/5/2019, P.2371/18.3T8PNF-A.G1 (citado nas alegações de recurso, mas com indicação de sentido de decisão distinto do que do Ac. consta), tendo-se decidido: “3 - Uma vez que a sub-rogação supõe o pagamento, o prazo de prescrição do direito da seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente simultaneamente de viação e de trabalho, não se conta desde a data do acidente mas sim desde a data do pagamento, por aplicação analógica do disposto no nº 2 do art. 498º do C. Civil”, e, AUJ nº 2/2018, do STA (citado nos autos, com a seguinte decisão: “«O prazo de prescrição do direito da sub-rogada companhia de seguros só começa a correr depois de ter pago os danos sofridos pelo seu segurado, em consequência de acidente de viação, visto que só depois deste pagamento o seu direito pode ser exercido, nos termos do artigo 498.º, n.os 1 e 2, do Código Civil),todos in www.dgsi.pt.
Improcedendo, nesta parte, os fundamentos da apelação.
2. Mais alega a apelante que deverá considerar-se que as prestações correspondentes ao salário e à pensão anual vitalícia do sinistrado configuram prestações periódicas sujeitas ao regime do artº 307º do Código Civil e que assim prescreveram três anos após a primeira transferência realizada, reportando-se esta, no tocante aos salários, a 5 de dezembro de 2016; e, ou, a considerar-se que o prazo de prescrição se deve contar da data de cada pagamento realizado, seja qual for o tipo de prestação em causa, ainda assim se teria que considerar prescrito o eventual direito da A. Y quanto a todos os pagamentos efetuados em data anterior a 22 de setembro de 2017.
Também nesta parte se julgando improcedentes os fundamentos da apelação.
a. Começando pela última questão considera-se que a prescrição do direito de indemnização nos termos do nº 1 do art.º 498º do Código Civil se reporta ao exercício do próprio direito de peticionar e não às suas parcelas e valores, nestes termos se julgando “una” a obrigação decorrente do dever de indemnizar ou, in casu, a sub-rogação do credor que realizou o pagamento.(No mesmo sentido, entre muitos outros Ac. STJ de 26/11/2020, P.2325/18-0T8VRL.G1.S1, Ac. STJ de 4/11/2010, P. 2564/08.1TBCB.A.C1.S1: “A obrigação relativamente a cada lesado derivada do acidente de viação é una ou simples. Como refere A. Varela (Das Obrigações em Geral, 9.ª ed., I, 66)”; Ac. STJ de 26/11/2020; Ac. TRL de 16/6/2015, AUJ nº 2/2018, do STA, Ac. STJ de 10/2/2022, P.5045/20.1T8GMR.G1.S1, in www.dgsi.pt: “ (…) a prescrição do direito de indemnização a que alude o artigo 498º, do Código Civil, não pode ser aferida apenas em função dos danos nem da sua natureza, pois os mesmos são incindíveis dos demais elementos constitutivos da causa de pedir na medida em que todos eles concorrem para a constituição da obrigação de indemnizar”.
Nos termos expostos, sendo “una” a obrigação, não poderá considerar-se que o prazo de prescrição se deva contar da data de cada pagamento realizado, seja qual for o tipo de prestação em causa.
Aliás, distinto entendimento levaria a considerar prescritas as prestações em referência em data anterior, ainda, à da prescrição do próprio direito de indemnização/sub-rogação (v. Cls.10, supra).
b. E, ainda, consequentemente, mais se considerando que o início da contagem do prazo de prescrição nos termos do nº2 do artº 497º do Código Civil só se inicia com o cumprimento integral da obrigação, e, ainda, mesmo que algumas das prestações individuais sejam de pagamento faseado ou de renovação periódica, (com a ressalva abaixo indicada).
Concluindo-se que, o direito de reembolso pelo cumprimento da “indemnização” por prestações correspondentes ao salário e à pensão anual vitalícia de sinistrado, não tem correspondência com o direito do credor às prestações periódicas sujeitas ao regime do artº 307º do Código Civil.
Julgando-se inaplicável, ao caso sub judice, a norma do artº 307º do Código Civil.
Com efeito, por um lado, reporta-se a previsibilidade da norma do artº 307º à prescrição do direito do credor a renda perpétua ou vitalícia ou outras prestações análogas e que não foram pagas, contando-se o respectivo prazo de prescrição desde a exigibilidade da primeira prestação não paga, reportando-se, assim, aos casos de incumprimento da obrigação, distintamente, reportando-se a norma especial do nº2 do artº 498º correspondente ao exercício do direito de regresso do cumprimento da obrigação de indemnização.
E, por outro lado, inexistindo omissão de regulamentação, estando em causa a norma especial do nº2 do artº 498º correspondente ao exercício do direito de regresso do cumprimento da obrigação de indemnização, também se julga inaplicável para contagem do prazo do nº2 do artº 498º a aplicação da norma do artº 307º do Código Civil, por via analógica, inexistindo lacuna da lei ( artº 10º do Código Civil ).
E, assim, conclui-se, as prestações correspondentes ao salário e à pensão anual vitalícia do sinistrado não configuram prestações periódicas sujeitas ao regime do artº 307º do Código Civil.

Improcedendo os fundamentos da apelação.

c. Distintamente, já, e relativamente à interpretação a dar à norma do nº2 do artº 497º do Código civil, no que respeita ao cumprimento e à contagem do prazo respectivo, vem sendo considerada de forma uniforme e actual, pela jurisprudência, designadamente, do STJ, que “No caso de sucessão de actos de pagamento efectuados pela seguradora, o “dies a quo” da contagem do prazo de prescrição de três anos, (…), situa-se na data do último acto de pagamento de cada “núcleo indemnizatório autónomo identificado e juridicamente diferenciado”, em função de critérios funcionais e temporais” – Ac. STJ de 19/6/2016, P. 645/12.6TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
Assim se considerando, e no seguimento da posição que vem sendo expressa pelo STJ, que nas prestações de renovação periódica e de renda, deverá a norma do artº 498º-nº2 do Código Civil, no que se refere ao cumprimento, ser interpretada no sentido de que o início da respectiva contagem se deve reportar à data do pagamento da última parcela - mas, tão só, nos casos de indemnizações por danos autonomizáveis-

Como se decide, nomeadamente, no Ac. STJ de 26/11/2020, P. 2325/18-0T8VRL.G1.S1, in www.dgsi.pt:
“I. Para efeitos do disposto no art. 498º, nº 2, do CC, no caso de fracionamento do pagamento da indemnização, deve atender-se, em regra, à data do último pagamento efetuado.
II. Pode, no entanto, autonomizar-se o pagamento de cada parcela, desde que se esteja perante danos normativamente diferenciados.”
“Autonomização” esta que não poderá considerar-se, no caso sub judice, relativamente à indemnização paga, referente ao salário e à pensão anual vitalícia do sinistrado, pois que constituem meras parcelas de indemnização por um mesmo dano corporal, não constituindo núcleo indemnizatório por dano autónomo – ( Como se decidiu já, no mesmo sentido, em Ac. STJ de 26/11/2020, supra citado: “Neste contexto, para efeitos de contagem do prazo prescricional, não se vislumbra o mínimo fundamento para autonomizar os aludidos danos, dado que ambos se situam no mesmo plano: o dos reflexos patrimoniais que o evento lesivo acarretou para o ofendido” – “Sendo assim, no caso em apreço, o prazo de prescrição de três anos, previsto no artigo 498.º, nº 2, do CC, deve contar-se a partir da data do último pagamento parcelar” -).
Improcedendo a excepção de prescrição e a apelação, na parte respectiva.
B) - invocada “excepção perentória de impossibilidade de exigência de eventuais quantias futuras”
Vem a Ré/apelante alegar ocorrer “excepção perentória de impossibilidade de exigência de eventuais quantias futuras”, nos termos e pelos fundamentos supra expostos, reportando-se ao pedido formulado sob a al. b) da petição inicial, de - “condenação da 1ª Ré e 2ª Réu ao pagamento das quantias que vierem a ser suportadas pela A. a serem apuradas em sede de liquidação de sentença”- , e, invocando a inviabilidade e improcedência do indicado pedido.
Nos termos do disposto no artº 5º-nº1 do CPC “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que baseiam as excepções invocadas”, sendo que constitui defesa por excepção peremptória, nos termos do nº3 do artº 576º do CPC, a “invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor” e são causa determinativa da absolvição total ou parcial do pedido.
No caso sub judice a Ré, ora apelante, não procede à invocação de qualquer factualidade eventualmente determinativa dos efeitos legalmente previstos na citada norma, mas, muito distintamente, vem apenas tecer considerações sobre a viabilidade e procedência do pedido formulado sob a al.b).
Inexiste, assim, defesa por excepção peremptória nos termos dos citados preceitos legais.
E, tão só, tecendo a Ré/apelante considerações sobre o indicado pedido, o certo é que sobre tal matéria não se pronunciou, ainda, o Tribunal “a quo”, inexistindo decisão do Tribunal de 1ª instância sobre o mérito da causa ou sobre a viabilidade, ou não, do indicado pedido, e a “reapreciar” em sede de recurso.
Nos termos expostos, se confirmando a decisão recorrida de improcedência da “excepção peremptória” invocada, embora por distintos fundamentos de direito.
Concluindo-se pela improcedência do recurso de apelação.

Conclusão (Sumário):
I. À sub-rogação aplica-se, por via analógica, o prazo de prescrição de três anos, legalmente previsto para o exercício do direito de regresso entre os responsáveis da indemnização nos termos do nº2 do artº 498º do CPC, contado do cumprimento.
II. O início da contagem do prazo de prescrição nos termos do nº2 do artº 497º do Código Civil só se inicia, por via de regra, com o cumprimento da obrigação, sendo “una” a obrigação decorrente do dever de indemnizar.
III. No caso de pagamentos faseados ou de renda o “dies a quo” da contagem do prazo de prescrição de três anos situa-se na data do último acto de pagamento de cada “núcleo indemnizatório autónomo identificado e juridicamente diferenciado”.


DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas pela apelante.
Guimarães, 9 de Junho de 2022

( Luísa D. Ramos )
( Eva Almeida )
( António Beça Pereira )