Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
968/11.1TAGMR.G1
Relator: FILIPE MELO
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
PEDIDO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/02/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: Em processo penal por crime de abuso de confiança contra a Segurança Social é admissível a dedução de pedido de indemnização civil que tenha por objeto o pagamento da quantia correspondente ao montante das contribuições e respetivos juros devidos e não pagos à Segurança Social
Decisão Texto Integral: Após conferência, acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

No 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, após julgamento, veio a ser decidido:
Pelo exposto:
1) Absolvo a arguida Sandra P... da acusação, dos autos principais, da prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, sob a forma continuada, previsto e punível pelos arts. 107º, n.º 1 e 105º, n.º 1, do RGIT;
2) Absolvo a arguida Magda P... da acusação, proferida nos autos principais, da prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, sob a forma continuada, previsto e punível pelos arts. 107º, n.º 1 e 105º, n.º 1, do RGIT;
3) Absolvo a arguida Maria M... da acusação, dos autos principais, da prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, sob a forma continuada, previsto e punível pelos arts. 107º, n.º 1, 105º, n.º 1, 7º, 12º e 15º, do RGIT
4) Absolvo a arguida Sandra P... da acusação, do apenso-A, da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelo art. 105º, n.º 1, do RGIT;
5) Absolvo a arguida Magda P... da acusação, do apenso-A, da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelo art. 105º, n.º 1, do RGIT;
6) Absolvo a arguida Maria M... da acusação, do apenso-A, da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelo art. 105º, n.º 1, 7º, 12º e 15º, do RGIT;
7) Absolvo a arguida Sandra P... da acusação, do apenso-B, da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelo art. 105º, n.º 1, do RGIT;
8) Absolvo a arguida Magda P... da acusação, do apenso-B, da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelo art. 105º, n.º 1, do RGIT;
9) Absolvo a arguida Sandra P... da acusação, do apenso-C, da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelo art. 105º, n.º 1, do RGIT;
10) Absolvo a arguida Magda P... da acusação, do apenso-C, da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelo art. 105º, n.º 1, do RGIT;
11) Condeno o arguido José P... pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, sob a forma continuada, previsto e punível pelos arts. 107º, n.º 1, 105º, n.º 1, do RGIT e art. 30º, n.º 2, e 79.º, ambos do Cód. Penal, na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa à razão diária de 6,00 (seis) euros, num total de 960,00 (novecentos e sessenta) euros;
12) Condeno o arguido José P... pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, sob a forma continuada, previsto e punível pelos arts. 105º, n.º 1, do RGIT e art. 30º, n.º 2, e 79.º, ambos do Cód. Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à razão diária de 6,00 (seis) euros, num total de 720,00 (setecentos e vinte) euros;
13) Operando o cúmulo jurídico das penas aplicadas nos números 11 e 12, aplico ao arguido José P..., a pena única de 260 (duzentos e sessenta) dias de multa, à taxa diária de 6,00 (seis) euros, o que perfaz o montante global de 1.560,00 (mil quinhentos e sessenta) euros;
14) Condeno o arguido no pagamento das custas criminais, no mínimo legal atenta a confissão e condeno-o no pagamento dos demais encargos legais que fixo, também, no mínimo.
15) Absolvo as demandadas/arguidas Sandra P..., Magda P... e Maria M... do pedido de indemnização civil formulado nos autos;
16) Condeno o demandado/arguido, José P..., no pagamento ao Instituto de Segurança Social, IP, da quantia de 52.263,48 (cinquenta e dois mil duzentos e sessenta e três euros e quarenta e oito cêntimos), correspondente às quantias em dívida, acrescida de juros legais, vencidos e vincendos, contados desde a data do vencimento de cada uma das contribuições e até integral e efectivo pagamento.
17) Condeno o referido demandado nas custas civis.

Inconformado, o arguido José P... recorre, por discordância do teor da decisão que, nas suas próprias palavras, “ crê padecedor de erro de julgamento da matéria de facto, reparo que naturalmente, se espraia às consequências jurídicas que, da matéria apurada, se extraíram em termos sancionatórios, sendo que, também no que respeita à dosimetria da pena, por pecar por excesso, também não deixa a sentença de merecer censura.”
Contudo, o que o recorrente pretende e faz é recorrer de direito pois, de novo nas suas palavras, … A primeira questão objecto do presente recurso centraliza-se primordialmente na admissibilidade ou não do pedido de indemnização civil em processo penal, que tenha por objecto o ressarcimento da quantia correspondente ao montante de contribuições - prestações tributárias, incluindo os respectivos juros - devidas e não entregues à Segurança Social, contempladas no art" 107° n° 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), cuja conduta omissiva constitui de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.
A questão consiste em saber se o valor dessas contribuições, devidas e não entregues à Segurança Social, que integram a materialidade desse ilícito penal fiscal, pode ser reclamado em processo penal desencadeado por tal crime, face ao princípio da adesão, ou se o ressarcimento do referido valor por tais dívidas à Segurança Social, não pode constituir objecto de pedido de indemnização civil em processo penal, por ser da exclusiva competência da jurisdição administrativa fiscal a sua liquidação e cobrança.
O recorrente, subsidiariamente, entende que as penas parcelares e a pena única se devem reduzir ao mínimo legal e também à mínima taxa legal.
*
A decisão assentou na seguinte matéria de facto:
1. De facto.
1.1. Factos provados da acusação dos autos principais e com interesse para a decisão da causa:
a) “S... e M..., Lda” é uma sociedade por quotas, com sede na sede no Lugar do P, S..., Vizela, Guimarães, matriculada sob o n.º 505653..., na Conservatória do Registo Comercial de Vizela, com início de atividade em 2001 e tendo como objeto o corte e costura de calçado e fabricação de calçado;
b) As arguidas Sandra P... e Magda P... constam como sócias e gerentes no registo comercial daquela sociedade, desde o início de tal sociedade, isto é, desde 12 de Novembro de 2001, obrigando-se a mesma pela intervenção da assinatura de dois gerentes;
c) As decisões respeitantes ao funcionamento da referida sociedade, designadamente, contratação de pessoal, ordens de trabalho, pagamento de salários e impostos eram tomadas, sempre e unicamente, pelo arguido José P..., progenitor das arguidas S... e M... e marido da arguida Maria.
d) Durante o período de Setembro de 2002, Novembro de 2002 a Dezembro de 2004, Abril de 2005 a Novembro de 2005, Outubro de 2006 a Março de 2007, Julho de 2007 a Junho de 2008, a sociedade “S... & M..., LDA.”, deduziu, através do seu gerente, o arguido, do valor das remunerações pagas aos seus trabalhadores e gerência os montantes relativos às contribuições por estes devidas à Segurança Social, num total de € 52.263,48 (Cinquenta e dois mil duzentos e sessenta e três euros e quarenta oito cêntimos);
e) Assim, o arguido, a quem competia a administração – de facto - da “S... & M..., LDA.,”, entregava mensalmente as folhas de remunerações dos trabalhadores e gerência, procedendo à retenção das contribuições descontadas aos salários pagos àqueles (por aplicação, respetivamente, das taxas de 11% e 10%), nos montantes e no que concerne aos períodos que se seguem:
I- - - I - - - I
I- - - I - - - I
Total € 52.263,48
f) Encontra-se atualmente em dívida a quantia global de € 52.263,48 (Cinquenta e dois mil duzentos e sessenta e três euros e quarenta oito cêntimos) respeitante às quotizações legalmente imputadas aos trabalhadores da “S... & M..., LDA.,”, nos períodos acima indicados;
g) Era o arguido quem, na qualidade de gerente de facto da sociedade “S... & M..., LDA.,” decidia como efetuar e pagar as contribuições devidas à Segurança Social, bem sabendo que, em nome e em representação daquela sociedade, tinha o dever de enviar àquela instituição as folhas de remunerações pagas no mês anterior aos seus trabalhadores e, no ato de pagamento dessas remunerações, proceder ao desconto prévio dos valores das contribuições por aqueles legalmente devidas à Segurança Social (11% e 10% da remuneração ilíquida) e entregar tais quantias a esta;
h) Mais sabia, o arguido, que devia liquidar e entregar tais contribuições até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitavam;
i) Porém, não obstante no período Setembro de 2002, Novembro de 2002 a Dezembro de 2004, Abril de 2005 a Novembro de 2005, Outubro de 2006 a Março de 2007, Julho de 2007 a Junho de 2008 ter efetuado as retenções acima descriminadas, no montante global de € 52.263,48 (Cinquenta e dois mil duzentos e sessenta e três euros e quarenta oito cêntimos), o arguido não procedeu à sua entrega na Segurança Social no prazo legal, nem decorridos 90 dias sobre o termo deste prazo, o mesmo acontecendo até à presente data, apesar de notificado pessoalmente para o efeito, pela administração, por forma a proceder à regularização da sua situação, nomeadamente nos termos do disposto pelo arts. 105º, n.º4, al. b) e n.º 6 do RGIT, fazendo da sociedade arguida tais quantias, a qual as utilizou em proveito da referida sociedade;
j) O arguido quis fazer da sociedade que representava e em cujo nome e interesse agia, como fez, as mencionadas quantias, utilizando e dissipando as mesmas em proveito da sociedade em causa, bem sabendo que as mesmas não lhe pertencia, nem à sociedade, mas sim à Segurança Social e que, como tal, delas não podia dispor como sua e/ou da sociedade, cabendo àquela apenas deduzir os aludidos montantes e entregá-los à Segurança Social;
k) Agiu o arguido de modo livre, voluntário e consciente, em nome, representação e no interesse da “S... & M..., LDA.,” não ignorando que a sua conduta era proibida e punida por lei, confiando, porém, e uma vez que após a prática dos primeiros factos não foram alvo de fiscalização ou penalização por parte da Segurança Social – o que facilitou a repetição da atividade criminosa – persistindo naquele seu propósito e atividade delituosa;
1.2. Factos provados da acusação dos autos apensos (A) e com interesse para a decisão da causa:
l) As arguidas S... e M... são sócias estatutários e gerentes de direito da sociedade comercial denominada «S... & M..., LDA.» com sede em Lugar P... – Santa E..., e dedicasse a fabricação de calçado;
m) A referida sociedade encontra-se coletada pela Repartição de Finanças de Braga enquadrada como sujeito passivo para efeitos de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (I.V.A.) no regime normal de periodicidade trimestral;
n) Desde a data da constituição da referida sociedade, o arguido por intermédio desta, exerceu de facto o seu giro comercial, vendendo artigos e prestando serviços a título oneroso e mediante contrapartida monetária aos mais variados clientes, desde a pessoas coletivas e particulares, desenvolvendo a sua atividade pela área desta comarca e concelhos limítrofes;
o) Porém, a partir de dado momento que não foi possível precisar, mas no decurso do ano de 2008 a 2009, nomeadamente, no 4.º trimestre de 2008 (no valor de € 9.717.73) e 3.º trimestre de 2009 (no valor de € 7.538.57), o arguido decidiu fazer da referida sociedade e não entregar nos cofres da fazenda pública as quantias em dinheiro provenientes de I.V.A. por cada transação ou venda que efetuassem, no valor global de € 17.256.30;
p) Todavia, em vez de o arguido entregar nos cofres da fazenda pública as quantias supra descritas que recebeu a título de I.V.A., por título não translativo de propriedade, como podia e devia, integrou-as no património da sociedade em causa, locupletando esta à custa do Estado, do erário publico e dos contribuintes em geral;
q) Até à presente data e sem qualquer causa justificativa, o arguido não regularizou tal situação fiscal e nada pagou à Fazenda Publica a título de I.V.A. e recusa-se a satisfazer as ditas obrigações fiscais em dívida, encontrando-se o Estado patrimonialmente prejudicado em valores elevados e no valor total mínimo de € 17.256.30, apesar de ter sido notificado para o efeito;
r) O arguido agiu deliberadamente, com intenção de fazerem das referidas quantias coisa da sociedade e de integrar no património desta as quantias em dinheiro que recebeu e reteve, por título não translativo de propriedade e por via do exercício comercial liquidatário da atividade desenvolvida pela sociedade comercial em causa, invertendo assim o título de posse em relação ao dinheiro e quantia que reteve ou recebeu e comportando-se em relação a elas como se a sociedade fosse a sua legítima proprietária, não obstante saber que aquela quantia de € 17.256.30 não lhes pertencia e que atuava contra a vontade do dono;
s) Bem sabia, o arguido, que tinha de entregar nos cofres da Fazenda Pública a quantia em dinheiro relativa ao imposto relativo ao I.V.A. que cobrou e ilegitimamente reteve, mesmo tendo sido notificado para proceder à liquidação de tal quantia, o que não fez até à presente data;
t) O arguido agiu ainda livre e lucidamente, com a perfeita consciência de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
1.3. Factos provados da acusação dos autos apensos (B) e com interesse para a decisão da causa:
u) As arguidas S... e M... eram sócias estatutários e gerentes de direito da sociedade comercial denominada “S... & M..., LDA.”, com sede no Lugar P... – Santa E..., nesta comarca, pessoa coletiva n.º 505 653 249, e dedicava-se a fabricação de calçado;
v) A referida sociedade encontrava-se coletada pela Repartição de Finanças de Vizela enquadrada como sujeito passivo para efeitos de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (I.V.A.) no regime normal de periodicidade trimestral;
w) No decurso do 2.º trimestre de 2010, a aludida sociedade, por intermédio de quem de facto a geria, não entregou nos cofres da fazenda pública as quantias em dinheiro provenientes de I.V.A. por cada transação ou venda que efetuasse, no valor global de € 9.222,93, tendo as mesmas ingressado no património daquela sociedade, locupletando-se, a mesma, à custa do Estado, do erário publico e dos contribuintes em geral;
x) Até à presente data e sem qualquer causa justificativa não foi regularizada a sua situação fiscal e nada foi pago à Fazenda Publica a título de I.V.A., encontrando-se o Estado patrimonialmente prejudicado no valor de €9.222,93, apesar de ter sido notificada a dita sociedade para o efeito nos termos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, al. b) do RGIT;
1.4. Factos provados da acusação dos autos apensos (C) – para a qual remete o despacho de pronúncia - e com interesse para a decisão da causa:
y) A sociedade comercial “S... & M..., LDA.”, com o N.I.P.C. 505 653 249, encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Vizela, sob o n.º 505653..., tendo como objeto a atividade de corte e costura de calçado, CAE 15201-R3;
z) Em virtude disso, encontrava-se colectada no Serviço de Finanças de Vizela e estava enquadrada, para efeitos de I.V.A., no regime normal de periodicidade trimestral, e para efeitos de I.R.C., no regime geral de tributação;
aa) As arguidas S... e M... eram gerentes de direito da referida sociedade, desde o início da mesma;
bb) Nesta conformidade, a sociedade “S... & M..., LDA.”, através de quem exerceu de facto a sua gerência, liquidou e declarou, após as deduções legais, o I.V.A. por produtos vendidos e serviços prestados e pagos pelos seus clientes, no ano, mês, quantitativo e com data limite de entrega à Administração Fiscal seguintes:

cc) As mencionadas quantias de I.V.A., no montante global de 17.222,94€ (dezassete mil, duzentos e vinte e dois euros, e noventa e quatro cêntimos), liquidadas e posteriormente declaradas e devidas à Administração Fiscal, depois de efetuadas as deduções legais, pelas serviços prestados nos meses e anos mencionados, foram todas efetivamente cobradas e recebidas dos clientes pela referida sociedade;
dd) Tais quantias de I.V.A. recebidas dos clientes, no valor total de 17.222,94€ (dezassete mil, duzentos e vinte e dois euros, e noventa e quatro cêntimos), pertenciam ao Estado e deviam ser-lhe entregues até às mencionadas datas, correspondentes ao dia quinze do segundo mês seguinte a cada um dos meses a que respeitavam, juntamente com as respetivas declarações periódicas;
ee) Todavia, a aludida sociedade, através de quem a geria de facto, não procedeu à entrega ao Estado de todas as mencionadas quantias devidas a título de I.V.A., até às datas indicadas, juntamente com as declarações periódicas enviadas, nem durante o prazo de noventa dias posteriores às mesmas;
ff) À medida em que tais quantias de I.V.A., no valor global de 17.222,94€ (dezassete mil, duzentos e vinte e dois euros, e noventa e quatro cêntimos), foram pela dita sociedade liquidadas, deduzidas e recebidas, a sociedade “S... & M..., LDA.”, por intermédio de quem a geria de facto, contra a vontade e sem autorização do legítimo dono, apoderou-se das mesmas, integrando-as no património da sociedade e utilizando-as em proveito desta;
gg) A sociedade acima referida não procedeu, igualmente, ao pagamento das mencionadas quantias de I.V.A., acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de trinta dias a contar da notificação que lhe foi feita;
Mais se provou que:
hh) As arguidas Sandra, Magda e Maria nunca exerceram funções de gerentes de facto na sociedade em causa nos autos, nunca ali tendo dado quaisquer ordens atinentes à gestão e administração de tal sociedade, mormente no que concerne ao pagamento ao Estado e à Segurança Social, das quantias/impostos a estes devidos pela dita sociedade;
ii) As arguidas apenas exerciam funções de funcionárias naquela empresa à data dos factos em causa nos autos;
jj) À data dos factos em causa nos autos a sociedade em questão atravessou dificuldades económicas, tendo o arguido canalizado as quantias em causa nos autos para proceder ao pagamentos dos salários devidos aos 24 funcionários da referida sociedade, os quais foram sempre pagos, embora, por vezes com atrasos; para proceder ao pagamento da água e electricidade gastas com a laboração daquela empresa e para proceder ao pagamento da renda mensal das instalações onde tal firma laborava, no montante de 750,00;
kk) Os arguidos Maria e José... são casados um com o outro; têm 4 filhos em comum; a arguida Maria é gerente numa empresa só dela, e onde só a mesma trabalha e aufere mensalmente € 600,00 mensais; o arguido José... está desempregado; vivem em casa própria, pagando mensalmente uma prestação bancária de € 300,00 para amortização do empréstimo que contraíram para aquisição da mesma; a arguida Maria tem como habilitações literárias o 5º ano de escolaridade e o arguido José... a 4ª classe;
ll) A arguida Magda... está desempregada e vai passar a receber cerca de €430,00 de subsídio de desemprego; vive com os pais; e tem como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade;
mm) A arguida Sandra... encontra-se de baixa médica por doença há cerca de 2 anos, recebendo cerca de € 386,00 mensais; é divorciada; tem um filho com 8 anos de idade que vive com ela, recebendo de prestação de alimentos cerca de € 150,00 mensais; vivem ambos em casa dos pais da arguida; tem como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade;
nn) As arguidas Sandra P..., Magda P... e Maria M... não têm antecedentes criminais;
oo) O arguido José P... já sofreu a seguinte condenação:
- Processo n.º 232/10.3GEGMR, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Lousada, por sentença de 08-01-2013, transitada em 08-01-2013, pela prática, em 10-02-2010, de um crime de usurpação de coisa imóvel, foi condenado na pena de 120 dias de multa, à razão diária de € 7,00;
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1.5. Factos não provados.
Com interesse para a decisão da causa resultaram “não provados” os seguintes factos:
- que as arguidas tivessem sido gerentes de facto da sociedade em causa nos autos e/ou tivessem exercido quaisquer funções de gerência de facto naquela;
- que as arguidas tivessem recebido as quantias de IVA em causa nos autos e as não tivessem entregado ao Estado e delas se tivessem apropriado em proveito próprio e/ou em proveito da referida sociedade;
- que as arguidas se tivessem apropriado das quantias em causa nos autos e devidas à Segurança Social e delas se tivessem apropriado em proveito próprio e/ou em proveito daquela sociedade;
- que o arguido se tivesse apropriado em proveito próprio das quantias em causa nos autos;
- que as arguidas tivessem agido de forma livre, voluntária e consciente e com intenção de se apropriarem das quantias em causa nos factos provados e sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei.
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O Ministério Público, na 1ª instância, defende o julgado e, nesta Relação, a Ilustre Procuradora-Geral Adjunta também defende a improcedência do recurso, o que faz nos termos do parecer que adiante se vai invocar.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Antes de mais, deixa-se transcrita a motivação do Tribunal, que foi a seguinte:
1.6. Motivação.
A convicção do Tribunal formou-se, desde logo, com base na confissão dos factos, como os mesmos vieram a ser dados como provados, proferida pelo arguido.
Mais disse o arguido, e de forma que se evidenciou sincera e credível, que as arguidas, a arguida Isabel, sua mulher, e as arguidas S... e M..., suas filhas, nunca exerceram funções de gerente na empresa em consideração nos autos.
As declarações do arguido foram corroboradas pelas declarações das arguidas.
A arguida Isabel, mulher do arguido e mãe das arguidas S... e M..., e estas últimas, relataram, de forma que se evidenciou sincera, objectiva e credível, que nunca geriram a sociedade em questão nos autos e que apenas ali exerceram funções de funcionárias, especificando-as, e que foi sempre o arguido quem geriu e administrou tal empresa.
Mais descreveram, todos os arguidos, as dificuldades que a sociedade em causa nos autos atravessou à data dos factos; referindo, ainda, o arguido que optou, na ocasião, por canalizar as quantias em causa nos autos no pagamento de outros compromissos da sociedade, mormente nos pagamentos de salários dos trabalhadores da mesma, da água e electricidade gastas com a laboração da empresa e das rendas das instalações onde trabalhava.
O Tribunal atendeu, ainda, ao depoimento das testemunhas Sérgio B..., técnico superior da Segurança Social, e Fernando S..., inspector tributário, que referiram, de modo isento e credível, que se mantêm em dívida as importâncias em causa nos autos.
Atendeu-se, ainda, aos depoimentos das testemunhas António L... e Maria M..., funcionários da sociedade em causa nos autos à data dos factos em apreço, que relataram, de modo isento e crível, que durante os períodos em causa nos autos aquela sociedade foi sempre gerida unicamente pelo arguido e que tal sociedade atravessou, em tal período, dificuldades económicas; e, mais disseram que as arguidas exerciam funções de simples funcionárias na referida empresa.
A testemunha Joaquim S..., TOC, exerceu funções na sociedade em causa nos autos, desde 2001 até 2009, e relatou, de modo isento e credível, que foi sempre o arguido quem geriu aquela sociedade. Mais relatou as dificuldades económicas e financeiras que a aludida firma atravessou à data dos factos em consideração nos autos.
Pois bem.
Não se duvidando de que a simples circunstância das arguidas S... e M... figurarem como sócias gerentes da sociedade em causa nos autos nunca constituiria sólido apoio para, porventura com fundamento nas máximas da experiência comum, suportar, por si só, a conclusão de que as mesmas participaram nas sucessivas tomadas de decisão que conduziram à não entrega à segurança Social e ao Estado das quantias em apreço, bem se vê que o sentido para que indubitavelmente apontam os elementos probatórios que vimos de considerar, associado ao notório grau de alheamento evidenciado pelas citadas arguidas em audiência de julgamento em relação à “vida” de tal empresa, convenceram ao ponto de permitir a positiva demonstração da versão sustentada por todos os arguidos de que as mesmas não foram gerentes de facto daquela sociedade.
Igualmente, atenta a prova acima exarada, ficou demonstrado que a arguida Isabel nunca exerceu a gerência da aludida firma.
Relativamente às condições pessoais e económicas dos arguidos consideraram-se as declarações pelos próprios complementarmente prestadas e, quanto aos respectivos antecedentes criminais dos arguidos tiveram-se em conta os certificados juntos aos autos.
O tribunal baseou-se, ainda, no teor dos documentos juntos aos autos.
Quanto aos factos não provados cumpre finalmente referir que não se produziu em audiência qualquer prova que permitisse dar como provados outros factos para além dos que nessa qualidade se descreveram.

E, pela sua pertinência, face à questão essencial colocada no recurso, deixa-se também inserido o modo como o Tribunal tratou a questão do pedido cível:
IV - Pedido de indemnização civil.
Pretende o Instituto de Segurança Social, IP, através do pedido de indemnização civil deduzido obter a condenação dos arguidos no pagamento do montante correspondente à quantia de 52.263,48 euros.
O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é obrigatoriamente deduzido no processo penal cfr. art. 71.º do Cód. Proc. Penal , regulando-se, porém, a indemnização de perdas e danos emergentes do crime pela lei civil, nos termos do disposto no art. 129.º do Cód. Penal: os pressupostos e as regras de determinação dos danos a indemnizar são os da lei civil substantiva, sendo, apenas, as questões processuais que são reguladas no Cód. Proc. Penal, nomeadamente nos seus arts. 71.º a 84.º.
No caso “sub judice”, verifica-se que em consequência dos factos praticados pelo citado arguido o Instituto De Segurança Social deixou de receber os montantes referidos nos factos assentes e que ainda hoje estão em dívida.
Assim, assente que está a prática do crime e considerando que a causa de pedir do pedido de indemnização é um “minus” face à do crime, é, destarte, de concluir perante a factualidade assente e supra elencada o preenchimento de todos os elementos constitutivos da obrigação de indemnizar.
E, afirmado o preenchimento dos pressupostos de indemnização previstos no art. 483.º do Cód. Civil, encontra-se o demandado/arguido incurso na correspondente obrigação de indemnização.
Deve, pois, o mesmo ser condenado a pagar ao Instituto de Segurança Social, o montante global de 52.263,48 euros correspondente às quantias ainda em dívida, acrescida de juros legais, vencidos e vincendos, contados desde a data do vencimento de cada uma das contribuições e até integral e efectivo pagamento.
E, considerando os factos dados como provados e como não provados dúvidas não restam que as demandadas/arguidas devem ser absolvidas do pedido de indemnização civil em apreço.

E, de igual modo, insere-se ainda, por ser essa a outra questão suscitada pelo recorrente, o modo como o Tribunal encontrou as penas concretas:
3.2. Determinação da medida das penas.
Afirmando-se o preenchimento do crime de abuso de confiança à Segurança Social na forma continuada, de acordo com o RGIT, o arguido deve ser punido pelos arts. 107º, n.º 1 e 105º, n.º 1 do citado diploma e 30º e 79º, do Cód. Penal.
Com efeito, dispõe o art. 79.º do Cód. Penal que “O crime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação.”, ou seja, para efeitos da determinação da pena aplicável deve ter-se em consideração aos vários crimes praticados que integram a continuação, aquele cuja pena abstracta aplicável seja a mais grave, devendo para tanto ter-se em consideração cada um dos montantes das contribuições referentes a cada um dos meses não entregues - e não o valor global correspondente à soma daqueles (é pelo menos isso que decorre das regras de punição do crime continuado e da aplicação do princípio fundamental de direito criminal da adequação da multa à concreta situação sócio económica do condenado) .
Destarte, a conduta do arguido é punível nos termos do n.º 1, do art. 105º, do RGIT que estabelece uma pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.
Atender-se-á, ainda, à sua situação económica e financeira.
E, é dentro desta moldura penal abstracta que deve ser determinada a medida concreta da pena.
A determinação da medida concreta da pena em relação à pessoa do arguido é feita em função da culpa do agente e das necessidades de prevenção, considerando sempre que possível o prejuízo sofrido pela Segurança Social cfr. art. 71.º do Cód. Penal.
E da prevenção geral, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada, e prevenção especial, destinada a evitar o mais possível a quebra da inserção social do agente da infracção e a promover a sua reintegração na comunidade.
A culpa do agente surge como o limite inultrapassável de quaisquer considerações punitivas.
Vertendo as circunstâncias legais previstas no art. 71.º, n.º 2, do Cód. Penal, relativas à determinação da medida da pena, sobre os factos dados como provados, há aqui a ponderar:
a modalidade de dolo com que o arguido actuou (dolo necessário);
os motivos subjacentes e circunstâncias inerentes à prática do crime, sendo de ponderar a existência do circunstancialismo exterior da difícil capacidade financeira e económica da aludida firma que representava;
os deveres violados com a conduta praticada e o modo de execução dos factos;
a integração do arguido a nível social e familiar;
- a confissão do arguido;
a inexistência de antecedentes criminais à data da prática dos factos – sendo que o arguido posteriormente à prática dos factos ora em apreço sofreu uma condenação pela prática de crime de natureza axiológico-normativa diferente da do crime em apreço.
o facto de o prejuízo causado à Segurança Social não ter sido reparado.
Assim, quanto à medida da pena a aplicar ao arguido, optando pela pena de multa, a qual se mostra adequada e suficiente “in casu”, atentas as circunstâncias acima referidas, fixa-se a mesma, tendo em consideração a moldura abstracta prevista no referido Diploma, em 160 dias.
E, tendo em consideração a situação económica e financeira do arguido fixa-se em 6,00 euros a taxa legal.
*
Afirmando-se, nos autos apensos – Apenso A - também o preenchimento pelo arguido do crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, de acordo com o RGIT, deve o mesmo ser punido pelo n.º 1, do art. 105º do citado diploma e de acordo com o art. 79.º do Cód. Penal.
Destarte, também aqui, para efeitos da determinação da pena aplicável deve ter-se em consideração os vários crimes praticados que integram a continuação, e aquele cuja pena abstracta aplicável seja a mais grave, devendo para tanto ter-se em consideração cada um dos montantes dos impostos referentes a cada um dos trimestres e não entregues - e não o valor global correspondente à soma daqueles.
De acordo com o art. 105º, n.º 1, do RGIT, a moldura penal abstracta a aplicar in casu – ao arguido - é a de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias.
Sendo, ainda, que a determinação da medida concreta da pena em relação à pessoa do arguido é feita em função: da culpa do agente e das necessidades de prevenção, considerando sempre que possível o prejuízo sofrido pela Fazenda Nacional; da prevenção geral, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada; e da prevenção especial, destinada a evitar o mais possível a quebra da inserção social do agente da infracção e a promover a sua reintegração na comunidade; surgindo a culpa do agente como o limite inultrapassável de quaisquer considerações punitivas – cfr. Arts. 40º e 71º do Cód. Penal.
Vertendo as circunstâncias legais previstas no art. 71.º, n.º 2, do Cód. Penal, relativas à determinação da pena, sobre os factos dados como provados, há aqui a ponderar:
a modalidade de dolo com que o arguido actuou - dolo necessário;
- o grau de ilicitude manifestado nos factos, na mediania, atento, nomeadamente o valor em dívida;
- o desvalor do resultado global das condutas em consideração;
- o período temporal da continuação criminosa;
- a sua culpa que se encontra na mediania;
- os motivos subjacentes e circunstâncias inerentes à prática do crime, sendo de ponderar a existência do circunstancialismo exterior da situação financeira e económica débil da sociedade gerida pelo arguido;
os deveres violados com a conduta praticada e o modo de execução dos factos, atendendo nomeadamente ao valor dos impostos retidos;
- a confissão do arguido;
a inexistência de antecedentes criminais à data da prática dos factos – sendo que o arguido posteriormente à prática dos factos ora em apreço sofreu uma condenação pela prática de crime de natureza axiológico-normativa diferente da do crime em apreço.
Acresce, a favor do arguido que se provou que o mesmo utilizou os montantes por si apropriados em benefício da sociedade referida nos autos, nomeadamente e porque esta não tinha disponibilidades financeiras para honrar todos os seus compromissos, tendo neste contexto optado por pagar os salários aos seus trabalhadores e por pagar aos credores/fornecedores da empresa, por forma a garantir a laboração desta e assegurar os respectivos postos de trabalho.
Considerando todos os elementos acima referidos, entendemos que se mostra adequada e suficiente uma pena de multa a aplicar ao arguido, fixando-se a mesma em 120 dias à taxa diária de 6,00 euros, tendo em conta a sua situação económica.
*
- Da pena única.
Aqui chegados, cumpre realizar o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas aos arguidos – cfr. art. 77º, do Cód. Penal.
A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – cfr. n.º 2 do art. 77º - e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas.
Ponderando:
- em relação ao arguido, dentro da moldura penal de limite máximo igual a 280 dias de multa e limite mínimo igual a 160 dias de multa, este tribunal, atento o supra referido quanto à determinação de cada pena aplicada ao mesmo, tem por adequada a pena única de 260 dias de multa, à taxa diária de 6,00 euros.
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Retomando agora a questão essencial que o recorrente coloca, a de se saber se é admissível ou não a dedução de pedido cível em situações desta natureza, convoca-se do douto parecer da Exmª Procuradora-Geral Adjunta, Margarida Sarmento, o seguinte:
1 - Quanto ao recurso interposto respeitante a matéria cível - parte da sentença relativa à indemnização civil - apesar se serem as partes capazes e estarem devidamente representadas pelos seus ilustres mandatários, não tendo directamente o Ministério Público interesse em contradizer ou impugnar as questões em debate, diremos o seguinte, aderindo à tese exaustivamente exposta, entre outros, no Ac. RC de 28.1l.2012, proc. n° 2082/06.2TDLSB.Cl, que se transcreve:
« Defende, em síntese, o recorrente não colher aplicação o princípio da adesão [artigo 71 ° e ss. do CPP], dada a obrigação de pagamento das quantias em causa e legais acréscimos a favor da Segurança Social emergir de relação administrativa - tributária e, como tal, estar-se-ia perante uma excepção dilatória inominada que deveria ter conduzido ao arquivamento do pedido cível, obstando ao seu conhecimento. Indica como violados os artigos 71 ° do CPP, 129° do CP e 7° do D.L. nº 42/2001, de 09.02.
( ... ) Reconhecendo, embora, alguma divergência quanto ao modo de encarar a questão suscitada, designadamente por parte dos tribunais, desde já se adianta não se perfilhar o entendimento sufragado pelo recorrente, afigurando-se-nos essencial debruçarmo-nos sobre algumas decisões, as quais, de uma forma ou de outra, contrariam a génese da solução por si preconizada, não sem que, contudo, antes, nos detenhamos no que a tal respeito tem sido avançado pela doutrina.
A propósito, escreve Germano Marques da Silva «Alguma doutrina e jurisprudência separam em absoluto a responsabilidade pelo crime da responsabilidade pela prestação tributária e consideram arredada a responsabilidade civil pela indemnização dos danos emergentes do crime, no entendimento de que o crime não causa danos indemnizáveis já que a obrigação tributária e o inerente dever de prestar existem independentemente da prática do crime e a falta de cumprimento da obrigação acarretaria tão - só responsabilidade tributária pelo incumprimento da obrigação, reguladas pelas leis tributárias. Não nos parece que seja assim.
Entendemos que não há qualquer incompatibilidade entre a responsabilidade por falta de cumprimento da obrigação tributária e a responsabilidade civil emergente do ilícito penal tributário e que ambas estas obrigações se regem, no que toca aos seus sujeitos passivos por princípios distintos, no primeiro caso a responsabilidade dos membros dos corpos sociais é subsidiária, no segundo é solidária.
( ... )
Como referimos já, alguma jurisprudência é no sentido de que o incumprimento da obrigação tributária se rege exclusivamente pela Lei Geral Tributária com exclusão de quaisquer outras normas ou responsáveis não previstos naquela Lei.
Se assim fosse teríamos uma ruptura na ordem jurídica, excluindo a responsabilidade civil por facto ilícito doloso causador de danos. Não nos parece que a Lei Geral Tributária exclua essa responsabilidade, limitando o disposto no Código Penal e Civil.
( ... )
O art. 3.° do RGIT dispõe que «são aplicáveis subsidiariamente: a) quanto aos crimes e seu processamento, as disposições do Código Penal, do Código de Processo Penal e respectiva legislação complementar; b) quanto à responsabilidade civil, as disposições do Código Civil e legislação complementar.
Acresce que o art. 8.° do Código Penal atribui a esse diploma o carácter de diploma subsidiariamente aplicável aos factos puníveis pela legislação especial, salvo disposição em contrário, sendo comum o entendimento que são subsidiariamente aplicáveis todas as normas da parte geral do Código Penal que não forem contrárias ao RGIT. Entre essas normas encontra-se a do art. 129.° que dispõe sobre «a indemnização por perdas e danos emergentes de crime» e é essa indemnização que «é regulada pela lei civil». Somos, assim, levados a concluir que, quer por força do disposto no art. 8.° do Código Penal, quer por força do disposto no art. 3.° do RGIT, são aplicáveis aos crimes tributários as normas da parte geral do Código Penal e por isso também o seu art. 129.°, salvo disposição em contrário do RGIT. E conterá o RGIT disposição em contrário? Parece-nos que não. O art. 9.° do RGIT dispõe que «o cumprimento da sanção penal não exonera do pagamento da prestação tributária devida e acréscimos legais». Significa que a lei considera que do crime tributário não emerge outro dano porque a prestação tributária em dívida se mantém independentemente do facto criminoso, sendo objecto de regulamentação especial? Dá prática do crime para além das consequências de natureza criminal, não emerge outro efeito que não a manutenção da dívida do imposto que a prática do crime pretendeu frustrar?
Não cremos que seja assim. O valor do dano causado à administração tributária corresponde, em regra, ao valor da prestação tributária em falta, mas a causa do dano é outra, é a prática do crime. Nem o RGIT nem a LGT afastam a regra geral constante dos arts. 483.° a 498.° do Código Civil, aplicáveis por remissão do art. 129.° do Código Penal, porque aqueles diplomas nunca se referem aos danos emergentes do crime, salvo, por remissão, quando o art. 3.°, al. c) do RGIT manda aplicar subsidiariamente as disposições do Código Civil.
A unidade e coerência do sistema impõem que se distinga a responsabilidade pelo pagamento do imposto (responsabilidade tributária), sendo então aplicável a legislação tributária, nomeadamente a Lei Geral Tributária, e a responsabilidade emergente do crime, consequência civil resultante da prática do ilícito criminal causador de dano à administração tributária ou à administração da segurança social.
( ... )
A disposição legal (art. 9.° do RGIT) ... nada tem que ver com a questão que nos ocupa, ou seja, com a responsabilidade pelos danos emergentes do crime. Significa tão - só que o crime tributário não implica novação objectiva ou subjectiva da dívida tributária. A dívida tributária existe e mantém-se independentemente da prática do crime tributário, mas se o crime causar danos os seus agentes são responsáveis pela indemnização dos danos dele emergentes nos termos gerais» - [cf. "DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO - SOBRE AS RESPONSABILIDADES DAS SOCIEDADES E DOS SEUS ADMINISTRADORES CONEXAS COM O CRIME TRIBUTÁRIO", Universidade Católica Editora, 2009, pág. 118 e ss.].
Defende, pois, o Autor que «se o crime não é o facto gerador da dívida de imposto (da prestação tributária não paga) pode ser a causa do não pagamento e nessa medida é causa do dano para a administração tributária», podendo, assim, a indemnização pelos danos causados pelo crime, em regra correspondente à dívida de imposto e juros moratórios, ser pedida no processo - crime nos termos dos artigos 71 ° e ss. do CPP - [cf. ob. cit., págs. 120-183.].
No mesmo sentido se pronuncia Paulo Pinto de Albuquerque quando refere «A acção cível é também autónoma em relação à satisfação do crédito tributário. Assim, a responsabilidade civil derivada da apropriação das quantias devidas e não entregues à segurança social, que integram a prática do crime de abuso de confiança contra a segurança social, tem como fundamento a prática desse facto ilícito e não o incumprimento da correspondente obrigação contributiva" - [cf. "Comentário do Código de Processo Penal", 4.a edição, Universidade Católica Editora, pág. 231].
Sobre a questão já, por diversas vezes, se debruçou o Supremo Tribunal de Justiça, o que fez, entre outros, nos acórdãos de 11.12.2008 [proc. nº 08P3850] e de 29.10.2009 in CJ, ASTJ, Ano XVII, T. III, pág. 220 e ss.
No primeiro ficou consignado « ... a indemnização destes autos não se destina a liquidar uma obrigação tributária para com a segurança social, sendo antes fixada segundo critérios da lei civil, apesar de os factos geradores da obrigação de indemnizar e da obrigação tributária poderem ser parcialmente coincidentes, não podem naturalmente ser confundidos os seus fins e regimes.
Não há, pois, identidade de causa de pedir, pois a pretensão deduzida nas execuções fiscais e a pretensão formulada no presente processo não procedem do mesmo facto jurídico (cfr. o disposto no artigo 498°, n.º 4, do C. P. Civil).
( ... )
O Supremo Tribunal de Justiça já teve ocasião de se pronunciar sobre tal questão no (AcSTJ de 26.1.2006, proc. n." 231/05 - 5, Relator: Conselheiro Rodrigues da Costa), entendimento que se mantém ... ( ... )
Em situações idênticas, tem vindo a ser entendido, quer pela doutrina (Cf. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Temas Judiciários, vol. I, Almedina, 1998, págs. 232 - 234, e ABÍLIO NETO, Código De Processo Civil Anotado, 16.a ed., pág. 630, nota 15.), quer pela jurisprudência, que, se o demandante pretende obter título executivo também contra os sócios gerentes da devedora fiscal, tem necessariamente de os demandar em acção de condenação, como sucedeu nos presentes autos.»
E prosseguindo, com referência a elementos jurisprudenciais aduz:
«Como se fez notar no acórdão da Relação de Évora, de 30-06-2004, Proc. n" 912/04- 1, «pouco releva o facto de o IGFSS ter "outros meios para obter o pagamento das quantias em dívida, designadamente a execução fiscal" ( ... ).
É que o facto de a IGFSS dispor de título executivo que lhe permitisse cobrar, em execução fiscal, a respectiva dívida nos termos do art° 162° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo DL 433/99, de 26/10, a execução só poderia ser intentada contra a devedora principal, como tal figurando no título de cobrança, nos termos do art° 153°, n° 1 do mesmo diploma legal.
Porém, relativamente aos sócios gerentes, porque a sua responsabilidade é subsidiária - art° 24°, n° 1, al. a) da Lei Geral Tributária, aprovada pelo DL 398/98, de 17/12 - ela só se efectiva por reversão do processo de execução fiscal, sujeita aos condicionalismos previstos na lei - art° 23°, nºs 1 e 2 do mesmo diploma. Assim, para poder obter título executivo contra todos os arguidos, sempre o recorrente teria que formular o pedido cível dos autos, como o fez (Cf. ainda os Acs. da Relação do Porto de 15-07-80, BMJ 299°/414, e de 23-04-81, BMJ 306°/295, e da Relação de Guimarães de 21-10-02, Proc. nº 909/02, CJ Ano 2002, tomo IV, e de 28-04-03, Proc. n." 625/03, CJ Ano 2003, tomo II, págs. 295 - 296).
Acresce que... fundando-se o pedido de indemnização na prática de crime, teria ele de ser deduzido por dependência da acção penal, como decorre do princípio da adesão estabelecido no art. 71 ° do CPP, só o podendo ser em separado nos casos previstos na lei, como se acentuou no acórdão no acórdão deste STJ de 06/01/2005, Proc. n.º 4450/04, da 5ª Secção, SuC. s de Acórdãos do STJ, n. 87, p. 108 ... Ora, não configura excepção a tal regra o facto de a legislação tributária permitir ao demandante obter o pagamento das quantias em dívida por outros meios, concretamente pela execução fiscal
( ... )
De tudo se conclui que não podia o tribunal recorrido ter decidido, como decidiu, pela absolvição dos demandados da instância civil, com fundamento na falta de interesse em agir, pois que se impunha a apreciação do mérito do pedido.» - [destaque nosso].
No mesmo registo, citando Germano Marques da Silva, "Responsabilidade Penal das Sociedades, e dos seus Administradores e Representantes", Editorial Verbo, 2009, págs. 453-454, lê-se no segundo dos citados arestos «Sucede, porém, que se o crime não é o facto gerador da dívida de imposto (da prestação tributária não paga) pode ser a causa do não pagamento e nessa medida é causa do dano para a administração tributária. A generalidade dos crimes tributários são susceptíveis de causar dano à administração tributária, frustrando o pagamento da prestação tributária em falta. Este prejuízo coincide quantitativamente com a prestação tributária em dívida, mas a sua causa é autónoma. A dívida tributária existe e o seu fundamento, a sua causa é autónoma do crime, mas o prejuízo resultante do não pagamento foi causado pela perpetração do crime. Por isso que os agentes do crime devem responder pelos prejuízos causados com o seu acto».
Concluindo - após se haver detido nos artigos 3.° e 9.° do RGIT e 8° e 129° do Código Penal e nas normas pertinentes do ETAF, da CRP e do CPPT - «Como resulta do exposto, pelos danos causados pelos crimes tributários respondem os agentes do crime nos termos da lei civil e não nos termos da Lei Geral Tributária.
O que é objecto do processo penal, por via do processo de adesão, é a responsabilidade civil emergente do crime tributário, ou seja, pelos danos causados com a prática do crime.»
Também assim o acórdão do STJ de 15.09.2010, proferido no processo n." 322/05.4TAEVR.E1.S1, no qual se mostra consignado «O pedido cível deduzido pelo assistente ... , teve por base as condutas praticadas pelo arguido que integravam o crime de abuso de confiança contra a segurança social, assentando na responsabilidade criminal emergente do incumprimento desta específica obrigação legal tributária, que recaía sobre a sociedade ... e o seu sócio gerente, co-arguido, ora recorrente - artigos 6° e 7° do RGIT.
Como referiu o acórdão recorrido «As pessoas colectivas e as sociedades são criminalmente responsáveis pelas infracções previstas no RGIT, "quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo", responsabilidade que não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes (art.ºs 7 n.ºs 1 e 3 do RGIT).
O pedido de indemnização cível formulado nos autos teve lugar em obediência ao princípio da adesão, fundamentado na responsabilidade criminal do arguido.
De acordo com o artigo 129.° do Código Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil.
Desde cedo a jurisprudência entendeu que tal norma só determina que a indemnização seja regulada "quantitativamente e nos seus pressupostos" pela lei civil, remetendo para os critérios da lei civil relativos à determinação concreta da indemnização, não tratando de questões processuais, que são reguladas pela lei adjectiva penal, nomeadamente nos seus artigos 71.° a 84.° ...
Como resulta do artigo 3.°, alínea c), do RGIT, quanto à responsabilidade civil, são aplicáveis subsidiariamente, as disposições do Código Civil e legislação complementar. De acordo com o princípio geral plasmado no artigo 483°, n° 1, do Código Civil «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».
Nestes casos de responsabilidade civil conexa com a criminal, a mesma tem a sua génese no crime, sendo um crime o seu facto constitutivo, a causa de pedir da pretensão ressarcitória.
Conforme dispõe o artigo 71 ° do Código de Processo Penal o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei. A dedução em separado, perante o tribunal civil, é possivel nos casos previstos no artigo 72°, não se integrando o pedido em nenhum deles.
A competência do tribunal criminal para conhecer do pedido cível conexo com a acção penal decorre da responsabilidade civil extracontratual do agente que cometa o facto ilícito e culposo.
Neste quadro legal, que é o aplicável, não há lugar a qualquer reversão.»
E prosseguindo- depois de proceder à transcrição das normas legais pertinentes da LGT tendentes à percepção do âmbito da responsabilidade subsidiária e do instituto da reversão - conclui «No caso em apreciação não tem lugar a figura da reversão, própria do processo executivo e que tem por objecto chamar à acção executiva quem à luz do título executivo não é parte (cfr. artigos 55.°, n° 1, do CPC e 153°, nºs 1 e 2 do CPPT), situação completamente diversa da presente em que o recorrente é demandado ab inicio, numa acção com estrutura declarativa, sendo contra si invocada uma concreta causa de pedir e formulado um pedido concreto, que pode impugnar nos termos gerais consentidos em processo penal.
Na execução fiscal o devedor susbtituto não figura no título de cobrança do tributo. Ao optar pelo exercício da acção conjunta o demandante pretende obter decisão condenatória que, transitada em julgado, assume o papel de título executivo, com a configuração própria do artigo 467° do Código de Processo Penal.
Aqui o devedor é demandado a título principal, tendo por base a autoria de um crime de que emerge uma conexa responsabilidade civil delitual - artigo 6.° do RGIT - sendo o pedido baseado na obrigação de indemnizar pelos danos causados pela prática de facto ilícito e culposo - artigo 483.° do Código Civil.
( ... )
Sendo certo que o Instituto da Segurança Social, IP - Centro Distrital de ... , podia interpor execução contra a sociedade arguida ... , possuindo quanto a ela título executivo, podendo ainda nessa sede requerer a reversão contra os respectivos representantes legais, reunidos que fossem os necessários requisitos, nada impede que faça uso da faculdade conferida em processo penal do princípio da adesão.
Os crimes tributários, e é disso que se trata, são julgados nos tribunais criminais, e não nos tribunais administrativos e fiscais.
( ... )
A competência do tribunal criminal para conhecer da acção penal e da conexa acção cível enxertada não se confunde com a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal em processo de execução».
Com relevância neste excurso o muito recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência n° 8/2012, de 12.09, publicado no DR, l ª série, nº 206, de 24.10.2012, quando em sede de fundamentação aduz «A nível de responsabilidade emergente/subsequente a prática de infracção tributária, há que distinguir três vectores.
Uma coisa é a responsabilidade tributária, originada pela dívida do imposto. Pelo imposto evadido é responsável o sujeito passivo do imposto ou o seu substituto: o sujeito passivo da relação tributária do imposto.
Outra é a responsabilidade criminal, emergente do incumprimento dos deveres tributários, tratando-se de responsabilidade do devedor originário do tributo ou do substituto.
E outra ainda, no plano da responsabilidade civil, ou seja, a responsabilidade emergente do crime, consequência civil resultante da prática do crime, causador de dano à administração tributária, geradora de direito a indemnização, aqui apenas possível no quadro de responsabilidade por dívida própria (do devedor originário ou de substituto) e afastada em sede de responsabilidade por dívida de outrem.
Como refere Germano Marques da Silva, Direito Penal Tributário. UCE, 2009, p. 114, diversa é a questão de responsabilidade de terceiros (responsabilidade por dívida de outrem), solidária ou subsidiária, pelo pagamento do imposto, a qual nada tem a ver com a responsabilidade pelos danos emergentes do crime tributário. seguindo - depois de proceder à transcrição das normas legais pertinentes da Assinala que «O facto gerador da responsabilidade tributária é autónomo da responsabilidade criminal: a obrigação tributária existe independentemente do crime e por isso que a extinção da responsabilidade penal tributária, seja qual for o fundamento, não implica por si só a extinção da responsabilidade pelo pagamento da prestação tributária» .
Segundo o artigo 9.° do RGIT .. , o cumprimento da sanção aplicada não exonera do pagamento da prestação tributária devida e acréscimos legais, o que significa que o crime tributário não implica extinção por novação objectiva ou subjectiva da dívida tributária; a dívida existe e mantém-se independentemente da prática do crime tributário, mas se o crime causar danos os seus agentes são responsáveis pela indemnização dos danos dele emergentes nos termos gerais.
Da prática do crime resulta responsabilidade penal e responsabilidade civil pelos danos emergentes, sendo responsáveis por estes danos os agentes do facto ilícito típico, nos termos da lei penal e civil ... ».
Retomando o caso concreto, estando em causa no pedido cível deduzido pelo assistente não directamente o incumprimento da obrigação legal (tributária) de entregar as prestações devidas à segurança social, mas sim a responsabilidade civil emergente da prática do crime de abuso de confiança em relação à segurança social, pelo qual o arguido/recorrente, tal como a sociedade arguida, foram pronunciados e vieram a ser condenados, no plano substantivo colhem aplicação as normas do Código Civil, para as quais remete quer o artigo 129° do C.P. quer o artigo 3° do RGIT e, consequentemente, por força do princípio da adesão - [artigo 71 o e ss. do CPP], deverá o pedido cível - cuja fonte, repete-se, entronca na prática do crime - ser formulado e conhecido, como o foi, no processo penal, carecendo de fundamento a invocada violação dos artigos 71 ° do CPP e 129° do CP e, bem assim, do artigo 7° do D.L. n° 42/2001, de 09.02 (regime jurídico especial do processo de execução das dívidas à segurança social), sustentado numa diferente fonte de indemnizar a qual, seguramente, não se confunde com a que suportou a dedução do pedido e respectivo conhecimento.
Também o Ac. RL de 17.05.2013, proc. 2020/08.8TAVFX.Ll-3:
I-A responsabilidade civil decorrente da prática de crime tributário é regulada pela lei civil, em sede de responsabilidade por factos ilícitos - artigos 483º e 498º do Código Civil e 129° do Código Penal-, respondendo pelos danos causados os agentes do crime. II-A indemnização peticionada em processo penal não se destina a liquidar uma obrigação tributária, sendo antes fixada segundo critérios da lei civil, apesar de os factos geradores da obrigação tributária poderem ser parcialmente coincidentes, não podem naturalmente ser confundidos os seus fins e regimes.(Ac. RL de 17.05.2013, proc. 2020/08.8TAVFX.Ll-3)
2 - O recorrente não questiona o enquadramento juridico-penal dos factos da sentença recorrida, admitindo assim que incorreu na prática dos crimes por quer foi condenado, a cada um dos quais corresponde em abstracto a pena de prisão até 3 anos ou de multa até 360 dias.
O que o recorrente questiona é, relativamente às penas parcelares e à pena única, não só o número de dias da pena de multa como o seu quantitativo diário, alegando que as penas concretamente aplicadas (parcelares e única) são manifestamente excessivas e desproporcionais, devendo, quando muito, coincidir com o mínimo legal, tendo em atenção a sua situação económica e familiar e a sua conduta posterior aos factos, ter confessado, não ter antecedentes criminais à data da prática dos factos e a difícil capacidade económica e financeira da empresa.
A escolha tal como a determinação da medida das penas aplicadas, o seu doseamento concreto, está correcta e suficientemente justificado na douta decisão recorrida, de acordo com os critérios legais atendíveis e os factos provados e não impugnados.
Aliás, tratando-se de matéria de direito, o recorrente nem sequer cumpriu com o que se determina no n. ° 2 do artigo 412° do CPP.
Com efeito, não demonstra na motivação a razão por que considera aquelas penas excessivas, nem a violação das normas legais que genericamente invocou.
Ora, culpa e prevenção são as referências norte adoras da determinação da medida da pena - art. 71°., n°.1, do Código Penal - a qual visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade - artigo 40°., n°.1 do mesmo diploma. A este propósito, e limitando-nos a citar Figueiredo Dias (in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, 2° a 4°, Abril-Dezembro de 1993, págs. 186 e 187), o modelo de determinação da medida da pena consagrado no Código Penal vigente "comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente".
A medida da pena há-de, primordialmente, ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de tutela dos bens jurídicos que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida, que fornece uma "moldura de prevenção", isto é, que fornece um "quantum" de pena que varia entre um ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se até atingir o limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.
A culpa - juízo de apreciação, de valoração, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da validade lógica e da moral ou do direito, conforme se expendeu no Ac. do STJ de 10-4-1996 (in CJ, Acs. do STJ, Ano IV, tomo II, pág. 168) - constitui o limite inultrapassável da medida da pena, funcionando assim como limite também das considerações preventivas (limite máximo), ligada ao princípio de respeito pela dignidade da pessoa do agente.
Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva - entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável - podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.
No dizer de Fernanda Palma (in "As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva", nas "Jornadas sobre a Revisão do Código Penal", ed. 1998, AAFDL, pág. 25) "a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial". Em jeito de síntese, e como refere Figueiredo Dias (in "Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime", Editorial Notícias, ed. 1993, pág. 214) "culpa e prevenção são assim os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito ou de determinação concreta da pena) ".
O tribunal ponderou todo circunstancialismo provado, não nos merecendo qualquer censura a medida concreta encontrada para as penas de multa parcelares e única aplicadas, para cuja fundamentação nos remetemos.
Uma pena de multa que for fixada em termos de representar, a final, um valor insignificante, ou quase, não tem quaisquer potencialidades para lograr as finalidades da punição, tal como elas estão legalmente fixadas: nem o lesado ou a comunidade sentirão que a ordem jurídica tutela adequadamente os seus interesses, nem o arguido sentirá que o crime, de facto, «não compensa», podendo mesmo sentir-se reconfortado a repetir a sua conduta, confiado na permanente suavidade da Justiça Criminal.
Acresce que o sistema gizado pelo legislador no tocante ao cumprimento das sanções pecuniárias - permitindo a liquidação das mesmas em prestações ou mesmo através do recurso à prestação do trabalho a favor da comunidade - inculca claramente a ideia de que a medida ideal para o quantitativo da pena de multa não tem de ser tal que permita o pagamento desta sanção de imediato e de uma só vez, mas antes aquele que, constituindo um sacrifício pessoal e suficientemente pesado, advirta adequadamente o delinquente para a intolerabilidade social do seu comportamento e, assim, restaure a confiança da comunidade na validade e vigência das normas que o mesmo violou, e, bem assim, que evite a prática, por sua banda, de factos de idêntica natureza juscriminal no futuro .
A tal propósito escreveu-se, aliás, no Ac. STJ de 3 de Junho de 2004 “…sabendo-se que a pena de multa, se não quer ser um andrajoso simulacro de punição, tem de ter como efeito o causar, pelo menos, algum desconforto se não, mesmo, um sacrifício económico palpável...
Em direito penal, a pena, qualquer que seja a óptica por que seja encarada, ainda que com fins meramente preventivos, justamente porque o é, implica sacrifício".
Entendemos, assim, que as penas aplicadas na decisão sub Júdice não o foram em medida excessiva, antes se mostrando adequadas e justificadas no caso.

Como é bom de ver, seria manifesta inutilidade e estultícia pretender dizer-se por outras palavras, aqui e agora, o que de modo tão sapiente e acertado foi dito em tal parecer.
E com este pensar, mais não resta que, a ele aderindo totalmente, reafirmar e concluir que o recorrente é criminalmente responsável e que, com a prática dos crimes tornou-se civilmente responsável pelos danos consequentes à conduta criminosa, responsabilidade essa que deve ser aqui encontrada e fixada.
E quanto às penas, ainda menos se deve dizer, pois elas são quase benevolentes face à sua moldura abstracta, à gravidade dos factos e às necessidades de prevenção.
Nestes termos, improcedem todas as questões suscitadas.

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar o recurso improcedente.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 4 (quatro) UC’s.
Guimarães, 2 de Junho de 2014