Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2503/13.8TBGMR-A.G1
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
PREJUÍZO
CULPA
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1- O instituto da exoneração do passivo restante em processo de insolvência permite ao devedor que seja uma pessoa singular exonerar-se dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo respetivo ou nos cinco anos subsequentes ao encerramento deste.
2- É motivo de indeferimento liminar do incidente, a não apresentação nos seis meses seguintes á verificação da insolvência, com prejuízo para os credores e conhecimento da inexistência de perspetivas sérias de melhoria da situação económica.
3- Para preenchimento destes requisitos terá que se dar ênfase particular à conduta do devedor, devendo apurar-se se esta se pautou pela licitude, honestidade, transparência e boa-fé, no que respeita á sua situação económica, visando-se com tal exigência os comportamentos que façam diminuir o acervo patrimonial do devedor, que onerem o seu património ou mesmo aqueles que originem novos débitos, a acrescer aos que integravam o passivo que estava impossibilitado de satisfazer, sempre em desconformidade com uma atuação honesta.
4- Não basta a constituição de um débito no lapso temporal invocado para que se conclua pelo prejuízo resultante da violação do dever de apresentação.
5- O preenchimento do requisito enunciado na alínea e) do nº 1) do Artº 238º do CIRE pressupõe que os autos indiciem a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência.
6- Se a matéria fática não revelar dolo ou culpa grave, a simples violação de algum dever inerente ao processo de insolvência, não é suficiente para preenchimento do requisito enunciado na alínea g) do nº 1 do Artº 238º do CIRE.
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

J…, insolvente nos autos à margem identificados, notificado da sentença que indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, dela vem interpor RECURSO.-
Pede a respetiva revogação, com concessão da exoneração do passivo restante.
Formula as seguintes conclusões.
1. Não há dúvidas, ao percorrer o elenco dos factos provados, de que a apresentação do recorrente à insolvência ocorreu mais de seis meses depois da data de vencimento dos créditos.
2. No entanto, tal facto, só por si, não pode constituir fundamento para o indeferimento da exoneração do passivo restante.
3. Isso só acontecerá se, concomitantemente, se verificar o prejuízo dos credores – v. Carvalho Fernandes, “Colectânea de Estudos sobre a Insolvência”, pág. 280.
4. Com efeito, os requisitos elencados na alínea d) do artigo 238º do CIRE são cumulativos.
5. Será exigível, pois, para que se verifique tal prejuízo, que haja um agravamento da situação económica do devedor nesse período de tempo – ou porque vendeu bens que tinha, ou porque dissipou quantias em dinheiro, etc. -.
6. Ou seja: mais do que o agravamento do valor da dívida (nomeadamente através do acumular de juros derivados do incumprimento), o que deve relevar para se aquilatar do prejuízo dos credores é a diminuição da situação patrimonial do devedor, pois que só com essa se corporiza o alcance daquele normativo legal.
7. Nos autos nada consta quanto a qualquer ato ou omissão da qual se possa concluir que o recorrente tenha maliciosamente provocado prejuízos aos credores com o retardamento da sua apresentação à insolvência.
8. Não resulta dos autos que a situação patrimonial do devedor se tenha agravado nesse período de tempo – no sentido do que acabou de se expor - que mediou entre o vencimento das dívidas e a apresentação à insolvência.
9. Nem se diga – como o faz a douta decisão recorrida – que o comportamento do devedor foi adequado a causar esse prejuízo, ao subscrever em 20.7.2007, a livrança que titula o crédito reclamado pelo BPI.
10. É que esse fato – a subscrição de uma livrança depois de estarem vencidas outras responsabilidades – só por si, não inculca a diminuição do património do insolvente.
11. Com efeito, é a própria sentença que reconhece que “o único bem pertença do insolvente cuja penhora se logrou foi o seu vencimento (…) não se tendo logrado a penhora de qualquer imóvel ou móvel sujeito a registo”.
12. Isto é, a própria decisão recorrida dá como assente que, à data em que o insolvente subscreveu a livrança em mérito, não possuía qualquer bem imóvel ou móvel sujeito a registo, dispondo apenas do salário que auferia enquanto gerente de sociedades, também elas, insolventes.
13. Daqui se conclui o óbvio: que com a subscrição da livrança em causa aumentou, sim, o passivo do insolvente, mas não diminuiu o seu património, já que o mesmo era consabidamente inexistente.
14. Pelo que terá forçosamente de se concluir que desse fato – a subscrição de uma livrança ao BPI após o vencimento de outros créditos – não resultou qualquer prejuízo para os credores, já que estes não viram diminuídas as suas garantias, pelo simples fato de que estas não existiam, já que o insolvente nenhum património tinha.
15. De resto, a hipótese em apreço nunca se reconduziria à prevista na alínea g) do artigo 186º do CIRE, por manifesta falta, nos autos, de elementos que possam comprovar a alegada “exploração deficitária”, a qual, de resto, não se concebe, uma vez que o insolvente é-o apenas na justa medida em que se assumiu como garante das sociedades de que era sócio e gerente.
16. Conclui ainda a douta sentença recorrida que o recorrente teria violado os deveres de informação e colaboração previstos no artigo 238º, nº 1 alínea g) do CIRE.
17. Tanto quanto se pode alcançar do texto da sentença, tal asserção assentaria no fato de o insolvente não ter relacionado todos os créditos que vieram a ser reclamados, esquecendo-se de relacionar alguns deles.
18. No entanto, tal alegada violação dos deveres de informação e colaboração, para que possa relevar, terá de ser praticada com dolo ou culpa grave – artigo 238º, nº 1, alínea g) do CIRE.
19. É comum e perfeitamente aceitável que uma pessoa singular, insolvente em virtude de se ter constituído garante de várias sociedades que entretanto também insolveram, não tenha presentes, num momento de claro enfraquecimento psicológico e anímico, todas as dívidas que lhe poderão ser reclamadas.
20. Nenhum elemento consta dos autos que indicie ter o recorrente agido com dolo ou culpa grave ao não relacionar a totalidade dos créditos que, depois, vieram a ser reclamados nos autos, nem a douta sentença faz apelo a nenhuma situação concreta que permita apontar nesse sentido.
21. A douta sentença recorrida violou as normas dos artigos 236º e 238º do CIRE.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Eis, para melhor compreensão, um breve resumo dos autos.
J… veio apresentar-se à insolvência e, do mesmo passo, requerer a exoneração do passivo restante.
Decretada a sua insolvência, por sentença datada de 6.08.2013, a fls. 26ss, já transitada em julgado, elaborado o relatório a que alude o Artº 155.Q CIRE e realizada a competente assembleia de apreciação do relatório, pela Exma. Sra. AI foi manifestada a sua não oposição ao requerido, sendo que o único credor presente, a Fazenda Nacional, se absteve; por escrito, o B… manifestou a sua oposição.
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Sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, as conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes, as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª - Nos autos nada consta quanto a qualquer ato ou omissão da qual se possa concluir que o recorrente tenha maliciosamente provocado prejuízos aos credores com o retardamento da sua apresentação à insolvência?
2ª - É manifesta a falta, nos autos, de elementos que possam comprovar a alegada “exploração deficitária”?
3ª - Nenhum elemento consta dos autos que indicie ter o recorrente agido com dolo ou culpa grave ao não relacionar a totalidade dos créditos que, depois, vieram a ser reclamados nos autos, nem a douta sentença faz apelo a nenhuma situação concreta que permita apontar nesse sentido?
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OS FACTOS:
Encontram-se assentes, com interesse para a decisão do presente incidente, os seguintes factos:
Por sentença datada de 06.08.2013, a fls. 26ss, já transitada em julgado, foi declarada a insolvência J…, no seguimento da apresentação à insolvência efetuada por este devedor em 19.07.2013;
O insolvente indicou como sendo seus credores o B…, o B… e a Fazenda Nacional (cfr. fls. 16);
O insolvente nasceu em 29.11.1950 e é divorciado (cfr. CAN a fls. 9);
O insolvente nunca beneficiou da exoneração do passivo restante (cfr. CAN a fls. 9); Ao insolvente não são conhecidos antecedentes criminais (cfr. CRC a fls. 24);
Ao insolvente não é conhecida a propriedade de quaisquer bens (cfr. relatório a fls. 13555); O insolvente aufere mensalmente €1.184 a título de pensão de reforma (cfr. relatório a fls. 13555);
O insolvente reside em casa emprestada (cfr. relatório a fls. 13555);
O insolvente integrou, desde a sua fundação, em 21.09.1992, até ao seu encerramento, o Conselho de Administração da G… SA, que foi declarada insolvente em 17.05.2010 (cfr. certidão a fls. 135ss);
O insolvente foi, desde a sua fundação em 16.07.1981, sócio da S… Lda., tendo sido igualmente gerente desta sociedade desde 15.11.2005 até à sua declaração de insolvência, ocorrida em 04.08.2009 (cfr. certidão a fls. 139ss);
O insolvente foi, desde a sua fundação em 05.02.1995 e até à sua dissolução em 22.12.2009, sócio e gerente da S…, Lda. (cfr. certidão do processo de execução fiscal n.º 0450200801065440);
Encontra-se pendente contra a S…, Lda. o processo de execução fiscal nº 0450200801065440, por dívidas de IRC reportadas ao ano de 2006, no valor global de €1.507,29, tendo o insolvente sido notificado por carta registada datada de 17.03.2011 para efetivação do seu direito de audição no âmbito do procedimento de reversão (contra si) da dívida societária (cfr. certidão do processo de execução fiscal n.º 0450200801065440);
Foram reconhecidos créditos a 5 credores no valor global de €1.680.568,25 (cfr. fls. 132), sendo que (pastas contendo as reclamações de créditos):
€151.957,46 foram reclamados pela Fazenda Nacional com fundamento em IRS referente ao ano de 2008, IVA dos anos de 2006 e 2009 e coimas;
€497.174,04 foram reclamados pelo B… com fundamento em livrança subscrita pelo insolvente (e outro) em 20.07.2007 e vencida em 06.08.2007;
€3.708,08 foram reclamados pelo B… com fundamento em letra sacada pela M…, Lda. em 18.12.2002, aceite pelo insolvente e vencida em 20.01.2003; para cobrança coerciva do valor em dívida foi instaurada em 26.04.2005 contra o insolvente a execução que sob o n.º 3797/05.8TBGMR corre termos pelo Juízo de Execução deste Tribunal tendo o insolvente sido para ela citado, após penhora de 1/3 da sua fonte de rendimento, em 22.12.2009 (cfr. certidão a fls. 168ss);
€104.974,40 foram reclamados pelo B… com fundamento em livrança subscrita pela G…, SA em 06.02.2003 e avalizada pelo insolvente (e outro) e vencida em 06.05.2003; para cobrança coerciva deste montante foi instaurada em 23.03.2005 a execução que sob o nº 5928/05.9YYPRT corre termos pela 2.ª secção do 1º Juízo de Execução do Porto, tendo os ali executados sido citados em 29.07.2008 e deduzido oposição à execução, a qual veio a ser julgada improcedente por sentença transitada em julgado em 26.04.2010 (certidão a fls. 95ss);
€922.753,77 foram reclamados pela H… STC SA, com fundamento em cessão de créditos titulados por livrança subscrita pelo insolvente (e outro) em 02.12.2004 e vencida em 27.02.2006; para cobrança coerciva deste valor foi instaurada em 03.04.2006 a execução que sob o n.º 2123/06.3TBGMR corre termos pelo juízo de Execução deste Tribunal, tendo o insolvente sido para ela citado em 25.01.2008 (certidão a fls. 57s5).
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ANÁLISE JURÍDICA
Detenhamo-nos, então, sobre as questões que enunciámos, a 1ª das quais se prende com o disposto no Artº 238º/1-d) do CIRE - nos autos nada consta quanto a qualquer ato ou omissão da qual se possa concluir que o recorrente tenha maliciosamente provocado prejuízos aos credores com o retardamento da sua apresentação à insolvência?
O instituto da exoneração do passivo restante permite ao devedor, que seja uma pessoa singular, libertar-se dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo respetivo ou nos cinco anos subsequentes ao encerramento deste.
Pretende-se, com tal instituto, e nas palavras do preâmbulo ínsito no DL 53/2004 de 18/03, conjugar, “de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica”. Trata-se se instituir um “fresh start para as pessoas singulares de boa-fé incorridas em situação de insolvência”, que tem como pressuposto uma conduta reta do devedor.
Daí que a concessão da exoneração dependa de um conjunto de requisitos ligados ao comportamento (passado e presente) do devedor, dos quais se possa concluir o seu merecimento pela oportunidade que pede.
A decisão recorrida indeferiu o pedido suportando-se, antes de mais, no disposto no Artº 238º/1-d) do CIRE.
Dispõe-se ali que o pedido é liminarmente indeferido se o devedor tiver incumprido o dever de apresentação á insolvência com prejuízo para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica.
A aplicabilidade deste dispositivo está, assim, dependente, da verificação de vários requisitos:
-Incumprimento do dever de apresentação à insolvência;
-Prejuízo para os credores;
-Nexo de causalidade entre este e o incumprimento daquele dever
-Inexistência de perspetiva séria de melhoria da situação económica e
-Conhecimento culposo desta situação
Foram os seguintes os argumentos que pesaram na decisão de indeferimento liminar, assente na 2ª parte da previsão normativa ínsita no Artº 238º/1-d): vencidos que estavam 2/3 do passivo, o insolvente ainda subscreveu, em 20.07.2007, uma livrança, que titula o crédito reclamado pelo BPI e inexistentes perspetivas de melhoria da situação.
Dado como adquirido o incumprimento do dever de apresentação e que tem de se entender que o conhecimento da situação de insolvência ocorreu pelo menos a partir de 2007 – situação com a qual o Recrte. se conformou e, por isso, não será objeto de reapreciação -, consigna-se ali que “dos factos dados como provados resulta que cerca de 2/3 do passivo do insolvente se encontra vencido desde 27.02.2006 (nessa data venceu-se a livrança que titula o crédito reclamado pela H… STC SA e já se encontravam vencidos os títulos cambiários que fundamentam os créditos reclamados pelo B… e pelo B…). Contudo, apenas em 19.03.2013 (ou seja, mais de 7 anos volvidos) se apresentou o insolvente à insolvência.
Acontece que para que se preencha a condição aludida supra em iv) não é necessário apenas que tenha havido atraso na apresentação à insolvência, mas igualmente que tenha havido, por causa desse atraso, prejuízo para os credores, e sabendo, ou não podendo o insolvente ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica.

Neste contexto, terá que se dar ênfase particular à conduta do devedor, devendo apurar-se se esta se pautou pela licitude, honestidade, transparência e boa-fé, no que respeita à sua situação económica, só se justificando o indeferimento liminar caso se conclua pela negativa.
...
Como acima se viu, o insolvente não poderia ter deixado de tomar consciência da sua situação de insolvência pelo menos Fevereiro de 2006, pelo que se deveria ter apresentado à insolvência até Agosto de 2006 - o que não fez, já que a apresentação à insolvência se verificou em 19.07.2013.
E poder-se-á afirmar ter existido prejuízo para os credores desta ausência de apresentação à insolvência?
A resposta não poderá deixar de ser afirmativa, pois que, e como resulta dos factos supra elencados, já vencidos 2/3 do seu passivo o insolvente ainda subscreveu, em 20.07.2007, uma livrança, que titula o crédito reclamado pelo B….
E nem se diga que o insolvente teria perspetivas de melhorar a sua situação: como resulta dos processos executivos nº 3797/05.8TBGMR (instaurado em 2005), 5928/05.9YYPRT (instaurado em 2005) e 2123/06.3TBGMR (instaurado em 2006), o único bem pertença do insolvente cuja penhora se logrou foi o seu vencimento, auferido na qualidade de gerente de uma das sociedades comerciais supra identificadas, não se tendo logrado a penhora de qualquer imóvel ou móvel sujeito a registo. Mas diga-se mais: como igualmente resulta dos factos dados como provados, o insolvente foi sócio e gerente de 3 sociedades, duas das quais, ligadas ao ramo têxtil (que se encontra em crise desde o ano de 2004, como é consabido) vieram a ser declaradas insolventes, nos anos de 2009 e 2010, sinal inequívoco de que a sua fonte de rendimentos, no ano de 2007, já não atravessaria um bom período; a terceira sociedade de que o insolvente era sócio foi igualmente dissolvida no ano de 2009, pelo que não se vislumbraria que dali auferisse qualquer rendimento.”
Vejamos, então!
Compulsados os autos, não podemos deixar de salientar que a única oposição ao pedido de exoneração do passivo restante proveio do B… que, contudo, se limitou a invocar o incumprimento do dever de apresentação à insolvência, o que, em presença do disposto no Artº 238º/1-d) do CIRE é, manifestamente, insuficiente para concluir pelo indeferimento.
Em parte alguma se alega o prejuízo ou a ausência de perspetivas sérias de melhoria das condições económicas do insolvente.
Ora, como se sabe, no incidente de exoneração do passivo restante, os requisitos do Artº 238º/1 do CIRE, por constituírem fundamentos de indeferimento liminar, não são factos constitutivos do direito invocado, cabendo a sua prova aos credores e ao administrador de insolvência que se pretendam fazer prevalecer do indeferimento.
Donde, sem precedência de invocação e prova do concreto requisito, afigura-se-nos que não se pode, apenas a partir da constituição dos débitos no lapso temporal invocado e, bem assim, da circunstância de duas das sociedades em que o insolvente foi sócio terem sido declaradas insolventes em 2009 e 2010 e a outra ter vindo a ser dissolvida em 2009, concluir pelo conhecimento culposo da ausência de perspetivas sérias de melhoria.
Ao estabelecer, como pressuposto do indeferimento liminar do pedido de exoneração, que a apresentação extemporânea do devedor á insolvência haja causado prejuízo aos credores, a lei visa, como vem sendo comumente aceite, e também se refere na sentença, os comportamentos que façam diminuir o acervo patrimonial do devedor, que onerem o seu património ou mesmo aqueles que originem novos débitos, a acrescer aos que integravam o passivo que estava impossibilitado de satisfazer. São estes comportamentos desconformes ao proceder honesto, lícito, transparente e de boa-fé, os quais, a verificarem-se na conduta do devedor, impedem que a este seja reconhecida a possibilidade de se libertar de algumas das suas dívidas, para dessa forma lograr a sua reabilitação económica. Como tal, o que se sanciona são os comportamentos que impossibilitem, dificultem ou diminuam a possibilidade de os credores obterem a satisfação dos seus créditos, nos termos em que essa satisfação seria conseguida caso tais comportamentos ocorressem.
Ora, face à matéria fática cuja prova se carreou para os autos, nada se apurou que permita concluir que o insolvente tenha adotado uma atitude desonesta.
Sendo, embora, verdade, que devendo apresentar-se à insolvência em Agosto de 2006, veio a constituir nova e avultada dívida em Julho de 2007, com o que agravou o seu passivo, não há como estabelecer o nexo causal necessário a que se conclua que da não apresentação em tempo útil decorreu o agravamento da sua situação económica.
Em 2007 ainda estavam ativas as três sociedades que geria, em todas integrando cargos de relevo. Estas apenas vieram a ser declaradas insolventes em 2009 e 2010, tendo a terceira sido dissolvida apenas em 2009.
Mas, igualmente importante, é que nenhum elemento foi trazido aos autos que aponte no sentido do conhecimento, com culpa grave do devedor, da inexistência de qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica, tal como requerido também pelo Artº 238º/1-d).
Para preenchimento de tal requisito não nos parece, aliás, que baste que o mesmo não desconhecesse a situação em que se encontrava. O que na lei se exige é que conhecesse a impossibilidade de alteração da situação, ou que, pelo menos, a não pudesse ignorar sem grave culpa.
Ora, em presença dos cargos que desempenhava nas ditas sociedades, é, até expetável que acreditasse na solvência dos seus compromissos.
Assim, não havendo indícios de desonestidade, leviandade no endividamento, má-fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência, não parece que se deva coartar, liminarmente, a possibilidade de exoneração do passivo restante.

Ainda consta da sentença que a factualidade vinda de analisar é ainda subsumível à previsão do Artº 238.º/1/al. e) CIRE.
E, assim, entramos na análise da questão que enunciámos em 2º lugar, a saber, se é manifesta a falta, nos autos, de elementos que possam comprovar a alegada “exploração deficitária”.
Ponderou-se na sentença que “Nos termos do disposto neste normativo, ClRE, o pedido de exoneração do passivo restante é liminarmente indeferido se constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º.
São estas situações aquelas em que os devedores tenham:

Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saber ou dever saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência (al. g));

Pois bem.
Ante a situação de vencimento dos títulos cambiários subscritos/aceites insolvente (e que, recorde-se, titulam cerca de 2/3 do passivo do insolvente), o devedor dever-se-ia ter abstido de subscrever a livrança que titula o crédito reclamado pelo B…, que ascenderá a quase 1/3 do valor total reclamado, o que não fez.
Ou seja, o insolvente manteve-se a contrair créditos, não obstante as dificuldades financeiras já instaladas, que o impossibilitavam de cumprir as obrigações assumidas, situação subsumível ao art. 186.º/2/al. g) CIRE.”
Conforme decorre do que se dispõe no Artº 238º/1-e) o pedido que vimos apreciando é liminarmente indeferido se existirem elementos que indiciem, com toda a probabilidade, a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência.
A culpa traduz-se na censurabilidade do comportamento, pressupondo que o mesmo poderia e deveria ter sido evitado e comporta tanto o dolo, como a negligência (qualquer deles, em qualquer das suas formas possíveis), sendo apreciada pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso (Artº 487º/2 do CC).
Poderemos, em face dos autos, concluir pela culpa?
Note-se que nenhum dos credores reclamantes invocou o motivo ponderado na decisão para indeferir liminarmente o seu pedido, ou seja, ninguém invocou a culpa do devedor no agravamento da situação de insolvência.
Conforme notam Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “por razões ligadas ao apuramento dos dados factuais implicados nestes comportamentos do devedor, a al. e) faz depender a sua aplicação de no processo de insolvência constarem já, no momento em que deve ser proferido o despacho liminar, os necessários elementos probatórios, independentemente do meio por que foram produzidos” (Estudos sobre a Insolvência, Quid Júris, 280).
Um dos elementos que a lei tem como indiciando a culpa é a prossecução de uma exploração deficitária da empresa ou do seu património, sabendo que a mesma conduziria à insolvência.
Mas, como também decorre do que se dispõe no nº 1 do Artº 186º do CIRE (aplicável por força do disposto no Artº 238º/1-e)), é necessário que o agravamento da situação ocorra nos três anos anteriores ao processo de insolvência.
Compulsada a matéria fática que nos serve de suporte, temos que concordar com o Recrte. na afirmação de que inexistem elementos que comprovem tal exploração, parecendo-nos manifestamente exagerado concluir que a subscrição da livrança em causa traduza o conceito acima enunciado, sobretudo quando os autos evidenciam, como acima já referimos, que o Recrte. exercia, então, cargos de relevo em três empresas, desconhecendo-se se teria, então, outro património para além daquele que os autos revelam (o salário) e que o tivesse sonegado dos credores. Por outro lado, tendo a apresentação à insolvência ocorrido em 19/03/2013, a subscrição da livrança tida como maléfica, datada de 2007, situa-se em lapso temporal irrelevante para este efeito.

Resta a 3ª questão, segundo a qual nenhum elemento consta dos autos que indicie ter o recorrente agido com dolo ou culpa grave ao não relacionar a totalidade dos créditos que, depois, vieram a ser reclamados nos autos, nem a douta sentença faz apelo a nenhuma situação concreta que permita apontar nesse sentido.
Consignou-se na sentença a este propósito que “Como resulta dos factos dados como provados, foi em 19.07.2013 que o insolvente inicialmente se apresentou à insolvência, tendo relacionado créditos, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 24.º/1/al. a) CIRE, de sua responsabilidade, os quais vieram a ser reclamados pelo B…, o B… e a Fazenda Nacional.
Tal conduta é violadora dos deveres de informação e colaboração que para o insolvente resultam do CIRE, talqualmente previsto no art. 238.º/1/al. g)CIRE.”
A compreensão desta sub questão pressupõe a releitura das conclusões, das quais se extrai que, tanto quanto se pode alcançar do texto da sentença, tal asserção assentaria no facto de o insolvente não ter relacionado todos os créditos que vieram a ser reclamados, esquecendo-se de relacionar alguns deles.
Na verdade, terão sido reclamados créditos por parte da Fazenda Nacional, B…, B…, B… e H….
O Artº 238º/1-g) do CIRE dispõe que o pedido é indeferido liminarmente se o devedor, com dolo ou culpa grave, tiver violado os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do Código no decurso dom processo de insolvência.
É, assim, pressuposto da aplicabilidade deste normativo, que a violação de algum dever ocorra com dolo ou culpa grave, adjetivos que não vislumbramos evidenciados no confronto dos factos.
Donde, também aqui assiste razão ao Recrte., o que, e para concluir, leva à procedência da apelação.
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar o despacho recorrido, determinando-se a prossecução do incidente com prolação do despacho inicial.
Sem custas.
Notifique.
Guimarães, 10/07/2014
Manuela Fialho
Paulo barreto
Filipe Caroço