Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1087/14.4T8CHV.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE TRANSACÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
PERDA DE INTERESSE DO CREDOR NA PRESTAÇÃO
CLÁUSULA PENAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE (O RECURSO DA APELANTE)
PARCIALMENTE PROCEDENTE (O RECURSO DO ESTADO PORTUGUÊS)
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Com o atual C.P.C. tornou-se mais evidente que a Relação se deve assumir como um verdadeiro tribunal de instância também quanto à apreciação dos factos, tendo o poder, que é vinculado, de introduzir na decisão as modificações que se justificarem, seja nas situações em que o possa fazer oficiosamente, seja decidindo a impugnação do recorrente.

II – A sentença que homologa uma transação não conhece do mérito da causa, mas chama necessariamente a si a solução de mérito para que aponta o contrato de transação, acabando por dar, ela própria, mas sempre em concordância com a vontade das partes, a solução do litígio. Assim, a execução que tenha por título executivo uma transação homologada por sentença é, ainda, uma execução de sentença, o que especialmente releva para os fundamentos da oposição.

III - São pressupostos da obrigação de indemnizar na responsabilidade contratual: a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da prestação contratual; a ilicitude, que se traduz na inexecução da referida prestação; a culpa, que se presume ser do devedor, nos termos do art.º 799.º do C.C.; o dano, que na perspetiva do direito civil se poderá considerar toda a lesão que é causada no interesse juridicamente tutelado; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, já que, como dispõe o art.º 563.º do C.C., a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

IV – A perda do interesse do credor na prestação, sendo, embora, aferida em função da utilidade concreta que ela teria para si, não se determina de acordo com o seu juízo arbitrário, mas considerando elementos suscetíveis de valoração pelo comum das pessoas.

V – A cláusula penal em sentido amplo poderá ser definida como a estipulação em que qualquer das partes, ou uma delas apenas, se obriga antecipadamente, perante a outra, a efetuar certa prestação, normalmente em dinheiro, em caso de não cumprimento ou de não cumprimento perfeito (maxime, em tempo), de determinada obrigação, normalmente a fim de proceder à liquidação do dano ou de compelir o devedor ao cumprimento.

VI – Na cláusula penal indemnizatória o acordo das partes tem por finalidade liquidar a indemnização devida em caso de não cumprimento definitivo, de mora ou de cumprimento defeituoso. Já na cláusula penal compulsória o acordo das partes tem por finalidade compelir o devedor ao cumprimento e/ou sancionar o não cumprimento.

VII – Tendo ficado estabelecido que “na hipótese de incumprimento de qualquer das cláusulas da transação, esta ficará sem efeito, para além de parte remissa ter de pagar à outra a importância de … a título de cláusula penal”, é de concluir que esta tem um escopo puramente coercitivo, pelo que o seu valor acresce ao valor da indemnização pelo incumprimento.
Decisão Texto Integral:
SUMÁRIO

I – Com o actual C.P.C. tornou-se mais evidente que a Relação se deve assumir como um verdadeiro tribunal de instância também quanto à apreciação dos factos, tendo o poder, que é vinculado, de introduzir na decisão as modificações que se justificarem, seja nas situações em que o possa fazer oficiosamente, seja decidindo a impugnação do recorrente.
II – A sentença que homologa uma transacção não conhece do mérito da causa, mas chama necessariamente a si a solução de mérito para que aponta o contrato de transacção, acabando por dar, ela própria, mas sempre em concordância com a vontade das partes, a solução do litígio. Assim, a execução que tenha por título executivo uma transacção homologada por sentença é, ainda, uma execução de sentença, o que especialmente releva para os fundamentos da oposição.
III - São pressupostos da obrigação de indemnizar na responsabilidade contratual: a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da prestação contratual; a ilicitude, que se traduz na inexecução da referida prestação; a culpa, que se presume ser do devedor, nos termos do art.º 799.º do C.C.; o dano, que na perspectiva do direito civil se poderá considerar toda a lesão que é causada no interesse juridicamente tutelado; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, já que, como dispõe o art.º 563.º do C.C., a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
IV – A perda do interesse do credor na prestação, sendo, embora, aferida em função da utilidade concreta que ela teria para si, não se determina de acordo com o seu juízo arbitrário, mas considerando elementos susceptíveis de valoração pelo comum das pessoas.
V – A cláusula penal em sentido amplo poderá ser definida como a estipulação em que qualquer das partes, ou uma delas apenas, se obriga antecipadamente, perante a outra, a efectuar certa prestação, normalmente em dinheiro, em caso de não cumprimento ou de não cumprimento perfeito (maxime, em tempo), de determinada obrigação, normalmente a fim de proceder à liquidação do dano ou de compelir o devedor ao cumprimento.
VI – Na cláusula penal indemnizatória o acordo das partes tem por finalidade liquidar a indemnização devida em caso de não cumprimento definitivo, de mora ou de cumprimento defeituoso. Já na cláusula penal compulsória o acordo das partes tem por finalidade compelir o devedor ao cumprimento e/ou sancionar o não cumprimento.
VII – Tendo ficado estabelecido que “na hipótese de incumprimento de qualquer das cláusulas da transacção, esta ficará sem efeito, para além de parte remissa ter de pagar à outra a importância de … a título de cláusula penal”, é de concluir que esta tem um escopo puramente coercitivo, pelo que o seu valor acresce ao valor da indemnização pelo incumprimento.
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ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- A. M. e esposa Maria, instauraram execução para prestação de facto contra o Estado Português e a sociedade comercial “X – Construtora, S.A.” , com vista a obter destes o cumprimento da transacção que celebraram na Acção Especial de Restituição de Posse n.º 105/95, mais concretamente das cláusulas com o seguinte teor:

“4º O Estado Português vincula-se a repor o tubo de 2” devidamente funcional no tanque e estábulo referidos na cláusula 2ª que antecede e, por ele, fornecer 2” de água aos AA, permanentemente, ou seja, enquanto na barragem houver água.”.
“6º Esse tubo de 2” sairá da parte de baixo do tubo de saída da água da barragem para rega e sempre de forma a que os AA. sejam dos últimos ou os últimos a ficar sem água no caso de haver escassez da mesma.”.

Alegam os Exequente que, não obstante as interpelações feitas, os Executados não cumpriram a prestação a que se obrigaram, mantendo-se eles, Exequentes, privados da água a que têm direito, o que lhes causa prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, que, até à data da instauração da execução, liquidam pela quantia de PTE: 5.585.000$00, cujo ressarcimento igualmente peticionam.
Recebido o requerimento executivo, foi proferido despacho a fls. 17 dos autos, indeferindo-o liminarmente quanto ao pedido de indemnização.
Desse despacho agravaram os Exequentes, vindo a ser decidido pelo Tribunal da Relação do Porto que o recurso subiria a final.
Os Executados deduziram Embargos que foram julgados improcedentes, por decisões do Tribunal da Relação do Porto e do Supremo Tribunal de Justiça, que já transitaram em julgado.
Entretanto, não tendo os mesmos Executados cumprido a prestação e uma vez que os Embargos não tinham efeito suspensivo, por despacho de fls. 96, foi decidida a nomeação de perito para avaliar o custo da prestação a realizar por outrem.
Realizada a perícia e junto aos autos o relatório respectivo (cfr. fls. 101 e sgs.) sucederam-se diversos requerimentos discutindo-se a possibilidade de cumprimento da prestação por outrem que não os Executados.

Em 19/01/2009, pelo requerimento de fls. 220 e sgs., os Exequentes vieram requerer a conversão da execução de prestação de facto em execução para pagamento de quantia certa, alegando que perderam definitivamente o interesse que tinham na realização da prestação.

Fundamentam alegando que decorridos 13 anos sobre o prazo acordado para a prestação do facto continuam sem água. Não possuem dinheiro nem outros meios para executar a obra por si, além de que os Executados têm praticado actos que impossibilitam a prestação, como permitir que outros retirem água da albufeira pondo em causa a sustentabilidade da obra. Mais voltam a alertar para a circunstância de a barragem não ter qualquer manutenção, estar sujeita à intervenção de qualquer pessoa que queira fazer uso da água, rebentando as condutas e o talude. E, alegam ainda, mesmo que obtivessem a água seria em condições diferentes em qualidade, quantidade e prioridade, sendo que a duração da barragem, por causa daquelas intervenções, é muito menor, pelo que o tempo que ainda poderiam usufruir da água é também menor. Por tudo isto, e porque já perfizeram 72 anos de idade, não têm mais interesse na realização da prestação devida.

No mesmo requerimento deduzem incidente de liquidação das indemnizações compensatória e moratória.

Notificados deste requerimento, ambos os Executados contestaram.

O Estado Português contestou (cfr. 239 e sgs. dos autos) impugnando os factos invocados pelos Exequentes, no essencial, contradizendo os valores apresentados por estes, pugnando, a final, pela improcedência do pedido de indemnização moratória e pela desadequação do pedido de indemnização compensatória.

A executada “X – Construtora, S.A.” contestou (cfr. fls. 246 e sgs.) afirmando que a única indemnização compensatória a que os Exequentes têm direito é a estabelecida na transacção a título de cláusula penal, e recusam que estes tenham sofrido quaisquer prejuízos. Mais defendem que, tendo os Exequentes optado pela prestação de facto por outrem não podem vir pedir agora a indemnização por danos, opondo-se, por isso, à conversão. Impugnam os valores indicados pelos Exequentes.

Estes responderam mantendo as suas posições (cfr. fls. 267 sgs.).

Posteriormente, por requerimento entrado a 29/4/2009, (fls. 277 e sgs.) o Estado Português veio dizer que o pedido de conversão da execução é inoportuno e extemporâneo já que as obrigações foram entretanto cumpridas, com a realização das obras pela DRAPN até finais de Dezembro de 2008. Mais alega que em finais de Janeiro de 2009 foi tentada a ligação da nova conduta mas esta foi recusada pelos Exequentes sem qualquer motivo, e em 6/04/2009 expediram um ofício a solicitar a sua presença na Junta de Freguesia para que se procedesse à ligação e fosse assinado o auto de entrega, mas os Exequentes persistiram na sua recusa. Termina pedindo a realização de vistoria para verificar o cumprimento do acordado.

Os Exequentes responderam impugnando o alegado.

Apreciando o que fora até aí requerido, foi proferido despacho decidindo-se que a prestação apenas poderia ser prestada pelo Estado e não por terceiro (cfr. fls. 309), mais se decidindo que o supramencionado requerimento do executado Estado Português era extemporâneo.

Interposto recurso desta decisão, o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão proferido em 14/04/2011 (cfr. fls. 588 e sgs. – III vol.), transitado em julgado, decidiu: 1 – revogar o despacho liminar que não admitiu o pedido da indemnização moratória; 2 – determinar o prosseguimento dos autos para produção de prova dos fundamentos invocados para a conversão da execução; 3 - confirmar a extemporaneidade do requerimento apresentado pelo executado Estado Português.

Os autos prosseguiram, então, os seus termos, e, após a realização de uma perícia, sugerida pelas Partes, com vista à determinação do valor da água, frustradas as expectativas de obtenção de um consenso, procedeu-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando procedente a requerida conversão da execução de prestação de facto em execução para pagamento de quantia certa, fixou:

a) em € 15.000 (quinze mil euros) a indemnização moratória; e
b) em € 840.476,79 (oitocentos e quarenta mil, quatrocentos e setenta e seis euros e setenta e nove cêntimos) a indemnização compensatória.

Inconformados, recorreram os Executados, pugnando a executada “X” pela revogação da decisão supra transcrita e a sua absolvição dos pedidos indemnizatórios, mais pugnando para que o valor da água seja reduzido para € 11.440,00 ou, se assim não se entender, que se reduza para os € 23.460,00.
O Estado Português pugna pela revogação da referida decisão.
Contra-alegaram os Exequentes propugnando pela improcedência de ambos os recursos.
Estes foram recebidos como de apelação, com efeito devolutivo.
Colhidos, que foram, os vistos legais, cumpre decidir.
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II.- A Apelante/Executada “X” formulou as seguintes conclusões:

a) EM MATÉRIA DE FACTO

A. Devem ser introduzidas as seguintes alterações na matéria de facto provada:

I. Deve dar-se como inteiramente reproduzido o teor integral do texto do contrato de transacção, lavrado nos autos de acção declarativa e que serve de base à presente execução.
II. Deve dar-se também como inteiramente reproduzido o texto da douta sentença, dada no apenso de embargos de executado.
III. Deve eliminar-se a matéria das alíneas 9), 11), 12) e 13) dos Factos Provados.
IV. Deve corrigir-se o texto da alínea 20) dos Factos Provados, substituindo-o por outro com a seguinte redacção: “O que lhes garante o valor teórico de 82.049,76 m3 de água por ano, ao preço unitário de 0,0143 €/m3”.
V. Deve ser eliminado, por falta de fundamentação adequada, técnica e económica, a matéria levada à alínea 21) dos Factos Provados.
VI. Deve ser eliminada a referência, na alínea 25) dos Factos Provados, feita ao consentimento ou determinação do Estado Português, concretamente constante de expressar: “(…) obras essas determinadas pelo Estado Português ou, pelo menos, com o consentimento do Estado Português (…)”.

B. Deve acrescentar-se a seguinte matéria de facto:

VII. A Barragem de M., sua albufeira e respectivo leito são bens do domínio público, tal como o sistema de rega que daí parte para os terrenos agrícolas das populações vizinhas.
VIII. A água da albufeira de M. é fornecida aos agricultores a título gracioso.
IX. À quantidade teórica anual de débito de água por um tubo de 2”, calculado em 82.049,76 m3, deve ser subtraído um valor entre 15% a 20% para perdas, considerar-se a existência de secas no Verão e (ou) noutras estações do ano, atender-se ao uso normal, prudente e económico pelos Autores e ter em mente a necessidade de manter na albufeira a cota de manutenção, o que leva ao saldo de cerca de 40.000 m3 por ano o total da água dos Autores.
X. Com base no volume de 40.000 m3/ano, e considerando o preço unitário de 0,0143 €/m3, o valor anual dá 572,00 € o que, à base de capitalização pelo método da remição de renda perpétua, atinge o valor global de 14.300,00 €.
XI. Admitindo, por hipótese, o valor teórico de 82.049,72 m3/ano, o valor anual será de 1.173,00 € e o valor de capitalização será de 29.325,00 €.
XII. Admitindo a adopção de critério do valor da água, quando economicamente autónoma do terreno onde nasce, estabelecido pelo Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis, o valor global será 20 vezes o valor-rendimento anual – o que dá para 40.000 m3, o montante de 11.440,00 € e para 82.049,72 m3, o montante de 23.460,00 €.
Existe, assim, errada apreciação dos factos e omissão de factos relevantes, que deverá ser suprida.

b) EM MATÉRIA DE DIREITO

XIII. A água da albufeira da Barragem de M. é um bem do domínio público, tal como o sistema de rega que daí parte para os campos da povoação – artigo 84º nº 1 alínea a) da Constituição da República e Decreto-Lei 477/80 de 15 de Outubro. Por isso, não podia a X obrigar-se a dar água dessa proveniência aos Autores, nem a executar trabalhos de ligação dessa água sem o expresso consentimento e ordem do Estado Português. Assim, se, porventura, e não é o caso, a X se obrigasse a dar água aos Autores ou estabelecesse as regras de captação no sistema, estaria a invadir a esfera do domínio público, sendo tais prestações nulas e de nenhum efeito. (artigo 202º nº 2 e 280º nº 1 do Código Civil)
XIV. Admite-se que a X, na qualidade de empreiteira, se obrigasse a executar os trabalhos de ligação de água para os Autores, mas sempre seguindo projecto e licenciamento do Estado Português e à custa deste, como aconteceu. Já não é admissível exigir da X o pagamento do preço da água, em substituição de concreto benefício da água, porquanto apenas o Estado Português se obrigou a dar água aos Autores e com estes estabeleceu as regras de captação (alíneas 4, 5 e 6 dos Factos Provados.
XV. Também não pode imputar-se à X qualquer obrigação de indemnizar pelo facto de não terem os Autores agricultado as terras e criado gado, porquanto a sua posição em relação ao caso é meramente instrumental – empreiteiro – e não de parte na relação jurídica em causa – como se entendeu na douta sentença dos embargos de executado, quando se fixou a prova de que a X executou a ligação da água para os Autores, “a mando da DRATM e por conta desta” como tinha de ser.
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II- A.- Os Apelados/Exequentes, em resposta à Apelante/Executada, formularam as seguintes conclusões:

I. No ponto 1.1., das alegações, a recorrente transcreve alguns dos factos que foram dados como provados na sentença que julgou os embargos de executado, omitindo que os recorridos só tinham água, “quando a barragem estava aberta, o que só ocorre durante dois ou três meses do período de rega, no Verão, e só durante determinado período do dia, pelo que o abastecimento de água aos embargados não é contínuo nem permanente”.
II. Em relação ao ponto 2.1., das alegações da recorrente, diga-se que o tribunal a quo no ponto 1, dos factos provados, faz uma simples transcrição da transação judicial que serve de título à presente execução.
III. Nos pontos 2.2, 2.3 e 2.4, das suas alegações, a recorrente insiste na teoria de que não estava vinculada ao cumprimento da transação que serviu de título à presente execução, questão que já foi decidida pelo nosso Tribunal Superior.
IV. No ponto 2.4, das suas alegações, a recorrente, lamentavelmente, faz notar, volvidos 23 anos, que os recorridos têm duas ligações de água, esquecendo-se que a transação judicial que serve de base aos presentes autos nunca foi cumprida.
V. No ponto 3.1, das suas alegações, a recorrente pede o aditamento ao n.º 5, do ponto 1, dos factos provados, da seguinte expressão: “tal como os demais agricultores que beneficiam de água da Barragem de M.”, servindo-se da resposta dos Senhores Peritos ao quesito 1.º (fls. 795).
VI. Esta pretensão não faz sentido, dado que o tribunal a quo limitou-se aí a transcrever a cláusula 5.ª, da transação judicial em causa.
VII. Em todo o caso sempre se diga que a resposta dos Senhores Peritos ao quesito 1.º (na qual se baseia a recorrente) não tem o alcance que esta pretende.
VIII. No ponto 3.2., das suas alegações, a recorrente requer que os n.ºs 4, 5, 6, 7 e 8, dos seus factos pressupostos, sejam aditados ao n.º 7, do ponto 1, dos factos provados.
IX. Mais uma vez diga que o tribunal a quo, no ponto 1, dos factos provados, nada mais fez do que transcrever os termos da transacção, conforme certidão junta a fls. 64 e 65, pelo que este pedido de aditamento terá que ser indeferido, até porque constituiria uma clara e grosseira violação do princípio do caso julgado, dado que tais factos já foram apreciados e julgados nos embargos.
X. No ponto 3.3., das suas alegações, a recorrente pede a eliminação dos n.ºs 9, 11, 12 e 13, dos factos provados, alegando, em suma, que o consentimento para as captações em albufeira só pode ser demonstrado por prova documental.
XI. Convém esclarecer que ficou demonstrado que a captação em questão foi realizada pela Junta de Freguesia de M., ou seja, pelo próprio Estado Português.
XII. No ponto 3.4., das suas alegações, a recorrente considera que, para efeitos de indemnização, o volume da água deve ser fixado em 40.000,00 m3 por ano.
XIII. No relatório Pericial solicitado pelas partes, foi decidido, de forma idónea e tecnicamente rigorosa, que a quantidade em m3, que um tubo de 2 polegadas pode debitar (máximo), tendo a boca de captação à cota da base da barragem de M. e a boca de débito ao nível da boca do tanque da recepção da propriedade dos exequentes, é de 82.049,76 m3.
XIV. Note-se que o perito indicado pela recorrente também concordou com este valor.
XV. Por conseguinte, o volume de água anual constante do ponto 20, dos factos provados, está isento de qualquer contestação.
XVI. O objetivo das partes, ao acordarem com a realização de uma perícia para apuramento do valor da água, era precisamente evitar aquilo que a recorrente vem agora fazer ou seja pôr em causa, sem qualquer rigor científico ou técnico, um bem precioso, cujo valor só poderia ser atribuído por peritos especializados.
XVII. Destarte, a recorrente ao pôr em causa o valor apurado pelos Senhores Peritos está pura e simplesmente a questionar o mérito de uma perícia que aceitou pedir.
XVIII. No entanto, mais lamentável ainda são os argumentos invocados no ponto 4.1., das suas alegações, onde, para tentar desvalorizar o valor da água atribuído, faz alusão às sucessivas propostas para acordo que os recorridos foram apresentando, as quais estão, sem sombra de dúvida, muito aquém da condenação.
XIX. E isto deve-se ao facto de os recorridos estarem completamente desolados, desgastados e desesperados com um processo que se arrasta há 23 anos (convém lembrar que a ação declarativa foi interposta em 1995 e a ação executiva em 1999), tendo perdido a força física e anímica para lutar pelos seus direitos, mostrando-se, por isso, disponíveis para transigir por um valor que sabiam ser muito inferior ao valor da perícia.
XX. No entanto, mesmo sabendo que o valor da água atribuído pelos Peritos ascendia a 840.476,79 € estavam disponíveis para aceitar a módica quantia de 56.000,00 €, o que se traduz num gesto de humildade e ao mesmo tempo de desespero em pôr termo aos autos.
XXI. No arrazoado do ponto 4.2., das suas alegações, a recorrente procura desvalorizar o competente trabalho técnico realizado pelos Senhores Peritos, trazendo ao processo dados pouco rigorosos, distorcidos e tecnicamente infundados, numa tentativa desesperada de anular o efeito natural de um Relatório Pericial.
XXII. Não conseguimos vislumbrar como é que se pode pôr em causa o resultado de uma perícia conforme faz a recorrente. Ainda por cima tendo em linha de conta que o Perito por si indicado aceitou a quantidade, em m3, que um tubo de 2 polegadas pode debitar (máximo), tendo a boca de captação à cota da base da barragem de M. e a boca de débito ao nível da boca do tanque da recepção da propriedade dos recorrentes, ou seja os 82.049,76 m3.
XXIII. No ponto 4.4. das suas alegações, a recorrente apresenta como taxa de juro aplicável a taxa legal de 4%, a qual, como é consabido, nada tem que ver com a taxa de juro de uma renda perpétua.
XXIV. Na realidade, o valor de uma perpetuidade será aferido com base numa taxa de desconto, conforme se pode ler no relatório Pericial a fls. 794 e ss..
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III.- O Apelante/Executado Estado Português formulou as seguintes conclusões:

I - Deve dar-se como inteiramente reproduzido, na douta sentença recorrida, o teor da cláusula 11ª do Termo de Transacção datado de 15 de Maio de 1997 (constante de folhas 64 a 66).
II - Considerando o teor da cláusula 11ª, o incumprimento (ou o incumprimento defeituoso) de qualquer das cláusulas acordadas, determina que a transacção fique sem efeito e que a parte remissa tenha de pagar à outra, a importância de um milhão de escudos.
III - Esta questão não foi apreciada e qualificada na sentença recorrida, como uma das questões a decidir (apesar de constituir uma questão prévia, prejudicial em relação às questões referidas na sentença recorrida e constantes do dispositivo).
IV - Os Autores deixaram de ter interesse na execução específica do contrato, da colocação do tubo de 2” (duas polegadas), na parte de baixo do tubo de saída da água da barragem, permanentemente, ou seja enquanto na barragem houver água;
V - Não devido ao incumprimento (ou ao incumprimento defeituoso) do Réu Estado;
VI - Mas porque, pelo menos desde 2005, que os Autores (e todos os outros agricultores, cerca de 130) têm vindo a receber água de dentro da bacia hidrográfica da Barragem de M., por ruptura do talude da barragem e pela colocação de um segundo tubo.
VII - E ainda, de forma gradual, devido ao avançar da idade dos Autores e devido aos problemas de saúde que lhes afectaram a possibilidade de continuar a trabalhar na agricultura, realçando que em 2009, já ambos os exequentes estavam aposentados e tinham deixado a actividade agrícola.
VIII - O valor da água/prejuízos/indemnização dos Autores deve ser computado entre 14.300,00 € e 56.000,00 €.
IX - 14.300,00 € - Considerando o valor fixado pelo tribunal de 0,0143 €/m3, o valor anual da água consumida de 572,00 € (40.000,00 m3 x 0,0143€) x os 25 anos em causa nos autos teríamos o montante total de 14.300,00€.
X - 29.325,00 € - Considerando 82.049,72 m3/ano, o valor anual de 1.173,00 €, que multiplicado pelos 25 anos daria o montante total de 29.325,00 €.
XI - 56.000,00 € - Considerando a última proposta que os Autores apresentaram ao Estado Português no sentido de obterem uma transacção.
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III-A.- Os Apelados/Exequentes, em resposta ao Apelante/Executado formularam as seguintes conclusões:

I - O recorrente vem alegar que a transação, no caso de incumprimento de qualquer das respetivas cláusulas, ficaria, por força da sua cláusula 11.ª, sem efeito.
II - Nos embargos de executado, deduzidos em 11.01.2001, o recorrente menciona, no seu art. 4.º, que as obrigações a que o Estado Português se tinha obrigado na transação “foram já integralmente cumpridas”, não fazendo referência a tal cláusula.
III - Em 04.09.2003, de forma contraditória, vem alegar, conforme faz no presente recurso, que a cláusula 11.ª contém condição resolutiva negativa e, por isso, “ocorrendo incumprimento de qualquer das cláusulas acordadas, a transacção fica sem efeito para além de a parte remissa ter de pagar à outra a importância de um milhão de escudos (1 000 000$00) a título de cláusula penal”.
IV - Sobre esta questão, o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 11.06.2007, a fls. 327 e ss., transitado em julgado, decidiu que a condição não se verificou.
V - De todo o modo e sem prescindir, urge realçar que invocar agora a cláusula 11.ª, da transação, constitui uma grosseira violação das regras da boa fé, dado que assim o comportamento ilícito da parte faltosa serviria em seu próprio benefício, ou seja, para obter a ineficácia da transação bastava não cumprir os seus termos.
VI – De notar que “condição representa, por definição, um acontecimento futuro e incerto, cuja ocorrência não está na dependência das partes, mas sim sujeita às condições do devir em causa. Ora, actuar segundo a boa fé significa que nenhuma das partes pode comportar-se de modo a alterar a seu favor a álea própria desse devir, o curso normal dos acontecimentos, provocando a ocorrência do evento ou afastando a sua verificação. Se o fizer, actua de má fé.”, JOSÉ ALBERTO VIEIRA, Negócio Jurídico, Coimbra Editora, 2006, p. 92.
VII - De acordo com o disposto no art. 275.º, n.º 1, do Código Civil, esta atuação desencadeia uma sanção, qual seja, no caso concreto, a não verificação da condição.
VIII - Pelo exposto, deve o tribunal ad quem considerar que a questão agora colocada pela recorrente já foi apreciada e julgada, mediante decisão transitada em julgada ou, em alternativa, declarar que a condição alegadamente prevista na cláusula 11.ª, da transação, não se verificou.
IX - O recorrente sustenta que houve apenas cumprimento defeituoso e não incumprimento definitivo, esquecendo que já foi dado como provado, mediante decisão transitada em julgado, que a transação judicial que serve de base aos presentes autos nunca foi cumprida.
X - Nunca é de mais demonstrar que, em virtude desse incumprimento, foi dado como provado designadamente que:

a) O empreendimento agrícola dos recorridos, atenta a falta de água, ficou inativo, deixando de produzir qualquer rendimento (ponto 2, dos factos provados);
b) os recorrentes deixaram de produzir batata na sequência da falta de água (ponto 4, dos factos provados);
c) os recorrentes deixaram de ter vacas turinas, que produziam 33.000 litros de leite por ano, devido à falta de água para o estábulo e produção de ferragens, ou seja deixaram de produzir leite para venda (pontos 5 e 6, dos factos provados).
XI - Pelo exposto, também em relação ao interesse dos Autores na conversão a pretensão recursiva do recorrente tem necessariamente que improceder.
XII - Finalmente, o recorrente entende que o valor da indemnização compensatória de 840.476,79 € é excessivo, alegando que o prejuízo não poderá ser equivalente ao resultante de 2’’ de água a correr de forma permanente, dado que foi colocado um tubo e, por outro lado, nem sempre há água nas barragens.
XIII - Em relação ao alegado tubo, resta-nos trazer à colação o já mencionado Acórdão do STJ que pôs termo aos embargos, onde consta, nunca é de mais dizer, que a transação não foi cumprida.
XIV - Já no que diz respeito à eventual inexistência de água na barragem, tal traduz-se num facto que não foi demonstrado e muito menos alegado nos autos, pelo que deve pura e simplesmente ser desconsiderado.
XV - Ademais o valor da água não pode ser aferido parcialmente. Com efeito, só o volume de água a que tinham direito os recorridos é gerador do valor do bem.
XVI - Em segundo lugar, com as suas alegações o recorrente põe em causa o relatório Pericial solicitado pelas partes, onde foi decidido que a quantidade em m3 que um tubo de 2 polegadas pode debitar (máximo), tendo a boca de captação à cota da base da barragem de M. e a boca de débito ao nível da boca do tanque da recepção da propriedade dos recorridos é de 82.049,76 m3.
XVII - Os Senhores Peritos chegaram a este valor através de critérios técnicos cuja idoneidade e rigor são naturalmente inatacáveis.
XVIII - Por esta razão, o volume de água anual constante do ponto 20, dos factos provados, é inatacável.
XIX - O recorrente faz alusão às sucessivas propostas que os recorridos foram apresentando.
XX - Propostas que os recorridos apresentaram porque estão naturalmente desolados, desgastados e desesperados com um processo que se arrasta há 23 anos, tendo perdido a força física e anímica para lutar pelos seus direitos, mostrando-se, por isso, disponíveis para transigir por um valor que sabiam muito bem ser bastante inferior ao valor da perícia.
XXI - Ao contrário do que alega o recorrente (que nunca apresentou nenhuma contra-proposta) esta diferença, não traduz nenhuma avaliação dos recorridos, reflete isso sim, um gesto de humildade e ao mesmo tempo de desespero em pôr termo aos autos.
XXII - Por tudo isto, o valor da indemnização compensatória fixado pelo tribunal a quo não merece censura.
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IV.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

De acordo com as conclusões acima transcritas pretende:

i) a Apelante “X – Engenharia, S. A.” que:
- se reaprecie a decisão de facto;
- se reaprecie a decisão de mérito.
ii) o Apelante Estado Português que:
- se adite à matéria de facto todo o conteúdo da transacção;
- se reaprecie a decisão de mérito.
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Vão ser apreciados os dois recursos em conjunto atenta a afinidade das questões que em ambos se suscitam.
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B) FUNDAMENTAÇÃO

V.- A Apelante “X” (doravante “Apelante/Executada”) impugna a decisão de facto pretendendo, no que é acompanhada pelo Apelante “ESTADO PORTUGUÊS” (doravante “Apelante/Executado”), que se transcreva todo o teor da transacção celebrada; e o que de mais consta das conclusões II a XII.
Ainda que o não tenha feito nas conclusões, foi referindo, nas alegações, os meios probatórios constantes do processo – documentos e laudo dos peritos – que impunham a decisão por que propugna.
Têm-se, pois, por cumpridos todos os ónus mencionados no n.º 1 do art.º 640.º do C.P.C., não havendo, assim, obstáculo legal à reapreciação da decisão de facto pretendida.

2.- Na reapreciação desta decisão cumpre à Relação observar o que dispõe o art.º 662.º do C.P.C., tendo presente que, como consta da “Exposição de Motivos” da Proposta de Lei n.º 113/XII, foi intenção do legislador reforçar os poderes da Relação, com o objectivo primordial de evitar o julgamento formal, apenas baseado no ónus da prova, privilegiando o apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa.

Com efeito, é agora mais evidente que a Relação se deve assumir como um verdadeiro tribunal de instância também quanto à apreciação dos factos, tendo o poder, que é vinculado, de introduzir na decisão as modificações que se justificarem, seja nas situações em que o possa fazer oficiosamente, seja decidindo a impugnação do recorrente.

Não estando limitada pelos depoimentos e demais provas que lhe tenham sido indicados pelo recorrente, na reapreciação da matéria de facto a Relação avalia livremente todas as provas carreadas para os autos e valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua própria convicção.
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VI.- O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:

i) julgou provado que:

1) O título executivo dado à execução é uma sentença, homologatória de uma transação na qual acordaram os ora exequentes e os executados que:

“ (…) l° Reconhece o Estado Português e a R. X que os AA. são donos do prédio rústico constituído por terra de cultivo, lameiro e pasto, sito em ..., inscrito sob o art. 1654 da matriz rústica da freguesia de M., confrontando a norte e nascente estrada municipal sul F. S. e poente caminho de consortes e que neste prédio procederam à exploração de água.
2°. Reconhecem também que os AA. são donos de outros prédios rústicos sitos a cerca de 3000 metros a jusante da albufeira de M. e que num desses prédios construíram um estábulo para vacas leiteiras e um tanque para onde conduziram aquela dita água por um tubo de 2" para irrigação desses outros prédios e para consumo no estábulo.
Reconhecem ainda que, na construção da barragem de M., cortaram e inutilizaram o tubo de 2" referido na cláusula 2ª que antecede e que a dita exploração a que procederam os AA. fica dentro do perímetro da albufeira da barragem de M. e, assim submersa.
O Estado Português vincula-se a repor o tubo de 2", devidamente funcional no tanque e estábulo referidos na cláusula 2ª que antecede e, por ele, fornecer 2" de água aos AA., permanentemente, ou seja, enquanto na barragem houver água.
Este fornecimento é gratuito, pelo que os AA. não terão de contribuir com qualquer importância para o regadio ou manutenção da barragem, condutas e seus acessórios.
Esse tubo de 2" sairá da parte de baixo do tubo de saída da água da barragem para rega e sempre de forma a que os AA. sejam dos últimos ou os últimos a ficar sem água no caso de haver escassez da mesma.
Esse abastecimento e, por consequência, a colocação desse tubo serão feitos pelo Estado Português e ré X até ao dia 30 de Junho de 1997.” - conforme certidão junta a fls. 64 e 65, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzida.

- Do requerimento executivo:

2) O empreendimento agrícola dos exequentes, referido na cláusula 2ª do acordo, atenta a falta de água, passou a ficar inativo, não produzindo qualquer rendimento.
3) E foi-se desvalorizando e deteriorando com o passar do tempo.
4) Os exequentes produziam quantidade não determinada de batata e deixaram de produzir na sequência da falta de água.
5) Os exequentes tinham ainda vacas turinas, que produziam 33.000 litros de leite.
6) Devido ao corte de água e por não terem água para o estábulo e produção de forragens, deixaram de produzir leite e tiveram de vender todo o seu efetivo.

- Do requerimento para conversão da execução, de fls. 220 e seguintes:

7) Desde data que não foi possível apurar, mas pelo menos desde 2005 que vem sendo captada água de dentro da bacia hidrográfica da barragem de M..
8) Para a realização dessa obra foi rompido o talude da barragem.
9) Essa obra foi realizada com consentimento do Estado Português.
10) A barragem de M. não tem qualquer tipo de manutenção, nem têm qualquer tipo de manutenção as suas condutas.
11) A barragem está sujeita à intervenção de qualquer pessoa que queira fazer uso da água.
12) Rebentando, para o efeito, as suas condutas ou o próprio talude e fazendo a ligação de tubos de captação de água.
13) O que acontece com o consentimento do Estado Português.
14) É hoje impossível aos exequentes a obtenção da água, nos termos acordados em 1.
15) Em virtude da privação de água os exequentes viram degradada a exploração agrícola que tinham.
16) E não conseguiram mais recupera-la.
17) Os exequentes estão já aposentados e auferem uma pensão de reforma de montante não concretamente apurado.
18) Os exequentes, atentas as suas idades já avançadas, não dispõem de força física, psíquica ou social que lhes permita levar a cabo a recuperação da exploração agrícola que tinham, quer por si, quer por terceiros.
19) Os exequentes tinham antes 2 polegadas de água, permanentemente, 24 horas por dia.
20) O que lhes garantia pelo menos 82.049,76 m3 de água por dia, num valor de € 0,0143 o m3.
21) As 2 polegadas de água, atenta a distância e a diferença de cotas de 50 metros entre a barragem e o local onde deveriam ser reposta a água, permitiam aos exequentes a produção de energia elétrica, por força da gravidade.

- Do requerimento do Estado Português de 29/4/2009:

22) Por ofício de 6/4/2009, da Divisão Geral de Infraestruturas do Ministério da Agricultura, foram os exequentes notificados para comparecerem na Junta de Freguesia de M. a fim de se proceder à entrada da conduta instalada.
23) Os autores não compareceram à diligência referida em 22.

Por serem relevantes para a análise e decisão da causa, julgam-se ainda como provados os seguintes factos processuais:

24) O requerimento executivo deu entrada em juízo em 6 de Dezembro de 2000, conforme data aposta no requerimento executivo junto aos autos a fls. 2, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
25) Por requerimento de 18/10/2005, os exequentes dão conhecimento de que haviam tomado conhecimento da execução de obras na barragem em causa, concretamente da colocação de um tubo de 2” a debitar água da bacia hidrográfica da barragem, obras essas determinadas pelo Estado Português ou, pelo menos, com o consentimento do Estado Português e peticionam “seja possível utilizar a vala já efetuada e colocar um tubo de 2” para servir os exequentes e, assim, com custos reduzidos, por fim ao incumprimento”, conforme requerimento junto aos autos a fls. 184 a 201, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
26) O requerimento de conversão da execução em pagamento de quantia certa deu entrada em juízo em 19/1/2009, conforme requerimento junto aos autos a fls. 219 e seguintes, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
27) Os executados foram notificados de tal requerimento e o executado Estado Português respondeu ao mesmo a 5/3/2009, conforme requerimento junto aos autos a fls. 239 e seguintes, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
28) Por requerimento de 29/4/2009, veio o executado Estado Português invocar o cumprimento da obrigação, conforme requerimento junto aos autos a fls. 277 e seguintes, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.

ii) julgou não provado:

- Do requerimento executivo:

29. Que além dos empreendimentos referidos na cláusula 1º do acordo referido em 1., os executados tenham ainda construído três tanques em betão armado com capacidade para cerca de 64 m3 cada, e efetuaram múltiplas canalizações para rega, adquiriram, entre outros, um trator agrícola e alfaias e uma máquina de ordenha mecânica.
30. Investiram os exequentes em bens de produção, cerca de 12.000.000$00 (doze milhões de escudos).
31. Que tivessem 9 vitelos por ano.

- Do requerimento do Estado Português de 29/4/2009

32. As obrigações foram integralmente cumpridas pelos Estado Português, tendo as obras de concretização do acordo sido realizadas pela DRAPN até final de Dezembro de 2008.
33. Em finais de Janeiro de 2009 foi tentada a ligação da nova conduta de água.
34. Essa ligação, sem qualquer motivo, foi recusada pessoalmente pelos exequentes em finais de Janeiro de 2009.
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VII.- Ambos os Apelantes pretendem que seja transcrita na “matéria de facto” a totalidade do texto da transacção que celebraram com os Exequentes.

Assiste a razão aos Apelantes, já que o título executivo é a transacção e a sentença que a homologou.

Igualmente se aceita dever ser corrigido o lapso de escrita constante do n.º 20, (cfr. conclusão IV da Apelante/Executada) posto que, de acordo com os Senhores Peritos, o volume do caudal aí indicado é relativo ao ano e não ao “dia” – cfr. fls. 798 (IV vol.).

Pretende a Apelante que se elimine da matéria de facto o que consta sob os n.os:

- 9) Essa obra foi realizada com consentimento do Estado Português.
- 11) A barragem está sujeita à intervenção de qualquer pessoa que queira fazer uso da água.
- 12) Rebentando, para o efeito, as suas condutas ou o próprio talude e fazendo a ligação de tubos de captação de água.
- 13) O que acontece com o consentimento do Estado Português.

Refere-se o primeiro a uma obra de captação de água de dentro da bacia hidrográfica da barragem de M., levada a efeito em 2005, na execução da qual foi rompido o talude da barragem.

O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão nos depoimentos das testemunhas: E. A. (empresário, residente em M.) o qual, relativamente ao uso da barragem explicou que têm sido feitas obras de captação na barragem em causa, de forma arbitrária, por quem quer que seja, sem qualquer cuidado, asseverando ainda que a barragem nunca teve qualquer manutenção. R. C. (engenheiro mecânico, filho dos Exequentes), o qual, quanto ao uso da água da barragem, explicou que se assiste a uma exploração anárquica em que qualquer pessoa vai lá abrir um tubo, sem qualquer supervisão, depoimento que J. J., (filho dos Exequentes) reiterou.

Estes três testemunhos mereceram credibilidade ao Tribunal a quo que os considerou “sinceros, espontâneos, e assertivos”, tendo fundado neles a sua convicção.

Ainda que na conclusão III a Apelante formule a pretensão da total eliminação da facticidade acima referida, na justificação desta pretensão, constante do n.º 3.3 das alegações, acaba por pedir apenas a correcção da redacção, “retirando-se-lhe o consentimento do Estado Português” (cfr. fls. 1027 dos autos), defendendo que só o consentimento dado por escrito podia ser considerado, não valendo como consentimento o silêncio, e afirmando constar dos autos “e em forma documental que o caso invocado pelos Autores, relativamente a abuso de captação de água, se verificou numa altura de grande seca e foi a Junta de Freguesia de M., que abusando das suas atribuições estatutárias, resolveu instalar uma captação provisória para abastecer a população, em época de grave seca, mas reconheceu o erro e o abuso e obrigou-se a destruir a instalação provisória, como consta dos autos. Aliás, em declaração datada de 21 de Outubro de 2005, aquele órgão autárquico reconhece a “insensatez do acto praticado” e compromete-se a repor a situação, como se lê dos autos. E, no mesmo local, se vê que os organismos centrais e regionais do Ministério da Agricultura não tomaram conhecimento atempado daquela decisão e acto de autarquia.”.

A Apelante não concretiza os documentos a que se refere pelo que não cumpre o ónus imposto pela alínea b) do n.º 1 do art.º 640.º do C.P.C..

É certo que a fls. 159 (I volume) dos autos de Embargo de Executado (Apenso A) existe um documento emitido pela Junta da Freguesia de M. no qual esta Entidade afirma a autoria de uma intervenção na barragem em 21/10/2005, e os Apelados/Exequentes também confirmam tal “declaração” - no requerimento de fls. 162 e sgs., referido em 25., dão estes conta nos autos haverem “descoberto” que “vêm sendo executadas na barragem um conjunto de obras que põem em causa o objecto da prestação…” – mas a realidade que o Tribunal a quo quis referir vai além deste episódio, como se extrai da fundamentação: “quanto à matéria da utilização da água da barragem, a prova produzida foi unânime no retrato feito da utilização anárquica da barragem, pelo que dúvida não há em julgar provada tal matéria, transcrita nos artigos 7º a 13º” (cfr. fls. 1013v.º).

Mantém-se, consequentemente, a redacção dos pontos de facto em mérito.

Igualmente se não acolhem todas as alterações que a Apelante pretende ver introduzidas nos diversos números do ponto 1., por serem a transcrição “ipsis verbis” das sete primeiras cláusulas da transacção.

No que se refere ao n.º 21 (conclusão V da Apelante), o Tribunal a quo afirmou haver-se fundado na perícia.

A força probatória dos laudos periciais é fixada livremente pelo tribunal, de acordo com o disposto no art.º 389.º do Código Civil (C.C.).

Sem embargo, lidos atentamente os laudos periciais (mesmo o inicial, que teve por objectivo o cálculo do valor da prestação) e seus esclarecimentos, não se lhes encontrou referência a este facto.

Trata-se de alegação dos Apelados/Exequentes, no requerimento de conversão da execução, que, parece, terão “deixado cair”, talvez pela intransponível dificuldade de justificar os valores que apresentaram. Com efeito, para a produção de energia eléctrica não basta uma corrente de água e a força da gravidade, sendo ainda necessários outros meios materiais que, como se sabe, exigem um investimento que se crê avultado, sendo certo que, por falta de alegação nesse sentido, aqueles nunca terão dado este uso à água que não era consumida na sua exploração agrícola.

A referida facticidade também não entrou nos cálculos que os Senhores Peritos apresentaram para determinação do valor da água pelo que é inócua.

Sem descurar de tais razões mas pelo motivo essencial de se não haver produzido prova da realidade de tais factos, decide-se acolher a pretensão da Apelante/Executada, eliminando o referido ponto 21 do elenco dos “factos provados”.

O ponto 25 transcreve, por súmula, o requerimento dos Apelados/ Exequentes, a que acima se fez referência. Sendo fiel na transcrição, não há motivo justificativo para o alterar, sendo certo que a sua interpretação terá a sede própria no enquadramento jurídico da questão.

Pretende a Apelante que se dê por “inteiramente reproduzido o texto da douta sentença, dada no apenso de embargos de executado” (conc. II).

Ainda que se possa admitir fazer registar, como incidência processual, a dedução dos embargos, os seus fundamentos, e a decisão final, a referida pretensão não deverá ser atendida porque aquela sentença, ainda que confirmada, foi objecto de recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça, no que respeita à Apelante/Executada (o Apelante/Executado conformou-se com o acórdão da Relação).

Acresce que a matéria de facto que aí foi julgada provada não pode ser isolada da decisão, posto que lhe serviu de fundamento, sendo certo que todas as questões que a Apelante aí suscitou já não podem voltar a ser discutidas por a tanto se opor o caso julgado.

Daí que se faça constar da matéria de facto a referida incidência processual, e os factos que aí foram julgados provados, com interesse, pelo menos, para o total enquadramento da situação sub judicio.

Os autos contêm prova documental suficientemente consistente do que, no essencial, a Apelante refere nas conclusões VII e VIII.

Já, porém, no que se refere às conclusões IX, X, XI, e XII, de todo se rejeita a pretensão da Apelante por se tratar de matéria conclusiva, que, em si, contém a decisão do litígio.
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VIII.- Atento quanto acima se deixa exposto, introduzem-se as seguintes alterações à decisão de facto:

i) julga-se provado que:

1-A.- Para além das cláusulas acima transcritas em 1), a transacção continha ainda as seguintes cláusulas:

8º - As obras de conservação desse tubo de 2” são da responsabilidade dos AA.
9º - Os AA. transferem, por este acto, para o Estado Português todos os direitos que têm sobre o prédio rústico identificado na cláusula nº 1 considerando assim o Estado Português único e exclusivo dono desse prédio rústico.
10º - O Estado Português e a ré X obrigam-se a pagar aos AA., no prazo de 15 dias, a título de indemnização pelos danos sofridos com o corte de água e pela transferência dos seus direitos sobre o dito prédio rústico a importância de sete milhões e quinhentos mil escudos (7.500.000$00), pagando o Estado Português cinco milhões de escudos (5.000.000$00) e X Construtora, S.A. dois milhões e quinhentos mil escudos (2.500.000$00).
11º - Na hipótese de incumprimento de qualquer das cláusulas antecedentes, ficará esta transacção sem efeito para além de a parte remissa ter de pagar à outra a importância de um milhão de escudos (1.000.000$00) a título de cláusula penal.
12º - As custas, na sua totalidade, prescindindo-se de procuradoria e custas de parte, são da responsabilidade de AA., Estado Português e X na proporção de um terço para cada um..
20. O que lhes garantia, pelo menos, 82.049,76 m3 de água por ano, num valor de € 0,0143 o m3.
35. A barragem acima referida, com a designação de “Aproveitamento Hidroagrícola de M.” foi construída pelo executado Estado Português para recolha e armazenamento de água destinada a fins agrícolas, integrando-a no Plano de Gestão da Região Hidrográfica do Douro.
36. – A água é fornecida aos agricultores daquela zona de M. sem qualquer contrapartida.
37.- Os ora Apelantes deduziram Embargos de Executado pedindo a declaração de extinção da presente execução, alegando terem cumprido as obrigações decorrentes da transacção que celebraram com os Exequentes.
Ambos os referidos Embargos foram julgados improcedentes por os factos provados demonstrarem que aqueles não cumpriram a prestação a que se obrigaram pela transacção.
38.- Nos referidos embargos ficaram provados, dentre outros, os seguintes factos:
4. – A X, a mando da DRATM e por conta desta, efectuou a ligação da água da conduta da Barragem de M. aos prédios dos exequentes.
6.- Esse trabalho foi executado antes de 30 de Junho de 1997.
8.- Desde que a barragem entrou em funcionamento, no ano de 1999, os embargados beneficiam do abastecimento de água, mas apenas nos termos em que isso acontece com toda a população, ou seja, quando a barragem está aberta, o que só ocorre durante dois ou três meses no período de rega, no Verão, e só durante determinado período do dia, pelo que o abastecimento de água aos embargados, não é contínuo nem permanente..

ii) Julga-se não provado que as duas polegadas de água, atenta a distância e a diferença de cotas de 50 metros entre a barragem e o local onde deveria ser reposta a água, permitiam aos exequentes a produção de energia eléctrica, por força da gravidade.
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IX.- 1.- Toda a execução tem na sua base um título, sendo por ele que se determinam o seu fim e os seus limites.

Com consta da facticidade acima transcrita, os ora Apelantes/Executados e os Apelados/Exequentes celebraram uma transacção judicial a qual foi homologada por sentença, que transitou em julgado.

A transacção é um contrato nominado pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões, que poderão envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido – cfr. art.º 1248.º do C.C..

Sendo, como é, um contrato, dentro dos limites legalmente estabelecidos, as partes gozam da liberdade de o conformarem, dando-lhe a forma que melhor satisfaça os seus interesses – cfr. artº. 405º., do C.C..

Por outro lado, e nos expressivos termos do Ac. do S.T.J. de 4/11/1993, sendo exigida a homologação por sentença, esta como que se apropria das cláusulas do contrato de transacção, e partindo inicialmente dela “acaba por ganhar e adquirir, pelo princípio da absorção, a valência a se.” E prossegue, “tal sentença não conhece do mérito da causa, mas chama necessariamente a si a solução de mérito para que aponta o contrato de transacção, acabando por dar, ela própria, mas sempre em concordância com a vontade das partes, a solução do litígio. E, uma vez transitada em julgado, como que corta, e definitivamente, o cordão umbilical que a ligava à transacção de que nascera.” (in B.M.J. n.º 431.º, pág. 422).

A presente execução é, assim, uma execução de sentença, o que especialmente releva para os fundamentos da oposição, que apenas se poderão reconduzir a um ou mais dos que vêm taxativamente elencados no art.º 814.º do C.P.C.V. (Código de Processo Civil Velho, aplicável aos presentes autos).

2.- Os contratos devem ser pontualmente cumpridos (cfr. n.º 1 do art.º 406.º do C.C.). O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (cfr. n.º. 1 do art.º 762.º C.C.), realização que terá de ser integral, não sendo admissível a realização por partes, salvo havendo convenção contratual a estabelecer este regime, ou se houver uma lei que o imponha, ou os usos o determinem (cfr. 763.º, n.º 1 do C.C.).

O cumprimento defeituoso da obrigação responsabiliza o devedor pelo prejuízo que causa ao credor, nos termos dos art.os 798.º e 799.º, n.º 1 (que coloca o cumprimento defeituoso a par do incumprimento culposo) do C.C..

Esta responsabilidade obrigacional concorre, porém, com o dever de prestar já que o credor mantém o direito à prestação originária.

São pressupostos da obrigação de indemnizar na responsabilidade contratual: a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso; a ilicitude, que se traduz na inexecução da obrigação contratual; a culpa, que se presume ser do devedor, nos termos do art.º 799.º do C.C.; o dano, que na perspectiva do direito civil se poderá considerar toda a lesão que é causada no interesse juridicamente tutelado; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, já que, como dispõe o art.º 563.º do C.C., a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. O nexo de causalidade, que funciona como pressuposto de responsabilidade civil e como molde para a fixação da indemnização, comporta as duas formulações da teoria da causalidade adequada – a positiva e a negativa, nos termos da qual o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostra indiferente para a verificação do dano, não modificando o “círculo de riscos” da sua verificação.

De acordo com o disposto nos art.os 562 e sgs. do C.C., quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. O objectivo da reparação é, pois, o da remoção do dano real.

Sempre que a reconstituição natural não seja possível, ou não repare integralmente os danos, ou ainda seja excessivamente onerosa para o devedor, a indemnização é fixada em dinheiro, devendo na fixação da respectiva importância atender-se à diferença entre a situação patrimonial actual do lesado e a que ele teria se não tivesse ocorrido o evento, com o que deverão ser ressarcidos os danos emergentes, os lucros cessantes, e, bem assim, os danos futuros, impondo-se o recurso aos princípios da equidade sempre que se mostre impossível apurar o valor exacto dos danos, conforme dispõe o n.º 3 do art.º 566.º do C.C..

3.- Na situação judicio ficou definitivamente adquirido para os autos, por decisões que transitaram em julgado (cfr. acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, constante de fls. 327-334 dos autos de Embargo de Executado, e de fls. 588-610 destes autos de Execução) que os ora Apelantes/Executados não cumpriram, até à data que ficou contratualmente estabelecida (30/06/1997), nem posteriormente, (por agora interessa apenas considerar até ao momento em que foi instaurada a execução), a prestação a que se obrigaram na transacção que celebraram com os Apelados/Exequentes, quer no que concerne ao posicionamento do tubo (que, por certo devia ter ficado a colher a água directamente no interior da barragem), quer no tempo de disponibilização da água (disponibilização que devia ser permanente, apenas dependente de haver água na barragem), cumprimento defeituoso que gerou a obrigação dos primeiros ressarcirem os danos dele resultantes, sofridos pelos segundos.

E quanto a esta parte ficaram provados os factos constantes dos n.os 2 a 6, que integram o conceito de danos, para cuja indemnização o Tribunal a quo, recorrendo a critérios de equidade, fixou na quantia de € 15.000.

Posto que os Apelados/Exequentes, não havendo impugnado esta decisão, aceitaram a referida quantia, sendo proibida a reformatio in pejus, cumpre mantê-la, confirmando este segmento da decisão.
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X.- Havendo instaurado uma execução para prestação de facto positivo vieram os Apelados/Exequentes requerer a conversão para execução para pagamento de quantia certa, alegando que perderam definitivamente o interesse que tinham na realização da prestação.

1.- Nos termos do disposto no artº. 808º., do C.C., sendo a prestação ainda possível, o não cumprimento dentro do prazo estabelecido deve ter-se por incumprimento definitivo da obrigação quando: a) o credor tenha perdido o seu interesse na prestação, devendo a perda do interesse ser apreciada objectivamente; ou b) o devedor não tenha realizado a prestação em falta dentro do prazo razoável que lhe foi fixado, pelo credor, para cumprir.

Interessa, na situação sub judicio, equacionar a perda de interesse.

Como é entendimento comum, a perda, pelo credor, do interesse da prestação é apreciada objectivamente, nos termos do nº. 2 do artº. 808º., segundo um critério de razoabilidade própria do comum das pessoas – na doutrina, v. g., ALMEIDA COSTA (in “Direito das Obrigações”, 12ª. edição, pág. 1054), e na jurisprudência, os Acórdãos do S.T.J. de 21/05/1998 (in B.M.J. nº. 477º (Junho de 1998), pág. 468), de 15/10/2002 (Procº. 06ª4749, Consº. Sebastião Póvoas), e de 24/10/2006, (Procº. 06A2341, Consº. Ribeiro de Almeida), estes dois em www.dgsi.pt).

Como referiu ALMEIDA COSTA, o critério objectivo significa que a importância do interesse do credor, “embora aferida em função da utilidade concreta que a prestação teria para o credor, não se determina de acordo com o seu juízo arbitrário, mas considerando elementos susceptíveis de valoração pelo comum das pessoas”. E prossegue fazendo realçar que se exige “a efectiva perda do interesse do credor e não uma simples diminuição”, dando como exemplo o desaparecimento da necessidade que a prestação se destinava a satisfazer.

2.- Quanto a esta parte, ficaram provados os factos que constam dos n.os 7 a 18, não sendo igualmente de descurar as incidências processuais referidas sob os n.os 24 a 28.

Reconstruindo a “estória” temos que os Apelados/Exequentes exploravam uma água num seu prédio rústico, a qual conduziam até outros seus prédios, distantes cerca de 3.000 metros, utilizando-a num estábulo “para vacas leiteiras” e para a rega de outros prédios rústicos, para o que a armazenavam num tanque.

Aquando da construção da barragem de M., decidida pelo Estado Português e executada pela ora Apelante “X”, (como estes vieram a reconhecer), aquele tubo, de 2”, foi cortado, ficando inutilizado.

No ano de 1995 os ora Apelados/Exequentes instauraram contra aqueles uma acção de restituição de posse, que correu termos com o n.º 105/95, na qual, em 15 de Maio de 1997 vieram a celebrar a transacção que integra o título executivo da presente execução.

Nessa transacção, os Apelantes/Executados reconheceram que “cortaram e inutilizaram” o dito tubo e “que a exploração a que procederam os AA. fica dentro do perímetro da albufeira da barragem de M. e, assim, submersa”.

O Apelante/Executado ESTADO PORTUGUÊS obrigou-se a “repor o tubo de 2”, devidamente funcional no tanque e estábulo” acima referidos, “e por ele fornecer 2” de água” àqueles, “permanentemente, ou seja, enquanto na barragem houver água” (cláusula 4.ª).

Para tanto, o referido tubo de duas polegadas “sairá da parte de baixo do tubo de saída da água da barragem para rega e sempre de forma a que os AA. sejam dos últimos ou os últimos a ficar sem água no caso de haver escassez da mesma” (cláusula 6.ª).
O abastecimento da água “e a colocação desse tubo serão feitos pelo Estado Português e ré X até ao dia 30 de Junho de 1997” (cláusula 7.ª).

Em 6 de Dezembro de 2000, os Apelados/Exequentes instauraram a presente execução para obterem a realização coactiva da prestação a que se haviam obrigado os Apelantes/Executados, por estes ou por terceiro.

No requerimento executivo alegaram os primeiros que sofreram danos resultantes da falta de água, vindo a provar-se que o seu empreendimento agrícola passou a ficar inactivo, não produzindo qualquer rendimento, e foi-se desvalorizando e deteriorando com o passar do tempo. “Produziam” batata e deixaram de produzir, e tinham “vacas turinas” que produziam 33.000 litros de leite por ano mas, “devido ao corte da água e por não terem água para o estábulo e produção de forragens”, tiveram de vender “todo o seu efectivo” de vacas leiteiras.

Em 19 de Janeiro de 2009 apresentaram, então, os Apelados/Exequentes o requerimento a manifestar a perda do interesse na prestação.

Foram provados factos que consubstanciam o que se poderá designar por fundamentos “objectivos” e fundamentos “subjectivos” para a perda do interesse na prestação.

Nos primeiros integram-se a realização de uma obra de captação de água dentro da bacia hidrográfica da barragem, ocorrida em 2005, obra essa para cuja realização foi rompido o talude. Ausência de qualquer tipo de manutenção na barragem e nas condutas, estando aquela sujeita à intervenção de qualquer pessoa que queira fazer uso da água. “É hoje impossível” aos Apelados/Exequentes “a obtenção da água nos termos acordados” na transacção. “Em virtude da privação da água” os Apelados/Exequentes “viram degradada a exploração agrícola que tinham e não conseguiram mais recuperá-la”.

Como fundamentos “subjectivos” temos que os Apelados/Exequentes já estão aposentados, auferindo uma pensão de reforma, e atentas as suas avançadas idades (nos idos de 2009 alegaram que tinham 72 anos) não dispõem de “força física, psíquica ou social que lhes permita levar a cabo a recuperação da exploração agrícola que tinham, quer por si, quer por terceiros”.

Como é do conhecimento comum, sendo rápida a degradação dos terrenos que deixam de ser cultivados, a sua recuperação é muito lenta e trabalhosa.

Perdidas as suas fontes de rendimento – a batata e a produção do leite – repugna ao homem médio exigir dos Apelados/Exequentes, atenta a sua avançada idade, o recomeço de um projecto económico, para mais estando eles já (compreensivelmente) debilitados por uma pugna judicial contra o próprio Estado, que à altura da apresentação do requerimento já se arrastava por cerca de catorze anos (atingindo agora os 24 anos).

A par disso, ficou provada a impossibilidade de os Apelados/Exequentes obterem a água nos termos que ficaram acordados.

Está, pois, plenamente justificada a perda do interesse na prestação.
3.- O Apelante/Executado em oposição à invocada perda de interesse veio alegar ter cumprido a prestação em data anterior à da apresentação do requerimento pelos Apelados/Exequentes, mas apenas conseguiu provar que, através da Divisão Geral de Infraestruturas do Ministério da Agricultura notificou estes para comparecerem na Junta de Freguesia de M. “a fim de se proceder à entrada da conduta instalada”, não tendo eles comparecido.

Destes factos não é possível inferir-se que a prestação a que se obrigara foi, realmente, cumprida.

Já em sede de alegações alega o referido apelante/executado Estado Português que os Apelados/Exequentes “deixaram de ter interesse na execução específica do contrato não devido ao incumprimento mas porque, pelo menos desde 2005” eles e todos os outros agricultores “têm vindo a receber água de dentro da bacia hidrográfica da Barragem de M., por ruptura do talude da barragem e pela colocação de um segundo tubo” e ainda “de forma gradual, devido ao avançar da idade dos Autores e devido aos problemas de saúde que lhes afectaram a possibilidade de continuar a trabalhar na agricultura, realçando que em 2009 já ambos os exequentes estavam aposentados e tinham deixado a actividade agrícola” (cfr. conclusões IV a VII).

Ora, para além de alegar factos que o seu Representante saberá que não conseguiu provar (como a colocação de um segundo tubo e o efectivo fornecimento diário da quantidade de água que antes fruíam), e não tendo impugnado a decisão de facto, não haverá atentado o Apelante/Executado que (não em 2009) já em 06/12/2000, no requerimento executivo, alegaram os Apelados/Exequentes – e conseguiram provar – os factos que constam sob os n.os 2 a 6, designadamente que devido ao corte da água tiveram de vender todo o seu gado vacum de produção de leite e deixaram de “produzir” batatas.

O “avançar da idade” e “os problemas de saúde”, (ressalvado o respeito devido) são, pela sua inconsistência, não-argumentos porquanto, se 12 anos (a que acrescem agora mais 10) são significativos na vida de qualquer pessoa, pela natureza das coisas e das pessoas não deixam de abalar a saúde de quem se vê obrigado a recorrer aos Tribunais na defesa dos seus interesses, que se revelaram legítimos, e durante todo esse tempo vê, sem que para tal tenha contribuído, arrastar-se um litígio sem fim à vista.

De todo o exposto resulta a improcedência da oposição.
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XI.- 1.- Perdido, justificadamente, o interesse na prestação, considera-se, para todos os efeitos não cumprida a obrigação, ficando o credor com o direito potestativo de resolver o contrato e de exigir do devedor uma indemnização pelo incumprimento definitivo, tudo nos termos do disposto nos art.os 798.º; 801.º e 808.º do C.C..
Destarte, e desde logo, têm os Apelados/Exequentes direito a exigir dos Apelantes/Executados a indemnização dos danos que sofreram, decorrentes do incumprimento.

2.- Ficou a constar da cláusula 11ª da Transacção que “na hipótese de incumprimento de qualquer das cláusulas antecedentes, ficará esta transacção sem efeito para além de a parte remissa ter de pagar à outra a importância de um milhão de escudos (1.000.000$00) a título de cláusula penal”.

Ao abrigo da autonomia privada, o art.º 405.º do C.C. consagra o princípio da liberdade contratual, nas duas vertentes: liberdade de contratar e liberdade de celebração de contratos típicos ou atípicos, com o conteúdo que lhes aprouver.

a) O art.º 810.º do C.C. permite às partes fixarem por acordo o montante da indemnização exigível, que designa por cláusula penal.

PINTO MONTEIRO define cláusula penal em sentido amplo como “a estipulação em que qualquer das partes, ou uma delas apenas, se obriga antecipadamente, perante a outra, a efectuar certa prestação, normalmente em dinheiro, em caso de não cumprimento ou de não cumprimento perfeito (maxime, em tempo), de determinada obrigação, via de regra a fim de proceder à liquidação do dano ou de compelir o devedor ao cumprimento” (ut “Cláusula Penal e Comportamentos Abusivos do Credor”, in “ARS IUDICANDI – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António Castanheira Neves”, págs. 504 e sgs.).

Refere NUNO MANUEL PINTO OLIVEIRA que “O conceito amplo de cláusula penal engloba cláusulas penais indemnizatórias e cláusulas penais compulsórias”.

Nas primeiras (as indemnizatórias) “o acordo das partes tem por finalidade liquidar a indemnização devida em caso de não cumprimento definitivo, de mora ou de cumprimento defeituoso”.

Nas segundas (as compulsórias) “o acordo das partes tem por finalidade compelir o devedor ao cumprimento e/ou sancionar o não cumprimento”.

E prossegue referindo que “a função compulsivo-sancionatória é exercida através da fixação de uma pena que acresce ao cumprimento (ou à indemnização pelo não cumprimento) ou através da fixação de uma pena que substitui o cumprimento (ou a indemnização pelo não cumprimento).

Mais refere que se os contraentes optarem “por estipular uma cláusula penal em sentido estrito – outorgando ao credor o direito de exigir uma pena compulsória substitutiva do cumprimento ou da indemnização pelo não cumprimento -, essa pena excederá em regra os danos ou prejuízos previsíveis”, a fim de constituir um incentivo ao cumprimento” (in “Cláusulas Acessórias ao Contrato” “Cláusulas de Exclusão e de Limitação do Dever de Indemnizar e Cláusulas Penais”, Almedina, 3.ª ed., págs. 73-75).

PINTO MONTEIRO faz a distinção da cláusula de fixação antecipada da indemnização, que é aquela em que as partes, “ao estipulá-la, visam, tão-só, liquidar antecipadamente, de modo ne varietur o dano futuro”, pelo que “este carácter de liquidação forfetaire impede qualquer pretensão ulterior em ordem a ajustar ou a fazer coincidir o montante indemnizatório predeterminado com o prejuízo real”, ficando assim afastadas discussões posteriores sobre a extensão do dano (mas já não sobre a existência do dano).

A cláusula com escopo puramente coercitivo cuja especificidade se traduz no facto de “ela ser acordada como um plus, como algo que acresce à execução específica da prestação ou à indemnização pelo não cumprimento” (pena diversa da referida no art.º 810.º, n.º 1 do C.C., “decorrendo a sua legitimidade do princípio da liberdade contratual). Nesta, “o dano do incumprimento não é considerado pelas partes ao ser estabelecido o seu montante”. Sendo a sua finalidade “de ordem exclusivamente compulsória, destina-se, tão-só, a pressionar o devedor ao cumprimento, não a substituir a indemnização a que houver direito, nos termos gerais”.

A cláusula penal em sentido estrito visa compelir o devedor ao cumprimento através da ameaça de uma outra prestação, que o credor terá a faculdade de exigir, em vez da primeira, a título sancionatório, caso o devedor se recuse a cumpri-la, e que substituirá a indemnização, uma vez que o seu valor contempla já a satisfação do interesse do credor”. Aqui “a pena será devida independentemente do dano, pois ela irá actuar como sanção e não como liquidação prévia do montante da indemnização” (in Ob. Cit., págs. 507-510).

Saber qual destas espécies de cláusulas penais foi querida pelos contraentes quando a estabeleceram é uma questão de interpretação da declaração negocial, defendendo NUNO MANUEL PINTO OLIVEIRA que “ou se aplicam os critérios gerais de interpretação dos arts. 236.º ss. do Código Civil, ou se convoca a presunção de que a cláusula estipulada cumpre uma função compulsória e é, por isso, uma cláusula penal em sentido estrito” (ob. cit., pág. 82).

b) Ainda que com vozes discordantes, vem sendo entendido que o nosso Código Civil, em sede da interpretação dos contratos - art.os 236.º e 238.º -, consagra a doutrina objectivista, posto que temperada por uma restrição de inspiração subjectivista – só releva o sentido com que o declarante pudesse razoavelmente contar.

Com efeito, o art.º 236.º, n.º 1, consagra a conhecida por “teoria da impressão do declaratário”, nos termos da qual o que releva é o sentido que “seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia, daquilo até onde ele podia conhecer”, como defende MOTA PINTO (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª. edição, págs. 447-448).
Sem embargo, sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida, como o impõe o n.º 2, que traduz o princípio falsa demonstratio non nocet – o que conta é a vontade real.

Referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA pretender-se “proteger o declaratário conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir (in “Código Civil Anotado”, vol. I, em anotação ao artigo 236º.).

Nos negócios formais, porém, o sentido da declaração, a que se chega pela via da impressão do destinatário, tem de ter um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso salvo se esse sentido corresponder à vontade real das partes, e as razões que determinam a forma do negócio se não opuserem a essa validade – n.º 2 do art.º 238.º, do C.C. – razões que, como se sabe, radicam na necessidade de promover a ponderação das partes e satisfazer as necessidades de certeza e segurança do tráfego jurídico e, bem assim, as da prova.

c) Na situação sub judicio, atentando no teor da cláusula 11ª, extrai-se que na primeira parte os ora Apelantes/Executados e os Apelados/Exequentes estabeleceram uma convenção de resolução do contrato: “Na hipótese de incumprimento de qualquer das cláusulas antecedentes ficará esta transacção sem efeito”.

Ora, os efeitos da resolução são equiparados aos efeitos da nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, pelo que a resolução determina a restituição de tudo o que tiver sido prestado – cfr. art.os 433.º e 289.º do C.C. – em espécie, ou, não sendo possível, o valor correspondente.

E prossegue aquela cláusula com os dizeres: “para além de a parte remissa ter de pagar à outra a importância de um milhão de escudos…”.

Da interpretação normativa da referida cláusula resulta, crê-se que inequivocamente, que aquela é uma cláusula penal com escopo puramente coercitivo já que acresce à prestação contratual.

Prevendo-se a restituição de tudo o que tiver sido prestado, na decorrência da resolução do contrato, se “para além” disso a parte remissa fica obrigada a pagar a referida quantia, fica claro que o objectivo é apenas o de pressionar as partes ao cumprimento de tudo quanto foi acordado.

Assim, o valor da cláusula penal acresce ao valor da indemnização devida pelo incumprimento.

Na situação sub judicio os Apelados/Exequentes não a pediram, pelo que, cabendo na sua inteira disponibilidade fazê-lo, não poderá o Tribunal atribuir-lha oficiosamente.

O Apelante/Executado, sem acrescentar qualquer facto ou fornecer alguma indicação que pudesse auxiliar à interpretação da referida cláusula 11ª (em cuja redacção interveio, conhecendo, decerto, o seu sentido) limita-se a invoca-la como questão “que não foi apreciada”, sendo, como se crê deixar demonstrado, insubsistente a pretensão que parece inferir-se da sua alegação, de a referida cláusula penal ter natureza indemnizatória.
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XII.- Insurgem-se os Apelantes contra a fixação da indemnização pelos parâmetros que o Tribunal a quo adoptou, acolhendo o laudo dos Peritos do Tribunal e dos Apelados/Exequentes (cfr. fls. 795 a 800) (rejeitando, por isso, o laudo do Perito da Apelante/Executada.

Justificou esta decisão deixando referido que: “quanto à indemnização compensatória, cabe realçar desde já, não ter o Tribunal qualquer dúvida de que a posição do agricultor que tem acesso irrestrito a água não é definitivamente a mesma daquele que não tem, sobretudo numa área específica como a aqui em causa, em que os exequentes além da produção agrícola se dedicam à exploração pecuária. Assim, quanto à compensação devida pelos dos danos sofridos por ter ficado sem a prestação a que tinha direito, entende o Tribunal que deverá ter em consideração o valor do bem de que estão privados os exequentes da água” indemnização que fixou no valor de € 840.476,79, partindo do preço de € 0,021/m3, da disponibilidade anual de 82.049,76 m3 por ano, sendo o primeiro o valor económico de uma renda perpétua a que se chegou considerando, para além dos referidos dois factores, também: uma taxa de juro de 2,21%; uma taxa de inflação de 2,0%, o que dá uma taxa de juro sem risco de 0,21%, que, multiplicada pelos metros cúbicos de água, deu o valor anual de € 1.723,00/ano, e por via da actualização atingiu o valor fixado.

O valor obtido pelo Perito da ora Apelante/Executada é inferior, porquanto parte da taxa de juro anual de 4%, (juros civis, fixada pela Portaria n.º 291/2003) e considera um período de rega/utilização da água, de cinco meses/ano, descontando, assim, 50% ao valor da disponibilidade desta para os Apelados/ Exequentes.

É certo que o dono de uma coisa não pode ser privado, contra a sua vontade, dos rendimentos e utilidades que ela proporciona.

Mau grado a indemnização ter sido determinada seguindo o método de cálculo de uma renda perpétua, na fixação do montante da indemnização não poderão deixar de concorrer também os critérios da equidade.

Se aos Apelados/Exequentes foi reconhecido o direito aos calculados 82.049,76 m3 de água por ano, sendo a água um bem com valor económico, prima facie o valor da indemnização deveria tender para o valor da água, independentemente da utilidade que aqueles lhe dessem.

Contudo, não podemos olvidar que a água é um bem escasso e o jus abutendi, próprio do liberalismo, já não é mais tolerado nas sociedades modernas.

Como é da sua natureza, a água que não é utilizada não pode ser armazenada durante um grande espaço de tempo, porque a capacidade de armazenamento não é infinita, sendo inevitável que parte dela prossiga o seu ciclo normal sem ter tido qualquer utilização.

Uma utilização racional de um bem que é reconhecidamente escasso, nas especiais condições da situação sub judicio, passaria por, mantendo, embora, teoricamente disponíveis aos Apelados/Exequentes, durante todo o ano, a quantidade de água equivalente à capacidade de condução do tubo de duas polegadas, a parte do caudal que não fosse utilizada por eles permanecesse na barragem para que, continuando aí armazenada, pudesse ser utilizada pelos demais agricultores.

Ora, ficou provada a utilização que os Apelados/Exequentes davam à água – para rega, quer no cultivo da batata, quer nas forragens para o gado, e na “vacaria”, não só para dessedentar os animais como também para a limpeza das instalações.

No laudo de esclarecimentos constante de fls. 902 e sgs., os Peritos apresentam os cálculos da quantidade de água que, em termos normais, tomando como pontos de referência os valores fornecidos pelas publicações do Ministério da Agricultura, Mar e Ambiente, seriam gastos nas supramencionadas actividades, e concluíram que os Apelados/Exequentes consumiriam entre os 33.329m3 e os 49.994m3 de água, segundo o laudo maioritário.

Aceitam-se estes cálculos por se afigurarem consistentes, atentos os elementos objectos em que assentam.

Ter-se-ão, pois, em consideração os cálculos constantes do laudo maioritário. Com efeito, como referem os referidos dois Peritos, sendo Portugal um dos países da União Europeia, e abrangendo os cálculos um período tão longo, há-de ter-se por justificado o recurso à taxa de inflação esperada pelo BCE, que é de 2%, e se adopte, como taxa de juros nominal, o valor das obrigações alemãs, por ser a economia de referência e a mais estável.

Refeitos os cálculos para o valor mais elevado de consumo da água, considera-se justa a indemnização no valor de € 500.000 (quinhentos mil euros).
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XIII.- Responsável pelo pagamento das indemnizações acima fixadas é, indubitavelmente, o Apelante/Executado que, como decorre das suas alegações, não questiona o seu dever de indemnizar.

Relativamente à Apelante/Executada vem esta defender que se não podia obrigar a “dar a água aos Autores”, por se tratar de um bem pertencente ao domínio público, alegando ainda que, embora na qualidade de empreiteira se tenha obrigado a executar os trabalhos de ligação da água, fá-lo-ia “sempre seguindo projecto e licenciamento do Estado Português e à custa deste”, não sendo, pois, “admissível” exigir-lhe “o pagamento do preço da água, em substituição de concreto benefício da água, porquanto apenas o Estado Português se obrigou a dar a água”.

Relativamente à indemnização pela mora, alega a Apelante/Executada que “a sua posição em relação ao caso é meramente instrumental – empreiteiro – e não de parte na relação jurídica em causa”.

A Apelante/Executada levou até ao S.T.J. a discussão sobre a sua legitimidade passiva para a acção executiva, tendo nas três Instâncias sido considerada parte legítima - e, de facto, recuando um pouco às origens, o presente conflito terá surgido porque a Apelante/Executada, quando executava os trabalhos de construção da barragem, inadvertida ou intencionalmente, cortou e inutilizou o tubo pertencente aos Apelados/Exequentes, sendo ainda certo que ela foi também contraente no contrato de transacção e vinculou-se a “colocar o tubo”.

A sua relação contratual com o Apelante/Executado não foi objecto de discussão nos presentes autos.

Quanto aos demais argumentos esgrimidos, como já deixou referido o acórdão da Relação do Porto de 11/06/2007, a fls. 333 (II volume) dos autos de Embargo de Executado, eles não se integram nos fundamentos de “embargos à sentença”, taxativamente enumerados no n.º 1 do art.º 814.º do C.P.C.V., visto não constituírem causa de nulidade ou anulabilidade da transacção – cfr. alínea h).
Improcede, pois, a sua pretensão.
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C) DECISÃO

Nos termos que acima se deixam expostos, acordam os Juízes desta Relação em:

i) julgar totalmente improcedente o recurso de apelação da apelante “X”; e
ii) julgar parcialmente procedente o recurso de apelação do apelante Estado Português, fixando a indemnização compensatória na importância de € 500.000 (quinhentos mil euros).
iii) No mais, confirmar e manter a decisão impugnada.
A referida “X” suportará as custas do seu recurso de apelação.
Os Apelados/Exequentes suportarão, na proporção do vencido, as custas da apelação do “Estado Português”, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhes foi concedido.
Guimarães, 28/02/2019

Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho