Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5517/15.0T8BRG-A.G1
Relator: MARIA DE FÁTIMA ANDRADE
Descritores: MEIOS DE PROVA
REQUISIÇÃO DE DOCUMENTOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: - Tal como resulta do disposto no artigo 410º do CPC, a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados, ou quando não houver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.
- A pertinência dos meios de prova oferecidos ou propostos deve ser aferida em função da utilidade que dos mesmos poderá advir para a descoberta da realidade em discussão.
- A atividade instrutória incidirá assim sobre os factos essenciais, complementares ou instrumentais, relevantes para a decisão da causa.
- Na medida em que a requisição de documentos em poder de terceiros possa relevar em sede indiciária para a formação da convicção do tribunal sobre factos essenciais da causa pedir, deverá a mesma ser deferida pelo tribunal.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório
Maria V e outros melhor ids. a fls. 3, autores nos autos de processo comum de declaração por si instaurados contra Joel S e outros igualmente melhor ids. a fls. 3 destes autos (bem como na certidão de fls. 52 e segs.), notificados do despacho que apreciou os requerimentos probatórios e nomeadamente indeferiu aos AA. as diligências de prova por si requeridas sob as als. a) a h) do ponto II do seu requerimento probatório, vieram do mesmo interpor recurso pugnando pela revogação de tal decisão, para tanto apresentando as seguintes
CONCLUSÕES:
I- O despacho recorrido violou o disposto no art. 20° da Constituição da República Portuguesa, o disposto nos artigos 341°, 342°, nº 1 e 615°, nº 1, todos do Código Civil, bem como o disposto nos artigos 417º e 436° do C.P.C..
II- O despacho recorrido indeferiu as diligências requeridas nas alíneas a) a h) do item II do requerimento de prova contido na petição inicial por considerar que tais diligências são impertinentes por não ter sido peticionada a declaração de nulidade, por simulação, do negócio impugnado.
III- O despacho recorrido não considerou impertinentes tais diligências de prova, face à factualidade alegada na petição inicial.
IV - A factualidade alegada é idónea, se provada, para fundamentar a declaração de nulidade, mas também para fundamentar a decisão que venha a julgar procedente a impugnação.
V-A factualidade alegada é apta para demonstrar a simulação do negócio, mas também a má-fé do declarante e do declaratário, sejam eles vendedor e comprador, ou, simplesmente doador ou donatário.
VI- Provando-se a factualidade alegada na petição inicial, com as diligências de prova requeridas, mas indeferidas pelo despacho recorrido, o credor tem o direito de optar pela declaração de nulidade ou pela impugnação pauliana.
VII- Mas tem, ele credor, o direito de alegar e provar tal factualidade.
VIII- Tendo esse direito, não lhe pode ser negada a prova sobre a factualidade que sustenta a nulidade, ainda que não a peticione e opte pela impugnação.
IX- As diligências de prova requeridas e indeferidas, não são impertinentes, face ao disposto no nº 1 do art. 615° do C.C..
X- Atenta a factualidade alegada, os preceitos legais referidos em I destas conclusões devem ser interpretados e aplicados no sentido de serem pertinentes as diligências probatórias requeridas.
XI- O despacho recorrido, porque violador dos preceitos legais supra invocados, deve ser revogado, proferindo-se aresto que ordene a realização das diligências requeridas nas alíneas a) a h) do item II do requerimento de prova que integra a petição inicial, como é de Justiça”.

Não se mostram oferecidas contra alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida em separado e efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
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II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC (Código de Processo Civil) – resulta das formuladas pela apelante ser questão única a apreciar se as diligências de prova requeridas e indeferidas são pertinentes e necessárias para a descoberta da verdade.

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III- Fundamentação
Com interesse para a decisão importa elencar as seguintes ocorrências processuais:

1) No âmbito dos autos em que foi proferida a decisão ora sobre recurso, peticionaram os AA. recorrentes (agindo na qualidade herdeiros e em representação da herança aberta por óbito de José M) que pela procedência da ação, seja declarado:
“a) (…) o direito dos AA. à restituição, à herança aberta por óbito de José M, da qual eles AA. são os únicos herdeiros e interessados, da garantia patrimonial constituído pelo imóvel alienado pelo primeiro R. a favor da segunda Ré;
b) (…) a ineficácia em relação à referida herança, representada pelos AA., do negócio de alienação do imóvel, ajustado entre os RR. e formalizado pelo contrato de 15/03/2013, ficando os AA. como titulares daquela herança com o direito a promover, no património da segunda Ré e sobre o prédio identificado no item 31º da p.i., a execução do crédito resultante da supra invocada sentença de 19 de dezembro de 2013 até ao montante desse crédito”.
2) Em sede de audiência prévia foi proferido despacho saneador, no qual o objeto do litígio e temas da prova foram identificados nos seguintes termos:
Objeto do litígio
“(…) por se verificarem os requisitos da impugnação pauliana” peticionam os AA. “ “se declare ineficaz em relação à referida herança um contrato de compra e venda por virtude do qual os primeiros R.R venderam à segunda Ré o único bem imóvel de que eram proprietários, reconhecendo-se à herança o direito à restituição de tal bem e de o executar no património da adquirente na medida do necessário para satisfação do crédito que detém sobre os transmitentes, no valor de € 534.610,00.”.
TEMAS DA PROVA:
“Face às teses em confronto, considero que os temas sobre os quais deve recair a prova são os seguintes:
A) Apurar se o prédio objeto da escritura pública outorgada no dia 15 de Março de 2013, certificada a 115. 58 a 63, era o único imóvel que os RR Joel S e mulher possuíam, designadamente se era o único bem capaz de garantir, pelo produto da respetiva venda, a satisfação, ao menos parcial, do crédito que a herança aberta por óbito de José M sobre eles detinha;
B) Apurar se a Ré Lina L sabia, aquando da outorga desse instrumento, da dívida que os vendedores tinham para com a herança representada pelos AA e que o bem transmitido era o único susceptível de responder pela satisfação do correlativo crédito;
C) Apurar se o Réu Joel S pagou, ao menos em parte, o montante devido à herança.”
3) Pronunciando-se sobre os requerimentos probatórios, mais decidiu o tribunal a quo, para além do mais (sendo este o segmento decisório sob recurso):
“Uma vez que, não obstante a factualidade alegada nos artigos 43º a 54º da petição inicial, os AA não formularam pedido de declaração de nulidade, por simulação, do negócio impugnado, mas, tão só, de ineficácia desse negócio, indefiro, por serem impertinentes, as diligências a que se referem as alíneas a) a h) do item II do requerimento de prova daqueles.”.
4) Sob as alíneas a) a h) do ponto II do requerimento probatório dos AA. inserto na petição inicial, requereram estes:
“Para prova da matéria dos itens 50º a 53º deste articulado requerem ao abrigo do disposto nos art. 417º e 436º do CPC.”:
- sob as als. a) a c) a notificação dos RR. Lina L e Joel S e ainda de Maria C (identificada em 13º, 14º, 17º, 25º e 50º da p.i. como mãe do R. Joel) para apresentarem cópias das faturas e recibos de consumo de água, gás e eletricidade da sua habitação desde janeiro de 2013 até “esta data”; e no caso do R. Joel dos demais contratos de prestação daqueles serviços de que é titular desde a mesma data;
- sob as als. d) a g) a notificação da EDP e Agere-Empresa de Àguas, Efluentes e Resíduos de Braga para que informem quem era à data de 14/03/2013 e atualmente o consumidor contratado para consumos de gás e eletricidade e água nas habitações sitas na Avenida 31 de janeiro (o prédio objeto do pedido formulado nos autos e que os AA. alegam ser a residência da mãe do R. Joel antes e depois do contrato em causa nos autos) e na habitação sita na Rua Parque Norte (habitação identificada como a residência da 2ª R. antes da outorga do contrato em causa nos autos e após o mesmo, conforme o alegam os AA.);
- sob a al. h) a notificação dos RR. para que apresentem documentos comprovativos do pagamento do preço declarado no contrato de compra e venda celebrado em 15/03/2013 (cheques, ordens de transferência, outros…) [cfr. fls. 71/72 dos autos).
5) Sob os artigos 50º a 53º da p.i. os AA. alegaram que a 2ª R. nunca instalou a sua habitação ou residiu no imóvel que adquiriu, continuando a residir na Rua Parque do Norte (…).
Sendo antes a mãe do R. Joel quem continua a residir no imóvel objeto do contrato de 15/03/2013, como já o fazia antes de tal negócio.
Imóvel que nunca foi objeto de arrendamento (53º da p.i.).

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Conhecendo.
Em função das vicissitudes processuais acima enunciadas cumpre pois analisar o objeto do recurso – saber se as requeridas e indeferidas diligências instrutórias são pertinentes e necessárias para a descoberta da verdade em discussão nos autos e consequentemente concluir se foi correta (ou não) a decisão de indeferir os mencionados meios de prova.
Tal como resulta do disposto no artigo 410º do CPC, a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados, ou quando não houver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.
E a prova tem por função demonstrar a realidade dos factos – 341º do CC (Código Civil).
Àquele que invocar um direito incumbe a prova dos factos constitutivos do mesmo e à parte contrária a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que contra si é invocado (342º do CC). Sem prejuízo das exceções previstas nos artigos 343º e 344º do CC. no que concerne ao ónus de prova e da dispensa de prova dos factos notórios tal como previsto no artigo 412º do CPC.
De entre os diversos meios de prova, definem os artigos 423º e segs. do CPC as regras adjetivas relativas à prova por documentos – definindo os termos em que é admissível a sua produção; encontrando nos artigos 362º e segs. do CC o contraponto em sede substantiva – relativo ao conceito e modalidades de documento e valor/ força probatória da prova documental.
Da leitura conjugada dos artigos 423º n.º 1, 429º n.º 2 ex vi 432º e 443º n.º 1 do CPC extrai-se que aos autos apenas devem ser juntos os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou defesa e que assim têm interesse para decisão da causa, sendo por referência a estes fundamentos que será aferida a pertinência ou necessidade da sua junção.
É precisamente neste ponto que a recorrente diverge do entendimento do tribunal a quo manifestado no segmento decisório sob recurso extratado no ponto 3) supra, invocando para o efeito o que resulta das conclusões de recurso.
Tendo presente o objeto da instrução definido legalmente no já citado artigo 410º do CC, impõe-se a conclusão de que a admissibilidade dos meios de prova e dos ora em concreto em análise, depende do objeto do processo, este conformado pelo pedido e causa de pedir, tal como delineados pelo autor no seu articulado inicial.
A ser assim, a pertinência dos meios de prova oferecidos ou propostos não depende apenas da factualidade alegada [vide conclusão III dos recorrentes] mas do seu propósito probatório de factualidade alegada com utilidade para a descoberta da realidade em discussão.
A atividade instrutória incidirá assim sobre [cfr. Francisco Almeida in Direito Processual Civil, Vol. II ed. Almedina 2015, p. 224 e segs.]:
- os factos essenciais alegados pelas partes [constitutivos da causa de pedir - vide artigo 5º n.º 1 do CPC] que servem de pressuposto às normas de direito aplicáveis de acordo com a causa de pedir e pedido formulado;
- factos complementares ou concretizadores de factos essenciais à procedência do mencionado pedido [vide artigo 5º n.º 2 al. b) do CPC];
- e ainda factos instrumentais, indiciários dos factos principais ou complementares e relevantes para a decisão da causa [vide artigo 5º n.º 2 al. a) do CPC].
A apreciação da pretensão dos recorrentes remete-nos portanto para o objeto do processo.
O pedido nestes autos formulado está identificado em 1) das ocorrências processuais.
Em função deste e do alegado pelas partes nos seus articulados, foi identificado o objeto do litígio e elencados os temas da prova nos termos identificados em 2) das ocorrências processuais.
Realça-se que nos autos não foi, tal como mencionado no despacho recorrido, peticionada a declaração de nulidade por simulação, do negócio impugnado.
Por opção dos AA. estes formularam (unicamente) pedido de declaração de ineficácia do negócio identificado nos autos e celebrado entre RR. em relação à herança que representam, na medida em que envolveu diminuição da garantia patrimonial do crédito de tal herança. Pressupondo nesta estrita medida a validade daquele.
Por tal os efeitos da ação de impugnação pauliana resultam em maior proteção para o credor do alienante, no contraponto com a ação de nulidade, na medida em que a primeira e porque se não “trata de uma ação de nulidade ou anulação” mantém a validade do negócio impugnado, “limitando, porém, a sua eficácia em razão dos interesses patrimoniais do credor, autor da ação, que fica, assim, com o direito de executar o bem restituído no património do obrigado à restituição” [cfr. Ac. STJ de 24/10/2002, Relator Garcia Marques in http://www.dgsi.pt/jstj].
Entende-se portanto que mesmo que provada factualidade integradora da nulidade do contrato, esta não é de conhecimento oficioso [cfr. o mesmo Ac. STJ já citado].
E não sendo de conhecimento oficioso e não constando do pedido formulado pelos autores, não é correta a conclusão VI do recurso, por referência ao objeto destes autos.
Não obstante afigura-se-nos que a factualidade alegada pelos AA. de 50º a 53º da p.i. poderá ser considerada, em sede indiciária para a formação da convicção do tribunal sobre factos essenciais da causa pedir, nomeadamente por referência à atuação de má-fé das partes e nomeadamente da R. face ao que foi alegado em 48º e 49º da p.i., para além do mais [vide 610º e 612º do CC e tema da prova B)].
Relevante será então aferir a titularidade dos contratos de água, gás e eletricidade nas moradas indicadas em d) a g) e no período indicado pelos AA..
Para tal sendo suficiente o deferimento do requerido em tais alíneas, resultando o indicado em a) a c) em repetição do indicado nas anteriores alíneas.
Pertinente sendo ainda o requerido em h).
Nesta medida e pressuposto, entende-se assistir razão parcial aos recorrentes.
A implicar na procedência parcial da apelação, a revogação da decisão que indeferiu o requerido sob as alíneas d) a h) do ponto II do requerimento probatório, a qual deverá ser substituída por outra que defira o requerido nestas alíneas.
No mais se mantendo o decidido pelo tribunal a quo.

Sumário:
- Tal como resulta do disposto no artigo 410º do CPC, a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados, ou quando não houver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.
- A pertinência dos meios de prova oferecidos ou propostos deve ser aferida em função da utilidade que dos mesmos poderá advir para a descoberta da realidade em discussão.
- A atividade instrutória incidirá assim sobre os factos essenciais, complementares ou instrumentais, relevantes para a decisão da causa.
- Na medida em que a requisição de documentos em poder de terceiros possa relevar em sede indiciária para a formação da convicção do tribunal sobre factos essenciais da causa pedir, deverá a mesma ser deferida pelo tribunal.

IV. Decisão.
Em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se parcialmente a decisão recorrida que indeferiu o requerimento probatório do recorrente.
Devendo em substituição da decisão parcialmente revogada, ser proferido novo despacho que ordene a realização das diligências probatórias indicadas pelo recorrente em d) a h) do ponto II do seu requerimento probatório.
Sem custas.

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Guimarães, 10 de novembro de 2016
(Maria de Fátima Almeida Andrade)
(Alexandra Maria Rolim Mendes)
(Maria Purificação Carvalho)