Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
770/17.7T8VRL.G2
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: TRANSPORTE INTERNACIONAL RODOVIÁRIO
RETRIBUIÇÃO DO TRABALHO EM DIAS DE DESCANSO E FERIADOS
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO COM JUSTA CAUSA
FALTA DE PAGAMENTO PONTUAL DA RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Sumário (elaborado pela Relatora):

1. A retribuição prevista na cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE n.º 16 de 28.04.1982, com as posteriores revisões, não é atendível no cálculo da retribuição por trabalho prestado em dias de descanso e feriados.
2. Nos termos da cláusula 41.ª, n.º 1 daquele CCT, os motoristas de transportes internacionais de mercadorias têm direito a que o trabalho prestado em dias feriados ou de descanso seja remunerado com o acréscimo de 200%, esclarecendo o n.º 2 que, para efeito de cálculo, o valor do dia será determinado pela fórmula «Remuneração diária = Retribuição mensal: 30», pelo que a retribuição devida se alcança multiplicando o valor desta retribuição diária por três.
3. A falta culposa de pagamento de parte da retribuição mensal do trabalhador, em violação do CCT aplicável, ao longo dos cerca de sete anos e sete meses de duração do contrato de trabalho, atingindo o valor global de 21.385,28 €, traduz, pela reiteração da conduta do empregador e proporção significativa da retribuição atingida, um elevado grau de lesão dos interesses do trabalhador e uma elevada intensidade da culpa do empregador, tornando inexigível que o primeiro se mantivesse ao serviço do segundo com sujeição a violação tão grave das condições remuneratórias a que tinha direito.
4. Não se provando quaisquer circunstâncias atenuantes da ilicitude ou culpa do empregador, inexiste fundamento para fixar a indemnização do trabalhador em valor inferior ao valor médio determinado nos termos do art. 396.º do Código do Trabalho.

Alda Martins
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. Relatório

F. D. intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra R. F. & Filhos, Lda., pedindo o reconhecimento da justa causa invocada na sua comunicação de resolução do contrato de trabalho e a condenação da R. a pagar ao A. as seguintes quantias:

a) 9.791,15 €, a título de diferenças salariais, cláusula 74.ª, prémio TIR, diuturnidades, subsídios de férias e de Natal;
b) 40.066,40 €, a título de trabalho suplementar prestado aos sábados, domingos e feriados, com o acréscimo devido, bem como os dias de descanso compensatório não gozados;
c) 952,00 €, deduzida indevidamente nos seus salários de Fevereiro e Março de 2012;
d) 4.573,44 €, a título de indemnização de antiguidade pela resolução do contrato de trabalho com justa causa; e
e) juros de mora desde a citação e até integral pagamento.

Alegou para tanto, em síntese: a R. é uma sociedade comercial que se dedica ao transporte nacional e internacional de mercadorias e, no âmbito dessa sua actividade, admitiu o A. ao seu serviço, em 24/06/2009, mediante contrato escrito, onde foi fixado um período experimental de 3 meses, sem retribuição; no final desse período experimental foi efectuada uma adenda, passando a contrato de trabalho sem termo, para o exercício de funções inerentes à categoria profissional de motorista de pesados de mercadorias, com o vencimento ilíquido mensal de 570,00 € e horário de trabalho e demais regalias previstas nas normas reguladoras da actividade em questão, designadamente o CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE n.º 16, de 28/04/1982; por carta datada de 07/02/2017, o A. comunicou à R. a resolução do contrato de trabalho, invocando justa causa, tendo a receber as quantias acima discriminadas.
A R. contestou, impugnando a data da admissão do A. e o direito de o mesmo receber os créditos laborais que peticiona, nomeadamente por estarem pagos e incluídos em rubricas como “ajudas de custo” dos recibos de vencimento, bem como, quanto à quantia de 952,00 €, por ter sido adiantada ao A. e, por acordo, deduzida nos seus vencimentos. Mais sustenta que inexistia justa causa para a resolução do contrato de trabalho pelo A..
Termina, pedindo a absolvição do pedido, e, em reconvenção, a condenação do A. a pagar-lhe a quantia de 1.200,00 € a título de indemnização por resolução ilícita.
O A. respondeu, mantendo a sua posição inicial e opondo-se à reconvenção.

Foi elaborado despacho saneador, onde se procedeu à identificação do objecto da lide e à enunciação dos temas de prova, bem como à fixação de factualidade assente nos seguintes termos:

«Considerando que não está posta em causa a relação de trabalho individual que se estabeleceu entre si e o autor/trabalhador e ré/empregadora, como admitido nos articulados e documentos não impugnados, considera-se, desde já assente, por acordo das partes, a matéria alegada nos artigos 1º, 7º, 8º (envio da comunicação escrita), 11º 12º, 17º e 57º, da petição inicial, excluindo-se a matéria repetitiva, conclusiva e/ou de direito.»

Realizou-se audiência de julgamento, no âmbito da qual as partes declararam:
«Autor e ré acordam fixar o valor em divida a respeito da ajuda de custo TIR, retribuição salarial cláusula 74, diuturnidades, férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do período que mediou entre 17-08-2009 e a data da cessação do contrato de trabalho no montante ilíquido de € 7.400,00 (sete mil quatrocentos euros).

Deste modo, mantém-se controvertido:
a) A eventual retribuição do período que mediou entre 24-06-2009 e 16-08-2009;
b) A validade do desconto de €952,00 (novecentos e cinquenta e dois euros);
c) A questão da justa causa e respectiva indemnização;
d) A remuneração pelo alegado trabalho suplementar em dias de descanso”.

A R. declarou ainda:
«Face a toda a prova produzida nestes autos, na óptica da ré o autor trabalhou em cada mês posterior a 12/05/2012, 2 (dois) fins-de-semana e descansou na sua residência outros dois (2).

Assim, a ré aceita que o autor trabalhou nos seguintes dias:
- 2012 – 10 (dez) dias nos meses de Maio, Junho e Julho, 16 (dezasseis) dias nos meses de Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro,
- 2013 e 2014 – 44 (quarenta e quatro) dias em cada um dos anos.
- 2015 – 28 (vinte e oito) dias, uma vez que o autor esteve de baixa médica de Agosto, incluído, em diante;
- 2016 – 6 (seis), uma vez que o autor esteve de baixa médica até final de Outubro e gozou férias na segunda semana de Dezembro;

Assim, no período que mediou entre 12-05-2012 e a data da cessação do contrato de trabalho a ré aceita que o autor trabalhou 148 (cento e quarenta e oito) dias de descanso.
De acordo com o disposto na cláusula 41 do C.C.T.V., máxime, da fórmula constante do parágrafo único dessa cláusula, e tendo presentes os efeitos decorrentes da Lei nº. 23 de 2012, que vigorou de 01/08/2012 a 31/12/2014, e ainda tendo em atenção que a primeira diuturnidade devida ao autor se venceu em Agosto de 2012 e a segunda em Agosto de 2015, os valores devidos por cada dia de descanso trabalhados são os seguintes:
-€38,00 (trinta e oito euros) Maio a Julho de 2012;
-€29,25 (vinte e nove euros e vinte e cinco cêntimos) de Agosto de 2012 a Dezembro de 2014;
-€390,00 em 2015;
-€40,00 em 2016.

Concluindo, a ré aceita que o valor do trabalho em dias de descanso que o autor prestou ao seu serviço, no período em apreço é de € 4.754,00 (quatro mil setecentos e cinquenta e quatro euros) ilíquidos.»

Proferiu-se sentença, em 17/04/2018, da qual foram interpostos recursos pelo A. e pela R., tendo esta Relação de Guimarães proferido Acórdão em 4 de Abril de 2019 a «(…) anular a sentença para se indicar na decisão relativa à matéria de facto a alegada nos nºs 75, 82, 85, 89 e 96 da petição inicial enquanto provada ou não provada, em face da já considerada assente na sentença nomeadamente nos seus pontos 11 a 15 e, no que concerne à mesma decisão, se fundamentar perante a prova documental de fls 127 a 378, 391 a 767-B, 779 a 793, 851 a 877 e 885 a 897, atento à matéria acima circunscrita, tudo sem prejuízo, se necessário, de se alterar matéria de facto já decidida e de se reabrir a audiência nos termos do artº 607º, nº 1 do CPC.»
Nessa conformidade, foi reaberta a audiência de julgamento, após o que foi proferida nova sentença, em 12/10/2020, que terminou com o seguinte dispositivo:
«IV - Pelo exposto, decide-se:
1- Julgar parcialmente procedente, por provada, a presente acção intentada por F. D. contra “R. F. & FILHOS, Lda.”, e, em consequência, condena-se a R. a pagar ao A.:
a) a quantia ilíquida de € 7.400,00 (sete mil e quatrocentos euros), a título de diferença no pagamento da cláusula 74º, do prémio TIR, de diuturnidades, do subsídio de férias e de Natal, no período que mediou entre 17/08/2009 e a cessação do contrato de trabalho;
b) a quantia ilíquida de €1.851,17 (mil oitocentos e cinquenta e um euros e dezassete cêntimos), a título de retribuições respeitantes ao período de 24/06/2009 a 17/08/2009;
c) a quantia ilíquida de €13.113,16 (treze mil cento e treze euros e dezasseis cêntimos), a título de trabalho prestado aos sábados, domingos e feriados no período de 12/05/2012 a Dezembro de 2016;
d) a quantia de €5.774,28 (cinco mil setecentos e quarenta e quatro euros e vinte e oito cêntimos), título de descanso compensatório não gozado, respeitante ao período de 12/05/2012 a Dezembro de 2016.
e) a quantia de €4.561,51(quatro mil quinhentos e sessenta e um euros e cinquenta e um cêntimo), a título de compensação (antiguidade) pela resolução, com justa causa do contrato de trabalho;
f) a quantia de €952,00 (novecentos e cinquenta e dois euros) deduzida indevidamente pela R. ao A. nos salários de Fevereiro e Março de 2012; e
g) juros de mora, á taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
2- Absolver a ré/empregadora do demais contra si peticionado;
3 – Custas da acção a cargo da ré/empregadora e do autor/trabalhador, na proporção do respectivo vencimento e decaimento (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).»

A R. veio interpor recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«a) O facto 15. dos factos provados ( O A. não gozou, nem a R. lhe pagou os dias compensatórios a que tinha direito por cada dia de descanso semanal ou feriado em serviço no estrangeiro no período compreendido entre 12/05/2012 e a data da resolução do contrato de trabalho ( 07/02/2017 ), ressalvando os períodos em que o A. esteve de baixa médica ) foi incorrectamente julgado;
b) Na verdade, quer pela redacção dada ao 12. facto provado, quer pelo que resulta dos registos tacográficos juntos aos autos, quer pelo referido pela testemunha R. F., a redacção de tal ponto de facto deverá ser alterada, no limite, para os seguintes termos: “O A. não gozou, nem a R. lhe pagou parte dos dias compensatórios a que tinha direito por cada dia de descanso semanal ou feriado em serviço no estrangeiro no período compreendido entre 12/05/2012 e a data da resolução do contrato de trabalho ( 07/02/2017 ), ressalvando os períodos em que o A. esteve de baixa médica”;
c) O apuramento do concreto descanso compensatório não concedido ao recorrido deverá ser relegado para posterior liquidação, até porque o ónus da sua prova compete ao recorrido;
d) A retribuição salarial da cláusula 74ª/7 não integra o conceito da remuneração mensal previsto na cláusula 41ª do CCTV, que trata da retribuição do trabalho em dias feriados e de descanso semanal,
e) O montante devido a título da retribuição salarial da cláusula 74ª/7 não entra para o cálculo do valor devido pela prática de trabalho em dias de descanso;
f) O cálculo do valor de cada sábado, domingo e feriado consiste em multiplicar o valor dia por dois e não por três, alcançando-se assim os 200% referidos na cláusula 41ª do CCTV;
g) O valor devido ao recorrido a respeito do trabalho prestado em dias de descanso é de 6.956,00 euros;
h) O recorrido não provou qualquer facto que demonstre que as quantias em falta impossibilitavam de forma absoluta e definitiva a manutenção do seu contrato de trabalho;
i) A grande maioria dos fundamentos resolutórios não respeita o prazo de 30 dias legalmente estabelecido para a resolução com justa causa;
j) O recorrido não tem direito à indemnização que lhe foi atribuída ou, caso assim não se considere, o seu montante não deverá ser superior ao mínimo legal;
k) Ao decidir como decidiu, violou a decisão recorrida, entre outros, os artigos 342º do CC, 394º do CT e as cláusulas 41ª e 74ª do CCTV, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que reflita o alegado nas precedentes conclusões, com o que se fará, JUSTIÇA!»
O A. não apresentou resposta ao recurso da R..
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido de o recurso ser julgado parcialmente procedente.
Vistos os autos pelas Exmas. Adjuntas, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil –, as questões que se colocam a este Tribunal, por ordem da sua precedência lógica, são as seguintes:

- alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto;
- valor da retribuição por trabalho prestado em dias de descanso e feriados, tendo em conta a inclusão ou não da retribuição prevista na cláusula 74.ª, n.º 7 do CCTV aplicável e a determinação do acréscimo devido nos termos da sua cláusula 41.ª, n.º 1;
- verificação de justa causa de resolução do contrato de trabalho e valor da indemnização.

3. Fundamentação de facto

Os factos considerados provados são os seguintes:
1. A R. é uma sociedade comercial que se dedica ao transporte nacional e internacional de mercadorias.
2. Por documento denominado “CONTRATO DE TRABALHO A TERMO INCERTO”, datado de 24/06/2009, a R. admitiu ao seu serviço o A., nos termos das seguintes cláusulas:
1.º O primeiro outorgante (R.) declara admitir ao seu serviço a título experimental, por um período experimental de três meses, o segundo outorgante (A.) com a categoria profissional de Motorista Profissional de Pesados, não usufruindo qualquer vencimento mensal.
2.º O segundo outorgante irá desempenhar as suas funções a nível nacional e internacional, sempre com outro colega de profissão, uma vez que o segundo outorgante não possui qualquer experiência ao nível de veículos articulados.
3.º O presente contrato de trabalho é celebrado a termo incerto, com início em 24 de Junho de 2009.
3. No documento denominado “ADENDA AO CONTRATO DE TRABALHO SEM TERMO”, datado de 17 de Agosto de 2009, R. e A. fizeram constar o seguinte:
“… é celebrada a seguinte ADENDA ao contrato de trabalho existente e celebrado no dia 24/06/2009.
Cláusula 1.ª
O primeiro outorgante declara admitir ao seu serviço o segundo outorgante com a categoria profissional de Motorista de Pesados Mercadorias, com o vencimento ilíquido mensal de 570,00 euros (quinhentos e setenta euros) e Horário de trabalho e demais regalias previstas nas normas reguladoras para a actividade em questão.
Clausula 2.ª
O segundo outorgante passará a desempenhar as funções a nível Nacional e Internacional.
Clausula 3.ª
A presente ADENDA tem o seu início em 17 de Agosto de 2009. (…)”.
4. À relação laboral estabelecida entre R. e A. é aplicável o CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicada no BTE n.º 16 de 28.04.1982.
5. A partir de 17/08/2009, a R. passou a fazer constar do recibo de vencimento mensal: o vencimento de € 570,00; Ajudas de Custo TIR de € 105,75 e Cláusula 74.ª de € 250,00.
6. O A. cumpria um horário de trabalho de 40 horas semanais de Segunda a Sexta-feira, com descanso ao Sábado e Domingo.
7. Por carta datada de 7 de Fevereiro de 2017 e enviada por correio registado com A/R, o A. comunicou à R. a resolução do contrato de trabalho, alegando o seguinte:
“(…) F. D., trabalhador da empresa em referência, com o cargo de motorista de pesados internacional, há quase oito anos, vem Resolver o contrato de trabalho com justa causa, nos termos do art. 394º do Código do Trabalho.
Como é do conhecimento de V. Exª nunca foram pagos ao trabalhador os devidos valores relativos ao TIR, Cláusula 74ª e trabalhos suplementares em dias de descanso, nomeadamente aos sábados e feriados a que tem direito.
Aliás, V.Exª não tem feito outra coisa senão promessas de regularização da situação, levando o trabalhador a acreditar que lhe pagará o devido, de forma a evitar uma resolução do contrato por parte deste.
Porém, em boa verdade, V. Exª tem agido de má fé com o trabalhador, porquanto, as promessas de regularização da dívida são já de longa data, que até hoje nunca cumpriu e, ao que tudo indica, parece não pretender de forma alguma cumprir.
Ora, esta situação tornou-se insustentável para o trabalhador, sendo este motivo suficiente para a resolução do contrato com justa causa.
V.Exª bem sabe que o trabalhador tem direito a receber os valores reclamados.
Pelo que, solicita a V. Exª que proceda ao pagamento de todos os valores em dívida no prazo máximo de 10 dias sob pena de recurso à via judicial.”
8. A R. apenas começou a pagar ao A. a retribuição a partir de 17 de Agosto de 2009, data esta em que comunicou à Segurança Social a sua admissão.
9. O A. esteve de baixa médica desde o dia 3 de Agosto de 2015 até 27 de Outubro de 2016 e desde o dia 2 de Janeiro de 2017 até à data em que resolveu o contrato de trabalho que mantinha com a R..
10. A R. deve ao A. montante ilíquido de € 7.400,00, a título da ajuda de custo TIR, retribuição salarial, cláusula 74.ª, diuturnidades, férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do período que mediou entre 17/08/2009 e a data da cessação do contrato de trabalho, que ocorreu a 7/02/2017.
11. O A. tinha um horário de trabalho fixado em 40 horas semanais, de Segunda a Sexta-feira, com descanso ao Sábado e Domingo.
12. O A., por norma, partia de Portugal à Segunda ou Terça-feira para o estrageiro e permanecia o fim-de-semana seguinte, regressando na Sexta ou Sábado seguintes.
13. O A. trabalhou e permaneceu no estrangeiro, em cada mês posterior a 12/05/2012 e até a data de resolução do contrato (07/02/2017), dois (2) fins-de-semana, e descansou na sua residência os outros dois fins-de-semana, ressalvando os períodos em que esteve de baixa médica, tendo, nesse período, trabalhado nos seguintes Sábados, Domingos e Feriados:
No ano de 2012:
i) 19 Sábados correspondentes aos dias 12/05, 19/05, 26/05, 2/06, 9/06, 16/06, 30/06, 7/07, 21/07, 25/08, 1/09, 22/09, 6/10, 20/10, 27/10, 3/11, 17/11, 24/11 e 1/12.;
ii) 13 Domingos correspondentes aos dias 20/05, 3/06, 17/06, 1/07, 2/09, 23/09, 26/08, 7/10; 21/10, 4/11, 25/11 e 2/12 e 9/12; e
iii) 4 feriados correspondentes aos dias 13/06 (feriado municipal de Santo António), 5/10, 1/11 e 1/12.
No ano de 2013:
i) 38 Sábados correspondentes aos dias 5/01, 12/01, 19/01, 9/02, 16/02, 23/02, 2/03, 9/03, 16/03, 23/03, 30/03, 13/04, 20/04, 27/04, 11/05, 25/05, 8/06, 22/06, 6/07, 13/07, 20/07, 27/07, 3/08, 10/08, 31/08, 14/09, 21/09, 28/09, 12/10, 19/10, 26/10, 9/11, 16/11, 23/11, 30/11, 7/12, 14/12 e 21/12;
ii) 23 Domingos correspondentes aos dias 6/01, 20/01, 10/02, 24/02, 10/03, 17/03, 28/04, 26/05, 9/06, 23/06, 7/07, 21/07, 4/08, 1/09, 15/09, 29/09, 13/10, 27/19, 10/11, 17/11, 1/12, 15/12 e 22/12; e
iii) 5 feriados correspondentes aos dias 29/03 (Sexta-Feira Santa), 25/04, 1/05, 10/06 e 13/06 (feriado municipal de Santo António).
No ano de 2014.
i) 38 Sábados correspondentes aos dias 11/01, 18/01, 25/01, 1/02, 8/02, 15/02, 22/02, 1/03, 8/03, 15/03, 22/03, 29/03, 5/04, 19/04, 26/04, 3/05, 10/05, 17/05, 24/05, 31/05, 28/06, 5/07, 12/07, 19/07, 9/08, 23/08, 30/08, 6/09, 20/09, 4/10, 11/10, 18/10, 25/10, 15/11, 29/11, 6/12, 13/12 e 20/12;
ii) 23 Domingos correspondentes aos dias 12/01, 26/01, 9/02, 23/02, 9/03, 23/03, 6/04, 20/04, 4/05, 18/05, 1/06, 22/06, 13/07, 20/07, 24/08, 7/09, 21/09, 5/10, 19/10, 2/11, 16/11, 30/11, 14/12; e
iii) 3 feriados correspondentes aos dias 18/04 (Sexta-Feira Santa), 25/04 e 1/05.
No ano de 2015.
i) 26 Sábados correspondentes aos dias 10/01, 17/01, 24/01, 31/01, 7/02, 14/02, 21/02, 7/03, 14/03, 21/03, 28/03, 4/04, 11/04, 18/04, 25/04, 2/05, 16/05, 23/05, 30/05, 6/06, 13/06, 27/06, 4/07,11/07, 18/07 e 25/07;
ii) 15 Domingos correspondentes aos dias 11/01, 25/01, 8/02, 22/02, 8/03, 29/03, 12/04, 26/04, 3/05, 17/05, 31/05, 14/06, 28/06, 12/07 e 26/07;
iii) 3 feriados correspondentes aos dias 3/04 (Sexta-Feira Santa), 1/05 e 10/06.
No ano de 2016.
i) 2 Sábados correspondentes aos dias 19/11 e 3/12;
ii) 2 Domingos correspondentes aos dias 20/11 e 4/12; e
iii) 2 feriados correspondentes aos dias 1/12 e 8/12.
14. A R. não liquidou ao A. qualquer quantia pelo trabalho suplementar prestado pelo A. aos Sábados, Domingos e feriados, nos períodos referidos em 13.
15. O A. não gozou, nem a R. lhe pagou os dias compensatórios a que tinha direito por cada dia de descanso semanal ou feriado em serviço no estrangeiro no período compreendido entre 12/05/2012 e a data da resolução do contrato de trabalho (07/02/2017), ressalvando os períodos em que o A. esteve de baixa médica.
16. Em 16/02/2012, quando o A. prestava os seus serviços no estrangeiro, a viatura que conduzia ficou soterrada na lama durante uma pausa nocturna.
17. Para retirar a viatura soterrada, foi necessário recorrer aos serviços de uma garagem em … a fim de retirar o veículo com uma grua.
18. A R., por esse serviço, pagou a quantia de € 952,00.
19. A R., em virtude desse montante pago, descontou no vencimento do A. a quantia de €476,00, em cada um dos meses de Fevereiro e Março de 2012, declarando no recibo de vencimento do mês de Fevereiro a menção de “outros descontos” e no de Março a menção de “adiantamento de remunerações”.
20. A R., ao mesmo tempo, confrontou o A. com duas declarações, uma em que declarava ter recebido da R. o valor de € 952,00 a título de adiantamento e outra em que declarava que autorizava a R. a retirar do seu salário a referida quantia.
21. O A., à data da cessação do contrato de trabalho, auferia o salário base mensal no montante de € 570,00, acrescido da quantia de € 105,75 a título de prémio TIR, da quantia de € 350,00 a título de cláusula 74.ª e da quantia de € 30,00 a título de diuturnidades.

4. Apreciação do recurso

4.1. Cabendo, em 1.º lugar, apreciar a impugnação pela Recorrente da decisão sobre a matéria de facto, há que ter em conta o disposto no art. 662.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto», que estabelece no seu n.º 1 que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

A Apelante pretende a alteração da factualidade provada sob o ponto 15., que tem a seguinte redacção:
O A. não gozou, nem a R. lhe pagou os dias compensatórios a que tinha direito por cada dia de descanso semanal ou feriado em serviço no estrangeiro no período compreendido entre 12/05/2012 e a data da resolução do contrato de trabalho (07/02/2017), ressalvando os períodos em que o A. esteve de baixa médica.
E sustenta que, quer em atenção ao facto provado sob o ponto 12., quer pelo que resulta dos registos tacográficos juntos aos autos, quer pelo referido pela testemunha R. F., a redacção de tal ponto de facto deverá ser alterada, no limite, para os seguintes termos:
O A. não gozou, nem a R. lhe pagou parte dos dias compensatórios a que tinha direito por cada dia de descanso semanal ou feriado em serviço no estrangeiro no período compreendido entre 12/05/2012 e a data da resolução do contrato de trabalho (07/02/2017), ressalvando os períodos em que o A. esteve de baixa médica.
Devendo o apuramento do concreto descanso compensatório não concedido ao recorrido ser relegado para posterior liquidação, até porque o ónus da sua prova compete ao recorrido.

Sobre esta questão, é lapidar o douto parecer do Ministério Público, na parte em que refere:
«Efetivamente, quer das declarações de parte do autor, quer dos depoimentos das testemunhas P. S., B. A. e V. N. (também eles motoristas da ré), resulta que o autor quando chegava a Portugal à sexta feira saía de novo para o estrangeiro na segunda feira seguinte e quando regressava ao Sábado saía na terça feira.
Ou seja, em qualquer das circunstâncias, o autor apenas gozava em Portugal dois dias de descanso, nunca fazendo descansos compensatórios.
Sendo que, conforme igualmente foi afirmado por aquelas testemunhas, o autor era transportado desde Valladolid ou Irún até Portugal em carrinhas da ré, pelo que os registos tacográficos nenhum contributo válido fornece sobre a questão concreta em apreço.
Consequentemente, não impondo os argumentos da recorrente decisão diversa, deverá manter-se inalterado o ponto nº 15 dos factos provados.»
Na verdade, o que resulta do ponto 12. é que o A., por norma, partia de Portugal à Segunda ou Terça-feira para o estrageiro e permanecia o fim-de-semana seguinte, regressando na Sexta ou Sábado seguintes, sendo estes, pois, os últimos dias de trabalho antes do gozo do descanso obrigatório ao Domingo e de mais um dia ao Sábado ou Segunda-feira, conforme o caso, sem que se evidencie o gozo de um terceiro dia a título de descanso compensatório, o que é reforçado pela factualidade do ponto 13.. Esta factualidade, aliás, resulta inclusivamente da declaração confessória da R. em audiência de julgamento, no sentido de que, «(…) na óptica da ré o autor trabalhou, em cada mês posterior a 12/05/2012, 2 (dois) fins-de-semana e descansou na sua residência outros dois(2)», e de que aceitava o pagamento de retribuição a título de descanso compensatório não gozado pelo trabalho prestado nos primeiros, divergindo quanto ao seu cômputo e modo de cálculo da retribuição mas sem qualquer ressalva decorrente de terem sido gozados alguns dias.
Improcede, pois, a pretensão da Recorrente nesta parte, que, além do mais, está no limite da litigância temerária, atenta aquela sua posição processual.
4.2. Cabe, então, apreciar e decidir qual o valor da retribuição por trabalho prestado em dias de descanso e feriados, tendo em conta a inclusão ou não da retribuição prevista na cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT aplicável e a determinação do acréscimo devido nos termos da sua cláusula 41.ª, n.º 1.
Conforme consignado sob o ponto 4., as partes acordaram em que à relação laboral estabelecida entre R. e A. é aplicável o CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE n.º 16 de 28.04.1982.
A Apelante sustenta a não inclusão da retribuição prevista na cláusula 74.ª, n.º 7 de tal CCT no cálculo da retribuição por trabalho prestado em dias de descanso e feriados, discordando do entendimento perfilhado na sentença recorrida, que a teve em conta, para além da retribuição base e das diuturnidades.
Vejamos.
Nos termos da citada cláusula, os motoristas de transportes internacionais de mercadorias, quando deslocados no estrangeiro, têm direito a uma retribuição mensal, que não será inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia. E, por outro lado, nos termos da cláusula 41.ª, n.º 1, têm direito a que o trabalho prestado em dias feriados ou de descanso, semanal ou complementar, seja remunerado com o acréscimo de 200%, sendo certo que o n.º 2 refere que, para efeito de cálculo, o valor do dia será determinado pela fórmula «Remuneração diária = Retribuição mensal : 30», não esclarecendo, contudo, o que deve considerar-se como integrando a retribuição mensal.
Ora, estabelece o n.º 1 do art. 262.º do Código do Trabalho, a propósito do cálculo das prestações complementares ou acessórias, que, quando disposição legal, convencional ou contratual não disponha em contrário, a base de cálculo das mesmas é constituída pela retribuição base (que corresponde à actividade do trabalhador no período normal de trabalho) e diuturnidades (que corresponde a uma prestação em função da antiguidade).
Assim, como, no caso em apreço, do contrato de trabalho celebrado entre as partes e do CCT aplicável, acima identificado, não consta qualquer disposição que contrarie a disciplina da citada norma legal, não há que incluir na retribuição devida por trabalho suplementar outras prestações que não a retribuição base e as diuturnidades. Isto é, não obstante seja pacífico que a retribuição prevista na mencionada cláusula 74.ª, n.º 7 integra o conceito de retribuição em sentido amplo, conforme resulta do disposto no art. 258.º do Código do Trabalho, é de entender que, por força do disposto no n.º 1 do art. 262.º do mesmo diploma legal, está excluída da base de cálculo das prestações complementares e acessórias, incluindo a retribuição por trabalho suplementar, para cujo cálculo relevam apenas a retribuição-base e as diuturnidades.
Este é o entendimento que tem sido sufragado por esta Relação de Guimarães, conforme se exemplifica com os Acórdãos de 19 de Junho de 2019, proferido no processo n.º 3056/17.3T8BCL.G1, de 25 de Junho de 2020, proferido no processo n.º 1561/18.3T8VNF.G1, e de 17 de Dezembro de 2020, proferido no processo n.º 5416/18.3T8VNF.G1 (1), neste se salientando que é a solução mais razoável, na medida em que a construção de um esquema remuneratório assente em prestações complementares sobre prestações complementares gera valores desproporcionais, como sucederia se se atendesse à retribuição prevista no n.º 7 da cláusula 74.ª, que se destina a remunerar trabalho suplementar em dia normal de trabalho, para o cálculo da retribuição por trabalho suplementar prestado em dia de descanso ou feriado.
Em face do exposto, o recurso procede na parte em apreço.
Quanto ao valor do acréscimo da retribuição devida por trabalho prestado em dias de descanso e feriados, a Recorrente defende que se deve multiplicar o valor da retribuição diária por dois e não por três, como se fez na sentença recorrida.
Ora, já se referiu que, nos termos da cláusula 41.ª, n.º 1 do CCT aplicável, os motoristas de transportes internacionais de mercadorias têm direito a que o trabalho prestado em dias feriados ou de descanso, semanal ou complementar, seja remunerado com o acréscimo de 200%, esclarecendo o n.º 2 que, para efeito de cálculo, o valor do dia será determinado pela fórmula «Remuneração diária = Retribuição mensal : 30».
Constata-se, assim, que se pretendeu prever um regime distinto e mais favorável do que o constante do art. 268.º, n.º 1, al. b) do Código do Trabalho, na sua redacção inicial, nos termos do qual o trabalho suplementar é pago pelo valor da retribuição horária com o acréscimo 100 % por cada hora ou fracção, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado.
Deste modo, conclui-se que na decisão recorrida se fez a interpretação correcta da cláusula, uma vez que esta estabelece que o trabalho em dia de descanso ou feriado é remunerado com o acréscimo de 200%, e não a 200%, como pretende a Recorrente.
Neste sentido, vejam-se os Acórdãos desta Relação de 25 de Junho de 2020 e de 17 de Dezembro de 2020, já acima citados.
Em face do exposto, o recurso improcede nesta parte.
Posto isto, tendo em conta que, ao contrário do entendido na sentença recorrida, se considera que a retribuição prevista na cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT aplicável está excluída da base de cálculo da retribuição por trabalho prestado nos dias de descanso e feriados, para a qual relevam apenas a retribuição-base e as diuturnidades, importa reformular os cálculos da quantia devida pela R. ao A. a este título.
Para o efeito, importa ter em conta o decidido na sentença, com trânsito em julgado, quanto aos termos da aplicação da Lei n.º 23/2012, de 25/06, e da Lei n.º 48-A/2014, de 31/07, no sentido de que no período de 01/08/2012 a 31/12/2014 o trabalho prestado pelo A. aos Sábados, Domingos e feriados, enquanto trabalho suplementar, deve ser remunerado nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art. 268.º do Código do Trabalho, na redacção conferida por aquele primeiro diploma.
Assim, atendendo a que o A. tinha a retribuição-base de 570,00 € e venceu a 1.ª diuturnidade, no valor de 15,00 €, em Junho de 2012, passando a retribuição mensal relevante a ser de 585,00 € a partir de então, e venceu a 2.ª diuturnidade, no valor de 15,00 €, em Junho de 2015, passando a retribuição mensal relevante a ser de 600,00 € a partir de então, chegamos aos seguintes valores:
- 12/05/2012 a 31/05/2012 – 570,00 € : 30 dias = 19,00 € + 200% = 57,00 € x 4 dias = 228,00 €;
- 1/06/2012 a 31/07/2012 – 585,00€ : 30 dias = 19,50 € + 200% = 58,50 € x 10 dias = 585,00 €;
- 1/08/2012 a 31/12/2012 – 585,00 € : 30 dias = 19,50 € + 50% = 29,25 € x 22 dias = 643,50 €;
- 1/01/2013 a 31/12/2013 – 585,00 € : 30 dias = 19,50 € + 50% = 29,25 € x 66 dias= 1.930,50 €;
- 1/01/2014 a 31/12/2014 – 585,00 € : 30 dias = 19,50 € + 50% = 29,25 € x 64 dias = 1.872,00 €;
- 1/01/2015 a 31/05/2015 – 585,00 € : 30 dias = 19,50 € + 200% = 58,50 € x 32 dias = 1.872,00;
- 1/06/2015 a 2/08/2015 – 600,00 € : 30 dias = 20,00 € + 200% = 60,00 € x 12 dias = 720,00 €;
- 28/10/2016 a 1/01/2017 – 600,00 € : 30 dias = 20,00 € + 200% = 60,00 € x 6 dias = 360,00 €.
O total a este título é, pois, de 8.211,00 €.
4.3. Finalmente, cabe apreciar a pretensão da Apelante de que inexiste justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo A., ou, assim não se entendendo, de que a indemnização deve ser fixada no mínimo.
Resulta da factualidade provada que entre o A. e a R. vigorou um contrato de trabalho cujos efeitos se iniciaram em 24/06/2009 e findaram por resolução comunicada pelo trabalhador à empregadora através de carta datada de 7/02/2017, invocando falta de pagamento de valores relativos a prémio TIR, Cláusula 74.ª e trabalho suplementar em dias de descanso e feriados – cfr. ponto 7. da factualidade dada como provada.
No art. 394.º do Código do Trabalho configuram-se duas situações de desvinculação, por iniciativa do trabalhador, ocorrendo justa causa, respeitando ambas a situações anormais e particularmente graves em que deixa de ser exigível que aquele permaneça ligado à empresa por mais tempo: a primeira reporta-se a fundamentos subjectivos, por terem na sua base um comportamento culposo do empregador, dando lugar a indemnização (arts. 394.º, n.º 2 e 396.º); a segunda reporta-se a fundamentos objectivos, por não terem na sua base um comportamento culposo do empregador (art. 394.º, n.º 3).
Em qualquer das situações, está subjacente ao conceito de justa causa (que o art. 394.º não define, mas que a doutrina e a jurisprudência têm desenvolvido) a impossibilidade definitiva da subsistência do contrato de trabalho, tal como é empregue no âmbito do despedimento promovido pelo empregador (2).
Acresce que, nos termos do n.º 4 do art. 394.º, a justa causa será apreciada pelo tribunal em conformidade com o disposto no n.º 3 do art. 351.º, com as necessárias adaptações, ou seja, deverá o tribunal atender ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
O mencionado n.º 2 do art. 394.º indica, de forma exemplificativa, os comportamentos do empregador que podem constituir justa causa de resolução do contrato por parte do trabalhador, com direito a indemnização, desde logo, na alínea a), a falta culposa de pagamento pontual da retribuição.
Por outro lado, em conformidade com as regras gerais relativas ao ónus da prova, compete ao trabalhador provar a existência do comportamento do empregador subsumível a qualquer uma das alíneas referidas no n.º 2 do art. 394.º, ou outro que, não estando ali expressamente previsto, viole os seus direitos e garantias, por força do art. 342.º, n.º 1, do Código Civil, e à entidade patronal demonstrar que esse comportamento não procede de culpa sua, nos termos do art. 799.º do mesmo diploma legal.
Não obstante, o n.º 5 do art. 394.º especifica que se considera culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.
Isto é, no que toca à situação da al. a) do n.º 2 do art. 394.º, há que distinguir consoante o atraso no pagamento da retribuição não atinja os 60 dias, caso em que a culpa do empregador se presume nos termos gerais do art. 799.º do Código Civil, admitindo prova em contrário (como sucede com os demais comportamentos susceptíveis de integrarem justa causa culposa), ou atinja 60 ou mais dias, caso em que a conduta se considera culposa, ou seja, não admitindo prova em contrário.

Ora, no caso em apreço, veio a provar-se a falta de oportuno pagamento ao A. de quantias diversas, designadamente: 7.400,00 € a título de diferença na retribuição prevista na cláusula 74.ª, prémio TIR, diuturnidades e subsídios de férias e de Natal no período que mediou entre 17/08/2009 e a cessação do contrato de trabalho; 8.211,00 € a título de retribuição por trabalho prestado aos sábados, domingos e feriados no período de 12/05/2012 a Dezembro de 2016; e 5.774,28 € a título de retribuição por descanso compensatório não gozado no período de 12/05/2012 a Dezembro de 2016.
Provou-se, pois, a falta de oportuno pagamento das retribuições indicadas na carta de resolução do contrato de trabalho, além de outras, traduzindo o incumprimento pela R., de modo reiterado, ao longo dos cerca de sete anos e sete meses de duração do contrato de trabalho, das normas decorrentes do CCT aplicável, somando as retribuições em falta o valor global de 21.385,28 €, o que, descontando os cerca de 16 meses em que o A. esteve de baixa médica, significa que o trabalhador teve de contar mensalmente com a quantia média de 285,00 € a menos no seu orçamento familiar, quase ¼ do valor total que devia auferir.
Em face do exposto, há que concluir pela falta culposa de pagamento de parte da retribuição mensal do A., ao longo dos cerca de sete anos e sete meses de duração do contrato de trabalho, o que, pela reiteração da conduta da R. e proporção significativa da retribuição atingida, traduz um elevado grau de lesão dos interesses do trabalhador e uma elevada intensidade da culpa da empregadora, tornando inexigível que o A. se mantivesse ao serviço da R. com sujeição a violação tão grave das condições remuneratórias a que tinha direito.
Por outro lado, não se tendo provado quaisquer circunstâncias atenuantes da ilicitude ou culpa da R., inexiste fundamento para fixar a indemnização do A. em valor inferior ao valor médio legal que se teve em conta, nos termos do art. 396.º do Código do Trabalho.
Na verdade, a factualidade relevante restante que se provou – a R. ter tido o A. ao seu serviço durante os dois meses iniciais sem pagamento de qualquer retribuição, quando ao mesmo era devida a quantia de 1.851,17 €, e ter-lhe descontado indevidamente a quantia de 952,00 € nos salários de Fevereiro e Março de 2012 – não é de molde a atenuar mas antes a agravar o juízo de censura que merece a conduta da R., na medida em que evidencia a atitude geral de desrespeito e desprezo pelos direitos do trabalhador.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, e, em consequência, reduz-se para 8.211,00 € a quantia devida pela R. ao A. a título de retribuição por trabalho prestado aos sábados, domingos e feriados, no mais se confirmando a sentença recorrida.
Custas pelas partes na proporção do decaimento.
Em 22 de Abril de 2021

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso


1. Disponíveis em www.dgsi.pt.
2. Cfr. Albino Mendes Baptista, Estudos sobre o Código do Trabalho, 2.ª edição, pp. 25 e ss..