Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2458/17.0T8GMR.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: RELAÇÃO LABORAL
DISCRIMINAÇÃO
ASSÉDIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Sumário (elaborado pela Relatora):

1. Na situação de assédio, o comportamento indesejado não tem de basear-se necessariamente em factor de discriminação, podendo ter um fundamento que tenha uma virtualidade semelhante, como seja o caso de existir um litígio entre o trabalhador e o empregador ou de aquele ter uma atitude reivindicativa.

2. Também não é imprescindível que tal comportamento indesejado tenha o objectivo imediato de perturbar ou constranger o trabalhador, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador, bastando que tenha esse efeito como consequência da prossecução dum fim ilegítimo ou censurável.

3. Não obstante, para ser considerada assédio, a situação há-se ter objectivamente a potencialidade descrita, pela gravidade que, em razão da duração e intensidade, apresenta, não bastando que a tenha na perspectiva unilateral do trabalhador.
Decisão Texto Integral:
1. Relatório

A. M. intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra X – Transportes, S.A., pedindo que o tribunal condene a ré a pagar-lhe a quantia de € 11.343,00 a título de indemnização por assédio laboral e de diferenças salariais, sem prejuízo das demais vincendas enquanto mantiver a disponibilidade para prestar serviço em TIR.

Para o efeito, em suma, alegou ser vítima de assédio moral por parte da ré, que não lhe atribui serviço de TIR, apesar de ele estar disponível para tal, com os inerentes danos patrimoniais e não patrimoniais, designadamente omissão de pagamento da compensação prevista na cláusula 74.ª, n.º 7, do CCT aplicável.

Na contestação, a ré pediu a sua absolvição do pedido, alegando, em suma, que o autor nunca trabalhou em exclusivo no transporte internacional, nem a ré estava obrigada a tal atribuição, nem tal constituindo tratamento discriminatório, e que o aludido suplemento remuneratório só lhe era devido quando prestasse aquele transporte.

Realizou-se a audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador e se procedeu à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas de prova.

Realizou-se a audiência de julgamento, após o que, pelo Mmo. Juiz a quo, foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, julgo a presente acção totalmente improcedente, por não provada nos termos sobreditos e, em consequência: Absolvo a ré, “X – Transportes, S.A.”, do pedido formulado pelo autor, A. M..
Custas a cargo do autor, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário, tendo a acção o valor de € 11.343.»

O autor, inconformado, interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:

«1ª- A decisão em recurso julgou totalmente improcedente, por não provado o pedido formulado pelo ora Recorrente, absolvendo a Recorrida nessa medida, do pedido de condenação no pagamento dos valores em falta relativos à retribuição prevista a cláusula 74ª do CCT aplicável (celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU), do pedido de condenação pela prática sobre a sua pessoa de assédio moral (e caso assim não se entendesse, pela prática de discriminação direta) e do pagamento da indemnização de 7500,80€.
2ª- O facto que a sentença considerou provado com o nº 8 não tem qualquer sustentação em documentos, é contrariado pelos recibos de vencimento do Recorrente juntos com a petição inicial com os nº 66 a 94, é contrariado pelo cadastro e listagem de remunerações juntos pela Recorrida a 06 de novembro de 2017 (requerimento com a referência 6235060 da plataforma Citius), e é contrariado pela testemunha A. A. (cfr. 00:02:57 a 00:03:30 do registo da gravação do respetivo depoimento);
3ª- Razões pelas quais, o facto provado nº 8 deve ser excluído.
4º- Porque resulta do depoimento da testemunha A. A., que a colocação do Recorrente no departamento de tráfego por si gerido, que não inclui serviço em TIR (transporte internacional rodoviário), ou com matérias perigosas, foi determinado pela Recorrida (cfr. 00:13:09 a 00:13:39 do registo da respetiva gravação);
5ª- Em substituição do facto provado nº 8, deve o tribunal de recurso dar como provado o alegado no artigo 34º da petição inicial (PI), com a seguinte redação: A Recorrida não distribui serviço TIR ao Recorrente porque entende não o fazer, tendo-o colocado no serviço de carga geral/contentores, com exclusão do recebimento da remuneração prevista na cláusula 74ª nº 7 do CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, que é aplicável à relação laboral em causa.
6ª- Este facto é relevante para comprovar a existência de comportamento hostil da Recorrida para com o Recorrente e a sua duração.
7ª- Resulta dos depoimentos do Recorrente (de 00:14:40 a 0:15.07 do registo da respetiva gravação), e das testemunhas A. A. (de 00:01:19 a 00:02:49 e de 00:13:09 a 00:13:39 do registo da sua gravação) e P. G. (de 00:02:01 a 00:02:49, de 00:05:04 a 00:05:20, de 00:05:36 a 00:06:45 e a 00:08:31 do registo da gravação do depoimento prestado), que o tratamento que a Recorrida dispensou ao Recorrente após a sua reintegração foi diferente daquele que tinha antes do despedimento.
8ª- Logo, como facto provado nº 11.1, o tribunal de recurso deve dar como provado o alegado no artigo 35º da PI, com a seguinte redação: o serviço atribuído ao Recorrente depois da condenação da Recorrida a reintegra-lo é distinto daquele que antes de 13 de outubro de 2014 lhe era destinado.
9ª- Este facto é relevante para estabelecer o comportamento não desejado pelo Recorrente.
10ª- Com fundamento no teor dos recibos de vencimento do Recorrente (Docs. 86 a 94 da PI), assim como no depoimento da testemunha C. F. (cfr. 00:10:35 a 00:10:52 do registo do respetivo depoimento), decorre que em consequência do serviço distribuído ao Recorrente após a reintegração, este passou a auferir uma remuneração mensal inferior;
11ª- Em consequência, como facto provado nº 11.2, pode o tribunal de recurso dar como provado o teor dos artigos 39º, 44º e 49º da PI, com a seguinte redação: Objetivamente, existe uma alteração da situação profissional do Recorrente desde a sua reintegração, que afeta a sua qualidade de vida e a sua dignidade, desfavoravelmente, causando danos patrimoniais correspondentes ao montante da retribuição da Cláusula 74ª que deixou de auferir desde março de 2016 a abril de 2017 e nos subsídios de férias e de Natal, em 5500,80€ (343,80€ X 16).
12º- Este facto é relevante para comprovar a existência de consequências nefastas para o Recorrente do comportamento da Recorrida.
13ª- Para estabelecer o modo como antes do despedimento do Recorrente decorriam as viagens que este conduzia em território nacional, e assim tornar apreensível a medida da diferença do tratamento a que é submetido pela Recorrida após a sua reintegração, o tribunal de primeira instância devia ter valorado a declaração da testemunha A. A. (cfr. de 00:01:54 a 00:02:49 do respetivo registo),
14ª- E assim, dar como provado o teor dos artigos 6º e 7º da resposta, como facto provado nº 11.3, ou seja: Tanto o Recorrente (antes de outubro de 2014), como todos os outros motoristas de TIR, entre a chegada de uma viagem internacional e a partida para a seguinte, enquanto aguardam pela partida, fazem o transporte de mercadorias em território nacional.
15ª- Tendo considerado como facto assente o teor dos documentos juntos pela Recorrida a fls. 107 a 170 verso e 209 a 229 verso, e contendo estes o cadastro de remunerações e descontos relativos ao Recorrente e aos motoristas da Recorrida indicados como os sujeitos em relação aos quais se considera o Recorrente discriminado, o tribunal de primeira instância podia e devia ter dado como assentes as diferenças de vencimento que se verificam, em complemento aos factos provados nº 12, 14 e 15, nos seguintes termos:
- A média do vencimento líquido do Recorrente foi de 781,28€ em 2008, de 1065,07€ em 2009, de 1592,01€ em 2010, de 1558,81€ em 2011, de 1591,68€ em 2012, de 1550,71€ em 2013, de 1451,15€ em 2014, de 799,35€ em 2016 e de 660,92€ em 2017.
- A média mensal do vencimento líquido do motorista P. F., contratado em novembro de 2015, foi de 653,09€ em 2015, 1569,67€ em 2016 e de 1609,35€ em 2017;
- A média mensal do vencimento líquido do motorista M. P., contratado em maio de 2014, foi de 1559,24€ em 2014, 1704,86€ em 2015; 1633,81€ em 2016 e 1824,42€ em 2017;
- A média mensal do vencimento líquido do motorista C. A., contratado em março de 2014, foi de 1542,30€ em 2014, 1648,39€ em 2015, 1585,31€ em 2016 e de 1623,35€ em 2017;
- A média mensal do vencimento líquido do motorista P. H., contratado em setembro de 2017, foi de 1572,67€ em setembro e outubro de 2017;
- A média mensal do vencimentto líquido do motorista A. R., também contratado em setembro de 2017, foi de 1584,05€ nos mesmos meses de setembro e outubro
16ª- Estes, são factos relevantes para o apuramento das consequências negativas do comportamento da Recorrida e que o tribunal de primeira instância parece ter julgado irrelevantes.
17ª- Os factos distinguidos nas conclusões supra conduzem à condenação da Recorrida pela prática de assédio, sob pena de violação do artigo 29º do CT/2009, em que a sentença incorre.
18ª- A sentença em recurso viola também os artigos 23 e 25º, nº 5 do CT/2009, na medida em que reconhece ter o recorrente identificado os trabalhadores em relação aos quais se verifica o tratamento discriminatório, mas não confere à Recorrida o ónus da prova de que a diferença de tratamento não assenta no facto de ter sido judicialmente compelida a reintegrar o Recorrente, fator de discriminação identificado. Cfr. Acórdão do STJ de 18 de dezembro de 2013 (processo 248/10.0TTBG.P1.S1), disponível em www.dgsi.pt .
19ª- O teor dos nº 1, 4, 6 e 7 da cláusula 74ª do CCT aplicável, determina que para a condução em TIR o motorista dê o seu acordo expresso, do qual se pode desvincular cumprindo os requisitos indicados no nº 4, sem perda da retribuição específica prevista no nº 7.
20ª- Desta forma, a Recorrida não cumpre os requisitos da boa fé na execução do contrato de trabalho quando, sem justificação objetiva, desloca o motorista para o transporte de mercadorias exclusivamente em âmbito nacional e suprime a retribuição prevista na cláusula 74ª nº 7 do CCT aplicável, devida em relação a 30 dias por mês, todos os meses do ano;
21ª- E, ao admitir este comportamento como lícito, a sentença do tribunal de primeira instância viola a referida cláusula, os artigos 126º e 129º do CT/2009, e os princípios da estabilidade no emprego e da igualdade, previstos nos artigos 53º e 59, nº 1, alíneas a) e b) do Constituição da República Portuguesa. Cfr. sumário do acórdão do STJ de 12/09/2007, proferido no processo 07S1803, relatado pelo Conselheiro Bravo Serra, publicado em www.dgsi.pt e CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA, 2ª edição revista e ampliada, 1º volume, de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Coimbra Editora, 1984, pág. 293.»

A ré apresentou resposta ao recurso do autor, pugnando pela sua improcedência.

O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso, tendo o autor respondido a discordar.
Colhidos os vistos dos Exmos. Desembargadores Adjuntos, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões que se colocam a este tribunal são as seguintes:

- modificação da decisão sobre a matéria de facto;
- se o autor tem direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais por assédio moral, por a ré, injustificadamente, não lhe atribuir serviço de transporte internacional rodoviário em condições semelhantes a colegas seus e ao que se passava com o próprio autor antes do despedimento.

3. Fundamentação de facto

Os factos provados são os seguintes:

1 - O autor foi admitido ao serviço da ré no dia 5 de Maio de 2008, mediante contrato de trabalho a termo certo, escrito, do qual não tem cópia, e que a ré juntou a fls. 71 verso a 73 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
2 - Desde a data da sua admissão, o autor conduz veículos automóveis pesados de transporte de mercadorias, propriedade da ré, e ao serviço desta detém e está classificado com a categoria profissional de “motorista”.
3 - Cabendo ao autor exercer, sob as ordens e fiscalização da ré, a condução de veículos automóveis pesados com ou sem atrelado, sendo responsável pelo material que transporta e sua distribuição, competindo-lhe zelar, sem execução, pelo bom estado de funcionamento, conservação e limpeza da viatura e proceder à verificação directa dos níveis de óleo, água, combustível e estado e pressão dos pneus.
4 - A ré (sediada na Avenida …) dedica-se à indústria de transporte rodoviário nacional e internacional de mercadorias, em regime de aluguer, e está representada pela ANTRAM – Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias.
5 - O autor (residente na Rua ...,), que é associado do Sindicato dos Transportes Rodoviários do Distrito de …, sempre cumpriu o horário de trabalho imposto pela ré, executando os serviços que esta lhe atribui: percursos, mercadorias e prazos de entrega.
6 - Entre 5 de Maio de 2008 e 12 de Outubro de 2014, o autor efectuou transporte rodoviário, quer nacional, quer internacional, salvo (pelo menos) durante cerca de 8 meses em que o autor não trabalhou no transporte internacional (TIR), sendo que o último mês durante o qual não fez este foi em Fevereiro de 2010.
7 - Em 13 de Outubro de 2014, a ré comunicara ao autor que este iria ser colocado no serviço de transporte de mercadorias perigosas, que é apenas feito no âmbito do território nacional, e, nesse mesmo dia, o aludido Sindicato do qual o autor é associado enviara à ré uma missiva, manifestando a discordância do autor nos termos constantes de fls. 36 verso-37, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
8 - Desde então, o autor não mais prestou trabalho de TIR, tendo sido colocado pela ré naquele serviço de transporte de mercadorias perigosas, que executou e para o qual o autor tinha licença específica (ADR), para além de experiência em transporte nacional.
9 - Na sequência de um processo disciplinar, no dia 7/11/2014 o autor foi notificado de decisão pela qual a ré lhe aplicara a sanção disciplinar de despedimento. Tendo o autor impugnado judicialmente essa decisão em processo que correu termos com o n.º 2899/14.4T8GMR no J3 deste Tribunal, no qual pediu a declaração de ilicitude do despedimento e a reintegração no posto de trabalho correspondente à categoria de motorista de transporte internacional de mercadorias. Tendo sido proferida decisão que declarou ilícito esse despedimento e condenou a ré a reintegrar o trabalhador na categoria que o mesmo detinha à data do despedimento, ou seja, indeferindo o pedido que o autor havia formulado relativamente ao transporte internacional de mercadorias. E tendo este segmento decisório sido sujeito a recurso que foi julgado improcedente pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão transitado em julgado a 17 de Março de 2016 – cfr. fls. 31 a 35 e 38 v.º a 55, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
10 - No dia 18 de Março de 2016, o autor apresentou-se ao trabalho na ré e foi reintegrado no seu posto de trabalho de motorista. E, desde então em diante, o autor tem exercido tais funções no serviço de transporte de carga geral e contentores e sem ter voltado a prestar trabalho em TIR. (alterado nos termos do ponto 4.1. infra)
11 - O autor gostava de prestar trabalho em TIR e sempre se disponibilizou e disponibiliza a fazê-lo.
12 - A ré continuou a ter esse serviço de transporte rodoviário internacional (TIR), levado a cabo por outros motoristas ao seu serviço - tais como P. F., M. P., C. A., P. H. e A. R. - com menor antiguidade que o autor, nos termos constantes de fls. 107 a 170 verso e 209 a 229 verso, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
13 - O autor está inscrito na Segurança Social como trabalhador por conta da ré, desde Maio de 2008 em diante, nos termos constantes de fls. 172 a 177, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
14 - Desde Maio de 2008 até Outubro de 2014, o autor auferiu da ré as quantias e com as respectivas proveniências constantes dos respectivos recibos de vencimento de fls. 10 verso a 30 verso, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
15 - Desde Março de 2016 até Março de 2017, o autor auferiu da ré as quantias com as respectivas proveniências constantes dos respectivos recibos de vencimento de fls. 56 a 60, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

4. Apreciação do recurso

4.1. Suscita-se em primeiro lugar a questão da impugnação que o Recorrente faz da decisão sobre a matéria de facto.

Estabelece o art. 662.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto», no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por sua vez, o art. 640.º, que rege sobre os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe do seguinte modo:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(…)

Retornando ao caso dos autos, e compulsada a alegação do Recorrente, incluindo as conclusões acima enunciadas, verifica-se que o mesmo pretende, por um lado, que se considere não provado o facto dado como provado sob o n.º 8, e, por outro lado, que se considere provada a seguinte matéria:

a) Em substituição do facto provado n.º 8, o alegado no art. 34.º da petição inicial, com a seguinte redacção: «A Recorrida não distribui serviço TIR ao Recorrente porque entende não o fazer, tendo-o colocado no serviço de carga geral/contentores, com exclusão do recebimento da remuneração prevista na cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, que é aplicável à relação laboral em causa.»
b) O alegado no art. 35.º da petição inicial, com a seguinte redacção: «O serviço atribuído ao Recorrente depois da condenação da Recorrida a reintegrá-lo é distinto daquele que antes de 13 de Outubro de 2014 lhe era destinado.»
c) O alegado nos arts. 39.º, 44.º e 49.º da petição inicial, com a seguinte redacção: «Objectivamente, existe uma alteração da situação profissional do Recorrente desde a sua reintegração, que afecta a sua qualidade de vida e a sua dignidade, desfavoravelmente, causando danos patrimoniais correspondentes ao montante da retribuição da Cláusula 74,ª que deixou de auferir desde Março de 2016 a Abril de 2017 e nos subsídios de férias e de Natal, em 5500,80€ (343,80€ X 16).»
d) O alegado nos arts. 6.º e 7.º da resposta, com a seguinte redacção: «Tanto o Recorrente (antes de Outubro de 2014), como todos os outros motoristas de TIR, entre a chegada de uma viagem internacional e a partida para a seguinte, enquanto aguardam pela partida, fazem o transporte de mercadorias em território nacional.»
e) Em complemento aos factos provados n.ºs 12, 14 e 15, que:
- «A média do vencimento líquido do Recorrente foi de 781,28€ em 2008, de 1065,07€ em 2009, de 1592,01€ em 2010, de 1558,81€ em 2011, de 1591,68€ em 2012, de 1550,71€ em 2013, de 1451,15€ em 2014, de 799,35€ em 2016 e de 660,92€ em 2017.»
- «A média mensal do vencimento líquido do motorista P. F., contratado em Novembro de 2015, foi de 653,09€ em 2015, 1569,67€ em 2016 e 1609,35€ em 2017»;
- «A média mensal do vencimento líquido do motorista M. P., contratado em Maio de 2014, foi de 1559,24€ em 2014, 1704,86€ em 2015, 1633,81€ em 2016 e 1824,42€ em 2017»;
- «A média mensal do vencimento líquido do motorista C. A., contratado em Março de 2014, foi de 1542,30€ em 2014, 1648,39€ em 2015, 1585,31€ em 2016 e 1623,35€ em 2017»;
- «A média mensal do vencimento líquido do motorista P. H., contratado em Setembro de 2017, foi de 1572,67€ em Setembro e Outubro de 2017»;
- «A média mensal do vencimento líquido do motorista A. R., também contratado em Setembro de 2017, foi de 1584,05€ nos mesmos meses de Setembro e Outubro.»

Dispunha o n.º 4 do art. 646.º do Código de Processo Civil de 1961 que devem ter-se por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito, assim como as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes. E, embora não se contemplassem directamente as respostas sobre a matéria de facto vagas, genéricas e conclusivas, foi-se consolidando na jurisprudência o entendimento de que aquela disposição era de aplicar analogicamente a tais situações, sempre que a matéria em causa se integrasse no thema decidendum, por se reconduzirem à formulação de juízos de valor que se devem extrair de factos concretos, objecto de alegação e prova.

Ora, não obstante a eliminação do preceito mencionado no Código de Processo Civil de 2013, é de considerar que se deve manter aquele entendimento, interpretando, a contrario sensu, o actual n.º 4 do art. 607.º, segundo o qual, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados.

Isto é, o que o tribunal pode e deve considerar como provado em resultado da prova produzida são os factos e não as conclusões ou juízos de valor a extrair dos mesmos à luz das normas jurídicas aplicáveis, que é uma operação intelectual distinta(1).

Em face do exposto, nunca poderiam as conclusões acima enunciadas nas alíneas b) e c) ser dadas como assentes, por caber ao tribunal retirá-las de factos concretos e objectivos que tenham ou pudessem ter sido demonstrados através de meios de prova produzidos.

E o mesmo se diga da matéria enunciada sob a alínea d), uma vez que se trata de conclusões que resultam directamente da factualidade provada sob os n.ºs 12, 14 e 15 e que ao tribunal cabe atender se tiverem relevância para a decisão de direito.

Improcede, pois, a pretensão do Apelante nesta parte.

Relativamente ao ponto n.º 8, tem a seguinte redacção: «Desde então (13 de Outubro de 2014), o autor não mais prestou trabalho de TIR, tendo sido colocado pela ré naquele serviço de transporte de mercadorias perigosas, que executou e para o qual o autor tinha licença específica (ADR), para além de experiência em transporte nacional.»

Como se disse, o Recorrente pretende que, em substituição, seja dado como provado o seguinte: «A Recorrida não distribui serviço TIR ao Recorrente porque entende não o fazer, tendo-o colocado no serviço de carga geral/contentores, com exclusão do recebimento da remuneração prevista na cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, que é aplicável à relação laboral em causa.»

A actual redacção, conjugadamente com o consignado sob os n.ºs 7, 9, 10, 11, 12 e 15, não impugnados, espelham o resultado da produção da prova sobre o tempo e o modo como se desenrolaram os acontecimentos e as consequências daí decorrentes, de forma concretizada, o que não sucede com a redacção proposta pelo Apelante, que é vaga e imprecisa e não traduz os detalhes que se apuraram.

Na verdade, os pontos mencionados não deixam de evidenciar que está em causa uma alteração da exclusiva iniciativa da ré e a que o autor se opõe, bem como que este deixou de auferir a retribuição prevista na cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT, mas esclarece, por um lado, que em 13 de Outubro de 2014 o mesmo foi colocado pela ré no serviço de transporte de mercadorias perigosas, que executou e para o qual o autor tinha licença específica (ADR), para além de experiência em transporte nacional, e, por outro lado, que no dia 18 de Março de 2016, quando o autor se apresentou ao trabalho, foi reintegrado no posto de trabalho de motorista e tem exercido tais funções sem ter voltado a prestar trabalho em TIR (ou seja, sem concretização das funções no âmbito do transporte nacional).

Ora, os factos em apreço, designadamente a situação subsequente a 13 de Outubro de 2014 (necessariamente, até ao despedimento em 7 de Novembro de 2014), não são desmentidos pelos meios de prova que o mesmo invoca, a saber, os recibos de vencimento do Recorrente juntos com a petição inicial com os n.ºs 66 a 94 (que concernem apenas aos períodos até Outubro de 2014 e após a reintegração), o cadastro e listagem de remunerações de fls. 106 a 133 e o depoimento da testemunha A. A. (que apenas se pronunciou sobre o serviço de transporte de carga geral e contentores).

Em face do exposto, entende-se que os meios de prova invocados pelo Apelante não impõem a alteração pretendida, no que concerne ao ponto n.º 8, embora o depoimento indicado justifique que se esclareça no ponto n.º 10 que o autor após a reintegração vem desempenhando funções no serviço de transporte de carga geral e contentores (alteração introduzida supra no local próprio).

No que respeita à factualidade dos arts. 6.º e 7.º da resposta, a testemunha A. A., responsável de tráfego do serviço de transporte de carga geral e contentores, disse que, antes de Outubro de 2014, sem precisar desde quando, teve o autor a trabalhar para si várias vezes e que tem uma equipa base mas para as necessidades que esta não satisfaz recorre aos motoristas do transporte internacional rodoviário, que após as suas folgas fazem alguns transportes nacionais, o que, por si só, não prova que, apenas nessas circunstâncias, o autor (e outros motoristas) os tenha(m) efectuado desde a admissão.

Em face do exposto, improcede a pretensão do Recorrente também nesta parte.

4.2. O Apelante sustenta que tem direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais por assédio moral, por a ré, injustificadamente, não lhe atribuir serviço de transporte internacional rodoviário em condições semelhantes a colegas seus e ao que se passava com o próprio autor antes do despedimento.

Não obstante o Recorrente insista na sua pretensão como consequência da procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos acima referidos, o que não foi atendido, com a ressalva especificada que traduz mero esclarecimento dum detalhe, sem a virtualidade pretendida, este Tribunal não deixará de analisar sumariamente os argumentos do Apelante.

Antes de mais, sublinha-se que, no âmbito da acção de impugnação judicial de regularidade e licitude do despedimento que opôs as mesmas partes, este Tribunal teve já ocasião de decidir que a ré não está legal ou contratualmente obrigada a atribuir ao autor a função de motorista de transporte internacional rodoviário, e, consequentemente, a pagar-lhe a compensação prevista na cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT aplicável.

Sobre a questão, disse este mesmo colectivo no Acórdão de 14 de Junho de 2018, proferido no âmbito dos embargos de executado que, com o n.º 2899/14.4T8GMR-A.G1, a ré deduziu contra o autor:

«Resulta dos factos provados que a executada foi condenada a reintegrar o exequente na categoria que o mesmo detinha à data do despedimento e não no exercício de funções no serviço de transporte rodoviário internacional.
Trata-se de questão que foi expressamente apreciada na acção declarativa e inclusive foi reapreciada em sede de recurso de apelação por este Tribunal.
(…)

Resulta da fundamentação jurídica da decisão proferida, quanto ao pedido de reintegração na categoria profissional de motorista de transportes internacionais, o seguinte:

“Ora, voltando ao caso dos autos, refere o autor que deve ser reintegrado na categoria profissional de motorista de transportes internacionais.
Sucede que, conforme resulta dos factos provados (e por contraposição aos que resultaram por apurar (a saber resposta restritiva ao ponto 8 dos temas de prova) – veja-se pontos 1, 2, 20 e 22 dos factos provados supra – o que resultou foi que aquando da celebração do contrato de trabalho o autor ficou com a exercer as funções de motorista de pesados e ligeiros, que no âmbito dessas funções de motorista cabe-lhe a condução de veículos pesados com ou sem atrelado, e que durante algum tempo, e por diversas vezes o autor trabalhou nos transportes internacionais e que, durante esse período, foi remunerado em conformidade.
Improcede, desta feita o pedido do autor em ser reintegrado na categoria de motorista de transportes internacionais, devendo a empregadora, reintegrá-lo na categoria correspondente àquela para que foi contratado e que o mesmo detinha na data do despedimento.” (sublinhado actual).

Por seu turno, resulta da fundamentação do Acórdão proferido por esta Relação que “o facto 22 vem esclarecer que o autor teria sido novamente reafecto ao serviço nacional, o que pressupõe que tenha estado durante algum tempo, de que ignoramos a dimensão, afecto ao transporte internacional. Ora, o autor não foi contratado para exercer as funções no transporte internacional, como resulta de forma clara do facto 1, tendo sim sido contratado como motorista de pesados e ligeiros.

O autor alegou que efectuava tal tipo de transporte desde 2010, constando do tema de prova “saber se o trabalhador exercia as funções de motorista de TIR de mercadorias”. Ora apenas resultou provado o que consta do facto 20, vd., Fundamentação. Refere-se na fundamentação aludindo ao que uma testemunha confirmou, que o autor fazia transportes no nacional e internacional, tendo licença de ADR. Não vem demonstrado qualquer acordo no sentido de ter passado para o serviço internacional, nem vem demonstrado durante que período exerceu funções no internacional, se, durante os períodos em que exerceu foi com exclusividade ou não, nem a duração dos períodos.
Assim sendo, não pode concluir-se da factualidade que tenha ocorrido uma alteração da categoria contratada aquando da sua admissão ao serviço da entidade patronal.
Por estas e demais razões constantes da decisão recorrida é de manter a mesma.”

Posto isto, conclui-se que ficou decidido, com força de caso julgado, que a executada foi condenada a reintegrar o exequente na categoria que o mesmo detinha à data do despedimento, sendo que então exercia as funções de motorista de pesados no serviço de transporte nacional.

Assim, considerando o conjunto de verbas retributivas que a executada pagava regularmente ao exequente, acima enunciadas, não são devidas as que concernem exclusivamente ao exercício de funções no transporte internacional rodoviário – designadamente as quantias denominadas «cláusula 74.ª» e «subsídio TIR» –, que a executada pagou ao exequente apenas durante o período de tempo em que o mesmo prestou a sua actividade nessa modalidade.

Na verdade, tendo-se alterado – de modo não ilícito, conforme apreciado oportunamente em primeira e segunda instâncias – os pressupostos da prestação do trabalho que importavam o pagamento dos aludidos complementos remuneratórios, que, consequentemente, deixaram de ser pagos pela executada a partir da data da alteração, ainda antes da data do despedimento, nenhum fundamento existe para alicerçar tal pagamento por parte da executada a partir desta segunda data, no âmbito das denominadas retribuições intercalares.

O Apelante parece sustentar que, relativamente aos aludidos complementos remuneratórios, o princípio da irredutibilidade da retribuição é absoluto e opera independentemente do desaparecimento dos pressupostos de facto que estiveram na origem da obrigação de os mesmos serem pagos.

Contudo, não é assim.

Frequentemente ocorrem situações de retribuição mista, composta pelo salário base e por prestações complementares determinadas por contingências especiais de prestação de trabalho (penosidade, perigo, isolamento, toxicidade), pelo rendimento, mérito ou produtividade (individual ou por equipa) ou mesmo por certas situações pessoais dos trabalhadores (antiguidade, diuturnidades) (2).

Ora, no que toca ao princípio da irredutibilidade da retribuição consagrado sucessivamente nos arts. 21.º, n.º 1, al. c) da Lei do Contrato de Trabalho, 122.º, al. d) do Código do Trabalho de 2003 e 129.º n.º 1 al. d) do Código do Trabalho de 2009, o mesmo só incide sobre a retribuição estrita, não abrangendo as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho ou a situações de desempenho específicas (como é o caso da isenção de horário de trabalho), ou a maior trabalho (como ocorre quando se verifica a prestação de trabalho para além do período normal de trabalho), ou à prestação de trabalho em condições mais onerosas, em quantidade ou esforço (como é o caso do trabalho por turnos e do trabalho nocturno), o mesmo sucedendo com as prestações decorrentes de factos relacionados com a assiduidade ou desempenho do trabalhador, cujo pagamento não esteja antecipadamente garantido.
(…)
Com efeito, embora integrem o conceito de retribuição, tais prestações complementares não se encontram sujeitas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só serão devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, podendo o empregador suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.
(…)
Podemos, assim, concluir que o empregador pode retirar ao trabalhador determinados complementos salariais, como é o caso dos que visem compensar o trabalho prestado no estrangeiro, em condições de maior penosidade, isolamento e constrangimento da conciliação da vida profissional do trabalhador com a sua vida privada, desde que cesse, licitamente, a situação que fundamentou a sua atribuição.

Nestes casos não ocorre qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, já que este está limitado ao sentido estrito do conceito de retribuição, ou seja, à retribuição em sentido próprio, e aqueles complementos correspondem a um modo particular (no estrangeiro) de prestação do trabalho de motorista de veículos de mercadorias, cuja justificação apenas persiste enquanto se mantiver a situação que lhes serve de fundamento.»

Ora, a decisão tomada quanto à função na qual o Apelante deveria ser reintegrado após o trânsito em julgado da declaração de ilicitude do despedimento, importa que, relativamente à retribuição devida desde então, o entendimento tenha de ser em tudo semelhante ao que se acolheu a propósito das denominadas retribuições intercalares, dando-se por reproduzidas as considerações já feitas.

Assim, além do mais, improcede a pretensão do Recorrente de que a cláusula 74.ª do CCT aplicável, por si só, obrigue à manutenção do pagamento da compensação prevista no seu n.º 7, cessada que seja a prestação de serviço no transporte internacional rodoviário, já que tal norma não o prevê e a lei também não, nos termos explicitados no Acórdão identificado.

Resta, então, a causa de pedir assente em assédio moral, nos termos do art. 29.º do Código do Trabalho, por a ré, injustificadamente, não atribuir ao autor serviço de transporte internacional rodoviário em condições semelhantes a colegas seus e ao que se passava com o próprio autor antes do despedimento.

Sublinha-se, antes de mais, que é descabida a invocação do disposto nos arts. 23.º a 28.º do Código do Trabalho, designadamente o especial regime de repartição do ónus da prova, posto que tal pressuporia que, além da identificação dos colegas relativamente aos quais o Apelante se sente prejudicado, fosse identificado um factor de discriminação que diferenciasse a pessoa do autor daqueles colegas, nomeadamente, ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas, filiação sindical ou outro análogo, isto é, qualquer característica, atributo ou qualidade pessoal susceptível de recondução dos indivíduos a categorias que podem ser consideradas como desvantajosas no meio social e laboral, o que não sucede no caso em apreço.

Nesta matéria, vigoram os princípios e regras enunciados, sumariamente, entre outros, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 816/14.0T8LSB.L1.S1 (3), cujo sumário se transcreve:

“1. O Código do Trabalho ao estabelecer critérios de determinação da retribuição refere que na determinação do valor da mesma deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual.
2. O art.º 24.º, do mesmo diploma legal, consagra o direito à igualdade no acesso a emprego e no trabalho, elencando, de forma exemplificativa, fatores suscetíveis de causar discriminação, tais como a ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical.
3. Quando as situações referidas são invocadas como fatores de discriminação, nomeadamente, no plano retributivo, o legislador, no n.º 5, do art.º 25, do diploma legal referido, estabelece um regime especial de repartição do ónus da prova, em que afastandose da regra geral, prevista no art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil, estipula uma inversão do ónus da prova, impondo que seja o empregador a provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação.
4. Já quando for alegada violação do princípio do trabalho igual salário igual, sem que tenha sido invocado quaisquer factos suscetíveis de serem inseridos nas categorias do que se pode considerar fatores de discriminação, cabe a quem invocar o direito fazer a prova, nos termos do mencionado art.º 342.º, n.º 1, dos factos constitutivos do direito alegado, não beneficiando da referida presunção.
5. Para que se pudesse concluir que ocorreu violação do princípio para trabalho igual salário igual, seria necessário que o trabalhador tivesse alegado e demonstrado factos reveladores de uma prestação de trabalho ao serviço do empregador, como chefe de equipa do tratamento, nível 4, que fosse não só de igual natureza, mas também de igual qualidade e quantidade que a dos seus colegas de trabalho com a mesma categoria profissional, o que não aconteceu.”

No caso em apreço, como se disse, não foi invocado qualquer factor de discriminação legalmente atendível, sendo certo que também não procederia a invocação do princípio «trabalho igual salário igual», na medida em que os colegas identificados pelo autor só auferem a compensação prevista na cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT aplicável quando prestam trabalho de natureza, qualidade e quantidade diferente (transporte internacional) do prestado pelo segundo.

Finalmente, no que respeita ao art. 29.º do Código do Trabalho, dispõe que é proibida a prática de assédio e que se entende como tal o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador. E acrescenta que a prática de assédio confere à vítima o direito de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais de direito.

Na situação de assédio, o comportamento indesejado não tem de basear-se necessariamente em factor de discriminação, podendo ter um fundamento que tenha uma virtualidade semelhante, como seja o caso de existir um litígio entre o trabalhador e o empregador ou de aquele ter uma atitude reivindicativa. Também não é imprescindível que tal comportamento indesejado tenha o objectivo imediato de perturbar ou constranger o trabalhador, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador, bastando que tenha esse efeito como consequência da prossecução dum fim ilegítimo ou censurável.

Não obstante, para ser considerada assédio, a situação há-se ter objectivamente a potencialidade descrita, pela gravidade que, em razão da duração e intensidade, apresenta, não bastando que a tenha na perspectiva unilateral do trabalhador.

Sobre o assunto, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Dezembro de 2014, proferido no processo n.º 712/12.6TTPRT.P1.S1, em que se refere (4):

“15. Em linha com o preceituado no art. 15.º, do CT, segundo o qual o trabalhador goza do direito à respetiva integridade física e moral, e ainda nos arts. 23.º, 24.º, 25.º, e 129.º, n.º 1, c), estabelece o art. 29.º, n.º 1, do mesmo diploma, que por assédio se entende “o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”.

Com amplitude acrescida em relação ao regime consagrado no CT/2003, as condutas neste âmbito relevantes deixam de estar necessariamente reportadas a situações de discriminação, abrangendo agora a lei, expressis verbis, a par do assédio sexual (que é uma discriminação de género, definida no nº 2 do art. 29º), as seguintes formas de assédio:

- O assédio moral discriminatório, baseado, nomeadamente, num dos fatores discriminatórios descritos no art. 24.º;
- O assédio moral não discriminatório, quando o comportamento indesejado não se baseia em qualquer fator discriminatório concreto, mas, pelo seu caráter continuado e insidioso, tem os mesmos efeitos hostis[ Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, II, 4ª edição, p. 152 e 161 – 162.].

A este propósito, e seguindo muito de perto o exposto por Júlio Manuel Vieira Gomes [Direito do Trabalho, I, 2007, p. 410/(1079) e 412], importa destacar que “as humilhações são proibidas porque são uma afronta à dignidade da pessoa e uma violação dos seus direitos e não porque constituem um tratamento desigual” [“o assédio não é mais aceitável só porque o empregador insulta indiscriminadamente todos os seus trabalhadores”], pelo que as situações em que o assédio não reveste natureza discriminatória em nada lhe retiram ou diminuem a ilicitude/gravidade.

Na verdade, “as proibições de discriminação visam (…) evitar a injustiça criada pela circunstância de um comportamento - que, em si mesmo, seria legítimo - se tornar ilegítimo por uma diferenciação injusta”; e, ao invés, “no comportamento humilhante ou insultante, não é preciso fazer qualquer comparação com outros trabalhadores para identificar a injustiça”, uma vez que “o comportamento é injusto em sim mesmo, e não por comparação com outros”.

Podendo resultar, pois, dos mais díspares sentimentos e motivações envolvidos nas relações interpessoais no seio da empresa [V.g., a animosidade decorrente de diferenças políticas, culturais ou religiosas, a rivalidade inerente à dinâmica competitiva no local de trabalho, desafio, inveja, desconfiança, ambição, deslumbramento pelo exercício do poder, antipatia e insegurança], é possível distinguir, agora em função da motivação da conduta, duas modalidades de assédio moral:

- O assédio emocional/psicológico (decorrente, por exemplo, de animosidade, antipatia, inveja, desconfiança ou insegurança), em regra dirigido à obtenção de um efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante (animus nocendi);
- O assédio estratégico, merecedor de especial atenção e que se reconduz a uma técnica perversa de gestão, dirigida a objetivos estratégicos definidos, com frequência utilizada como meio para contornar as proibições de despedimento sem justa causa [“Transformando-se num mecanismo mais expedito e económico da empresa se desembaraçar de trabalhadores que, por qualquer razão, não deseja conservar”, na expressão de Júlio Gomes, ibidem, p. 431.] e, por outro lado, como instrumento de alteração das relações de poder no local de trabalho (por exemplo, com o fito de levar o trabalhador a aceitar condições laborais menos favoráveis) ou para implementar determinados padrões de cultura empresarial e/ou de disciplina.

16. De acordo com o entendimento perfilhado pela generalidade da doutrina, pode dizer-se, numa formulação sintética, que o assédio moral implica comportamentos (em regra oriundos do empregador ou de superiores hierárquicos do visado) real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador[Cfr. Pedro Romano Martinez (e outros), Código do Trabalho Anotado, 9ª edição, p. 187, e Bernardo da Gama Lobo Xavier, Direito do Trabalho, 2011, p. 450.], aos quais estão em regra associados mais dois elementos: certa duração; e determinadas consequências.

Ora, é patente que uma abordagem do art. 29.º, n.º 1, do CT, apenas assente no seu elemento literal, se revela demasiado abrangente, pelo que se impõe um esforço adicional para adequadamente delimitar a sua esfera de proteção.

Com efeito, como enfatiza Monteiro Fernandes, “a definição do art. 29º não parece constituir o instrumento de diferenciação que é necessário”, uma vez que “nela cabem, praticamente, todas as situações que o mau relacionamento entre chefes e empregados pode gerar”[ Direito do Trabalho, Almedina, 16ª edição, p. 160.].

E, como realça Júlio Manuel Vieira Gomes[ Ob. cit., p. 436.], “importa (…) advertir que nem todos os conflitos no local de trabalho são, obviamente, um “mobbing”, sendo (…) importante evitar que a expressão assédio se banalize. Nem sequer todas as modalidades de exercício arbitrário do poder de direção são necessariamente um “mobbing”, quer porque lhes pode faltar um caráter repetitivo e assediante, quer porque não são realizados com tal intenção”.

17. Ensaiando uma interpretação “capaz de servir as finalidades operatórias” do conceito de assédio, diz-nos Monteiro Fernandes [Ibidem.]:

“Entrando em conta com o texto da lei e os contributos da jurisprudência, parece possível identificar os seguintes traços estruturais da noção de assédio no trabalho:

a) Um comportamento (não um ato isolado) indesejado, por representar incómodo injusto ou mesmo prejuízo para a vítima (…);
b) Uma intenção imediata de, com esse comportamento, exercer pressão moral sobre o outro (…);
c) Um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, consistente na obtenção de um efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante (…).

A definição do art. 29.º parece, por exemplo, prescindir do elemento intencional que parece essencial à diferenciação da hipótese de assédio, face a outros tipos de comportamento incorreto, abusivo ou prepotente do empregador ou dos superiores hierárquicos do trabalhador. A interpretação do preceito deve, pois, ser feita no sentido indicado.”
18. A propósito da dimensão volitiva/final do conceito de assédio, a doutrina sempre se mostrou dividida, pois, “enquanto para alguns o mobbing pressupõe uma intenção persecutória ou de chicana (ainda que não necessariamente a intenção de expulsar a vítima da empresa), para outros, o essencial não são tanto as intenções, mas antes o significado objetivo das práticas reiteradas”.[ Júlio Manuel Vieira Gomes, ob. cit., p. 436]

Neste âmbito, havendo que reconhecer a necessidade de uma interpretação prudente da sobredita disposição legal, também importa ter presente que não pode ser considerado pelo intérprete um “pensamento legislativo” que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, devendo ainda presumir-se que o legislador soube expressar o seu pensamento em termos adequados e que consagrou as soluções mais acertadas – art. 9.º, n.ºs 2 e 3, C. Civil. Incontornavelmente, a lei estipula que no assédio não tem de estar presente o “objetivo” de afetar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adotado pelo “assediante”.

No entanto, quanto aos precisos contornos desta exigência, duas observações se impõem.

Em primeiro lugar, uma vez que a esfera de proteção da norma se circunscreve, como vimos, a comportamentos que intensa e inequivocamente infrinjam os valores protegidos, não pode deixar de notar-se que é dificilmente configurável a existência de (verdadeiras) situações de assédio moral que - no plano da vontade do agente - não imponham concluir que ele, pelo menos, representou as consequências imediatas da sua conduta, conformando-se com elas.

Por outro lado, para referir que a circunstância de o legislador ter prescindido de um elemento volitivo dirigido às consequências imediatas de determinado comportamento não obsta à afirmação de que o assédio moral, em qualquer das suas modalidades, tem em regra [Em regra, mas não necessariamente, sendo – no limite - configuráveis quadros de assédio resultantes de repetidas e graves “descargas emocionais do assediador, sem qualquer intenção [específica] de sujeição da vítima” – cfr. Rita Garcia Pereira, Mobbing ou Assédio Moral no Trabalho, Coimbra Editora, 2009, p. 100. ] associado um objetivo final “ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável” (v.g. a discriminação, a marginalização/estigmatização ou neutralização do trabalhador, atingir a sua autoestima ou, no tocante ao “assédio estratégico”, os objetivos específicos supra expostos).”


Ora, no caso em apreço, resulta da factualidade provada que o autor, desde a data da sua admissão, conduz veículos automóveis pesados de transporte de mercadorias, propriedade da ré, e ao serviço desta detém e está classificado com a categoria profissional de “motorista”, tendo, entre 5 de Maio de 2008 e 12 de Outubro de 2014, efectuado transporte rodoviário, quer nacional, quer internacional, salvo (pelo menos) durante cerca de 8 meses em que o autor não trabalhou no transporte internacional (TIR), sendo que o último mês durante o qual não fez este foi em Fevereiro de 2010.

Em 13 de Outubro de 2014, a ré comunicou ao autor que este iria ser colocado no serviço de transporte de mercadorias perigosas, que é apenas feito no âmbito do território nacional, tendo o autor manifestado a sua discordância. Desde então, o autor não mais prestou trabalho de TIR, tendo sido colocado pela ré naquele serviço de transporte de mercadorias perigosas, que executou e para o qual tinha licença específica (ADR), para além de experiência em transporte nacional, até que no dia 7 de Novembro de 2014 foi despedido.

O autor impugnou judicialmente o despedimento, pedindo a declaração da sua ilicitude e a reintegração no posto de trabalho correspondente à categoria de motorista de transporte internacional de mercadorias, tendo sido proferida decisão que declarou ilícito o despedimento e condenou a ré a reintegrar o trabalhador na categoria que o mesmo detinha à data do despedimento, ou seja, julgando improcedente o pedido de reintegração como motorista de transporte internacional de mercadorias.

No dia 18 de Março de 2016, o autor apresentou-se ao trabalho na ré e foi reintegrado no seu posto de trabalho de motorista, e, desde então, tem exercido tais funções no serviço de transporte de carga geral e contentores, sem ter voltado a prestar trabalho em TIR e a auferir as inerentes componentes retributivas.

Mais se provou que o autor gostava de prestar trabalho em TIR e sempre se disponibilizou e disponibiliza a fazê-lo e que a ré continuou a ter esse serviço de transporte rodoviário internacional (TIR), levado a cabo por outros motoristas ao seu serviço - tais como P. F., M. P., C. A., P. H. e A. R. - com menor antiguidade que o autor.

Em suma, o autor tem a categoria de “motorista”, cabendo-lhe efectuar transporte rodoviário, quer nacional, quer internacional, sendo certo que já antes do despedimento esteve afecto durante pelo menos 8 meses apenas ao transporte nacional, até Fevereiro de 2010, e que em 13 de Outubro de 2014 foi colocado pela ré no serviço de transporte de mercadorias perigosas, que executou e para o qual tinha licença específica (ADR), para além de experiência em transporte nacional, até que no dia 7 de Novembro de 2014 foi despedido.

Assim, não é possível entender e concluir – objectivamente – que a colocação do autor pela ré no serviço de transporte de carga geral e contentores, após a reintegração, se baseou no litígio entre as partes objecto da acção de impugnação de despedimento, ou no desfecho desta: o autor já tinha estado afecto a tal serviço, em exclusivo, durante pelo menos 8 meses, 4 anos antes, e tudo indica que se não tivesse sido despedido teria ficado afecto por tempo indeterminado ao serviço de transporte de mercadorias perigosas em que fora colocado em 13 de Outubro de 2013.

Por outro lado, também não se provou que a decisão da ré tivesse o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger o autor, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.

Improcede, pois, o recurso.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Apelante.
Guimarães, 10 de Julho de 2019

Alda Martins
Eduardo Azevedo
Vera Sottomayor


1. Neste sentido, entre muitos outros, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2015, proferido no processo n.º 306/12.6TTCVL.C1.S1 (disponível em www.dgsi.pt).
2. Bernardo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, Verbo, p. 387.
3. Disponível em www.dgsi.pt.
4. Disponível em www.dgsi.pt.