Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1927/16.3T8VCT-C.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
QUESTÕES DE PARTICULAR IMPORTÂNCIA PARA O MENOR
EXCLUSIVIDADE DA PROGENITORA
INTERESSES DO MENOR
VIOLÊNCIA SOBRE A PROGENITORA
DESINTERESSE DO PROGENITOR PELO MENOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Num quadro de condenação do progenitor do menor em medida de segurança por factos respeitantes a violência sobre a progenitora do menor, com obrigação de acompanhamento psiquiátrico e abstenção de contacto com esta, aliado ao total desinteresse do progenitor pelo menor, revelado pelo facto de, desde o verão de 2016, inexistir qualquer contacto com aquele e não contribuir para o seu sustento, revela-se contrário aos interesses do menor que o progenitor seja chamado a pronunciar-se sobre questões de particular importância para a vida do menor.

II - Deve, nesse caso, conferir-se à mãe do menor, em exclusividade, as responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância para o menor.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

S. M. requereu contra P. S. processo tutelar cível de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor A. G., peticionando que as responsabilidades parentais relativamente às questões de particular importância para a vida do menor lhe sejam atribuídas em exclusividade.

Peticionou a alteração do regime fixado no sentido de lhe ser atribuída a guarda dos menores, com fixação a favor do pai de um regime de visitas, que melhor especificou, ser fixada obrigação de alimentos no valor de €150,00 por cada um dos menores e, ainda, metade das despesas médicas e escolares.

Para tanto alegou, em suma, que, por sentença homologatória de 15.11.2016, foi fixado acordo quanto à alteração das responsabilidades parentais dos menores L. G. e A. G., no qual se previa, quanto ao que agora importa, designadamente, que:

3. As responsabilidades parentais respeitantes às questões de particular importância para a vida das crianças serão exercidas em comum por ambos os progenitores.”

Desde aquela data, ininterruptamente e até ao presente, que o requerido P. S. não contacta os filhos L. G. - entretanto, já maior - e A. G..
Também desde a mesma data que o requerido não visita os filhos e não contribui com qualquer quantia a título de pensão alimentícia.
Quer a requerida, quer os filhos não conseguem saber do paradeiro do requerido e só através da polícia conseguem chegar ao seu contacto.
As despesas de saúde e educação de ambos os filhos têm sido, desde a mesma data, suportadas pela requerente na totalidade.
O requerido deixou de praticar factos que denotem interesse em exercer qualquer tipo de influência em questões de particular importância - ou de qualquer outra - da vida quotidiana dos filhos, desinteressando-se completamente deles e demitindo-se das suas responsabilidades parentais.
Por outro lado, no início do mês de Setembro próximo, a requerente vai mudar-se para França, para trabalhar por um período de dois anos.
A requerente vai levar consigo o filho A. G. que, aliás, se matriculará já em Agosto em estabelecimento de ensino local.
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Citado, o requerido deduziu contestação (cfr. fls. 5 a 8), pugnando pelo indeferimento do requerimento, devendo manter-se o acordo de regulação das responsabilidades parentais nos termos já definidos nos autos.
Reconhece a ausência de contacto com os filhos desde Agosto de 2016. Todavia, a cessação de tais contactos com os seus filhos ocorreu não por falta de empenho ou vontade do requerido, mas sim porque a tal foi obrigado pela requerente e pelas circunstâncias.
Continua a residir naquela que foi a casa de morada de família e só não ajudou no sustento do menor por carência económica.
Atribui à requerente a intenção de afastá-lo da vida do filho.
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Realizou-se uma conferência de pais na qual o requerido declarou não conseguir contactar com o menor A. G. há cerca de dois anos, pensando que o mesmo já está a residir em França e que neste momento trabalha como professor, numa escola profissional (cfr. fls. 13).
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Foi junta certidão de sentença em processo-crime no qual figurou o requerido como arguido (cfr. fls. 14 a 27).
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Procedeu-se a audiência de julgamento (cfr. fls. 47 e 48).
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Posteriormente, o Mmº. Julgador a quo proferiu sentença (cfr. fls. 49 e 50), nos termos da qual, julgando procedente a alteração do exercício das responsabilidades parentais, decidiu «modificar o teor do n.º 3 do regime até agora vigente, nos seguintes termos:

- As responsabilidades parentais respeitantes às questões de particular importância respeitantes a A. G. competem, em exclusivo, à progenitora, S. D.».
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Inconformado, o requerido P. S. interpôs recurso dessa decisão (cfr. fls. 51 a 59), e formulou, a terminar as respetivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«I - A decisão do douto Tribunal “a quo" em atribuir as responsabilidades parentais relativas ao menor A. G. exclusivamente à Recorrida não possui respaldo nos factos considerados provados, bem como naqueles que o deveriam ter sido, bem como não possui respaldo no enquadramento normativo aplicável pois não promove o superior interesse e bem estar do menor;
II - O douto tribunal “a quo" errou ao não considerar como provado o facto de o Recorrente ter, por diversas vezes, tentado entrar em contacto com o seu filho menor A. G., quer via informática e via sms (Short Message Service) conforme documentalmente provado nos autos e não impugnado;
III - O douto tribunal “a quo" errou ao não considerar como provado (mediante presunção judicial) o facto das tentativas de contacto do Recorrente com o seu filho menor A. G. referidas na conclusão anterior terem sido obstaculizadas pela Recorrida, atenta a situação de conflito existente entre os progenitores e em particular a existência do processo n.º 322/16.9GCVCT que tramitou no Juiz 1 do Juízo Local Criminal de Viana do Castelo;
IV - A situação de conflito existente entre o Recorrente e a Recorrida praticamente impossibilitou que aquele visitasse o seu filho A. G. pois, para o efeito, teria de se deslocar à residência da Recorrida, sendo que se encontrava - e encontra - impossibilitado de contactar com a mesma por força da proibição de contactos no período de suspensão de execução da medida de segurança que lhe foi aplicada no referido processo n.º 322/16.9GCVCT que tramitou no Juiz 1 do Juízo Local Criminal de Viana do Castelo;
V - A Recorrida, sem informar o Recorrente que não por intermédio dos presentes autos e na pendência dos mesmos, levou o menor filho A. G. consigo para França para aí fixar residência sem que para tal tenha obtido a autorização do Recorrente, não obstante bem saber onde este reside e quais são os seus contactos telefónicos;
VI - Contrariamente ao aduzido na fundamentação da sentença proferida pelo douto Tribunal “a quo", a ligação entre o menor A. G. com o Recorrente não se perdeu, mas perder-se-á se este for retirado do exercício em comum das decisões mais importantes para a vida daquele;
VII - Não se diga que a condenação do Recorrente em medida de segurança por factos respeitantes a violência sobre a Recorrida constitui um facto superveniente para a alteração das responsabilidades parentais pretendidas nos presentes autos, uma vez que entre a prolação de sentença nos autos criminais e data de início dos presentes autos mediou 1 (um) ano, sem que tal consubstanciasse qualquer prejuízo para o interesse do menor A. G..
VIII - Não é correcto afirmar-se, como o fez o douto Tribunal "a quo", que: "A alteração pretendida não tem implicações na realidade nem impõe por si qualquer distanciamento" porquanto a extração do Recorrente dos atos nucleares relativos à vida do seu filho menor A. G. vai promover o desvanecimento e eventual cessação da sua qualidade paterna no espirito do menor, tanto mais que, por iniciativa exclusiva da Recorrida (i.e., sem consultar o Recorrente ou sequer previamente o informar) foi arrancado do meio em que nasceu, cresceu e tinha o centro da sua vida para ser levado para um país estrangeiro, assim impossibilitado, materialmente, qualquer tipo de contacto físico com o Recorrente uma vez que este não possui as mínimas condições económicas para o ai ir visitar.
IX - Ao atribuir o exercício das responsabilidades parentais em exclusivo à Recorrida o douto Tribunal "a quo" deu cobertura jurídica à atuação de facto (ilícita) por esta encetada pois desde Setembro de 2018 que levou o menor para França, ai passando com a mesma a viver (alínea f) dos factos provados), tudo sem informar ou obter o consentimento do Recorrente, não obstante facilmente poder entrar em contacto com este como se enunciou na conclusão V;
X - O exercício em comum das responsabilidades parentais relativamente às questões de particular importância previsto no n.º 1 do art. 1906º do Código Civil tem como propósito dinamizar o relacionamento das crianças com o progenitor com quem não residem e comprometer este com a vida do filho, tomando parte ativa na mesma, procurando-se assim evitar a fragilização do relacionamento afetivo entre os mesmos;
XI - Somente quando o Tribunal julgar contrário aos interesses do menor é que deve, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas em exclusivo por um dos progenitores (n.º 2 do art, 1096º do Código Civil);
XII - Da fundamentação da decisão recorrida não se consegue extrair nenhum argumento passível de consubstanciar a conclusão que a manutenção do exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do menor A. G. seja contrário aos seus interesses;
XIII - A decisão recorrida atenta sim contra o interesse superior do menor A. G. pois promove a cessação da intervenção do Recorrente na sua vida, com a necessária fragilização e eventual cessação da relação entre ambos, que, por iniciativa exclusiva da Recorrida, fez com que o menor fosse retirado do meio social, familiar e escolar em que nasceu e cresceu e onde orbitava o centro da sua vida, numa fase de adolescência, para ser levado para um país estrangeiro, dessa forma impossibilitado, materialmente, qualquer tipo de contacto físico, uma vez que, repita-se, o Recorrente não possui as mínimas condições económicas para aí o ir visitar e praticar as visitas a que ambos tem direito;
XIV - Ademais tendo em consideração os meios tecnológicos de comunicação que se encontram à disposição da Recorrida e do Recorrente, o contacto entre ambos é fácil, imediato, tal como o sendo a transmissão da vontade deste último, não sendo a deslocação e fixação de residência do menor em França impeditiva, nem constitui grande obstáculo, a que o Recorrente possa e deva continuar a formatar, conjuntamente com a Recorrida, os actos nucleares da vida do menor, dessa forma se promovendo o seu superior interesse e bem estar.

Termos em que, face ao supra exposto e constante dos autos, a decisão recorrida deverá ser revogada assim se reafirmando a manutenção, pelo Recorrente e pela Recorrida, do exercício em comum das questões de particular importância para a vida do filho menor destes A. G. dessa forma se promovendo o seu superior interesse e assim se fazendo sã justiça!».
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O Ministério Público apresentou contra-alegações, nas quais pugna pelo não provimento ao recurso e confirmação do decidido (cfr. fls. 60 e 61):
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Contra-alegou a requerente, concluindo não ser de assacar quaisquer vícios à sentença recorrida, pugnando pela sua manutenção (cfr. fls. 63 e 64).
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O recurso foi admitido como de apelação, com efeito meramente devolutivo, a subir imediatamente e nos próprios autos (cfr. fls. 65).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:

1.ª – Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
– Se existe fundamento para que haja exclusão do exercício conjunto das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do menor.
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III. Fundamentos de facto

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

a) A. G. nasceu a .. de .. de 2003.
b) A. G. é filho de P. S. e de S. D..
c) Por sentença de Novembro de 2016 foi homologado acordo relativamente a A. G., estabelecendo-se a residência junto da progenitora e ainda o seguinte:
.3. As responsabilidades parentais respeitantes às questões de particular importância serão exercidas em comum por ambos os progenitores.
4. O progenitor poderá ver e visitar (...) sempre que entender (...)
5. A título de alimentos (...) o progenitor contribuirá com a quantia mensal de €25,00 (...).
6. As despesas de educação e saúde (...) serão suportadas na proporção de metade.
d) A. G. já morava com a requerente desde o Verão de 2016.
e) Desde então que A. G. e requerido não estão juntos. O requerido não tem entregue a mensalidade nem suportado parte das despesas com o filho.
f) Em Setembro de 2018 a requerente da emigrou para França e com ela foi A. G. e aí se mantêm até ao presente.
g) O requerido não tem ocupação profissional regular.
h) O requerido foi condenado por sentença de Julho de 2017, transitada, na medida de segurança de internamento (2A*6M) suspensa, com obrigação de acompanhamento psiquiátrico e abstenção de contacto com a requerente. Foi declarado inimputável e os factos respeitavam a violência sobre a requerente.
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E deu como não provados os seguintes factos:

O paradeiro de P. S. seja desconhecido.
Não foi por falta de empenho deste que cessaram os contactos.
Deslocava-se à morada da requerente e esta vedava-lhe os contactos com A. G., as chamadas e a internet.
Foi obrigado a afastar-se do filho.
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IV. Do objeto do(s) recurso(s)

1. Da impugnação da matéria de facto.

1.1. Em sede de recurso, vem o apelante impugnar a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no artigo 640º do CPC, o qual dispõe que:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».

Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que o recorrente indica quais os factos que pretende que sejam decididos de modo diverso, inferindo-se por contraponto a redação que deve ser dada (da modificação dos factos não provados para provados), como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua ótica o impõe(m), pelo que podemos concluir que cumpriu suficientemente o ónus estabelecido no citado art. 640º.
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1.2. Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o artigo 662.º, n.º 1 do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se, resumidamente, de acordo com os seguintes parâmetros(1):

- só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
- sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento;
- nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes).
- a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância.
- a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
- ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão.
- se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com benefício da imediação e oralidade - apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
- a demonstração da realidade de factos a que tende a prova (art. 341º do Cód. Civil) não é uma operação lógica, visando uma certeza absoluta. “A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto(2). O mesmo é dizer que “não é exigível que a convicção do julgador sobre a realidade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança, que o necessário recurso às presunções judiciais (arts. 349 e 351 CC) por natureza implica, mas que não dispensa a máxima investigação para atingir, nesse juízo, o máximo de segurança(3).
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1.3. Por referência às suas conclusões, extrai-se que o recorrente pretende que se dê como provado que:

- o Recorrente tentou, por diversas vezes, entrar em contacto com o seu filho menor A. G., quer via informática e via sms (Short Message Service);
- as referidas tentativas de contacto do Recorrente com o seu filho menor A. G. foram obstaculizadas pela Recorrida, atenta a situação de conflito existente entre os progenitores e em particular a existência do processo n.º 322/16.9GCVCT que tramitou no Juiz 1 do Juízo Local Criminal de Viana do Castelo;

Como concreto fundamento da impugnação da matéria de facto daquele primeiro ponto fáctico invoca a prova documental produzida nos autos.

E, relativamente ao segundo ponto fáctico impugnado, defende que a sua demonstração resulta de presunção judicial.

Como é sabido, regra geral, as razões que levam a que um determinado facto seja considerado não provado podem consistir no seguinte:

- a total ausência ou falta de prova produzida quanto a esse facto, caso em que nenhuma prova foi produzida nos autos quanto a determinado facto, pelo que o mesmo necessariamente resultará não provado;
- a falta ou ausência de credibilidade da prova produzida quanto a esse facto; neste caso (ao contrário do anterior) a produção de prova incidiu sobre o facto em apreço, mas a mesma não foi considerada credível pelo tribunal (4).

Atentando na prova documental erigida pelo recorrente como justificação da procedência da impugnação foi junta aos autos documento (cfr. fls. 7 e 8), que se traduz em prints de mensagens de sms, para um número de telemóvel (…,que o recorrente diz ser do menor A. G.) que contém os seguintes dizeres:

A. G., desbloqueia o messenger”, “A. G., como estás?”, “A. G., como estás?! Agora estás de férias, não digas que não tens tempo…! Quando nos encontramos?!

Sendo este o único meio de prova indicado pelo recorrente, desde já se dirá não ser o mesmo suficiente para habilitar o Tribunal a formar uma convicção segura quanto à verificação do facto que aquele pretende ver demonstrado.

Tratando-se de um documento particular, sujeito à livre convicção do Tribunal, para se poder concluir nos termos propugnados pelo recorrente seria indispensável concatenar esse concreto meio de prova com outros meios de probatórios produzidos nos autos, designadamente declarações do recorrente ou prova testemunhal,

Torna-se, porém, inviável tal indagação, uma vez que, relativamente à prova gravada, não só o recorrente não indicou nenhum meio de prova, como identicamente não indicou os elementos que permitam a sua identificação e localização, incumprindo, nessa parte, o disposto no art. 640º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a) do CPC.

Em suma, relativamente ao ponto facto em apreço, limitando a sua valoração crítica à prova documental, a qual – como se concluiu – não tem a aptidão de credibilidade que o apelante lhe pretende atribuir, e não especificando relativamente aos demais meios probatórios que se mostram invocados, em sede de motivação, pelo tribunal recorrido, razões concretas e circunstanciadas capazes de infirmar o respetivo conteúdo e a apreciação crítica que sobre os mesmos foi feita, nem explicitando outros meios de prova que, no confronto com aqueles, deveriam merecer outra credibilidade ou uma distinta apreciação crítica, não é viável a este tribunal superior (que não tem por missão efetuar, perante si, a repetição do julgamento) extrair uma qualquer conclusão que infirme ou divirja da convicção do tribunal recorrido.

Passando à análise do segundo ponto fáctico impugnado – as tentativas de contacto do Recorrente com o seu filho menor A. G. foram obstaculizadas pela Recorrida –, aduz o recorrente que a sua demonstração decorre de presunções judiciais, tendo por base a situação de conflito existente entre os progenitores e em particular a existência do processo n.º 322/16.9GCVCT, que tramitou no Juiz 1 do Juízo Local Criminal de Viana do Castelo.

Como é sabido, o recurso às presunções judiciais (art. 349º do Código Civil -abreviadamente CC) vale enquanto “prova por indução ou inferência (prova conjectural) a partir dum facto provado por outra forma(5).

As presunções judiciais são ilações que o julgador tira de um facto conhecido – facto base da presunção – para afirmar um facto desconhecido – facto presumido –, segundo as regras da experiência da vida, da normalidade, dos conhecimentos das várias disciplinas científicas ou da lógica - cfr. artigo 349º do CC.

Trata-se das presunções simples ou de experiência, que não nas estabelecidas na lei (presunções legais), que se inspiram “nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana(6).

Ou, como explicam, por seu turno, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (7), as «presunções naturais, judiciais ou de facto são aquelas que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos. É nesse saber de experiência feito que mergulham as suas raízes as presunções continuamente usadas pelo juiz na apreciação de muitas situações de facto».

Nas palavras de Abrantes Santos Abrantes Geraldes (8), as presunções judiciais “constituem um mecanismo necessário para levar o tribunal a afirmar a verificação de certo facto controvertido, suprindo as lacunas de conhecimento ou informação que não possam ser preenchidas por outros meios de prova ou servindo ainda para valorar os meios de prova produzidos”.

Nesta medida, as presunções judiciais não constituem verdadeiros meios de prova, mas apenas “meios lógicos ou mentais da descoberta de factos, operações probatórias que se firmam mediante regras de experiência” (9).

O art. 607º, n.º 4, do CPC impõe que o juiz, ao fazer a análise crítica da prova, extraia dos factos apurados, as presunções impostas por lei ou por regras de experiência.
Em regra, as presunções admitem a prova do contrário, bem, como contraprova, as quais devem ser dirigidas contra o facto presumido e destinam-se a convencer o juiz de que, não obstante a realidade do facto que serve de base à presunção, o facto presumido não se verificou.

A prova por presunções judiciais, como decorre do art. 351º do CC, é admissível «nos casos e nos termos em que é admitida a prova testemunhal».

O que significa que tal espécie de prova só não é permitida nos casos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art.º 393º do CC e nos casos previstos nos nºs 1 e 2 do art.º 394º do mesmo Código.

A situação objeto dos autos não é enquadrável em nenhum dessas situações excepcionais, pelo que não estava o Mmº juiz “a quo” impedido de se socorrer de presunções judiciais para alicerçar a sua convicção no sentido de dar como demonstrados factos que não estavam admitidos por acordo.

No caso concreto em apreço, como já vimos, partindo da situação de conflito existente entre os progenitores e em particular da existência do processo n.º 322/16.9GCVCT que correu termos no Juiz 1 do Juízo Local Criminal de Viana do Castelo, defende o recorrente que o Mmº juiz a quo deveria ter inferido de tais circunstâncias que foi a recorrida quem obstaculizou as tentativas de contacto do Recorrente com o seu filho menor A. G..

Omite, porém, o recorrente o que a esse respeito foi reportado nos autos, designadamente pela testemunha M. D., avó do menor A. G. e mãe da recorrida, a qual explicitou, entre o mais, que há cerca de dois anos que o menor não tem qualquer contacto com o pai, tendo aquele ficado traumatizado em consequência das agressões físicas perpetradas pelo seu pai na pessoa da mãe, verbalizando não mais pretender privar com o pai, por o considerar como “morto e enterrado”. Não obstante tal reação (de rejeição) do menor, sempre a mãe referiu ao filho para privar com o pai, sendo certo que desde o referido processo judicial o progenitor também não tem manifestado qualquer ligação aos filhos, não contribuindo sequer com qualquer quantia monetária para o sustento destes.

Por sua vez, a testemunha X. M., pároco e amigo da família da recorrida, referiu que o menor A. G. manifesta não pretender ter qualquer relacionamento com o progenitor, em resultado das agressões físicas que este perpetrou na mãe.

Além da falta de diálogo entre o progenitor e o menor, reportou também a falta de interesse por parte do progenitor relativamente ao menor e ao outro filho (L. G.), consubstanciado na falta de contribuição, quer afetiva, como monetária para o sustento destes.

Destes depoimentos testemunhais resulta claramente infirmada a conclusão que o recorrente pretende extrair por presunção judicial, posto que, não obstante as agressões físicas que foram objeto de apreciação no processo crime n.º 322/16.9GCVCT que tramitou no Juiz 1 do Juízo Local Criminal de Viana do Castelo, e que culminou com a decisão na qual foi o ora recorrente declarado inimputável, sujeito a medida de segurança de internamento, pelo período de dois anos e seis meses, suspensa na sua execução pelo mesmo período, subordinada a determinadas obrigações, nomeadamente a de não contactar a ora recorrida, a prova produzida não permite de modo algum concluir – seja diretamente, seja por inferência ou indução – que a recorrida obstaculizou o convívio ou contactos entre o recorrente e o menor A. G..

Em suma, na ausência de prova que ateste a factualidade objeto do referido ponto fáctico, é de concluir pela manutenção da resposta firmada pelo tribunal recorrido.
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Nesta conformidade, coincidindo integralmente a convicção deste Tribunal quanto aos factos impugnados com a convicção formada pela Mm.º juiz a quo, impõe-se-nos confirmar na íntegra a decisão da 1ª instância e, consequentemente, concluir pela total improcedência da impugnação da matéria de facto, mantendo-se inalterada a decisão sobre a matéria de facto fixada na sentença recorrida.
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2.Reapreciação da matéria de direito

2.1. Da existência de fundamento de exclusão do exercício conjunto das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do menor.

No âmbito do presente recurso interposto no processo tutelar cível de alteração da regulação das responsabilidades parentais o recorrente pretende a revogação da sentença recorrida que, alterando o exercício conjunto das responsabilidades parentais no tocante às questões de particular importância para a vida do menor A. G., decidiu atribuí-lo exclusivamente à recorrida.

A decisão a ponderar por este Tribunal de recurso reconduz-se, pois, a saber e apurar se, no presente, no tocante ao exercício das responsabilidades parentais, não foi consagrada a melhor solução para os interesses do menor A. G..

Podemos desde já adiantar que, no caso em apreço, a resposta à questão colocada não pode deixar de ser negativa, visto a manutenção do exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do menor se apresentar contrário aos interesses deste.

Vejamos.

Estipulando especificamente acerca do conteúdo das responsabilidades parentais, prescreve o art. 1877º do CC que “os filhos estão sujeitos ao poder paternal até à maioridade ou emancipação”, competindo aos pais, “no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens” – cf. o n.º 1 do art. 1878º do CC.

Prescreve o art. 1901º, n.º 1, do CC que, “na constância do matrimónio, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais” e, “se um dos pais praticar acto que integre o exercício das responsabilidades parentais, presume-se que age de acordo com o outro (…).” – cfr. o n.º 1, 1ª parte do art. 1902º do mesmo diploma.

Prevendo acerca do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, estatui o art. 1906º do CC que:

1 – As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
2 – Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.
3 – O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.
4 – O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício.
5 – O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
6 – Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.
7 – O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”.

Decorre das aludidas normas que a regulação do exercício das responsabilidades parentais tem por objeto decidir quanto ao destino dos filhos (com a inerente fixação da residência da criança), fixar os alimentos que lhes são devidos e a forma da respectiva prestação, fixar o regime de visitas no tocante ao progenitor que não tem os menores a seu cargo e ainda a atribuição do exercício das responsabilidades parentais sobre questões de particular importância para a vida do filho (sendo unicamente esta última componente que interessa no caso ajuizado).

Sob a epígrafe “Regulação das responsabilidades parentais no âmbito de crimes de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar”, acrescenta o art 1906.º-A do CC (10):

«Para efeitos do n.º 2 do artigo anterior, considera-se que o exercício em comum das responsabilidades parentais pode ser julgado contrário aos interesses do filho se:

a) For decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre progenitores, ou
b) Estiverem em grave risco os direitos e a segurança de vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças».

Preocupado com a trágica realidade dos casos de violência doméstica ou outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças, através da Lei n.º 24/2017, de 24 de maio, o legislador introduziu um regime para a regulação ou alteração urgente do exercício das responsabilidades parentais (art.ºs 24.º-A e 44.º-A do RGPTC e 1906.º-A do C. Civil), designadamente quando a algum dos progenitores for atribuído o estatuto de vítima, nos termos do disposto no art. 14.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, justificando a exclusão do exercício conjunto das responsabilidades parentais, por se entender que tais situações podem ser julgadas contrárias ao interesse do filho (11) (12).

Mas mesmo no caso da verificação das circunstâncias previstas nas alíneas do art. 1906º-A do CC, tem-se entendido que daí não resulta o automático afastamento do exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância, pois continua a persistir nesta parte o dever de fundamentação; a gravidade das situações previstas no referido art. 1906º-A do CC confirma o carácter excecional da previsão do n.º 2 do art. 1906 (13) (14).

Na previsão do regime adjetivo do presente processo tutelar cível, refere o n.º 1 do art. 40º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) – aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08/09 –, aplicável “ex vi” do n.º 5 do art. 42º do mesmo diploma, que o exercício das responsabilidades parentais será regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiado a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela”, acrescentando o n.º 8 que “[q]uando for caso disso, a sentença pode determinar que o exercício das responsabilidades parentais relativamente a questões de particular importância na vida do filho caiba em exclusivo a um dos progenitores” e o n.º 9 que, “[p]ara efeitos do disposto no número anterior e salvo prova em contrário, presume-se contrário ao superior interesse da criança o exercício em comum das responsabilidades parentais quando seja decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre os progenitores”.

Prescreve ainda o art. 42º, n.º 1, do RGPTC que, “quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais”.

Por último, segundo o n.º 1 do art. 44º-A do RGPTC, “[q]uando seja decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre progenitores ou se estiver em grave risco os direitos e a segurança das vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças, o Ministério Público requer, no prazo máximo de 48 horas após ter conhecimento da situação, a regulação ou alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais”.

Em suma, do quadro legal supra enunciado decorre que, nos diversos casos de rutura da relação entre os progenitores, a lei estabelece o regime regra do exercício conjunto por ambos os progenitores das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida dos filhos (art. 1906º, n.º 1 do CC) (15) (16). Apenas nos casos excecionais, e mediante decisão fundamentada, poderá esta regra ser afastada pelo tribunal, face à conclusão, não meramente de que a mesma não é adequada, mas que se revela contrária aos interesses do menor (n.º 2 do art. 1906º do CC). São exemplos dessas situações, entre outras, a grande litigiosidade e incapacidade de cooperação e de comunicação entre os progenitores, a violência doméstica entre os mesmos, em situações em que haja indícios ou suspeitas de maus tratos e de abuso sexual em relação à criança por parte do progenitor não residente, o afastamento geográfico entre os progenitores e a falta de contactos entre ambos, a ausência em parte incerta e o desinteresse por parte do progenitor que não tem o filho ao seu cuidado ou de falta de laços afetivos entre o progenitor e criança (17).

Ainda quanto à relevância excecionante do “desinteresse por parte do progenitor com quem o filho não reside habitualmente”, salientam Helena Gomes de Melo e Ana Teresa Leal (18) que:

Muitas são as situações em que o progenitor não guardião se desinteressa completamente da vida do filho, por ele não pergunta, raramente o visita e mostra-se alheio a tudo o que diz respeito à sua vida.

Normalmente, quando tal ocorre, os contactos entre os progenitores são raros e muitas vezes impossíveis devido ao facto de se desconhecer onde o outro reside e até qual o seu contacto telefónico.

Aqui, o exercício conjunto das responsabilidades parentais constitui quase uma impossibilidade prática e o seu afastamento é de ponderar com acuidade”.

Por fim, resta dizer que, tratando-se de processos de jurisdição voluntárias, as decisões tomadas podem sempre ser revistas, desde que ocorram factos supervenientes que justifiquem ou tornem necessária essa alteração (art. 12º do RGPTC e art. 988º, n.º 1 do CPC).

E, segundo o artigo 987.º do CPC, nas providências a tomar em sede dos processos de jurisdição voluntária, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna (19).

Assim, o regime fixado pode ser alterado no que respeita a qualquer uma dessas questões ou todas elas – residência da criança, montante dos alimentos, regime de visitas e exercício das responsabilidades parentais (20).

Decorre do exposto que o princípio fundamental a observar no exercício das responsabilidades parentais é o do interesse da criança – cfr. arts. 40º, n.º 1 do RGPTC e 1905º, n.º 1, 1906º, n.º 2 e 1909º, ambos do CC.

Trata-se de conceito jurídico indeterminado que, apesar de “não ser definível, é dotado de uma especial expressividade”, é “uma «noção mágica, de força apelativa e tendência humanizante”; não sendo suscetível de uma definição em abstrato que valha para todos os casos, este critério de “interesse do menor” “só adquire eficácia (e sentido) quando referido ao interesse de cada criança, pois há tantos interesses da criança como crianças(21).

A prossecução do interesse do menor acarreta que o julgador proceda à sua concretização em face do circunstancialismo concreto, e não de um qualquer modelo estereotipado, recorrendo para o efeito aos valores familiares, educativos e sociais que, sendo dominantes em dado momento, informam a vivência do menor e permitem determinar as necessidades e as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e ao seu bem estar material e moral.

Revertendo ao caso dos autos dele resulta que o menor A. G. nasceu a .. de … de 2003, pelo que presentemente conta com 16 anos.
Por sentença de novembro de 2016, foi homologado acordo relativamente ao menor A. G., estabelecendo-se a sua residência junto da progenitora.

Mais foi acordado que:

- As responsabilidades parentais respeitantes às questões de particular importância serão exercidas em comum por ambos os progenitores.
- O progenitor poderá ver e visitar o menor sempre que entender.
- A título de alimentos o progenitor contribuirá com a quantia mensal de €25,00.
- As despesas de educação e saúde serão suportadas na proporção de metade.

O menor A. G. morava já com a requerente desde o verão de 2016 e, desde então, que o menor e o requerido/recorrente não estão juntos.
O requerido/recorrente não tem entregue a mensalidade, nem suportado parte das despesas com o filho.

Em setembro de 2018, a requerente/recorrida emigrou para França e levou com ela o menor A. G., aí se mantendo os dois.

O requerido/recorrente não tem ocupação profissional regular.

Foi condenado por sentença de julho de 2017, transitada em julgado em 27/12/2017, na medida de segurança de internamento, pelo período de 2 anos e 6 meses, suspensa na sua execução, com a obrigação de acompanhamento psiquiátrico, manutenção de tratamento e toma de medicação prescrita, bem como de abstenção de contacto com a requerente, tendo sido declarado inimputável, sendo que os factos respeitavam a violência sobre a requerente.

Pois bem, do acervo dos factos supra enunciados é possível destacar diversas situações relevantes justificadoras da exclusão do exercício conjunto das responsabilidades parentais.

Desde logo, há a sobrelevar os actos de violência física perpetrados pelo recorrente sobre a recorrida, tendo inclusivamente aquele sido condenado na medida de segurança de internamento (2A*6M), suspensa na sua execução, com obrigação de acompanhamento psiquiátrico e abstenção de contacto com a requerente.

Com relevância também o facto de, a partir de setembro de 2018, o menor ter passado a residir com a progenitora em França, já que esta decidiu emigrar para aquele país e levou consigo o menor, onde presentemente residem.

Acresce que, desde o verão de 2016, inexistem contactos entre o recorrente e o menor.

Alegou o recorrente ter procedido a diversas tentativas de contacto com o filho menor, mas que estas tentativas foram obstaculizadas pela recorrida, devido à situação de conflito existente entre os progenitores.

A verdade é que essa facticidade não resultou provada.

Por outro lado, demonstra o recorrente não ser um progenitor participativo e interessado no bem estar do seu filho menor, quer na componente afetiva (materializada na falta de contactos), quer na componente patrimonial, na medida em que não tem entregue a mensalidade devida a título de alimentos, nem suportado parte das despesas com o filho.

Contrapõe o recorrente dizendo que “o superior interesse e bem-estar do menor impõe que os seus progenitores não apenas mantenham um contacto próximo com a criança, mas igualmente que, de forma activa, intervenham nos actos de particular importância que lhe digam respeito, ou seja, naqueles acontecimentos ou questões essenciais graves e de rara ocorrência na vida da criança como o sejam por exemplo a escolha e inscrição da criança em estabelecimento de ensino particular ou privado, intervenções cirúrgicas que impliquem risco para a vida ou integridade física da criança, a localização ou determinação do centro de vida (a alteração de residência que implique uma mudança geográfica para local distante dentro do próprio país ou para o estrangeiro)”.
Sem dúvida que esse ideário seria o adequado se os progenitores revelassem um sério empenho e comprometimento no bem-estar físico e psíquico do filho menor.

Todavia, relativamente ao recorrente os factos apurados contrariam por completo essa propalada postura positiva, apresentando-se aquele como um progenitor “invisível” ou ausente, posto que a relação com o menor é pautada pela inexistência de contactos desde o verão de 2016, além de que tem aquele omitido a obrigação de contribuir com o mínimo necessário ao sustento do menor.

Pelo menos a breve trecho e a manter-se a referida postura omissiva do recorrente não se vislumbra em que termos possa, no futuro, vir a ser reatado, em termos profícuos, um relacionamento entre o recorrente e o menor.

À alegação de que a condenação do recorrente em medida de segurança por factos respeitantes a violência sobre a recorrida não constitui um facto superveniente com a aptidão para a alteração das responsabilidades parentais pretendidas nos presentes autos, tanto mais que a mesma data de Julho de 2017, ou seja, 1 ano antes do início dos presentes autos e durante 1 ano a existência da condenação nos referidos autos criminais não consubstanciou qualquer prejuízo para o interesse do menor A. G., objetar-se-á o facto de o recorrente não indicar, nesse período temporal, uma só questão de particular importância para a vida do menor para a qual tenha sido chamado a pronunciar-se e em que termos deu o seu contributo para essa decisão.

Insurge-se o recorrente quanto ao facto da alteração determinada impor necessariamente um distanciamento entre o recorrente e o menor, pois o que a Recorrida pretendeu com os presentes autos de alteração das responsabilidades parentais foi transformar uma situação de facto numa juridicamente tutelada, tanto mais que, antes mesmo da prolação da sentença, já havia alegadamente matriculado o menor A. G. numa escola em França e posteriormente (em setembro de 2018) passou a viver com ela nesse país estrangeiro, sem que para o efeito tivesse obtido a concordância ou sequer consultado o Recorrente.

Discordamos de tais asserções.

A nosso ver, a alteração decretada não irá promover a cessação da intervenção do recorrente na vida do menor A. G., nem o consequente desvanecimento - e eventual cessação - como figura paterna no espírito do menor A. G., nem implica uma maior clivagem ou distanciamento do que aquele que já existe, posto que, como se disse, aquela intervenção e relação entre o progenitor e o filho é nula ou inexistente desde o ano de 2016; limita-se aquela decisão a dar substrato jurídico a uma situação de facto que é a já vivenciada na realidade, em que era a progenitora quem tinha de tomar todas as decisões relativas à vida do menor, até porque o recorrente se tornou um progenitor ausente e não participativo, o que demonstra um total desinteresse na participação da definição dos destinos do menor

Também não colhe a argumentação de que «a atribuição à Recorrida, em exclusivo, das responsabilidades parentais respeitantes às questões de particular importância respeitantes ao menor A. G. não protege, nem promove o seu interesse e bem-estar».

Sendo a recorrida a única progenitora que, desde 2016, tem vindo a proteger e a promover o interesse e o bem-estar do menor A. G., seria destituído de total razoabilidade pressupor que o recorrente continua imbuído desse espírito, quando os factos concretos contrariam por completo essa (meramente verbalizada) disponibilidade.

Será, por outro lado, de censurar o comportamento da progenitora que, tendo de custear sozinha as despesas com o sustento, habitação, vestuário, instrução e educação do menor A. G. – e tendo mais dois filhos, um deles ainda a estudar na Covilhã –, emigra para outro país a fim de tentar arranjar melhores condições económicas para si e para o(s) seu(s) filho(s) ?

Claramente que não.

Tivesse o recorrente tido um comportamento positivo, empenhado e participativo, quer em termos afetivos, como patrimoniais, relativamente ao filho A. G., e certamente a sua posição na decisão de mudança de residência do menor não deixaria certamente de ser tomada em devida conta, o mesmo valendo quanto ao exercício das responsabilidades parentais.

A invocação dos meios tecnológicos, como meio potenciador e facilitador dos contactos e da transmissão da vontade do recorrente nas decisões a tomar é, no caso, inócua, em virtude da inexistência de diálogo, não só entre o progenitor e o filho, mas também entre os progenitores.

Com efeito, tendo sido imposta ao recorrente a obrigação de não contatos com a recorrida em virtude de actos de violência praticados sobre esta, não seria curial sujeitar a recorrida a ter de auscultar o recorrente sempre que houvesse que tomar uma decisão sobre questão de particular importância para a vida do menor, tanto mais que aquele revela um total desinteresse pelo bem estar do menor.
Esse desinteresse claramente inviabiliza o exercício conjunto das responsabilidades parentais relativas às aludidas “questões de particular importância para a vida do filho”.

Não se concede a efetividade de um “exercício em comum de responsabilidades”, relativamente a questões do patamar de importância para o menor, atento o objetivado desinteresse do progenitor relativamente ao menor, seu filho.

A vontade, empenho, disponibilidade, vinculação afetiva, que tal exercício conjunto pressupõe também da parte do progenitor com o qual o menor não reside, estão afastados.

Posto o que, em juízo de prognose, da imposição daquele apenas iria resultar – quando tais questões surgissem, seja por via de conflito, seja em consequência da inércia do progenitor – a necessidade de recurso ao tribunal (cfr. art. 1901º, n.º 1, e 1912º, n.º 2, do Código Civil).

Daí que, considerando que o grande desinteresse do progenitor pelo menor, pelo menos neste momento, é pernicioso para o normal desenrolar da vida do mesmo em questões de particular importância, como as acima enunciadas, somos levados a concluir pela manutenção da decisão que conferiu à mãe do menor o exercício em exclusivo das responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância para o menor.

Nesta conformidade, julgamos ser de manter o juízo formulado pela 1ª instância, pelo que improcede a apelação.
*
Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I - Num quadro de condenação do progenitor do menor em medida de segurança por factos respeitantes a violência sobre a progenitora do menor, com obrigação de acompanhamento psiquiátrico e abstenção de contacto com esta, aliado ao total desinteresse do progenitor pelo menor, revelado pelo facto de, desde o verão de 2016, inexistir qualquer contacto com aquele e não contribuir para o seu sustento, revela-se contrário aos interesses do menor que o progenitor seja chamado a pronunciar-se sobre questões de particular importância para a vida do menor.
II - Deve, nesse caso, conferir-se à mãe do menor, em exclusividade, as responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância para o menor.
*
V. Decisão

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo do apelante (art. 527º do CPC), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza.
*
Guimarães, 28 de fevereiro de 2019

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
P. S. Reis (2º adjunto)


1. Cfr., na doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 271/300, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, 2017 – reimpressão, Almedina, pp. 384 a 396; Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pp. 462 a 469; na jurisprudência, Acs. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); Acs. da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis em www.dgsi.pt.
2. Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, pp. 435/436; no mesmo sentido, Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pp. 191/192
3. Cfr. Lebre de Freitas, Introdução Ao Processo Civil. Conceito E Princípios Fundamentais À Luz Do Novo Código, 4ª ed., Gestlegal, Coimbra, 2017, p. 202.
4. Cfr. Helena Cabrita, A fundamentação de facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra editora, p. 208.
5. Cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, 1993, p. 215.
6. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 4ª ed., p. 312.
7. Cfr. Manual do Processo Civil, 2ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, p. 502.
8. Cfr. Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol., Almedina, p. 220.
9. Cfr. Ac. do STJ de 12.11.74, RLJ, Ano 108º, p. 147 e segs., com anotação de Vaz Serra.
10. Introduzido pelo art. 2º da Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio, que promove a regulação urgente das responsabilidades parentais em situações de violência doméstica e entrou em vigor a 23/06/2017.
11. Cfr. Ac. da RE de 22/03/2018 (relator Tomé Ramião), in www.dgsi.pt. e Tomé d`Almeida Ramião, Regime do Processo Tutelar Cível, 2ª ed., Quid Iuris, 2017, p. 180
12. Como se refere na Exposição de motivos do Projecto de Lei n.º 345/XIII, “perante a realidade dramática de persistência dos casos de violência doméstica, apesar dos sucessivos avanços legislativos, importa que o legislador intervenha novamente, adequando o atual quadro legislativo à necessidade de agilizar o procedimento de alteração das condições de exercício do regime de responsabilidades parentais sempre que, em função de presumível prática de crime e inerente aplicação de medida de coação de afastamento entre progenitores, ou em caso de aplicação de pena acessória com estes efeitos, aquele regime de regulação e o tempo eventualmente dilatado de aplicação não se constituam, na prática, como um fator de perturbação, pressão e risco para as vítimas e para os filhos”.
13. Cfr. Estrela Chaby, Código Civil Anotado (Ana Prata Coord.), volume II, Almedina, 2017, pp. 810 e 817 a 819.
14. Todavia, para José António de França Pitão e Gustavo França Pitão, se no caso previsto na al. a) do art. 1906º-A do CC «ainda pode haver “alguma margem de manobra” para se permitir o contacto do progenitor agressor com a criança, permitindo-lhe um contacto com esta em terreno neutro (v.g. visitas acompanhadas, em local público, sem contactos entre progenitores) e a participação deste no acompanhamento da formação e desenvolvimento da criança, mesmo à distância», já no segundo caso – se estiverem em grave risco os direitos e a segurança de vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças – parece que «não devem ser abertas exceções, na medida em que qualquer contacto direto do progenitor agressor com a criança será sempre prejudicial para esta» (cfr. Responsabilidades Parentais e Alimentos, De acordo com as Leis n.ºs 48/2018 e 49/2018, de 14 de agosto, Quid Juris, 2018, p. 150).
15. Como se aduz na Exposição de motivos do Projecto de Lei n.º 509/X, que deu origem à Lei n.º 61/2008, de 31/10, a “imposição do exercício conjunto das responsabilidades parentais para as decisões de grande relevância da vida dos filhos decorre ainda do respeito pelo princípio do interesse da criança. Também aqui se acompanha a experiência da jurisprudência e a legislação vigente em países que, por se terem há mais tempo confrontado com o aumento do divórcio, mudaram o regime de exercício das responsabilidades parentais da guarda única para a guarda conjunta. Isso aconteceu por terem sido verificados os efeitos perversos da guarda única, nomeadamente pela tendência de maior afastamento dos pais homens do exercício das suas responsabilidades parentais e correlativa fragilização do relacionamento afectivo com os seus filhos (…). Impõem-se o exercício conjunto das responsabilidades parentais, salvo quando o tribunal entender que este regime é contrário aos interesses do filho. O exercício conjunto, porém, refere-se apenas aos “actos de particular importância”; a responsabilidade pelos “actos da vida quotidiana” cabe exclusivamente ao progenitor com quem o filho se encontra. Dá-se por assente que o exercício conjunto das responsabilidades parentais mantém os dois progenitores comprometidos com o crescimento do filho; afirma-se que está em causa um interesse público que cabe ao Estado promover, em vez de o deixar ao livre acordo dos pais; reduz-se o âmbito do exercício conjunto ao mínimo – aos assuntos de “particular importância”. Caberá à jurisprudência e à doutrina definir este âmbito; espera-se que, ao menos no princípio da aplicação do regime, os assuntos relevantes se resumam a questões existenciais graves e raras, que pertençam ao núcleo essencial dos direitos que são reconhecidos às crianças. Pretende-se que o regime seja praticável – como é em vários países europeus – e para que isso aconteça pode ser vantajoso não forçar contactos frequentes entre os progenitores. Assim se poderá superar o argumento tradicional de que os pais divorciados não conseguem exercer em conjunto as responsabilidades parentais”.
16. A doutrina e a jurisprudência têm elencado entre as situações concretas que podem enquadrar-se dentro do conceito geral sobre situações de particular importância para a vida do filho, a que se referem os arts. 1901º, n.º 2, e o 1906º, n.º 2, ambos do CC, as seguintes: - decisões sobre intervenções cirúrgicas do filho (inclusive as estética) que não sejam absolutamente necessárias; - saída do filho para o estrangeiro, não em turismo, mas em mudança de residência; - obtenção de licença para a condução de ciclomotores; - escolha de ensino particular ou ensino público para a escolaridade do filho; . mudança de escola; - atos de administração dos bens do filho que envolvam oneração; - educação religiosa do filho até aos dezasseis anos; - prática de atividades desportivas que representem um risco para a saúde ou integridade física do filho; - autorização parental para o filho contrair casamento; - orientação profissional do filho; - uso de contraceção ou interrupção de uma gravidez; - participação em casting para cinema ou telenovela: - participação da criança em anúncios com divulgação de imagens; - divulgação de fotografia da criança em redes socais; - exercício de uma atividade profissional pela criança - mudança de residência da criança para local distante da residência atual; - requisição de passaporte. - a inclusão dos apelidos paternos no nome da criança [cfr. Helena Bolieiro/Paulo Guerra, A Criança e a Família - Uma Questão de Direitos, Visão Prática dos Principais Institutos do Direito e da Família e das Criança e Jovens, 2ª ed., Coimbra Editora, 2014, pp. 196/197, nota 24, José António de França Pitão e Gustavo França Pitão, obra citada, pp. 124 e 125, Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 6ª ed. Almedina, 2014, pp. 310/325 e Rita Lobo Xavier, in Recentes alterações ao regime jurídico do divórcio e das responsabilidades parentais (Lei n.º 6//2008. de 3/ de Outubro), Almedina, 2009, p. 67].
17. Cfr., na doutrina, Maria Clara Sottomayor, obra citada, pp. 285/290, Ana Sofia Gomes, Responsabilidades Parentais, 3ª. ed., Quid juris, 2012, p. 70.; na jurisprudência, Ac. da RE de 7/04/2016 (relator Silva Rato) e o Ac. da RL de 15/05/2014 (relator Ezagüy Martins), estes disponíveis in www.dgsi.pt.
18. Cfr., Poder paternal e responsabilidades parentais, 2ª ed., Quid juris, 2010, p. 165.
19. Como se lê no acórdão do STJ de 25.05.2017 (Relator Tomé Gomes), in www.dgsi.pt., “na esfera da tutela de jurisdição voluntária, em que se protegem interesses de raiz privada mas, além disso, com relevo social e alcance de interesse público, são, por isso, conferidos ao tribunal poderes amplos de investigação de factos e de provas (art.º 986.º, n.º 2, do CPC), bem como maior latitude na determinação da medida adequada ao caso (art.º 987.º do CPC), em derrogação das barreiras limitativas do ónus alegatório e da vinculação temática ao efeito jurídico especificamente formulado, estabelecidas no âmbito dos processos de natureza contenciosa nos termos dos artigos 5.º, n.º 1, 260.º (quanto ao pedido e causa de pedir) e 609.º, n.º 1, do CPC”.
20. Cfr. Tomé d`Almeida Ramião, obra citada, p. 166
21. Cfr. Maria Clara Sottomayor, obra citada, p. 42.