Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
353017/10.7YIPRT.G1
Relator: ISABEL ROCHA
Descritores: INJUNÇÃO
COMPETÊNCIA INTERNA
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
INCONSTITUCIONALIDADE
RECLAMAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/26/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I-O Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Conselho e do Parlamento Europeu que institui o procedimento europeu de injunção nos casos transfronteiriços no âmbito dos países da comunidade por ele vinculados, tem carácter facultativo, constituindo um meio suplementar e facultativo à disposição do requerente, que manterá a liberdade de recorrer aos procedimentos previstos no direito interno.
II- O despacho de convite ao aperfeiçoamento previsto no art.º 508.º n.º 3 do CPC é irrecorrível dada a sua natureza provisória.
III- Para se aferir a competência em razão da nacionalidade dos Tribunais portugueses num acção fundada no incumprimento de um contrato de compra e venda celebrado entre uma sociedade portuguesa e uma sociedade francesa, devem aplicar-se as normas do Regulamento (CE) N.º 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000, particularmente os seus art.ºs 2.º, 3.º n.º 1 e 5.º n.º 1 al. b).
IV- Não compete ao tribunal de recurso apreciar a inconstitucionalidade de uma norma legal que não teve aplicação concreta nem qualquer consequência na decisão recorrida.
V - Quando a arguição da nulidade não está ao abrigo de qualquer despacho judicial, deve a parte dela reclamar para o tribunal onde a mesma ocorreu e não impugná-la por meio de recurso.
Decisão Texto Integral: T…Ldª, com sede na Rua …, Guimarães, intentou contra R… com sede em 07, Av. …, França, procedimento de injunção, peticionando a condenação da R. no pagamento da quantia, de € 39.558.70 acrescida de juros vencidos no valor de €6.636,66, tudo no valor global de €46.195,36 e ainda no pagamento dos juros que se vencerem até efectivo e integral pagamento.
Alegou, em síntese, que:
A A. é uma sociedade comercial por quotas cujo objecto social consiste na importação e exportação de calçado e seus acessórios. No exercício da sua actividade comercial, a A. vendeu à R. e esta comprou à A. os produtos descritos quanto à quantidade, qualidade e preço, nas seguintes facturas:
- Factura n.º 20080135, emitida em 08-08-2008 e vencida 07-10-2008, no valor de €33.249,20;
- Factura n.º 20080189, emitida em 19-09-2008 e vencida 18-11-2008, no valor de € 46.309,50.
Por conta do montante total em divida, a R. já efectuou os seguintes pagamentos parciais:
- € 10.000,00, em 08-12-2008;
- € 10.000,00, em 05-01-2009;
- € 20.000,00, em 26-01-2009.
- € 20.000,00, em 26-01-2009,
Assim, a R. está em dívida para com a A. no quantitativo de 39.558,70 [€79.558,70 - €40.000,00].
Ao quantitativo em dívida acrescem os juros de mora calculados às taxas supletivas legais aplicáveis, os quais perfazem na presente data o valor de €6.636,66 (seis mil seiscentos e trinta e seis euros e sessenta e seis cêntimos).
Apesar das diversas tentativas da A. em obter o pagamento do montante em divida, a requerida não pagou.

Por se afigurar ao Tribunal a quo que se poderia verificar a sua incompetência internacional atento o disposto no art.º 5.º n.º 1 al. b) do Regulamento (CE) n.º 44/2001, foi ordenada a notificação da Autora para que concretizasse a sua alegação inicial, especificando o lugar onde os bens lhe foram entregues.

Na sequência de tal notificação, a autora apresentou o articulado de fls 18 e 19, juntando com o mesmo cópias das facturas referidas no requerimento inicial.
Alegou então o seguinte:
A autora obrigou-se a entregar a mercadoria nas instalações do transitário “ABREU…, LDA-” sito na Rua Vasconcelos,… Moreira da Maia, o qual transportaria, por sua vez, a mercadoria até à sede da ré em França.
A autora e a ré acordaram na modalidade de transporte FOB (free on board) isto é, a mercadoria foi entregue pela autora ao transitário “ABREU…”, escolhido pela Ré, tendo esta assumido a responsabilidade pelo transporte principal e custos do mesmo. Com a entrega da mercadoria nas instalações do transitário cessou a intervenção da autora enquanto exportadora.

O requerido foi notificado para no prazo de 15 dias contestar, apenas lhe tendo sido dado conhecimento do teor do requerimento inicial, omitindo-se a notificação do articulado de fls 18 e 19 e dos documentos que com o mesmo foram juntos aos autos.
O requerido veio aos autos manifestar a vontade de deduzir oposição, transmutando-se os autos para uma acção declarativa de condenação sobre a forma ordinária.
Foi então proferido novo despacho que relegou a decisão sobre a competência internacional para momento posterior. Mais se decidiu que a “peça apresentada pela requerida configurava uma oposição, ordenando-se então a notificação desta, com as advertências legais, para que apresentasse contestação devidamente aperfeiçoada, concretizando os termos concretos em que se opunha à pretensão da Autora e para que constituísse mandatário, atenta a obrigatoriedade imposta pelo art.º 32.º n.º 1 al. a) do CPC.

Notificado de tal despacho e também para pagar a taxa de justiça inicial e multa de igual montante, verificou-se que a Ré não constitui mandatário nem pagou a taxa de justiça, pelo que, por despacho judicial, considerou-se sem efeito a defesa e, em face da invalidade da contestação, consideraram-se confessados os factos articulados pela Autora.
A autora apresentou alegação por escrito.
Foi proferida sentença que, de forma tabelar, julgou verificados os pressupostos processuais, designadamente a competência do Tribunal em razão da nacionalidade, julgando a acção procedente e condenando a Ré no pedido.

Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação da sentença, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
1ª – Pelas razões e fundamentos desenvolvidos de fls 3 a 5 das precedentes alegações, e concretamente por estarmos perante um “caso transfronteiriço” de natureza cível e comercial que tem como único objecto o pagamento de parte do preço de uma encomenda de calçado, directamente conexionado com dois Estados-Membros – Portugal e França - a requerente da injunção que está na origem da presente acção, no lugar do requerimento de injunção de que lançou mão, entre nós instituído pelo D.L. 269/98, de 1 de Setembro, devia obrigatória e necessariamente ter utilizado o PROCEDIMENTO EUROPEU DE INJUNÇÃO PARA PAGAMENTO INSTITUÍDO PELO REGULAMENTO (CE) Nº 1896/2006 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, no respeito pelo formulário do Tipo previsto no seu Artigo 7º, 1, no respectivo Anexo I, e com o conteúdo mencionado nos números 2 e 9 daquele artigo e concedendo à requerida, ora requerente, o prazo de 30 dias, previsto no seu artº 16º, nº 2, por ser procedimento/requerimento - e não o efectivamente utilizado - o legalmente imposto e o único admissível para o presente caso, dada a sua natureza do ponto de vista subjectivo e objectivo.
2ª.- Ao não ser utilizado o procedimento ou modelo de requerimento previsto e imposto por aquele REGULAMENTO EUROPEU, coarctaram-se ou limitaram-se substancialmente à requerida, ora recorrente, enquanto sociedade de direito Francês, com sede em França e sem nenhuma sucursal ou forma de representação em Portugal, como consequência e efeito desse não uso, as suas garantias de defesa, quer quanto ao conteúdo do procedimento imposto pelo nº 1 e pelas diversas alíneas do nº 2 do artº 7º daquele diploma de direito europeu, quer quanto ao prazo para o exercício do seu direito de defesa que deste modo viu reduzido e que de facto a impediu de organizar e apresentar a sua defesa a partir de um País estrangeiro.
3ª.- A não utilização, pela requerente T…, da forma do procedimento europeu, prevista e imposta pelo citado REGULAMENTO (CE), e a utilização no seu lugar do requerimento de injunção nacional previsto pelo D.L. 269/98, além de violar o princípio da forma expressa e obrigatoriamente imposta por aquele requerimento para casos transfronteiriços como o presente, traduziu a preterição de uma forma de processo – o referido procedimento europeu – obrigatoriamente imposta pelo direito comunitário supranacional e influiu na tramitação e da definição dos direitos e obrigações das partes com diminuição das garantias de defesa da requerida, sendo por isso nulo o requerimento de injunção utilizado e nulo todo o processo subsequente, nisso incluindo a sentença final condenatória.
Sem conceder,
A INCONSTITUCIONALIDADE DO PRAZO DE OPOSIÇÃO CONCEDIDO À REQUERIDA:
4ª.- Pelas razões e fundamentos de fls 5 a 7 das precedentes alegações, o prazo de 15 dias concedido à requerida, ora recorrente, para, sem qualquer dilação, deduzir oposição à injunção, bem como o artigo 4º do Regime Preambular do Dec Lei nº 269/98, ao impor aquele prazo também “sem qualquer dilação”, considerando o princípio constitucional da igualdade dos cidadãos perante a lei e o livre e igual acesso de todos ao direito e à justiça, independentemente da sua nacionalidade ou origem, reconhecidos universalmente pela Constituição da República Portuguesa, considerando que a R., ora recorrente, tem a sua sede em França, muito distante do Tribunal onde corria a injunção, colocou-a numa situação de desigualdade perante a lei em relação aos cidadãos portugueses e não tomou em conta as suas dificuldades em deduzir a sua oposição considerando o facto de estar domiciliada em País estrangeiro e muito distante do tribunal onde corria o processo, são inconstitucionais e violam os princípios da igualdade dos cidadãos perante a lei e a liberdade de acesso ao direito e à Justiça consagrados nos artigos 2º, 13º, 1 e 2 e 20º, 1 da referida Constituição e, além disso, violam a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades de que é exemplo o Acórdão citado na pag 6.
5ª.- Como consequência disso, se o processo não for nulo e ou anulado pelas razões das conclusões 1ª a 3ª, deve ser nulo pela razão alegada na conclusão 4ª, ordenando-se então a repetição da notificação da requerida para deduzir a sua oposição beneficiando da dilação justamente correspondente ao facto de ter a sua sede em França, designadamente a dilação que para situações semelhantes estabelece o artº 252º-A do CPC.
Ainda sem conceder,
QUANTO AO DESPACHO DE FLS. 15:
6ª.- Pelas razões e fundamentos de fls 7 a 10 das precedentes alegações, o despacho de fls 15 dos autos não tem fundamento legal expresso e, ao conceder à requerente, a oportunidade de em requerimento autónomo vir alegar factos novos que não integram o núcleo estruturante da causa de pedir, mas relativos às condições de modo e local de entrega e pagamento do calçado objecto da compra e venda por ela alegada para com isso se pronunciar sobre a competência internacional do tribunal, concedeu à parte a possibilidade de na prática apresentar um articulado superveniente, e desse modo violou não só o disposto nos artigos 506º e 508º, nº 3 do CPC e a jurisprudência acolá invocada, mas também constituiu em si uma decisão surpresa que deu origem à modificação da instância estabilizada com a notificação da requerida que, com base nos factos alegados no requerimento inicial prefigurara a incompetência internacional do tribunal português, que, sendo obrigatoriamente do conhecimento oficioso, a dispensava de vir a juízo.
7ª.- Tal despacho é por isso ilegal e, como tal, nulo, dando lugar à nulidade do e ao desentranhamento do requerimento e dos dois documentos de fls 18/19 e à anulação da sentença que neles se baseou, ordenando-se a prolação de nova sentença que não tenha em consideração aquele requerimento e aqueles dois documentos, e que julgue aplicando a regra geral do nº 1 do art.º 2º do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, julgando o Tribunal de Guimarães internacionalmente incompetente, porque, nos termos dessa norma, a R. devia ter sido demandada perante os tribunais franceses.
Com efeito,
8ª. A notificação da R., ora recorrente, do requerimento de injunção, teve como efeito legal incontornável, por força do disposto nos arts. 268º e 481º, b) do CPC a estabilização dos elementos essenciais do processo, nisso incluindo a causa de pedir.
9ª – Sendo ponto assente que a A., na sua causa de pedir, não alegou nenhum facto respeitante ao local de entrega dos sapatos objecto da compra e venda que celebrou com a R., nem ao regime/modo de efectuar essa entrega nem juntou quaisquer documentos - muito menos documentos que se referissem a essas condições do negócio –, a instância, quanto à causa de pedir, tornou-se estável, nesses precisos termos, com a citação, não podendo a partir de então ser objectivamente alterada pela introdução de novos factos e de novos documentos senão nos casos expressa e legalmente previstos (na ausência de acordo das partes, nos casos previstos no 273º do CPC), mas sempre com a garantia e o respeito do princípio do contraditório em relação à própria R., apesar de esta não ter contestado.
10ª – Pelos termos em que a A. configurou a causa de pedir (sem invocar quaisquer factos no sentido referido no início da conclusão precedente), o tribunal “a quo” era obrigado, pela regra do art.º 2º, nº 1 do Regulamento (CE) nº 44/2001, de 22 de Dezembro, e por força do disposto nos artigos 101º e 102º, 1 do CPC, a julgar-se internacionalmente incompetente para conhecer do pedido, tendo em conta que a R. era e é uma sociedade com sede em França.
11ª – O facto de, por essa razão, o tribunal ter de, oficiosamente, se declarar internacionalmente para conhecer do pedido, tinha duas ordens de consequências e efeitos práticos:
a) em 1º lugar, dispensava a R. de contestar a acção, sabendo ela que, se o tribunal, como devia, aplicasse as normas legais anteriormente citadas, ela seria necessariamente absolvida;
b) em 2º lugar, em tais condições, impunha ao tribunal o dever de não consentir no processo novos e ulteriores elementos de prova, como documentos, nem a alegação de novos factos que importassem alteração ou modificação da causa de pedir, designadamente quanto às condições da compra e venda referidas na conclusão 2ª, sem, pelo menos, garantir à R. a possibilidade de sobre isso se pronunciar.
12ª – A decisão de fls. 15 e o requerimento e os dois documentos juntos pela A. de fls. 18 a 20 dos autos violaram, em 1º lugar, o princípio da estabilidade da instância, consagrado nos arts. 268º e 481º, b) do CPC, quanto a condições essenciais da causa de pedir, em ordem a permitir ao tribunal habilitar-se a, “nas costas da R.”, e por decisão surpresa, condená-la de preceito no pedido, assim traindo ilicitamente as expectativas jurídicas por ela legitimamente fundadas no modo como a instância e a causa de pedir se encontravam configuradas no momento da citação, e que levariam inevitavelmente à sua absolvição da instância.
13ª – A decisão de fls. 15 é ainda nula porque, só podendo fundar-se no art.º 508º, nº 3 do CPC, certo é que este preceito não consentia ao M.mo Juiz uma tal decisão, uma vez que traduz o convite a alegar factos novos relativos à caracterização (não essencial) do contrato de compra e venda alegado pela A., e, assim, uma iniciativa do tribunal para permitir àquela suprir uma omissão factual de que dependia o direito por ela invocado.
14ª – Tal despacho violou pois o disposto naquele art.º 508º, nº 3, e decidiu ao arrepio da jurisprudência citada nas precedentes alegações (fls. __) e contrariamente à melhor doutrina sobre a questão.
Ainda e sempre sem conceder,
QUANTO À VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO:
15ª – Pelas razões e fundamentos de fls 10 a 12 das precedentes alegações, o requerimento de fls. 18/19, contendo factos novos sobre as condições substanciais do negócio de compra e venda alegado pela A. na petição inicial, acompanhado dos dois documentos de fls 20/21, traduzindo um “articulado superveniente camuflado” era e é legal e processualmente inadmissível, quer porque é apresentado ao abrigo de um despacho ilegal, quer porque viola frontalmente todas as normas que lhe consentiam a finalidade em vista, após a citação da R., designadamente os arts. 273º e 506º do CPC.
16ª – Mesmo que, por remota hipótese, esta Relação considerasse processualmente admissível, a junção quer do requerimento de fls. 18 quer dos dois documentos que o acompanharam, não pode deixar de considerar e de decidir que, em tal hipótese, e face ao conteúdo e ao relevo jurídico de um e de ambos, os mesmo deviam ser obrigatoriamente notificados à R., para que esta sobre os mesmos se pronunciasse, querendo.
17ª – Ao não dar o teor de tal requerimento e de tais documentos a conhecer à R., para que esta sobre isso se pronunciasse, o tribunal “a quo” violou em relação àquela o princípio do contraditório com o âmbito e o sentido ínsitos nos artigos 2º e 20º da Constituição da República, tal como têm sido interpretados pelo Tribunal Constitucional, e decidiu ao arrepio da jurisprudência firmada por esse Alto Tribunal, de que são exemplo, entre muitos outros, os seus acórdãos referidos a fls. 10 e 11 das precedentes alegações.
18ª – E violou igualmente o disposto no art.º 3º, nº 3 do CPC, devendo consequentemente ser anulado todo o processo a partir da sua apresentação se porventura tal nulidade não tiver já sido decidida a partir do despacho de fls. 15.
Sempre sem conceder,
INCOMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES:
19ª – Pelas razões, fundamentos de fls 12 a 23 e pelo valor e oportunidade da jurisprudência do STJ aí transcrita, para afeitos do artº 5º, nº 1, al. b) do REGULAMENTO (CE) Nº 44/2001: f) o lugar do cumprimento é o local ou País de destino e da entrega efectiva dos bens ao comprador e não o local de entrega como cumprimento da obrigação do vendedor, p. ex. o transitário que os vais transportar;
g) o lugar do cumprimento aí previsto é um conceito autónomo de lugar do cumprimento, estabelecido para atenuar "os inconvenientes de recurso às regras de direito internacional privado do Estado do foro", e que é válido tanto para a venda de bens como para a prestação de serviços;
h) a jurisdição desse local de destino e ou de entrega efectiva dos bens (país Estado-Membro) é a competente internacionalmente para apreciar o alegado incumprimento do preço.
i) o facto de na factura ou facturas constar o Incoterm FOB/PORTO ou outro semelhante, em nada releva para a determinação do local de destino ou da entrega efectiva, visto que os Incoterms são fórmulas contratuais que apenas:
a. definem os termos ou condições de venda, e, nas transacções internacionais de mercadorias, as condições em que os produtos devem ser exportados;
b. definem direitos e obrigações, tanto do exportador como do importador;
c. permitem precisar o momento da transferência de obrigações, ou seja, o momento em que
o exportador é considerado isento de responsabilidades legais sobre o produto exportado.;
j) mas que nenhum significado têm quanto à determinação do local ou País de destino e ou da entrega efectiva dos bens.
TEMPESTIVIDADE DA INVOCAÇÃO DA INCOMPETÊNCIA INTERNACIONAL:
20ª.- Também pelas razões e fundamentos alegados a fls 23 e 24 e pelo valor da jurisprudência aí citada, a ora recorrente está em tempo para, como faz, suscitar no presente recurso a incompetência internacional dos tribunais portugueses para julgar a questão que a recorrida trouxe a decisão e julgamento.
A Autora contra alegou pugnando pela manutenção do decidido no Tribunal a quo, por entender que os Tribunais Portugueses são competentes para julgar a presente causa e que não devem proceder as invocadas nulidades, inconstitucionalidades e ilegalidades.

IIFUNDAMENTAÇÃO
Objecto do recurso
O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso.
Nos recursos apreciam-se questões e não razões.
Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

Assim sendo, as questões a decidir são as seguintes:
I - Erro da forma do processo por preterição do procedimento de injunção europeu;
II - Ilegalidade do despacho de fls 15, que ordenou a notificação da Autora para que concretizasse a sua alegação, especificando o lugar onde os bens lhe foram entregue;
III- Competência internacional dos Tribunais Portugueses;
IV – Inconstitucionalidade do art.º 4.º do DL 269/98 de 1 de Setembro (Diploma Preambular).
V – Violação do Princípio do Contraditório.

A sentença recorrida fundamentou-se nos factos alegados pela Autora, que se consideraram confessados.

I – Do erro na forma do processo
Defende a Ré que, estando em causa nos autos um alegado incumprimento de uma obrigação de pagar o preço decorrente de um contrato de compra e venda celebrado entre duas sociedades comerciais sediadas em dois diferentes Estados membros da União Europeia, deveria ter-se seguido o procedimento europeu de injunção de pagamento, previsto no Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Conselho e do Parlamento Europeu e não o procedimento previsto no DL 269/98 de 1 de Setembro, alterado pelo DL 32/2003 de 17 de Fevereiro (acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e injunção).
A existir a obrigatoriedade da aplicação do procedimento criado no aludido regulamento, poderá verificar-se a nulidade do erro na forma do processo, de conhecimento oficioso (cf. art.ºs 199.º e 202.º do CPC).
O referido regulamento da CE, aplicável na íntegra aos Estados-Membros (com excepção da Dinamarca) a partir de 12 de Dezembro de 2008, visou criar um o procedimento europeu de injunção de pagamento para a cobrança de créditos pecuniários líquidos exigíveis na data em que é apresentado o requerimento de injunção (cf. art.º 4.º).
Pretendeu-se, com tal procedimento, simplificar, acelerar e reduzir os custos dos processos judiciais em casos transfronteiriços de créditos pecuniários não contestados e permitir a livre circulação das injunções de pagamento europeias em todos os Estados-Membros, através do estabelecimento de normas mínimas cuja observância torne desnecessário qualquer procedimento intermédio no Estado-Membro de execução anterior ao reconhecimento e à execução (cf. art.º 2.º als a) e b))
O regulamento é aplicável em matéria civil e comercial em casos transfronteiriços, (aqueles em que pelo menos uma das partes tem domicílio ou residência habitual num Estado-Membro distinto do Estado-Membro do tribunal demandado) independentemente da natureza do Tribunal (cf. art.ºs 2.º n.º 1 primeira parte e 3.º)
O regulamento não abrange matéria fiscal, aduaneira ou administrativa, nem a responsabilidade do Estado por actos e omissões no exercício do poder público («acta jure imperii»), não sendo aplicável:
a) Aos direitos patrimoniais decorrentes de regimes matrimoniais ou análogos, de testamentos e de sucessões;
b) Às falências e às concordatas em matéria de falência de sociedades ou outras pessoas colectivas, aos acordos judiciais, aos acordos de credores ou a outros procedimentos análogos;
c) À segurança social;
d) A créditos resultantes de obrigações não contratuais, a não ser que:
i) As partes tenham chegado a acordo sobre esses créditos ou tenha havido um reconhecimento da dívida ( cfr art.º 2.º n.º 1 segunda parte e n.º 2).
ou ii) Esses créditos se relacionem com dívidas líquidas decorrentes da compropriedade de bens.

Em face do exposto, não restam dúvidas de que a Autora, para fazer valer a sua pretensão, poderia ter utilizado o procedimento europeu de injunção de pagamento.
E dizemos “poderia e não “deveria” porque, como resulta claramente do n.º 2 do art.º 2.º Regulamento (CE) n.º 1896/2006, “O presente regulamento não obsta a que um requerente reclame um crédito na acepção do artigo 4.º através da instauração de outro procedimento previsto na legislação de um Estado-Membro ou no direito comunitário.”
Ou seja, como claramente se refere no ponto 10.º do preâmbulo do regulamento, o procedimento estabelecido pelo mesmo regulamento “… deverá constituir um meio suplementar e facultativo à disposição do requerente, que manterá toda a liberdade de recorrer aos procedimentos previstos no direito interno. Por conseguinte, o presente regulamento não substituirá nem harmonizará os mecanismos de cobrança de créditos não contestados previstos no direito interno.”
Estando em causa obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL 32/2003 de 17 de Fevereiro [cf. art. 3º a)] não restam dúvidas de que procedimento de injunção previsto no DL 269/98 é o próprio, conforme decorre do art.º 7.º do seu “anexo”.
Não se verifica assim a invocada nulidade de erro na forma do processo.

II – Da ilegalidade do despacho de fls 15
Invoca a apelante que o despacho que ordenou a notificação da Autora para que concretizasse a sua alegação inicial, especificando o lugar onde os bens que alega ter vendido à Ré lhe foram entregues, é ilegal.
Segundo a Ré, está em causa um convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, pelo que o dito despacho não podia convidar a Autora alegar novos factos que alteram a causa de pedir. Conclui assim que foi violado o disposto no art.º 508.º n.º 3 do CPC, pelo que o despacho em causa enferma de nulidade que afecta todo o processado após o mesmo.
Ao invocar a ilegalidade do despacho e a sua consequente nulidade em sede de recurso nos termos do disposto no art.º 691.º n.º 3 do CPC, pretende a Autora impugná-lo por esse meio.
Em princípio, se “há um despacho que sanciona a prática ou a omissão de um acto, ou formalidade, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade que se tenha cometido, é a impugnação do respectivo despacho pela interposição do recurso competente.” (cf. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. II, pag 507, 1945).
Contudo, como reconhece a própria Ré, o despacho em causa constitui um despacho de convite ao aperfeiçoamento previsto no art.º 508.º do CPC e no artº 17º nº 3 do anexo do DL 269/98, (que permite que este despacho seja proferido depois da oposição do requerido, ou seja, quando da transmutação da injunção em acção declarativa conexa).
Sendo esta a natureza do despacho em crise, o mesmo é irrecorrível, como decorre claramente do art.º 508.º n.º 6 do CPC. E bem se compreende que assim seja já que se trata de um despacho que reveste natureza provisória: convidada a aperfeiçoar os articulados, a parte corresponde ou não ao convite do juiz; no primeiro caso, este verifica se o aperfeiçoamento é suficiente e, se assim for, o processo prosseguirá, sem que o juízo emitido constitua caso julgado; se o aperfeiçoamento não for suficiente ou se a parte não responde ao convite que lhe é feito, o juiz proferirá novo despacho, em que retirará as consequências que se impõem, despacho este recorrível (cfr. Lebre de Freitas, CPC anotado, vol 2.º, Coimbra Editora, 2008, pag. 382.
No caso concreto a Autora, na sequência do aludido despacho, correspondeu ao convite que lhe foi feito, tendo sido proferido despacho que ordenou que os autos seguissem os seus trâmites normais.
Não obstante a irrecorribilidade do despacho de fls 15, sempre se dirá que, em nosso entender, o articulado que a Autora apresentou após o referido convite e o despacho posterior que o não rejeitou, não enfermam de nulidade, já que, ao contrário do que defende a Ré, não foram violados os limites impostos no art.º 273.º do CPC.
Como refere Lebre de Freitas (ob. citada, vol II, pag.383) o aperfeiçoamento é o remédio, quer para os casos em que os factos alegados pelo autor não se apresentam suficientemente concretizados, quer para o caso em que esses factos são insuficientes. Neste último caso estão em falta elementos de facto necessários à completude da causa de pedir ou de uma excepção.
No caso concreto, a nova alegação de factos destinava-se precisamente a completar uma alegação insuficiente no que concerne à verificação da excepção da incompetência absoluta do Tribunal.
A causa de pedir da acção foi, no essencial, alegada no requerimento inicial: a autora alegou que vendeu à Ré vários produtos discriminados em facturas cujo número, valor, data de emissão e de vencimento indica; mais alega factos de onde resulta que a Ré apenas pagou parcialmente o preço daqueles produtos, pedindo, em consequência que esta seja condenada a pagar-lhe o montante do preço ainda não pago e respectivos juros de mora.
O articulado que a Autora apresentou na sequência do convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, veio suprir a insuficiência da alegação inicial relativamente ao lugar do cumprimento da sua obrigação da entrega dos bens que vendeu á Ré, relevante para se aferir da competência do Tribunal a quo em razão da nacionalidade. Ao mesmo tempo, juntaram-se documentos (cópias de facturas) cujo teor está relacionado com os factos então alegados (cf. art.º 523.º n.º 1 do CPC).
O novo articulado não implica qualquer alteração do pedido ou da causa de pedir, não se vislumbrando a existência de nulidade por violação dos aludidos preceitos do art.º 508.º do CPC.

III - Da verificação da excepção da incompetência dos Tribunais Portugueses em razão da nacionalidade.
Suscita a ré a excepção da incompetência internacional dos tribunais portugueses para julgar a presente causa.
Em primeiro lugar há que precisar que só em sede de sentença foi apreciada esta questão, embora de forma tabelar, escrevendo-se na mesma “O Tribunal é competente em razão da nacionalidade…”.
Assim sendo, a impugnação desta decisão deve fazer-se, como se fez, em sede de recurso da sentença, não fazendo sentido interpor apelação autónoma relativamente a esta questão da competência, como parece defender a apelada, vigorando o princípio da unidade do recurso.
De qualquer forma, está em causa a competência absoluta do Tribunal, questão que deve ser suscitada oficiosamente em qualquer estado do processo enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa (cf. art.º 102.º n.º 1 do CPC).
Em primeiro lugar há que ter em conta que a competência se fixa, em princípio, no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, conforme decorre do artº 24º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ) na redacção da Lei 52/2008 de 28 de Agosto.
A competência dos tribunais deve pois ser aferida tendo em conta os termos em que foi proposta a acção, isto é, o que releva são os elementos identificadores da causa (pedido fundado na causa de pedir e partes) tal como é configurada pelo autor (cf. art.º Manuel Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, pag. 90-91, e Lebre de Freitas, “Código de processo Civil anotado, vol I. pag. 136.
Nos termos do disposto no art.º 23.º n.º 2 da mesma LOFTJ, “A lei de processo fixa os factores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais.”
Assim, dispõe o art.º 61.º do CPC, que “Os Tribunais Portugueses têm competência internacional quando se verifique alguma das circunstâncias mencionadas no art.º 65.º.
A competência internacional dos tribunais portugueses releva em situações jurídicas que apresentam conexão com uma ou mais ordens jurídicas.
Essa competência é atribuída, quer pelo art.º 65.º para o qual remete o art.º 61, quer pelos regulamentos comunitários e convenções internacionais que fazem parte integrante do direito português (art.º 8.º da CRP) e prevalecem sobre as normas processuais internas, como decorre daquele art.º 65.º que dispõe “Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções ou regulamentos comunitáriosa competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação das seguintes circunstâncias…”.
Acresce que, o art.º 65-A al a) atribui competência exclusiva aos Tribunais Portugueses nos casos previstos em regulamentos comunitários ou em outros instrumentos internacionais.

No caso dos autos e tendo em conta a configuração da acção tal como foi delineada pela autora, verifica-se que a acção foi proposta por uma sociedade comercial portuguesa contra uma sociedade comercial sediada em França.
Está em causa o incumprimento da obrigação do pagamento de parte do preço de um contrato de compra e venda celebrado entre a autora, vendedora, e a ré, compradora, pedindo-se a condenação desta a pagar àquela o montante do preço não pago, acrescido dos juros de mora.
Trata-se de situação que apresenta conexão com duas ordens jurídicas, a portuguesa e a francesa, sendo que estes países são membros da Comunidade Europeia.
Assim sendo, é aplicável, para decidir a questão que agora nos ocupa, o Regulamento (CE) N.º 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000 em vigor à data da instauração da presente acção (cf. seus art.ºs 66.º e 76.º) relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, que veio substituir entre os Estados –Membros da Comunidade, a convenção de Bruxelas ( cf. art.º 68.º).
O âmbito de aplicação do regulamento está definido no seu art.º 1.º.
Aplica-se em matéria civil e comercial e independentemente da natureza da jurisdição;
Não abrange, as matérias fiscais, aduaneiras e administrativas.
São excluídos da sua aplicação:
a) O estado e a capacidade das pessoas singulares, os regimes matrimoniais,
os testamentos e as sucessões;
b) As falências, as concordatas e os processos análogos;
c) A segurança social;
d) A arbitragem.
É obrigatório para todos os Estados-Membros, com excepção da Dinamarca e, como já referimos, tem primazia sobre as normas processuais internas (cf. art.º 76.º do regulamento, 249.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia, art.º 8.º da CRP e 65.º e 65-A do CPC).

A presente causa enquadra-se no campo de aplicação do regulamento quanto á sua matéria, de natureza civil.
Por outro lado, o litígio em questão tem conexão com o território de dois dos Estados-Membros que estão vinculados pelo Regulamento (art.º 1.º n.º 1al. a) e n.º 3, e 60.º do Regulamento).
Assente que está a aplicação ao caso dos autos do Regulamento 44/2001, vejamos então o que nele se dispõe quanto à atribuição da competência em razão da nacionalidade.
O princípio geral de atribuição de competência tem por base o domicílio do requerido ou demandado. É o que dispõe o art.º 2.º que determina também que tal competência deve estar sempre disponível, excepto em alguns casos bem determinados em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam outro critério de conexão.
Contudo, como se refere nas considerações prévias do Regulamento (considerando n.º 12). “O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça.”

Assim, dispõe o art.º 3.º n.º 1 do mesmo diploma que: “As pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado-Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.”
Entre essas regras (facultativas) relativas à competência releva, para o caso concreto, o artigo 5.º da segunda secção do regulamento, que dispõe o seguinte:
Uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro:
1. a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;
b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:
-no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues,
- no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;
c) Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a);
No caso concreto está em causa precisamente um contrato de compra e venda de calçado.
Assim sendo, é aplicável, facultativamente, a regra da alínea b), primeira parte do art.º 5.º, uma vez que a segunda parte desta norma se refere a prestações de serviços e, a alínea a) só releva se não for aplicável qualquer uma das situações da alínea b).
Ou seja, a Autora podia demandar a ré quer em França onde esta está sediada, (cf. art.º 60.º) o que não sucedeu, quer no país onde se obrigou a entregar os bens que vendeu.
A questão está em saber o que se entende como o lugar da entrega dos bens: se o lugar onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues, ou o local do destino final das mercadorias objecto do contrato.
No que respeita á jurisprudência nacional, no acórdão desta Relação datado de 11/10/2011, proferido no processo 42/11.0TCGMR.A.G1 e publicado em www.dgsi. entendeu-se que o lugar o lugar da entrega dos bens que releva para os efeitos do art.º 5.º 1 al b) é o da entrega efectiva, ou seja, o destino final dos bens. No mesmo sentido se decidiu também no acórdão do STJ de 23/10/2007, publicado no mesmo sítio.
Relativamente a tal questão já se pronunciou também o Tribunal de Justiça no acórdão de 25 de Fevereiro de 2010, “Car Trim” (PorcessoC-381/08) que declarou que, o art.º 5.º n.º 1 al b) primeiro travessão, do regulamento deve ser interpretado no sentido de que, em caso de venda á distância, o lugar onde as mercadorias foram ou devam ser entregues por força do contrato, deve ser determinado com fundamento nas disposições desse contrato. Acrescentou que, se for impossível determinar o lugar da entrega com esse fundamento, sem fazer referência ao direito material aplicável ao contrato, esse lugar é o da entrega material dos bens pela qual o comprador adquiriu o poder de dispor efectivamente desses bens no destino final da operação de venda.
Mais recentemente foi proferido no mesmo Tribunal o acórdão Elecrosteel Europe SA/ Edil Centro SPA, (Processo C-87/10) que, subscrevendo a jurisprudência do acórdão “Car Trim”, se referiu concretamente aos casos em que os termos e as cláusulas do contrato não contenham uma referência directa e explícita a um lugar de entrega que determinaria o tribunal competente.
A Elecrosteel, demandada, excepcionou a incompetência dos Tribunais Italianos para conhecerem de acção em que estava em causa o incumprimento da obrigação de pagamento do preço no âmbito de um contrato de compra e venda
A “Edil Centro, demandada, alegava que o contrato de compra e venda em causa, assinado na sua própria sede, situada em Itália, contém a cláusula «Resa: Franco («Entrega: à saída da nossa sede») sendo este o lugar de entrega da mercadoria e que, por conseguinte, os órgãos jurisdicionais italianos são os competentes para julgar o litígio.
Relevava, assim , para efeitos de determinação da competência em razão da nacionalidade, os termos elaborados pela Câmara de Comércio Internacional, com sede em Paris, chamados “Incoterms” (international commercial terms), na sua versão publicada em 2000, redigidos em inglês, que constitui a língua oficial dos mesmos, alegando que a cláusula «Resa corresponde ao «incoterm EXW» («Ex Works»), pontos A4 e B4 deste, que designa o lugar de entrega das mercadorias.
Os “incoterms” definem, nas transacções internacionais de mercadorias, as regras de exportação de produtos, designadamente os direitos e obrigações do importador e do exportador.
O Juiz do Tribunal Italiano submeteu ao TJCE questão prejudicial relativa à interpretação do art.º 5.º n.º 1 alb) do Regulamento, a fim de se determinar o lugar do cumprimento da obrigação da obrigação da entrega das mercadorias vendidas.
Escreveu-se no acórdão:
“A este propósito importa recordar que, de acordo com o art.º 23.º do regulamento, um pacto atributivo de jurisdição pode ser celebrado não apenas por escrito ou oralmente com confirmação escrita mas também sob uma forma que esteja em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente reconhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.
Não há razão para considerar que o legislador da União teria tido a intenção de excluir a tomada em consideração de tais usos comerciais para efeitos de interpretação de outras disposições do mesmo regulamento e, nomeadamente, para a determinação do tribunal competente em conformidade com o artigo 5.°, n.° 1, alínea b), primeiro travessão, deste regulamento.
Os usos, sobretudo se forem recolhidos, precisados e publicados por organizações profissionais reconhecidas e forem largamente seguidos na prática pelos operadores económicos, desempenham um papel importante na regulamentação não estatal do comércio internacional. Facilitam a tarefa dos operadores económicos na redacção do contrato, porque, através da utilização de termos breves e simples, podem regular uma larga parte das suas relações comerciais. Os Incoterms elaborados pela Câmara de Comércio Internacional, que definem e codificam o conteúdo de certos termos e de certas cláusulas utilizados correntemente no comércio internacional, têm um reconhecimento e uma utilização prática particularmente amplos.
Assim, no âmbito da análise de um contrato, a fim de determinar o lugar de entrega, na acepção do artigo 5.°, n.° 1, alínea b), primeiro travessão, do regulamento, o órgão jurisdicional de reenvio deve ter em conta todos os termos e todas as cláusulas pertinentes desse contrato, incluindo, se for o caso, os termos e cláusulas geralmente reconhecidos e consagrados pelas práticas do comércio internacional, tais como os «Incoterms», desde que permitam determinar, de forma clara, esse lugar.
Quando o contrato em causa contém tais termos ou cláusulas, pode revelar se necessário analisar se eles constituem estipulações que fixam unicamente as condições relativas à repartição dos riscos relacionados com o transporte de mercadorias ou a repartição dos custos entre as partes contratantes ou se estabelecem igualmente o lugar de entrega da mercadoria.
Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se a cláusula «Resa: Franco [nostra] sede», constante do contrato em causa no processo principal, corresponde ao Incoterm «Ex Works», pontos A4 e B4, ou a outra cláusula ou uso habitualmente seguido no comércio e que seja apto a determinar, de forma clara, sem ser necessário recorrer ao direito material aplicável ao contrato, o lugar de entrega das mercadorias em conformidade com esse contrato.
25. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se a cláusula «Resa: Franco [nostra] sede», constante do contrato em causa no processo principal, corresponde ao Incoterm «Ex Works», pontos A4 e B4, ou a outra cláusula ou uso habitualmente seguido no comércio e que seja apto a determinar, de forma clara, sem ser necessário recorrer ao direito material aplicável ao contrato, o lugar de entrega das mercadorias em conformidade com esse contrato.
Conclui-se então: “Em face das considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 5.°, n.° 1, alínea b), primeiro travessão, do regulamento deve ser interpretado no sentido que, em caso de venda à distância, o lugar onde as mercadorias foram ou deveriam ter sido entregues nos termos do contrato deve ser determinado com base nas disposições desse contrato. No âmbito da análise sobre se o lugar de entrega é determinado «nos termos do contrato», o órgão jurisdicional nacional em causa deve ter em conta todos os termos e todas as cláusulas pertinentes desse contrato que permitam designar de maneira clara esse lugar, incluindo os termos e cláusulas geralmente reconhecidos e consagrados pelos usos do comércio internacional, como os «Incoterms» («international commercial terms»), elaborados pela Câmara de Comércio Internacional de Paris, na sua versão publicada em 2000. Se for impossível determinar o lugar de entrega nesta base, sem recorrer ao direito material aplicável ao contrato, esse lugar é o do acto de entrega material das mercadorias, através do qual o comprador adquiriu ou devia ter adquirido o poder de dispor efectivamente dessas mercadorias no destino final da operação de venda.

Afigura-se que a jurisprudência do Tribunal de Justiça a propósito da questão analisada nos dois citados acórdãos é a mais acertada.
Revertendo ao caso concreto, há que ter em consideração, em primeiro lugar, o modo como a autora configurou a acção.
Ora, no articulado que apresentou na sequência do convite ao aperfeiçoamento, alegou claramente que “ A autora obrigou-se a entregar a mercadoria (que vendeu) nas instalações do transitário “Abreu…, LDA”, sitas na Ruas Vasconcelos Costa, Moreira da Maia, o qual transportaria, por sua vez, a mercadoria até á sede da Ré em França.”
É pois inequívoco que, segundo a versão da Autora, por força do contrato de compra e venda que celebrou com a ré, se obrigou perante esta a entregar as mercadorias que lhe vendeu, em Moreira da Maia, Portugal.
Assim sendo e na interpretação que defendemos em consonância com a citada jurisprudência do TC, os Tribunais Portugueses sempre seriam competentes em razão da nacionalidade para julgar a presente causa.
Mas a autora também alega que acordou com a ré na modalidade de transporte FOB (Free on board) como consta das facturas que juntou, tendo a mercadoria sido entregue no transitário escolhido pela Ré em Portugal, cessando, com a entrega da mercadoria, a intervenção da autora como exportadora.
Esta modalidade de transporte está prevista nos Incoterms.
Estas regras, de carácter uniformizador relativamente ao comércio internacional, são válidas apenas no domínio das relações contratuais (compra e venda) estabelecidas entre exportadores e importadores.
Como se decidiu no acórdão do TJ de 09/06/2011, há que ter em conta o que dispõem estas regras, designadamente se as mesmas são aptas a determinar, de forma clara, sem ser necessário recorrer ao direito material aplicável ao contrato, o lugar de entrega das mercadorias em conformidade com o contrato de compra e venda.
A modalidade FOB é válida, normalmente, para o transporte marítimo ou hidroviário interior. Todas as despesas, até o momento em que o produto é colocado a bordo do veículo transportador, são da responsabilidade do exportador. Ao importador cabem as despesas e os riscos de perda ou dano do produto a partir do momento que este transpuser a amurada do navio.
No que concerne particularmente às regras dos Incoterms 2000 relativas à modalidade FOB, aplicáveis ao caso, estabelece-se no ponto A4 “Delivery” que o vendedor deve entregar as mercadorias no porto ou na embarcação designada pelo comprador. Por sua vez, no ponto B4 “Taking Delivery” estabelece-se que o comprador deve receber as mercadorias no local onde tenham sido entregues de acordo com o ponto A4.
Não resulta da alegação da autora se o transporte foi ou não efectuado por via marítima ou hidroviária.
Contudo, da sua alegação resulta que as partes no contrato de compra e venda em causa quiseram aplicar as ditas regras, o que só confirma o alegado no sentido de que o local de entrega das mercadorias acordado entre vendedor e comprador no âmbito daquele contrato se situava nas instalações do transitário, em Portugal.
Assim e por tudo o exposto, concluímos que os Tribunais Portugueses são competentes, em razão da nacionalidade, para julgar a presente causa.

IV- Inconstitucionalidade do art.º 4.º do DL 269/98 de 1 de Setembro (Diploma Preambular).
Entende o Réu que a norma do art.º 4.º do DL 269/98 (Diploma Preambular) é inconstitucional, no segmento em que determina que, “À contagem dos prazos constantes das disposições do regime aprovado pelo presente diploma, são aplicáveis as regras do Código de Processo Civil, sem qualquer dilação”.

De acordo com esta norma, residindo a Ré no estrangeiro, não lhe seria aplicável a dilação prevista no n.º 3 do art.º 252-A do CPC no que concerne à notificação (que equivale à citação) que lhe foi feita para, querendo, pagar ao requerente a quantia pedida ou para deduzir oposição que, no procedimento de injunção é de 15 dias (art.º 12.º n.º 1 do anexo ao DL 269/98).
Sustenta que o prazo previsto no regime do procedimento de injunção, sem qualquer dilação, foi pensado pelo legislador para os cidadãos residentes em território português e que, tendo a Ré sede em França, tal prazo peremptório põe em causa o seu direito de acesso aos Tribunais, colocando-a numa situação de desigualdade relativamente aos cidadãos que residem em Portugal, já que não se leva em conta a sua distância geográfica e linguística relativamente ao nosso país.
Conclui que a norma em causa viola a Constituição da República Portuguesa, mais concretamente os art.ºs 13.º (que consagra o princípio da igualdade) e 20.º (que assegura o acesso ao direito e a tutela jurisdicional efectiva), que são consequência da consagração, no art.º 2.º da República Portuguesa como um Estado de Direito Democrático.
O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a inconstitucionalidade ora invocada no Acórdão n.º 20/2010 de 13 de Janeiro de 2010, publicado no DR 2.ª série n.º 36 de 22 de Fevereiro de 2010, onde se decidiu “Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 4.º do Decreto -Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, na parte em que determina a não aplicação da dilação prevista no artigo 252.º -A, n.º 1 alínea a), do Código de Processo Civil, no caso de citação feita a pessoa diversa do réu.”
Como se refere na fundamentação deste Acórdão, que aqui em síntese iremos expor, o Decreto-Lei 269/98 teve como finalidade a regulação especial da tramitação dos processos que corressem termos nos tribunais de pequena instância cível, de modo a aí atingir objectivos de simplificação e celeridade processual.
“Pretendia -se que, para o domínio da pequena litigiosidade, respeitante ao cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contratos que não excedessem o valor da alçada dos tribunais de 1.ª instância, valesse um processo especial que, embora inspirado no modelo da acção sumaríssima, o simplificasse ainda. E isto para — conforme se diz na exposição de motivos do Decreto -Lei n.º 269/98 — obviar aos efeitos perversos decorrentes da “instauração de acções de baixa intensidade que tem crescentemente ocupado os tribunais, [que], colocados, na prática, ao serviço de empresas que negoceiam com milhares de consumidores… com o que se postergam decisões em tempo útil”
O DL 32/2003 de 17 de Fevereiro que transpôs para a ordem interna a Directiva 200/35-CE do Parlamento e do Conselho, veio também alargar o procedimento de injunção ás transacções comerciais independentemente do valor da causa, visando, como se refere no seu preâmbulo, a necessidade de “... lutar contra os atrasos de pagamento em transacções comerciais.”
É neste contexto que se deve entender o disposto na norma sob juízo.
No âmbito do processo civil, “O direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva… inclui, entre o mais, um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com a observância das garantias de imparcialidade e independência, possibilitando -se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e o resultado de umas e outras. Quer isto dizer, fundamentalmente, que no âmbito de protecção normativa do artigo 20.º da CRP se integrarão, além de um geral direito de acção, ainda o direito a prazos razoáveis de acção e de recurso e o direito a um processo justo, no qual se incluirá, naturalmente, o direito da cada um a não ser privado da possibilidade de defesa perante os órgãos judiciais na discussão de questões que lhe digam respeito.
Integrando, assim, a “proibição da indefesa” o núcleo essencial do “processo devido em Direito”, constitucionalmente imposto, qualquer regime processual que o legislador ordinário venha a conformar — seja ele de natureza civil ou penal — estará desde logo vinculado a não obstaculizar, de forma desrazoável, o exercício do direito de cada um a ser ouvido em juízo. Neste contexto, assume particular relevância o modo pelo qual a lei ordinária conforma o regime das citações e das notificações.
… da estrutura complexa que detém o princípio do processo equitativo, consagrado no artigo 20.º da CRP, decorrem, para o legislador ordinário, várias obrigações, para além daquela que se cifra em não lesar o princípio da “proibição da indefesa”. A lei de processo, nos termos da Constituição, não está só obrigada a garantir “um correcto funcionamento das regras do contraditório…”Para além disso, deve o legislador ordinário conformar o processo de modo tal que através dele se possa efectivamente exercer o direito a uma solução jurídica dos conflitos, obtida em tempo razoável e com as todas as garantias de imparcialidade e independência.
Assim, entre os valores da “proibição da indefesa” e do contraditório e os princípios da celeridade processual, da segurança e da paz jurídica existe à partida,… uma relação de equivalência constitucional: todos estes valores detêm igual relevância e todos eles são constitucionalmente protegidos. Ora, quando vinculado por vários valores constitucionais, díspares entre si pelo conteúdo mas iguais entre si pela relevância, deve o legislador optar por soluções de concordância prática, de tal modo que das suas escolhas não resulte o sacrifício unilateral de nenhum dos valores em conflito, em benefício exclusivo de outro ou de outros.
Ao determinar que, no regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de pequeno montante emergentes de contratos, os prazos se contassem de acordo com as regras fixadas pelo Código Civil mas sem qualquer dilação, o artigo 4.º do Decreto -Lei n.º 269/98 procurou ainda cumprir, em equilíbrio com o sistema geral que o legislador aqui havia instituído, finalidades de simplificação e celeridade processual que se entenderam ser justificadas face ao tipo de litigiosidade em causa. À luz do disposto pelo artigo 20.º da CRP, tais finalidades correspondem à prossecução de interesses e valores constitucionais que vinculam o legislador tanto quanto o vincula a obrigação de respeitar, na modelação das normas de processo, a “proibição da indefesa”.
Este modo de prossecução de valores e interesses constitucionalmente relevantes não implicou o sacrifício unilateral do princípio do contraditório… . Desde logo, porque a lei continua a assegurar que, naquelas situações em que seja comprovadamente difícil para o réu organizar a sua defesa no prazo peremptório para tal fixado, se prorrogue, por decisão do tribunal, o período de tempo concedido para a contestação (artigo 486.º, n.º 5 do CPC)… para efeitos do juízo sobre
a (in)constitucionalidade da norma constante do artigo 4.º do Decreto- -Lei n.º 268/98, é absolutamente necessário ter em conta este elemento fundamental do sistema, independentemente do modo pelo qual ele seja entendido e aplicado: a possibilidade de o juiz da causa vir a prorrogar o prazo da defesa, naqueles casos comprovados de impossibilidade da sua organização, plena e eficaz, no prazo peremptório fixado pela lei, funciona em si mesma — e para empregar expressão usada pela decisão recorrida — como uma “válvula de segurança” do sistema, no que diz respeito ao cumprimento das exigências decorrentes do princípio constitucional da “proibição da indefesa”.
Conclui-se assim no acórdão que o legislador do art.º 4.º em causa …”procurou articular os “valores” da celeridade processual e do princípio do contraditório.
A medida que aí se fixou não se mostra nem inadequada, nem desnecessária, nem desproporcionada face aos fins de política legislativa que a orientaram, pelo que não implicou, efectivamente, o sacrifício unilateral do valor ínsito na “proibição da indefesa”, potencialmente conflituante com os valores da celeridade processual, da segurança e da paz jurídica. A solução que foi achada correspondeu antes a uma forma côngrua de fazer concordar praticamente os diferentes “interesses” em conflito, pelo que não merece, à luz das normas contidas no artigo 20.º da CRP, nenhuma censura constitucional.
Tal como não merece, a mesma solução, nenhuma censura constitucional face ao princípio consagrado no artigo 13.º da CRP.
O princípio da igualdade, enquanto parâmetro constitucional capaz de limitar as acções do legislador, tem uma tripla dimensão: a da proibição do arbítrio legislativo, a da proibição de discriminações negativas, não fundadas, entre as pessoas e a eventual imposição de discriminações positivas. Não estando evidentemente em causa, no caso concreto, nem a segunda nem a terceira dimensão do princípio da igualdade (a diferença entre os regimes processual comum e especial, quanto ao modo de contagem do prazo para a contestação do réu em caso de citação efectuada em pessoa terceira, não é seguramente algo que possa relevar do domínio da discriminação que, podendo ser negativa ou positiva, tem sempre a sua sede último no n.º 2 do artigo 13.º), só cabe in casu averiguar se o legislador terá aqui instituído, no artigo 4.º do Decreto -Lei n.º 269/98, uma diferença de regimes — entre o processo comum e o processo especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos — que seja arbitrária, isto é, que não possa ser fundamentada à luz de um critério inteligível ou racionalmente apreensível, congruente com valore constitucionalmente relevantes.
Ora, decorre de tudo quanto atrás se disse que não é evidentemente, arbitrária ou não fundada a diferença de regime que o artigo 4.º do Decreto -Lei n.º 269/98 institui, quanto ao modo de contagem do prazo para a contestação do réu, caso este tenha sido citado através de terceira pessoa.

A fundamentação e a decisão do Tribunal Constitucional no acórdão que citámos, em nosso entender também poderá aplicar-se ao caso dos autos.
Contudo, há que ponderar que, no caso concreto, o requerido foi notificado/citado para deduzir oposição, tendo-o feito dentro do prazo de 15 dias previsto no regime do procedimento de injunção.
O Tribunal a quo relevou tal manifestação como uma verdadeira oposição, designadamente para o efeito de transmutação do procedimento de injunção em acção declarativa, tendo até concedido novo prazo à ré para o aperfeiçoamento da oposição e constituição de advogado.
Ora, assim sendo, temos de concluir que o Tribunal a quo não chegou a aplicar a norma do art.º 4.º do DL 269/98 no segmento que a Ré considera inconstitucional, (“sem qualquer dilação.”).
Tal sucederia se, por exemplo, a oposição tivesse sido recusada por ter excedido o prazo de 15 dias sem que o Tribunal tivesse em conta a dilação prevista no Código de Processo Civil ou se não tivesse havido oposição.
Não cabe a este Tribunal fazer qualquer fiscalização abstracta da constitucionalidade das leis, mas apenas recusar a aplicação de normas que infrinjam a constituição ou os princípios nela consignados (art.º 204.º da CRP)
Não estando em causa nos autos a aplicação da norma que a Ré entende infringir a Constituição, é irrelevante, para o caso concreto, a questão da sua inconstitucionalidade.

V – Da violação do princípio do contraditório
A ré invoca que não foi notificada do articulado apresentado pela autora em 17 de Março de 2011, na sequência do convite dirigido à autora no sentido de aperfeiçoar a sua alegação inicial, assim como não foi notificada dos documentos juntos nesse mesmo momento.
Efectivamente, compulsados os autos verifica-se que a ré não foi notificada desse articulado nem dos documentos com ele juntos.
Não restam pois quaisquer dúvidas de que tal omissão, viola o princípio do contraditório consagrado desde logo no art.º 3.º n.º 1 do CPC, que decorre dos princípios constitucionais plasmados nos art.ºs 2.º e 20.º da CRP.
De acordo com aquela norma processual civil, o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada a deduzir oposição. E mais, o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir de questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciarem (art.º 3.º n.º 3).
A constatada omissão de notificação constitui, assim uma nulidade secundária nos termos do disposto no art.º 201.º n.º 1 do CPC.
Tal nulidade tem de ser arguida pelo interessado na observância da formalidade omitida (art.º 203.º n.1), contando-se o prazo para a arguição do dia em que, depois de cometida a mesma, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificado para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou dela pudesse conhecer agindo com a devida negligência (art.º 205.º n.º 1).
Depois da omissão em causa a ré foi notificada da sentença em 11/06/2011 e interpôs recurso da mesma, onde reage contra a nulidade cometida, em 13/09/2011.
No caso concreto, a nulidade em causa deveria ter sido arguida perante o tribunal onde a mesma ocorreu e não em sede de recurso.
Como refere Alberto dos Reis, (Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. II, pag 507, 1945) quando a arguição da nulidade não está ao abrigo de qualquer despacho judicial, como sucede no caso, deve a parte da mesma reclamar.
“Só havendo um despacho que sanciona a prática ou a omissão de um acto, ou formalidade, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade que se tenha cometido, é a impugnação do respectivo despacho pela interposição do recurso competente.”
Não decorre dos autos a verificação da situação excepcional referida no n.º 3 do art.º 205.º que permite a arguição da nulidade perante o tribunal superior.
Assim sendo, não pode proceder a arguição da nulidade em sede de recurso, devendo a mesma considerar-se sanada.

Improcede pois a apelação.

Em conclusão:
I-O Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Conselho e do Parlamento Europeu que institui o procedimento europeu de injunção nos casos transfronteiriços no âmbito dos países da comunidade por ele vinculados, tem carácter facultativo, constituindo um meio suplementar e facultativo à disposição do requerente, que manterá a liberdade de recorrer aos procedimentos previstos no direito interno.
II- O despacho de convite ao aperfeiçoamento previsto no art.º 508.º n.º 3 do CPC é irrecorrível dada a sua natureza provisória.
III- Para se aferir a competência em razão da nacionalidade dos Tribunais portugueses num acção fundada no incumprimento de um contrato de compra e venda celebrado entre uma sociedade portuguesa e uma sociedade francesa, devem aplicar-se as normas do Regulamento (CE) N.º 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000, particularmente os seus art.ºs 2.º, 3.º n.º 1 e 5.º n.º 1 al. b).
IV- Não compete ao tribunal de recurso apreciar a inconstitucionalidade de uma norma legal que não teve aplicação concreta nem qualquer consequência na decisão recorrida.
V - Quando a arguição da nulidade não está ao abrigo de qualquer despacho judicial, deve a parte dela reclamar para o tribunal onde a mesma ocorreu e não impugná-la por meio de recurso.

III – DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela apelante.
Notifique.

Guimarães, 26.02.2012
Isabel Rocha
Jorge Teixeira
Manuel Bargado