Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
70/13.1TBMLG.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO FACULTATIVO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO
CAUSAS DE EXCLUSÃO DA CULPA
NÃO IMOBILIZAÇÃO DO VEÍCULO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROVIMENTO
Sumário: I – A não imobilização do veículo em consequência de derramamento de água por rotura do radiador e sinalização de sobreaquecimento do motor, originando a sua avaria total enquadra-se na situação de agravamento dos danos prevista como causa de exclusão contratual no âmbito de contrato de seguro facultativo.
II – São devidas pela seguradora as despesas inerentes ao parqueamento do veículo na oficina reparadora dos danos causados por acidente de viação abrangido por contrato se seguro.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:


I – Relatório;

Recorrente: Companhia de Seguros (ré);
Recorrida: A…, Lda. (autora);
*****

Pedido:
A condenação da ré seguradora no pagamento à autora da quantia de 9.628,19€ acrescida de juros legais moratórios desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Causa de pedir:
No dia 19 de Maio de 2010, pelas 15h.00m, no Lugar de Ribeiro de Baixo, freguesia de Castro Laboreiro, concelho de Melgaço, o veículo automóvel de passageiros, matrícula 47-83-…, propriedade da A., conduzido por F…, embateu no muro e gradeamento de uma casa sita naquele Lugar, por desatenção e falta de destreza daquele condutor, advindo-lhe estragos no dito veículo, seguro na ré, cujo custo reclama desta.

A Ré contestou, concluindo pela improcedência da acção.

Realizada a audiência de julgamento, o tribunal recorrido proferiu decisão a julgar totalmente procedente, por provada, a acção intentada por B Lda (actualmente denominada C… Lda) e, em consequência, condenou a ré, Companhia de Seguros a pagar à autora a quantia de 9.628,19€ (nove mil seiscentos e vinte e oito euros e dezanove cêntimos), acrescida de juros de mora desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a ré, de cujas alegações se extraem, em súmula, as seguintes conclusões:
1. O objecto primordial do presente recurso é a impugnação da decisão proferida quanto aos factos 7., 8. e 11. dados como provados atento o errado julgamento dos mesmos – artigo 640.º, n.º 1,
alínea a), do CPC – que, necessariamente, deveria ter sido dados como não provados.
2. Da prova produzida impunha-se, ainda, que se desse como provado o constante das alíneas b), c) e e) dos factos não provados.
3. Ao invés, da prova produzida, em concreto, o confronto do depoimento da testemunha Sr. S com o Sr. J permite concluir, desde logo, que:
- do acidente resultou o rompimento do radiador;
- por força do rompimento, no local do sinistro, ficou uma mancha de água.
4. E, assim sendo, entende a ora Apelante que a valorização do depoimento da testemunha Sr. D fica prejudicado e ferido de credibilidade.
5. Com efeito, referiu tal testemunha que após o sinistro, se deslocou junto do local e não viu qualquer mancha de água.
6.O mesmo se diga, a este propósito, quanto ao condutor do veículo seguro que, igualmente, afirmou em sede de depoimento de parte que não viu e que não tinha qualquer mancha de água.
7. O que, salvo melhor opinião, resulta do vindo de expor é que a testemunha e o condutor do veículo seguro não podem ter ido verificar os danos resultantes do embate.
8. Tanto mais que se tivessem efectivamente ido ver, tinham necessariamente que ter visto a mancha de água.
9. Além disso, a própria dinâmica do acidente relatada pela testemunha e condutor do veículo não faz sentido: de um lado temos a tese daqueles, ou seja, o veículo encontrava-se parado; ao tentar fazer marcha-atrás, deslizou dois a três metros; e embateu ligeiramente; do outro lado temos os danos do veículo que foram ao ponto de romper o radiador e no local até ficou uma peça de suporte do pára-choques da frente direito do veículo.
10. Por força do vindo de expor, o facto 7. da douta sentença deveria ter resultado não provado.
11. Sem prescindir e quanto ao facto 8. dado como provado a douta sentença proferida fundamentou-o apenas com base no depoimento da testemunha Sr. D.
12. Acontece que, tal testemunha no seu depoimento, não refere que viu o Sr. F a verificar o motor ou o painel de instrumentos.
13. Aliás, salvo melhor opinião, apenas o gerente da Autora poderia afirmar tal.
14. Mas mesmo que se entenda que tal facto seja de induzir do depoimento de parte (numa conversão, em sede de recurso, para declarações de parte), a verdade é que as declarações do gerente da Autora não se mostram credíveis: nem quanto à dinâmica; nem quanto ao conteúdo da declaração que assinou aquando da averiguação da Ré e a distância agora confessada, mas, especialmente, quanto à circunstância de, igualmente, não ter visto água no local do embate (quando, necessariamente, a tinha que ter visto).
15. Além disso, resultou provado que o veículo dispõe, não só de sinalização de avaria, mas também de registo de aumento de temperatura no manómetro do painel.
16. A Autora/Apelada não alegou, nem provou que o sistema eléctrico não estivesse a funcionar.
17. Diferentemente, o que o gerente da Autora refere é que até teve o cuidado de verificar e o sistema não registou o aumento da temperatura – o que, novamente, não deverá merecer qualquer credibilidade, considerando que o motor foi levado ao limite e a temperatura foi ao máximo.
18. Por tudo isto, o facto 8. tem de resultar não provado.
19. Pelos mesmos motivos, o facto 11. deveria resultar não provado e, por contraposição, aos factos b), c) e e) deveriam ter resultado provados.
20. Com efeito, após o sinistro, o condutor do veículo sinistrado não verificou os danos resultantes do acidente e, muito menos, que no local ficou uma mancha de água vinda do radiador e não verificou que, no percurso de 12 km, o sistema de arrefecimento se encontrava danificado e sinalizado no sistema electrónico do veículo – donde o facto 11. deveria ter resultado não provado e os factos b), c) e e) provados.
21. Atenta a prova testemunhal produzida, individualmente analisada e em confronto, os factos 7., 8. e 11. devem ser dados como não provados e, consequentemente, os factos b), c) e e) deverão ser dados como provados.
22. Julgando-se totalmente procedente a impugnação da matéria de facto, deverá considerar-se a exclusão contratual prevista na alínea b) do n.º 1 da Cláusula 27.ª das Condições Gerais.
23. Com efeito, impunha-se ao condutor do veículo da Autora ter atentado na mancha de água e, desde logo, que imobilizasse o veículo e chamasse o reboque - o que não fez.
24. E, em qualquer caso, mais se impunha igual comportamento (imobilizar o veículo e chamar o reboque) mal o veículo sinalizasse o aumento da temperatura.
25. Porque, nem uma, nem outra, o condutor e gerente da Autora fez, os danos provocados no motor e em causa nos presentes autos não foram consequência do sinistro, mas são tão só um agravamento imputado única e exclusivamente àquele.
26. O valor de 786,50€ a que a Ré Apelante foi condenada a pagar à Autora Apelada não encontra fundamento legal.
27. A responsabilidade da Ré é contratual.
28. Porém, do contrato celebrado entre as partes não prevê a transferência para a Ré que, em caso de sinistro, é a mesma responsável pelo pagamento de taxas de parqueamento.
29. Além disso, a referida taxa de parqueamento corresponde a um verdadeiro contrato de depósito.
30. Contrato esse que terá sido negociado e celebrado entre a Autora e a oficina reparadora, por si escolhida.
31. Se o contrato de depósito não chegou a ser celebrado; se a Autora não o negociou; se a oficina reparadora, sem motivo, exigiu um qualquer valor diário; ou se a Autora negociou tal valor e assumiu tal responsabilidade – a tudo isto é a Ré Apelante alheia.
32. A douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” interpretou de forma errada o contrato de seguro celebrado entre as partes, ao não considerar a exclusão prevista na alínea b) do n.º 1 da Cláusula 27.ª das Condições Gerais e, em qualquer caso, violou o disposto nos artigos 1185.º e seguintes do Código Civil.
Pede que a sentença seja revogada e substituída por uma outra que absolva a Ré do pedido ou, pelo menos, no montante relativo à taxa de parqueamento no valor de 786,50€.

Apresentou a recorrida as respectivas contra-alegações, pugnando pelo decidido.

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do artigo 639º, do Código de Processo Civil (doravante CPC).


As questões suscitadas pela Recorrente prendem-se com a impugnação da matéria de facto e com a não responsabilidade da Ré no pagamento da indemnização reclamada, por via de danos no veículo (motor) e despesas inerentes ao seu parqueamento, relativamente ao embate desse veículo.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


III – Fundamentos;


1. De facto;

A factualidade dada como assente na sentença recorrida é a seguinte:

1. No dia 19 de Maio de 2010, pelas 15h.00m, no Lugar de Ribeiro de Baixo, freguesia de Castro Laboreiro, concelho de Melgaço, ocorreu um embate do veículo automóvel ligeiro de passageiros, matrícula 47-83-…, propriedade da A., “ A, Lda”, conduzido por F, nos grampos e soleira de um portão de uma propriedade sita naquele lugar.
2. No dia, hora e local mencionados em 1) F conduzia o veículo mencionado em 1) no sentido de marcha Castro Laboreiro (centro)/Lugar de Ribeiro de Baixo;
3. F desconhecia que a estrada por onde seguia terminava exactamente no referido Lugar de Ribeiro de Baixo, não tendo qualquer continuação que lhe permitisse prosseguir a marcha;
4. Perante a situação descrita em 3), F viu-se obrigado a realizar a manobra de inversão de marcha, para assim voltar ao centro da freguesia de Castro Laboreiro;
5. Quando já se encontrava a fazer a inversão do sentido de marcha, com a frente do veículo a aproveitar uma rampa de acesso a uma habitação ali existente de inclinação descendente, ao accionar a marcha-atrás, deixou descair o veículo que entrou em derrapagem, devido à inclinação da rampa e da estrada, bem como da areia existente, indo embater com a parte frontal do veículo automóvel, nos grampos e soleira do portão referidos em 1).
6. F ainda tentou evitar a colisão, travando o veículo por si conduzido, mas sem sucesso.
7. Nas circunstâncias descritas em 6) o condutor e um dos ocupantes do veículo verificou as consequências do embate, constatando que o veículo em causa apenas apresentava danos materiais na parte da frente, na zona da grelha e do pára-choques, não tendo visto vestígios de óleo ou água no pavimento (alterado nos termos infra mencionados).
8. F verificou que o motor funcionava normalmente e que o painel de instrumentos do carro não indicava ou sinalizava qualquer avaria ou deficiência no motor (alterado nos termos infra mencionados).

9. F decidiu prosseguir viagem, concluindo a manobra de inversão do sentido de marcha e retomando a circulação do veículo mencionado em 1), no sentido do centro da freguesia de Castro Laboreiro.
10. Após percorrer cerca de 12 km do local onde havia efectuado a manobra de inversão do sentido de marcha, o veículo mencionado em 1) deixou de desenvolver ao nível da aceleração e começou a deitar fumo pelo capot do motor, tendo deixado de trabalhar, ficando imobilizado na faixa de rodagem do lado direito da estrada, no sentido de marcha Lugar de Ribeiro de Baixo/Castro Laboreiro. - confissão
11. F constatou que o radiador do veículo mencionado em 1), como consequência directa do embate no muro e portão referidos em 1), havia furado, fazendo perder água do radiador, ao longo da distância referida em 10), determinando um sobreaquecimento do motor, sem qualquer sinalização ou aviso prévios no painel de instrumentos do tablier do veículo UE, levando a que o motor ficasse “gripado” com a junta da colaça e outras queimadas. (alterado nos termos infra mencionados).
12. Após o embate do veículo… nos grampos de ferro e soleira do portão referidos em 1) ficou uma mancha de água provinda do radiador.
13. Desde o local do embate até ao local onde o veículo … se veio a imobilizar, o trajecto é praticamente a subir, com forte inclinação ascendente.
14. O veículo … dispõe, não só de sinalização de avaria, mas também de registo de aumento de temperatura no manómetro do painel.
15. Francisco Batista Gomes contactou telefonicamente o serviço de reboque que se deslocou ao local e transportou o referido veículo automóvel até à oficina da Mercedes-Benz, sita em Braga;
16. A Autora remeteu a participação do acidente aos Serviços da Ré, tendo esta informado que assumia a responsabilidade do sinistro.
17. Na sequência do mencionado em 16) a autora autorizou a oficina onde o veículo mencionado em 1) se encontrava a proceder à sua reparação;
18. A R. foi confrontada e notificada de que a reparação do motor do veículo automóvel de matrícula 47-83-… se mostrava tecnicamente desaconselhada pela oficina Mercedes-Benz, que notificou aquela da necessidade absoluta da sua substituição por um motor completamente novo.
19. A R. assumiu apenas o pagamento pela reparação dos danos na frente do veículo, grelha e respectiva pintura, a qual pagou, declinando a responsabilidade pelo pagamento da substituição do motor, informando que “os danos no motor foram provocados por um agravamento de danos, os quais estão excluídos de acordo com a alínea b) do n.º1 da Cláusula 27.º das Condições Gerais da Apólice Seguro Automóvel” – cfr. documento que constitui fls. 9 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
20. A A. procedeu à colocação de um novo motor no veículo referido em 1), no qual despendeu a quantia de 8.841,69€;
21. A A. despendeu ainda a quantia de 786,50€ relativa a taxa de parqueamento diário, na oficina da Mercedes-Benz, em Braga.
22. Autora e Ré celebraram contrato de seguro de responsabilidade civil referente ao veículo automóvel ligeiro de passageiros, matrícula 47-83-…, cobrindo, além do mais, os riscos de choque, colisão, capotamento e quebra isolada de vidros, conforme condições gerais e particulares da apólice nº…. (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
23. Nos termos da Cláusula 27.ª das Condições Gerais da Apólice “Em caso de sinistro coberto pelo presente contrato, o Tomador do Seguro ou o Segurado, sob pena de responderem por perdas e danos, obrigam-se: a) a comunicar tal facto, por escrito, ao Segurador, no mais curto prazo de tempo possível, nunca superior a oito (8) dias a contar do dia da ocorrência ou do dia em que tenha conhecimento da mesma, fornecendo todas as indicações e provas documentais e ou testemunhais relevantes para uma correcta determinação das responsabilidades; b) A tomar as medidas ao seu alcance no sentido de evitar ou limitar as consequências do sinistro; c) a prestar ao segurador as informações relevantes que este solicite relativas ao sinistro e às suas consequências.
24. À data do acidente – 19.05.2010 - o veículo 47-83-… encontrava-se registo na Conservatória do Registo Predial de Braga a favor da Autora, Gomes & Januário, Lda.
25. Em 14.08.2012 a autora A, Lda alterou a sua firma para “F, Lda”

Factos Não provados:
Não se provou que:
a) O veículo … embateu num gradeamento e muro.
b) Logo após o embate o condutor do veículo mencionado em 1) não verificou os danos resultantes do acidente; (alterado nos termos infra mencionados).
c) O condutor do veículo mencionado em 1) não reparou que logo à frente da casa da Sr.ª D. Duartina ficou uma mancha de água vinda do radiador (alterado nos termos infra mencionados).
d) O condutor do veículo mencionado em 1) com a pressa não teve o cuidado de levar consigo o suporte do pára-choques da frente direito – negou,
e) O condutor do veículo mencionado em 1) percorreu a distância de 12 Km com o sistema de arrefecimento danificado e sinalizado no sistema electrónico do veículo (alterado nos termos infra mencionados).

*****

2. De direito;


a) Impugnação da matéria de facto;

Pretende a recorrente/autora a modificação da matéria de facto no que respeita aos pontos provados supra nºs 7, 8 e 11 inclusive da sentença, no sentido de serem considerados ‘não provados’, e no tocante à materialidade fáctica constante das alíneas b), c) e e), as quais deveriam ter merecido resposta positiva.
Baseia-se tal alteração em erro de julgamento com base na prova testemunhal produzida, nomeadamente na conjugação dos depoimentos das testemunhas S, J e D.
Apreciando.
No que respeita à questão da alteração da matéria de facto, face ao invocado erro na avaliação da prova, cabe a esta Relação, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artº 662º, do CPC, e, enquanto tribunal de 2ª instância, reapreciar, não apenas se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os restantes elementos constantes dos autos revelam Nesta concepção, a divergência quanto ao decidido pelo tribunal a quo na fixação da matéria de facto só assumirá relevância no Tribunal da Relação se for demonstrada, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório., mas, também, avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto A jurisprudência tem vindo a evoluir no sentido de se firmar um entendimento mais abrangente no que se refere aos poderes de alteração da matéria de facto pela Relação, considerando-os com a mesma amplitude que a dos tribunais de 1ª instância. Nessa medida, e no que se refere à questão da convicção, já não estará em causa cingir apenas a sua actividade de apreciação ao apuramento da razoabilidade da convicção do julgador da 1ª instância, mas antes formar a sua própria convicção nos elementos probatórios disponíveis nos autos (cfr., entre outros, o Acórdão do STJ de 16.12.2010, proc. 2401/06.1TBLLE.E1.S1, in www.dgsi.pt)..

Essencialmente, a discordância da recorrente quanto à matéria fáctica em causa alicerça-se, em seu entender, na apreciação do depoimento das testemunhas S, J e D, passageiro do veículo, e F, condutor do veículo, no que concerne à ocorrência do acidente, aos danos e à sua constatação.

Ora, ouvidos e escrutinados os depoimentos gravados da audiência, em consonância com os demais elementos de prova carreados para os autos, nomeadamente fotografias do local de embate, dos estragos provocados no veículo e nos grampos de ferro, podemos concluir, desde logo, que a dinâmica do acidente relatada pelo condutor do veículo, F, e pela testemunha que seguiria como passageiro, D, não se coaduna com as características do local, com natureza dos danos no veículo e com o tipo de estragos causados nos ditos grampos em ferro do portão.

Na verdade, a versão contada pelo condutor do veículo e do passageiro para a ocorrência do acidente, além de não ser verosímil, revela-se até algo caricata e hilariante, ao pretenderem fazer crer que o veículo se encontrava imobilizado, ao deparar-se com uma estrada sem saída, pelo que ao tentar fazer marcha-atrás, deslizou dois a três metros, indo embater ligeiramente.

Só que esta tese de que o veículo se limitou a resvalar e a encostar colide frontalmente com os danos apresentados, quer no veículo (vejam-se as fotografias de fls. 81, 82 e 84 dos autos, relativas aos danos causados no veículo), quer nos grampos juntos ao portão (vide fotografias de fls. 34, 35 e 36), nos quais é visível o impacto forte do embate, de modo a torcer a chapa do veículo e a causar rompimento do radiador, bem como a desencravar do pavimento um dos grampos em ferro, sendo que estes atingem quase metade do portão e a sua robustez é patente.

Por outro lado, as declarações do próprio condutor são incoerentes e contraditórias com a descrição do acidente e com tais danos causados, ao afirmar que “bati de frente na soleira”, acho que bati numa soleira, recuei com o carro, fiz inversão de marcha ali e segui caminho, não estraguei nada, nem amolguei nada, foi um encostar, não foi uma coisa estrondosa”.

Noutra vertente, quanto à não verificação da mancha de água, provinda do radiador, no local do sinistro, após o embate, também as suas declarações e as da testemunha D não são consistentes, no sentido de que, após o embate, se deslocaram junto do local e não existia nem viram qualquer mancha de água.

Aliás, também a sua narração do acidente não é crível, mormente quanto à existência de danos e sua extensão. Perguntado se houve danos na casa ou portão, respondeu evasiva e displicentemente o seguinte: “Acho que não, aquilo…se foi alguma coisa, para pequeno”. Mas disse sintomaticamente que viu uma peça no chão e que comentou com o F que podia ser do carro – o que contradiz inclusivamente a afirmação deste de que não viu no local qualquer objecto do carro no pavimento.

Com efeito, dado o modo de ocorrência real do acidente e a natureza dos danos no veículo (após impacto forte nos referidos grampos em ferro), com estragos no pára-choques e torção da chapa do guarda lamas, assim como rompimento do radiador (vide fls. 84) e não mera fissura, apurado que está que “após o embate do veículo… nos grampos de ferro e soleira do portão referidos em 1) ficou uma mancha de água provinda do radiador” (facto provado nº 12 e que não foi impugnado), resulta do exposto que o condutor e aludida testemunha não podem ter ido verificar os danos resultantes do sinistro ou, tendo-os ido ver, não podiam deixar de ter visto necessariamente a referida mancha de água.
É que, atenta a amplitude e gravidade da rotura do radiador, como a fotografia de fls. 84 documenta, o líquido, que nele circula sob pressão, foi de imediato expelido para o pavimento, deixando a redita mancha de água e esta não podia deixar de ser observada, caso aqueles tivessem sido minimamente diligentes.

Tal decorre da conjugação global do depoimento das testemunhas S e J, sendo que, neste ponto, o relato deste último mostrou-se mais consentâneo com o tipo de danos verificados – rompimento do radiador - e as regras de experiência comum, ao afirmar que um veículo com tais danos não pode nem deve circular.

Acresce que, como ficou demonstrado (ponto de facto nº 14), o veículo em causa dispõe, não só de sinalização de avaria, mas também de registo de aumento de temperatura no manómetro do painel.

Nada ficou demonstrado quanto ao não funcionamento do sistema eléctrico de aviso e segurança do veículo, designadamente naqueles componentes.

Por sua vez, neste particular, as declarações do mesmo condutor são mais uma vez pouco credíveis, ao mencionar que até teve o cuidado de verificar se surgia qualquer aviso eléctrico, afirmando que o sistema não registou o aumento da temperatura, quando é certo que o motor foi levado ao limite e a temperatura foi ao máximo, dispondo a viatura de dois avisos distintos de segurança.

Limitou-se ainda a fazer afirmações pouco convincentes, ao afirmar que “Ou o sistema estava avariado, ou o sistema avariou ou se não, não verifiquei, zero; não me apercebi de nenhuma luz a acender”, não sendo plausível assim que tivesse ficado indiferente à sinalização do sistema eléctrico ou ausência dela, o que não se compagina com diligência de um condutor normal naquelas circunstâncias, após o descrito embate.

Quanto a esta problemática, também o relato da testemunha S se evidenciou pouco objectivo e convincente, respondendo de forma não isenta, designadamente quando questionado se a luz de aviso do veículo não devia acender naquela situação de sobreaquecimento, limitando-se a retorquir o contrário, como justificação genérica e vaga, ou seja que a luz de aviso não é infalível, que muitas vezes acende e não é nada, exemplificando com a situação de por vezes a luz de sinal de bateria fraca acender sem motivo – sendo que até joga ao contrário, isto é, a luz de aviso não deixa de acender, nem que seja por excesso (e não defeito) de informação.

Por seu turno, sobre esta matéria, a testemunha D não afastou a hipótese de a luz de aviso de sobreaquecimento ter acendido, afirmando que não ia a olhar, não viu se a luz acendeu, o que também não é consentâneo com a prudência de um condutor médio, naquelas circunstâncias, ou seja, um condutor diligente iria atento à luz de aviso do painel de instrumentos.

Importa ainda salientar que as declarações do gerente da autora e condutor do veículo em questão, além de não merecerem credibilidade quanto à dinâmica do acidente, mostram-se manifestamente contraditórias com o conteúdo das declarações que assinou, aquando da averiguação da ré, como seja relativamente à distância percorrida, após o embate, e quanto à circunstância de não ter visto água no local do embate, muito embora tenha dito que reparou que o radiador estava furado.

Por último, também o depoimento da testemunha DD, que mora na casa junto ao portão em causa, não deixa de ser elucidativo quanto à circunstância de explicar que, aquando do acidente, estando num terreno perto, ouvir o barulho do embate e vir depois logo o carro fugir (“eu não vi bater o carro, vi, vi fugir o carro; E depois…fugiram n o carro”).

Mostrou-se ainda congruente o relato feito pela testemunha MP, que procedeu a averiguações atinentes ao modo de ocorrência do acidente e estragos causados, nomeadamente quanto às explicações relativas ao derramamento de água advinda do radiador.

Porquanto se deixa explicitado, face aos elementos de prova testemunhal e documental enunciados, bem como as regras de experiência comum, procede-se à alteração da decisão de facto nos termos impugnados e da seguinte forma:

«7. Nas circunstâncias descritas em 6) o condutor e um dos ocupantes do veículo verificou as consequências do embate, constatando que o veículo em causa apenas apresentava danos materiais na parte da frente, na zona da grelha e do pára-choques, não tendo visto vestígios de óleo ou água no pavimento – Não provado.
8. F… verificou que o motor funcionava normalmente e que o painel de instrumentos do carro não indicava ou sinalizava qualquer avaria ou deficiência no motor – Não provado.
11. F… constatou que o radiador do veículo mencionado em 1), como consequência directa do embate no muro e portão referidos em 1), havia furado, fazendo perder água do radiador, ao longo da distância referida em 10), determinando um sobreaquecimento do motor, sem qualquer sinalização ou aviso prévios no painel de instrumentos do tablier do veículo UE, levando a que o motor ficasse “gripado” com a junta da colaça e outras queimadas – Não provado.

b) Logo após o embate o condutor do veículo mencionado em 1) não verificou os danos resultantes do acidente – Provado.
c) O condutor do veículo mencionado em 1) não reparou que logo à frente da casa habitada pela Sr.ª DD ficou uma mancha de água vinda do radiador - Provado.
e) O condutor do veículo mencionado em 1) percorreu a distância de 12 Km com o sistema de arrefecimento danificado e sinalizado no sistema electrónico do veículo – Provado.

b) Da não responsabilidade da Ré no pagamento da indemnização reclamada, por via de danos no veículo (motor) e despesas inerentes ao seu parqueamento, relativamente ao embate.

*

Ante a procedência da matéria de facto impugnada, começa a apelante por argumentar, em sede da questão de direito, que se verifica uma situação de exclusão contratual, com base na alínea b) do n.º 1 da cláusula 27.ª das Condições Gerais da Apólice de seguro automóvel relativa ao dito veículo.
Vejamos.
Os danos em causa têm que ver com a substituição do motor.
A referida cláusula 27ª, sob a epígrafe “Obrigações do tomador do seguro e do segurado”, estatui no seu nº1, al. b), que “Em caso de sinistro coberto pelo presente contrato, o tomador do seguro ou o segurado, sob pena de responderem por perdas e danos, obrigam-se a tomar as medidas ao seu alcance no sentido de evitar ou limitar as consequências do sinistro”.
Ora, em face da matéria de facto alterada e dada como provada, mostra-se preenchida a exclusão contratual prevista na citada alínea b) do n.º 1 da Cláusula 27.ª das Condições Gerais.
Desde logo, impunha-se ao condutor do veículo da autora ter atentado na mancha de água que adveio do rompimento do radiador do veículo, tanto mais que este componente se destina ao arrefecimento do motor.
Uma vez verificada tal circunstância, impunha-se àquele que imobilizasse o veículo e chamasse o reboque - o que não fez.
Além disso, sempre se impunha àquele, mal o veículo sinalizasse o aumento da temperatura, que imobilizasse o veículo e chamasse o reboque, o que omitiu.
Ao assim não proceder, o segurado contribuiu para o agravamento dos danos decorrentes do sinistro, mais concretamente provocando os danos no motor, que teve de ser substituído por um novo.
Deste modo, os danos no motor não foram consequência do sinistro, mas são tão só um agravamento imputado única e exclusivamente ao gerente da autora, então condutor.
Não é assim devido por parte da seguradora o pagamento da quantia de € 8.841,69 referente à colocação de um novo motor.

Ao invés, já não assiste razão à recorrente, ao pretender eximir-se ao pagamento da quantia de € 786,50 relativa ao parqueamento da viatura na oficina.
Tal montante, já satisfeito pela autora, respeita ao parqueamento do veículo na oficina reparadora do mesmo e durante o período de reparação, tendo a ré seguradora autorizado a oficina onde o veículo se encontrava a proceder à sua reparação, na sequência da informação de que assumia a responsabilidade pelo sinistro - pontos de facto provados nºs 16, 17 e 18.
Assim, a imobilização e recolha de tal viatura naquela oficina sempre se imporia por força da necessidade de reparação dos danos na frente do veículo, grelha e respectiva pintura.
Tem a natureza de contrato misto de empreitada e de deposito o que foi celebrado entre o dono de um veiculo automóvel e uma empresa de reparações, no sentido de, mediante preço entre ambos combinado, esta proceder à reparação de tal veiculo, ficando este entretanto dentro da respectiva oficina e à guarda da empresa Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ de 02.02.1989, proc. 076752, in dgsi.pt..
Ademais, como emana do teor dos documentos de fls. 9, 11 e 12 dos autos, o parqueamento cobrado pela guarda do veículo respeita inclusive a período temporal anterior à própria reparação dos danos, mas posterior ao sinistro e comunicação à seguradora, a qual só em 13.07.2010 veio a tomar assumir a sua responsabilidade.

Destarte, a apelação da ré procede em parte.

Sintetizando:
I – A não imobilização do veículo em consequência de derramamento de água por rotura do radiador e sinalização de sobreaquecimento do motor, originando a sua avaria total enquadra-se na situação de agravamento dos danos prevista como causa de exclusão contratual no âmbito de contrato de seguro facultativo.
II – São devidas pela seguradora as despesas inerentes ao parqueamento do veículo na oficina reparadora dos danos causados por acidente de viação abrangido por contrato se seguro.

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IV – Decisão;

Em face do exposto, na procedência parcial da apelação, acordam os Juízes desta 1ª secção cível em:
a) Revogar a sentença recorrida quanto à condenação da ré seguradora no pagamento à autora da quantia de € 8.841,69 (oito mil, oitocentos e quarenta e um euros e sessenta e nove cêntimos) e respectivos juros de mora.
b) Manter no mais a decisão recorrida.


Custas pela apelante e apelada na proporção do decaimento.


Guimarães, 15.01.2015
António Sobrinho
Isabel Rocha
Moisés Silva