Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
30/20.6T9VVR.G1
Relator: ARMANDO AZEVEDO
Descritores: CRIME DE EVASÃO
MEDIDAS DE COACÇÃO
OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/20/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - No artigo 392º do Código Penal de 1982, o crime de evasão era aplicável “à pessoa legalmente presa, detida ou internada em estabelecimento destinado à execução de reações criminais privativas da liberdade”, isto é, ao evadido que se encontrasse em prisão preventiva ou em cumprimento de pena de prisão ou de internamento.
II - O legislador da reforma de 1995 (Decreto-Lei n.º 48/95, de 15/3) veio introduzir, no atual artigo 352º do Código Penal, a expressão abrangente “encontrando-se legalmente privado da liberdade”.
III - Com esta expressão substitutiva quis a Comissão Revisora do Código Penal abranger precisamente as pessoas submetidas a medida de segurança privativa da liberdade, prisão preventiva e obrigação de permanência no domicílio.
IV - Por isso, somos levados a concluir no sentido de que comete o crime de evasão também aquele que encontrar privado da liberdade por estar sujeito a obrigação de permanência na habitação aplicada como medida de coacção.
Decisão Texto Integral:
I- RELATÓRIO

Acordam os Juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. No processo comum singular nº 30/20.6T9VVD, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Vila Verde, em que é arguido J. C., com os demais sinais nos autos, por sentença datada, lida e depositada em 31.05.2021, foi decidido condenar o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de evasão, previsto e punido pelo artigo 352.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 13 (treze) meses de prisão.
2. Não se conformando com a mencionada decisão, dela interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes conclusões (transcrição):

1. O Tribunal a quo limitou-se a esmiuçar o registo criminal do recorrente e proferir sentença de acordo com o registo criminal do mesmo.
2. Não se aceita, nem se pode aceitar, que um indivíduo seja “julgado” apenas pelo seu passado.
3. O recorrente foi outrora condenado pelos crimes que praticou, cumprindo as respetivas penas que lhe foram aplicadas, não sendo possível ser deliberadamente e constantemente “julgado” pelo seu passado, pela prática dos crimes pelos quais já foi julgado e cumpriu o seu dever jurídico-social.
4. Pelo que, assim sendo, o recorrente deveria ser “julgado” pelo crime de evasão - de que vinha acusado – e não “apenas pelo seu cadastro criminal.
5. Sempre se dirá que não houve a prática do crime de evasão, pelo que o recorrente não poderá ser condenado por um crime que não cometeu, uma vez que o recorrente estava obrigado a permanecer na habitação com vigilância eletrónica, não estando efetivamente preso.
6. Os conceitos de “privação da liberdade” e “limitação da liberdade” são distintos, bem como o conceito de evasão.
7. A obrigação de permanência na habitação é, por definição, uma “obrigação” e como tal não é uma “privação”, e como obrigação é mera limitação da liberdade e não privação da liberdade, pelo que de uma forma muito simples se evidencia a distinção entre as duas situações: na obrigação de permanência na habitação, enquanto mera obrigação, o seu cumprimento está ainda na esfera da liberdade de obedecer de quem a ela está sujeito.
8. O incumprimento da obrigação de permanência na habitação tem como consequência a agravação da medida coativa, nos termos do artigo 203.º do Código de Processo Penal.
9. Nesta senda, é totalmente diferente a imputação do crime de evasão, com a consequência de agravação da medida coativa por incumprimento da obrigação de permanência na habitação.
10. Pelo que, deveria o Tribunal a quo proceder ao agravamento da medida coativa, em vez de julgar o recorrente por crime de evasão.
11. Não sendo do entendimento de V/ Excelências que, em caso de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, preenche o tipo de crime de evasão, sempre estaremos perante uma nulidade de sentença pela falta de fundamentação aquando não se justifica o facto de o Tribunal a quo não se pronunciar sobre os verdadeiros motivos que levou a não aceitar que o recorrente tivesse um sentimento de arrependimento pelo crime praticado.
12. Uma vez que ficou demonstrado que o recorrente pretende seguir a sua vida de forma exímia, exemplar, em sintonia com os moldes que se consideram socialmente adequados.
13. Porém, torna-se impossível haver uma reintegração do indivíduo numa sociedade em que o está eternamente a “julgar” por atos passados
14. Como prova de que o recorrente entende que deve mudar de vida e pretende mudar, decidiu colaborar com a justiça, através da sua confissão na íntegra e sem reservas.
15. Considerando-se ainda que demonstrou um sentimento de culpa, arrependimento, e vontade de mudar o seu comportamento, não voltando a cometer os mesmos erros na sua vida, em especial, não voltando a cometer o crime de que vem condenado.
16. Num testemunho honesto e sincero, o recorrente, perante o Tribunal a quo, expressou todo o arrependimento pelo seu comportamento, demonstrando a vontade de mudar e, de realçar, demonstrando que não iria voltar a cometer o mesmo crime, numa expectativa de mudar a sua vida e enquadrar-se na sociedade.
17. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre o verdadeiro motivo que o levou a decidir que o recorrente não demonstrou um verdadeiro e sincero arrependimento.
18. Pelo que, o recorrente necessita que haja uma esperança nele, que lhe deem uma oportunidade de mudar, de se reintegrar, de criar a sua família, de mudar o seu comportamento e ser um cidadão exemplar…
19. Tal não é, nem nunca será possível, se não tiver essa mesma oportunidade, se a justiça “lhe virar as costas”, alegando única e exclusivamente que não acredita que o recorrente estará a ser sincero…
20. Sem que se possa retirar conclusão sobre os motivos que levaram o Tribunal a quo a proferir tal decisão.
21. O principal objetivo do sistema penal é reintegrar o cidadão, dando-lhe condições para que o mesmo leve um caminho de vida diferente.
22. Porém, tal não é possível se na prática todos continuarmos a esquecer-nos de ceder ferramentas para que as pessoas possam mudar.
23. A falta de fundamentação sobre os motivos que levaram o Tribunal a quo a retirar tais conclusões é um vício de sentença, que afeta o ato decisório em si mesmo, podendo a sentença ser afetada de nulidade (artigo 122.º, n.º1 do Código de Processo Penal).
24. Sendo que, não se considerando que a falta de fundamentação consubstancia uma nulidade, sempre se dirá que estamos perante um vício previsto no artigo 410.º, n.º2, alínea a) do Código de Processo Penal
25. Finalmente, sempre se dirá que a medida concreta da pena é exagerada;
26. A condenar-se o arguido pelo crime de que vinha acusado e pronunciado, mas tendo em conta as circunstâncias atenuantes, não deveria o arguido ser condenado a pena superior a seis meses de prisão.

TERMOS EM QUE, Vossas Excelências, revogando a decisão recorrida e substituindo-a por outra que Absolva o Recorrente, ou, caso assim não se entenda, que diminua a medida concreta da pena aplicada,
Farão, V. Exas., inteira justiça!

3. O M.P., na primeira instância, respondeu ao recurso interposto pelo arguido, tendo concluído no sentido de que deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
4. Nesta instância, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá ser julgado improcedente.
5. Cumprido que foi o disposto no artigo 417º nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.
Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1. Objeto do recurso

O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso (1) do tribunal, cfr. artigos 402, 403º e 412º, nº 1, todos do CPP.

Assim, considerando o teor das conclusões do recurso interposto pelo arguido, as questões a decidir reconduzem-se às seguintes matérias:

- Nulidade da sentença recorrida
- Valoração dos antecedentes criminais
- Vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
- Subsunção jurídica dos factos provados no tipo legal de crime de evasão
- Medida da pena.

2- A decisão recorrida

1. Na sentença recorrida consideraram-se como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respetiva motivação de facto (transcrição):

A. Factos provados

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

1. Por despacho proferido no dia 19 de Junho de 2019, em sede dos autos de processo comum colectivo n.º 555/20.3T8BRG que corre termos no 5.º Juízo Central Criminal de Braga, o arguido J. C. foi sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, sendo que enquanto os instrumentos desta última não fossem instalados ficou a aguardar os termos do processo em prisão preventiva.
2. O arguido permaneceu, assim, em prisão preventiva até ao dia 30 de Julho de 2019, data em que regressou à sua sobredita habitação para cumprimento da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, tendo-lhe, nessa mesma data sido instalados os respectivos meios de controlo electrónico à distância. 3. Sucede que, no passado dia - de Setembro de 2019, cerca das 18H45m, o arguido J. C. violou esse sistema de controlo técnico à distância, tirando o dispositivo do corpo, fugindo, depois, da habitação andando em paradeiro incerto.
4. Ao actuar de tal forma, o arguido J. C. agiu ciente, porém, que estava, legalmente, privado da liberdade, mercê da decisão de aplicação da medida de coação de obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, determinada pelo Tribunal;
5. Não obstante, com a conduta supra referida, quis o arguido J. C. evadir-se da habitação, onde se encontrava obrigado a permanecer, controlado por meios técnicos de vigilância eletrónica.
6. O arguido J. C. agiu ainda sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo, além do mais, que tal conduta era proibida e punida por Lei.
7. O arguido regressou a território nacional cerca de quatro meses após o mencionado em
8. Foi detido no âmbito de uma operação de fiscalização de trânsito.

Mais se provou que:

9. O arguido foi condenado, no âmbito do processo sumaríssimo n.º 404/12.6GAAMR, que correu termos no extinto Tribunal Judicial de Amares, por sentença transitada em julgado em 28.01.2013, pela prática, em 21.06.2012, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00. No âmbito deste processo o arguido requereu a substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, tendo cumprido apenas 46 horas e em 16.12.2014 procedido ao pagamento do remanescente da pena de multa.
10. No âmbito do processo abreviado n.º 271/13.2GBVVD, que correu termos neste Juízo Local Criminal de Vila Verde, por sentença transitada em julgado em 28.10.2013, pela prática, em 20.04.2013, de um crime de furto qualificado, na pena de 140 dias de multa à taxa diária de € 5,00, já declarada extinta pelo cumprimento.
11. Foi condenado, no âmbito do processo comum singular n.º 5/14.4GBBRG, que correu termos no Juízo Local Criminal de Vila Verde, por sentença transitada em julgado a 26.04.2016, pela prática, em 13.03.2014, de um crime de tráfico de menor gravidade, na pena de dois meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e sujeita a regime de prova.
12. A sobredita suspensão foi revogada, tendo o arguido cumprido dois meses de prisão efectiva, a qual foi declarada extinta a 12.03.2018.
13. No âmbito do processo comum colectivo n.º 6/17.0GBBRG, que correu termos no Juízo Central Criminal de Braga, Juiz 3, por acórdão transitado em julgado em 07.09.2018, o arguido foi condenado, pela prática, no ano de 2017, de um crime de furto qualificado na forma tentada, um crime de auxílio material e um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova.
14. Nos sobreditos autos a suspensão foi revogada.
15. Foi, ainda, condenado, no âmbito do processo comum singular n.º 349/17.3GBVVD, que correu termos neste Juízo Local Criminal, por sentença transitada em julgado em 03.06.2019, pela prática em 11.06.2017, de um crime furto qualificado, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e condicionada à obrigação de o arguido fazer tratamento à toxicodependência.
16. No âmbito do processo comum singular n.º 351/17.5GBVVD, que correu termos neste Juízo Local Criminal de Vila Verde, por sentença transitada em julgado a 19.06.2019, foi o arguido condenado pela prática, a 11.06.2017, de um crime de furto qualificado na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova.
17. O processo de desenvolvimento psicossocial do arguido decorreu no seio do seu agregado social de origem, numa dinâmica familiar caracterizada como estruturada e socioeconomicamente assente na actividade laboral dos progenitores como comerciantes de feiras e mercados. Iniciou-se no sistema de ensino em idade regulamentar, tendo abandonado a escola aos 17 anos de idade, após concluir o 9.º ano de escolaridade.
18. O seu percurso escolar foi caracterizado pelo absentismo e comportamentos desajustados, os quais estiveram na origem de algumas participações disciplinares.
19. Após a intervenção da CPCJ de … foi orientado a prosseguir os estudos, através de cursos de educação e formação, que abandonou antes do seu termo. Mais tarde obteve a equivalência ao 12.º ano de escolaridade, através da frequência de um curso profissional de serviço de mesa e bar.
20. Regista uma experiência profissional incipiente, tendo desenvolvido na área da construção civil, numa empresa de pladur, unicamente durante cerca de 3 meses. Desde então, não voltou a exercer qualquer actividade laboral com carácter regular, apoiando os pais nas feiras e mercados, de forma ocasional.
21. O arguido iniciou os consumos de substâncias psicotrópicas durante a adolescência, pelos 15 anos de idade, em convívio com o seu grupo de pares conotados com comportamentos aditivos, circunscrevendo o seu quotidiano em função das suas necessidades aditivas.
22. Pelos 23 anos de idade intensificou e diversificou os consumos, consumindo substâncias de maior poder aditivo, que mantinha em contexto de grupos de pares.
23. À data dos factos residia com os progenitores, privilegiando a companhia da namorada.
24. Mantinha-se profissionalmente inactivo, sendo a sua subsistência assegurada pelos progenitores.
25. No meio comunitário, de forma genérica, é conotado pelo estilo de vida desregrado, sem qualquer actividade ocupacional estruturada e convívio com pares conotados com comportamentos criminógenos, contudo não são referenciados sentimentos de rejeição.
26. Deu entrada no Estabelecimento Prisional de … em 30.09.2020, tendo sido transferido, a título definitivo para o Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo em 02.11.2020, de momento à ordem do processo comum colectivo n.º 6/17.0GBBRG, do Juízo Central Criminal de Braga, Juiz 3.
27. No âmbito do processo comum colectivo n.º 6/17.0GBBRG, do Juízo Central Criminal de Braga, Juiz 3, na sequência do constante dos pontos 2. e 3., a 03.10.2019 foi proferido despacho a revogar a vigilância electrónica e a determinar a emissão de mandados de detenção para interrogatório judicial de arguido.
28. Em meio prisional foi punido disciplinarmente, em Março de 2021, com dez dias de permanência obrigatória no alojamento, por posse de um telemóvel.
29. Tem um filho com 3 meses de vida.
30. Confessou integralmente e sem reservas os factos pelos quais vinha acusado, não se retirando dessa confissão qualquer arrependimento sincero.

B. Factos não provados

Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
*
C. Motivação da matéria de facto

Estribamos a nossa convicção probatória nas declarações do arguido, que confessou integralmente e sem reservas os factos pelos quais vinha acusado, na certidão por fotocópia dos autos de processo comum colectivo n.º 555/20.3T8BRG, todos estes elementos apreciados à luz da livre apreciação do julgador e das regras da experiência comum. De realçar, ainda, que o arguido referiu que após a retirada do equipamento se ausentou do território nacional, apenas tendo regressado quatro meses após a referida circunstância e, bem assim que a sua detenção ocorreu no âmbito de uma operação de fiscalização de trânsito.
A análise do Certificado de Registo Criminal de fls. 135 a 141 verso incluído mostrou-se suficiente para a prova dos antecedentes criminais do arguido.
Por fim, para a prova das condições económicas, sociais, profissionais e familiares do arguido relevamos o teor do relatório social junto a fls. 148 a 150 e, ainda, as declarações prestadas pelo arguido que se nos afiguraram credíveis, porque não contrariadas por qualquer outro elemento de prova.
No mais, se é certo que o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos pelos quais vinha acusado nestes autos, a verdade é que da sua postura em sede de audiência de julgamento não se retirou um verdadeiro arrependimento, denotando o mesmo uma postura de indiferença/desculpabilização quanto à conduta por si perpetrada.

3. Apreciação do recurso

3.1- O recorrente insurge-se contra a decisão recorrida, tendo concluído referindo que “O Tribunal a quo limitou-se a esmiuçar o registo criminal … e proferir sentença de acordo com o registo criminal do mesmo” (conclusão 1); “O recorrente foi outrora condenado pelos crimes que praticou, cumprindo as respetivas penas que lhe foram aplicadas, não sendo possível ser deliberadamente e constantemente “julgado” pelo seu passado, pela prática dos crimes pelos quais já foi julgado e cumpriu o seu dever jurídico-social” (conclusão 3); “Pelo que, assim sendo, o recorrente deveria ser “julgado” pelo crime de evasão - de que vinha acusado – e não “apenas pelo seu cadastro criminal” (conclusão 4); “…o recorrente pretende seguir a sua vida de forma exímia, exemplar, em sintonia com os moldes que se consideram socialmente adequados” (conclusão 12);Porém, torna-se impossível haver uma reintegração do indivíduo numa sociedade em que o está eternamente a “julgar” por atos passados” (conclusão 13); “Como prova de que o recorrente entende que deve mudar de vida e pretende mudar, decidiu colaborar com a justiça, através da sua confissão na íntegra e sem reservas” (conclusão 14); “Considerando-se ainda que demonstrou um sentimento de culpa, arrependimento, e vontade de mudar o seu comportamento, não voltando a cometer os mesmos erros na sua vida, em especial, não voltando a cometer o crime de que vem condenado” (conclusão 15);”Num testemunho honesto e sincero, o recorrente, perante o Tribunal a quo, expressou todo o arrependimento pelo seu comportamento, demonstrando a vontade de mudar e, de realçar, demonstrando que não iria voltar a cometer o mesmo crime, numa expectativa de mudar a sua vida e enquadrar-se na sociedade” (conclusão 16).
Tanto quanto nos é dado a entender, o recorrente - que confessou integral e sem reservas os factos que lhe foram imputados - não concorda com o facto de o tribunal recorrido não ter considerado provado o seu arrependimento sincero, o que se deveu, no seu entender, pese embora não referido expressamente na sentença, ao seu passado criminal.
Acresce que, segundo o recorrente, o tribunal recorrido não fundamentou, não se tendo pronunciado, sobre os motivos pelos quais considerou não ter ocorrido um arrependimento sincero, o que no seu entender é motivo de nulidade da sentença proferida.
Ora, especificamente no que concerne à questão da alegada falta de fundamentação da ausência de arrependimento, o tribunal recorrido, em sede de motivação da matéria de facto, pese embora ter considerado a ocorrência de confissão integral e sem reservas dos factos, afastou a verificação de arrependimento sincero do arguido, aduzindo que:
“No mais, se é certo que o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos pelos quais vinha acusado nestes autos, a verdade é que da sua postura em sede de audiência de julgamento não se retirou um verdadeiro arrependimento, denotando o mesmo uma postura de indiferença/desculpabilização quanto à conduta por si perpetrada.”.
Assim, ao contrário do referido pelo recorrente, o tribunal recorrido explicou a razão pela qual, não obstante a confissão integral e sem reservas efetuada pelo arguido, considerou não ter ocorrido arrependimento sincero.
O tribunal recorrido não se convenceu da verificação de arrependimento sincero porque o arguido, em audiência de julgamento, assumiu “uma postura de indiferença/desculpabilização quanto à conduta por si perpetrada.
Logo, mostra-se afastado alegado motivo de nulidade da sentença recorrida.
Conforme entendimento consolidado na jurisprudência, para que se verifique arrependimento sincero, não basta que o arguido confesse os factos e se declare arrependido. Para o efeito, exige-se que ocorram atos objetivos que o demonstrem, os quais variam segundo as circunstâncias do caso.
Como se diz no Ac. RE de 14.01.2014, processo 7/11.2GBPTM.1, disponível em www.dgsi.pt “É inegável que a existência de arrependimento é uma questão de facto relevante porque, a verificar-se, constitui circunstância atenuante a ponderar mormente na determinação da medida da pena, enquanto atitude posterior à prática do facto e indicador de menor probabilidade de reiteração criminosa no futuro.
No entanto, a simples admissão dos factos, quando ocorra, não implica necessariamente a existência de arrependimento, que nalguns casos não passa de mera estratégia de defesa. O arrependimento, para pesar em favor do arguido, não se demonstra em regra através de meras palavras de contrição, mas sim de atos que evidenciem que interiorizou o desvalor da sua conduta, lamenta tê-la praticado, pretende atenuar na medida do possível as suas consequências nefastas e está resolvido a não tornar a delinquir.”
Acresce que “A declaração de arrependimento não se confunde com o verdadeiro arrependimento, que é a constatação pelo tribunal de que o arguido interiorizou os maus efeitos do crime, que se inadequa à sua personalidade, convencendo da acidentalidade do ato.”, cfr. Ac STJ de 06.02.2013, processo 181/12.0JELSB.L1.S1, in wwwdgsi.pt.
Assim, vide, v.g. Ac. RC de 15.01.2020, processo 61/17.3PEFIG.C1, disponível em ww.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se “O arrependimento sincero – o único que jurídico-penalmente releva –, constituindo um ato interior do arguido, carece de ser objetivado em feitos que, de modo inequívoco, o demostrem.
No caso concreto foi imputada ao arguido a prática de um crime de evasão por, tendo-lhe sido aplicada medida de coação de permanência na habitação, com vigilância através de meios técnicos de controlo à distância, o arguido ter retirado os referidos meios técnicos e abandonado a casa, colocando-se em fuga.
Ora, em casos como o presente, um ato objetivo demonstrativo de arrependimento sincero seria o facto de, posteriormente, o arguido ter-se apresentado voluntariamente em juízo, o que não aconteceu no caso concreto da situação presente, uma vez que, como decorre dos factos provados, o arguido, que se manteve evadido, durante cerca de quatro meses, foi detido em consequência de uma fiscalização de trânsito.
No que concerne à alegada consideração dos antecedentes criminais do arguido para efeitos de considerar não ter ocorrido arrependimento sincero, a fundamentação da sentença recorrido, como não poderia deixar de ser, não evidencia que tenha sido esse o caminho trilhado.
Como é sabido, o Código de Processo Penal consagrou um sistema mitigado de cisão (césure) na fase decisória do processo, distinguindo dois momentos: o primeiro relativo à questão da culpa, em que são fixados os factos provados e não provados; e um segundo momento, no qual é determinada a pena, sendo neste momento que devem ser consideradas e valoradas as condições pessoais do arguido e a sua personalidade, cfr. artigos 369º, 370º e 371º, do CPP.
No caso vertente, o tribunal recorrido apenas considerou, e bem, os antecedentes criminais do arguido naquele segundo momento, ou seja, para efeitos de determinação da medida da pena.
Pelo exposto, e não tendo o recorrente impugnado os factos pela via do disposto no artigo 412º, nº 3 e 4 do CPP, quanto ao invocado arrependimento sincero não ocorre nulidade da sentença por força do disposto nas disposições conjugada dos artigos 374º, nº 2 e 379º, nº 1, al. a), ambos do CPP.
3.2- O recorrente defende que a improceder a por si alegada nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação quanto à questão da ausência de arrependimento, o que é o caso, sempre se verificaria o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, em conformidade com o disposto no artigo 410º, nº 2, al. a) do CPP.
O aludido vício é um vício de confeção da decisão, o qual terá de resultar do texto da decisão por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. E significa que os factos são insuficientes para justificar a solução de direito ou o tribunal não esgotou os seus poderes de investigação sobre o objeto do processo tal como se encontra definido pela acusação, contestação e dos factos que resultem da discussão da causa, em conformidade com o disposto no artigo 368º, nº 2 do CPP.
Por outras palavras, como dizem Simas Santos e Leal Henriques, “A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando os factos provados são insuficientes para justificar a decisão assumida, ou quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso submetido a apreciação; no cumprimento do dever de descoberta da verdade material, que lhe é imposto pelo normativo do art.º 340.º do Código de Processo Penal, o tribunal podia e devia ter ido mais longe; não o tendo feito, ficaram por investigar factos essenciais, cujo apuramento permitiria alcançar a solução legal e justa, cfr. Código de Processo Penal Anotado, pág. 738, parafraseando o acórdão do STJ de 99/06/02, processo n.º 288/99”.
No caso vertente, não se vislumbra como é que o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada poderá ter-se como verificado.
Aliás, o próprio recorrente não fundamenta a sua posição quanto a esta questão, tendo-se limitado a alegar, a título subsidiário, a verificação do aludido vício. É certo que o recorrente pretendia que se considerasse como provado o arrependimento por forma a que fosse valorado como atenuante na medida da pena. Mas esta sua posição nada tem que ver com o apontado vício da sentença.
De facto, o tribunal recorrido pronunciou-se, nos termos sobreditos, sobre o arrependimento do arguido, considerando este facto como não provado, tendo ulteriormente, em sede de fundamentação de direito da sentença, extraído as necessárias consequências.
Por conseguinte, consideramos como não verificado, no caso concreto, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
3.3- O recorrente questiona a qualificação jurídica dos factos provados enunciados na sentença recorrida, discordando que a conduta do arguido integre o tipo legal de crime de evasão p. e p. pelo artigo 352º, nº 1 do CP, pelo qual foi acusado e condenado.
Comete o crime de evasão “quem, encontrando-se legalmente privado da liberdade, se evadir”, cfr. nº 1 do artigo 352º do CP.
As razões de discordância do recorrente têm que ver, no essencial, com o facto de no caso em apreço a factualidade subjacente ao crime de evasão consistir numa medida de coação de obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, por ele incumprida, e não de privação da liberdade por se encontrar detido e ou preso num estabelecimento prisional, bem assim com as consequências decorrentes do seu incumprimento.
A questão assim colocada foi abordada na sentença recorrida por forma abrangente, tendo seguido a posição mais representativa quer na jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal de Justiça, quer da doutrina. Assim, na jurisprudência vide v.g. Ac. TRE de 13.11.2012, processo 450/10.4TASTB.E1; Ac. TRP de 07.12.2016, processo 746/13.3GDGDM.P1; Ac TRP de 11.11.2020, processo 760/17.0T9SJM.P1; e Ac STJ de 23.11.2017, processo 120/12.3POLSB.L1.S3, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
O bem jurídico protegido pelo tipo legal de crime de evasão é a autoridade pública do sistema estadual de justiça quando profere decisões de privação da liberdade, cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, pág. 1114.
Na referência constante do tipo legal de crime do artigo 352º do CP “quem, encontrando-se legalmente privado da liberdade”, inclui-se a situação de quem estiver sujeito à obrigação de permanência na habitação, executada, como é o caso destes autos, com fiscalização por meio técnico de controlo à distância, cfr. Miguez Garcia e Castela Rio, in Código Penal parte Geral e Especial, 2015, 2ª edi., Almedina, pág. 1243 e Manuel Leal Henriques e Manuel Simas Santos, in Código Penal Anotado, 3.ª Edição, II volume, Parte Especial, Rei dos Livros Editora, páginas 1523 a 1525 e 1530 a 1531.
Com bem se refere na sentença recorrida, “…divergindo da redação original do artigo 392º no Código Penal de 1982 – em que o crime de evasão era aplicável “à pessoa legalmente presa, detida ou internada em estabelecimento destinado à execução de reações criminais privativas da liberdade”, isto é, ao evadido que se encontrasse em prisão preventiva ou em cumprimento de pena de prisão ou de internamento – o legislador da reforma de 1995 (Decreto-Lei 48/95, de 15/3) veio introduzir, no atual artigo 352º do Código Penal, a expressão abrangente “encontrando-se legalmente privado da liberdade”.
Recorrendo-se, em termos interpretativos, ao elemento histórico, verifica-se que, com esta expressão substitutiva, quis a Comissão Revisora abranger precisamente as pessoas submetidas a medida de segurança privativa da liberdade, prisão preventiva e obrigação de permanência no domicílio, como resulta da discussão que teve lugar nas 35ª e 51ª sessões (cfr. Actas da CRCP/Figueiredo Dias, 1993: Código Penal, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Ministério da Justiça, Lisboa, Rei dos Livros, mormente página 409)
Também Maia Gonçalves, in Código Penal Português, 18ª edição (2007), Almedina, na anotação nº 2 ao artigo 352º, página 1059, nos diz que “a evasão abrange todos os casos em que o agente se encontra legalmente privado da liberdade, (…) aqui se incluindo, portanto, a medida de segurança privativa da liberdade e a obrigação de permanência no domicílio” – em idêntico sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal (…), 2ª edição (2010), UCE, nota 6 ao artigo 349º e nota 5 ao artigo 352º, respetivamente a páginas 916-917 e 920, e M. Miguez Garcia/J.M. Castela Rio, Código Penal, Parte geral e especial, com notas e comentários, Almedina, 2014, nota 3 ao artigo 349º e nota 2 ao artigo 352º, páginas 1180 e 1183, respetivamente.
Salientamos, ainda, que uma coisa são as eventuais consequências processuais de agravamento das medidas cautelares que possam ou não resultar da violação dos deveres inerentes à medida de obrigação de permanência na habitação (cfr. o artigo 203.º, nº 2, do Código de Processo Penal). Outra coisa é a consequência tipificada na lei penal substantiva para a conduta do agente que, desrespeitando a autoridade pública encarregada do sistema estadual de justiça, viole a custódia oficial, quando se ausenta ilegitimamente do local a que, nos termos da competente decisão judicial, deveria estar confinado para cumprimento da medida privativa de liberdade (no caso, de obrigação de permanência na habitação) – quanto a este especifico ponto, vide M. Miguez Garcia/J.M. Castela Rio, ob. cit, em comentário ao artigo 352º.”.
Por isso, somos levados a concluir no mesmo sentido em que concluiu o STJ no citado aresto de 23.11.2017, processo 1210/12.3POLSB.L1.S3, quando referiu que “Incorre na prática do crime de evasão não só quem se encontrar privado da liberdade em virtude de detenção ou de prisão, mas também quem estiver sujeito a obrigação de permanência na habitação, tenha ela sido aplicada a título de medida processual de coação ou para efeitos de cumprimento de pena. Entendimento que saiu reforçado com a nova redação dada pela Lei 94/2017, de 23-08, ao art. 43.º, do CP”.
De forma que, também quanto à questão em apreço, não assiste razão ao recorrente.
3.4- O recorrente insurge-se contra a medida da pena de treze meses de prisão em que foi condenado, a qual considera ser exagerada, referindo, na motivação do recurso, que a pena deverá ser fixada no mínimo legal, tendo referido, porém, nas conclusões do recurso, ser mais adequada a pena de seis meses de prisão.
Assim, importa sindicar a medida concreta da pena.
Nesta sede, não podemos deixar de salientar - quanto aos limites de controlabilidade da determinação da pena (principal e ou acessória) em sede de recurso (2) - que entendemos ser de seguir o entendimento da doutrina (3) e da jurisprudência (4) de que “é suscetível de revista a correção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de fatores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, mas a determinação do quantum exato de pena só pode ser objeto de alteração perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efetuada” (sublinhando nosso).

O recorrente fundamentou a esta sua tese recursiva, alegando que:
“Considerando-se:
- a confissão integral e,
- o circunstancialismo que motivou o comportamento do arguido, e especialmente
- o sincero arrependimento demonstrado,
Não olhando “apenas” ao certificado do registo criminal do arguido”

A determinação concreta da pena faz-se de acordo com os critérios fixados no artigo 71º, n.º 1 n.º 2 do C. Penal, pelo que, numa primeira aproximação, a pena deve ser concretizada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda, numa segunda fase, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento, sendo que de acordo com o disposto no artigo 40º, nº 1 do C. Penal "A aplicação das penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade".
A medida concreta da pena há-de encontrar-se no espaço de liberdade fornecido por uma moldura que tem como limite máximo a culpa do agente e como limite mínimo as exigências de prevenção geral positiva (5).

Na verdade, importa precisar que:
- A culpa do agente assinala o limite máximo da moldura penal, dado que não pode haver pena sem culpa, nem a pena pode ser superior à culpa, de acordo com princípios fundamentais da Constituição da República Portuguesa (6), do Código Penal e no respeito pela dignidade inalienável do agente (7);
- As exigências de prevenção geral (traduzidas na necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, no respeito pelas legitimas expectativas da comunidade) têm uma medida óptima de protecção, que não pode ser excedida, e um limite mínimo, abaixo do qual não se pode descer, sob pena de se pôr em causa a crença da comunidade na validade da norma violada e os sentimentos de confiança e segurança dos cidadãos nos institutos jurídico-penais; trata-se, aqui, de determinar qual a pena necessária para assegurar o respeito pelos valores violados, pelo que, a pena a aplicar não pode ultrapassar os limites de prevenção geral, uma vez que, como dispõe o artigo 18º, nº2 da C.R.P., só razões de prevenção geral podem justificar a aplicação de reacções criminais; e
- Dentro desses dois limites actuam, na graduação da pena concreta, os critérios de prevenção especial de ressocialização, pois só se protege eficazmente os bens jurídico – penais se a pena concreta servir a reintegração do agente ou não evitar a quebra da sua inserção social.

Em suma, a realização da finalidade de prevenção geral que deve orientar a determinação da medida concreta da pena abaixo do limite máximo fornecido pelo grau de culpa, relaciona-se com a prevenção especial de socialização por forma que seja esta finalidade a fixar, em último termo, a medida final da pena (8).
Para graduar concretamente a pena há que respeitar ainda, como supra ficou dito, o critério fornecido pelo nº2 do artigo 71º do C. P., ou seja, atender a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele. Este critério é fornecido, exemplificativamente, nas suas alíneas e podem e devem ajudar o tribunal a concretizar, no sentido de vir a quantificar, quer a censurabilidade ao facto a título de culpa, quer as exigências de prevenção geral e de prevenção especial.
A exigência de as referidas circunstâncias, favoráveis ou desfavoráveis ao agente (atenuantes ou agravantes), não integrarem o tipo legal de crime, ressalta de já terem sido levadas em conta pelo legislador na determinação da moldura legal, o que, no caso contrário, violaria o princípio ne bis in idem. (9)

No caso vertente, o tribunal recorrido fundamentou a medida da pena em que condenou o arguido, aduzindo, nomeadamente, que:
“É agora altura de determinar a sua medida concreta, partindo de uma moldura abstracta que, nos ilícitos em apreço, oscila 1 (um) mês e 2 (dois) anos.
No caso dos autos, temos por muito elevadas as necessidades de prevenção especial, na medida em que o arguido, e não obstante a sua idade, conta com um vasto curriculum criminoso, sendo este o sétimo contacto com o sistema judiciário. Mais concretamente, em data anterior à prática dos factos objecto destes autos, o arguido já havia sido condenado pela prática de seis crimes de furto qualificado, um crime de condução sem habilitação legal, um crime de tráfico de menor gravidade e um crime de auxílio material. Não se poderá descurar que o cometimento destes factos ocorreu no período da suspensão das penas de prisão em que foi condenado no âmbito dos processos n.ºs 6/17.0GBBRG, 349/17.3GBVVD e 351/17.5GBVVD. Se é certo que a prática destes factos e dos relativos àqueles processos protegem bens jurídicos distintos, não menos verdade é a circunstância de o arguido demonstrar uma personalidade propensa à prática de crimes, manifestando grande indiferença perante as penas que sucessivamente lhe têm sendo impostas e seus efeitos e, bem assim à actividade dos Tribunais, em particular.
Quando em liberdade, o arguido não apresentava hábitos regulares de trabalho, apoiando os pais nas feiras e mercados, de forma ocasional, sendo a sua subsistência assegurada por aqueles.
Iniciou os consumos de substâncias psicotrópicas durante a adolescência, pelos 15 anos de idade, em convívio com o seu grupo de pares conotados com comportamentos aditivos, circunscrevendo o seu quotidiano em função das suas necessidades aditivas, consumo que intensificou a partir dos 23 anos de idade.
Já em meio prisional foi punido disciplinarmente, em Março de 2021, com dez dias de permanência obrigatória no alojamento, por posse de um telemóvel
No meio comunitário, de forma genérica, é conotado pelo estilo de vida desregrado, sem qualquer actividade ocupacional estruturada e convívio com pares conotados com comportamentos criminógenos, contudo não são referenciados sentimentos de rejeição.
A ilicitude da actuação do agente já assume alguma relevância, evidenciada, desde logo, no facto de o arguido se ter evadido cerca de quatro meses e, quando regressado a território nacional, não se ter, de imediato, apresentado às autoridades competentes, tendo sido detido no âmbito de uma operação de trânsito.
O arguido revela culpa elevada, atenta a modalidade de dolo directo que revestiu a conduta adoptada.
As necessidades de prevenção geral são muito elevadas, desde logo, face ao sentimento de insegurança que condutas deste género causam na comunidade e, bem assim, porque colocam em causa a obediência e o respeito devidos às decisões judiciais, afectando a credibilidade, a eficácia e imagem do sistema judicial.
O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe eram imputados, não se retirando daqui um arrependimento sincero, desde logo, atento o facto de estarmos perante um crime de prova fácil, composta maioritariamente pela análise do teor de certidões judiciais.
Face a todo o circunstancialismo descrito, a pena concreta adequada à culpa do arguido e às necessidades de prevenção, relativas a este crime, corresponde 13 (treze) meses de prisão”.
Da fundamentação da decisão recorrida, resulta que o tribunal a quo teve em conta cada um dos fatores suscetíveis de influenciar a medida concreta da pena de acordo com dos princípios gerais de determinação acima enunciados.
Na verdade, a medida da pena foi fixada, por forma ponderada e criteriosa, tendo presente o grau de ilicitude dos factos e da culpa, bem assim segundo as exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.
Por isso, ao contrário do que defende o recorrente, o tribunal recorrido não atendeu apenas aos antecedentes criminais do arguido. É certo que não considerou o arrependimento, mas isso sucedeu porque, como vimos, não considerou provada a sua ocorrência.
Logo, tendo a pena aplicada sido fixada sensivelmente na média da moldura abstrata, para a qual contribuiu, por forma relevante, os antecedentes criminais do arguido, julgamos que não ocorre violação das regras da experiência ou desproporção da quantificação efetuada da pena cominada.
Assim, o quantum da pena respeita os princípios da necessidade, proibição de excesso ou proporcionalidade das penas, observando o preceituado no artigo 18º, nº 2, da CRP, sendo adequado à reposição da validade da norma infringida e não ultrapassa a medida da culpa do arguido.
Por conseguinte, considerando a factualidade em que se baseou a sentença recorrida, não se descortinam razões para dela se discordar, pelo que julgamos ser de manter a medida da pena nos termos fixados pela primeira instância.
Em suma, o recurso improcede também nesta parte.

III- DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas do recurso que interpôs a cargo do arguido /recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 Ucs - artigo 513º do CPP e artigo 8º, nº 9 do RCP e tabela III anexa ao referido código.
Notifique.
Guimarães, 20.06.2022
(Texto integralmente elaborado pelo relator e revisto pelos signatários - artigo 94º, nº 2 do C. P. Penal).

Armando Azevedo - Relator
Teresa Coimbra – Adjunta
Fernando Chaves – Presidente da Secção




1. De entre as questões de conhecimento oficioso do tribunal estão os vícios da sentença do nº 2 do artigo 410º do C.P.P., cfr. Ac. do STJ nº 7/95, de 19.10, in DR, I-A, de 28.12.1995, as nulidades da sentença do artigo 379º, nº 1 e nº 2 do CPP, irregularidades no caso no nº 2 do artigo 123º do CPP e as nulidades insanáveis do artigo 119º do C.P.P..
2. Note-se que seguimos aqui a posição de que o recurso constitui um remédio jurídico ou um juízo de censura crítico e não um “novo julgamento” como se não tivesse existido um julgamento anterior, cfr. v.g. Damião da Cunha, O caso Julgado Parcial, Universidade Católica, 2002, pág. 37.
3. Vide F. Dias, Direito Penal Português, As consequências do crime, pág. 196 e segs.
4. Vide, entre outros, Ac. STJ de 29.03.2007, proc. 07P1014, relator Simas Santos, Ac. STJ de 19.04.2007, processo 07P445, relator Carmona da Mota, e Ac. RE 22.04.2014, proc 291/13.7GEPTM.E1, relatora Ana Barata Brito, todos acessíveis em www.dgsi.pt
5. Vide F. Dias, Direito Penal Português, As Consequências do Crime, Editorial Notícias, p. 227 e ss.
6. Cfr. artigos 1º, 13º, n.º 1 e 25º, n.º 1.
7. Cfr. n.º 2 do artigo 40º do C. Penal.
8. Vide Anabela Rodrigues, "A determinação da medida concreta da pena..., R.P.C.C., nº2 (1991); "Sistema Punitivo Português, Sub Judice, 1996, nº11; da mesma autora vide também “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 12,n.º 2 Abril – Junho de 2002, 147/182 e F. Dias, Direito Penal Português, ob. cit., pág. 243.
9. Vide A. Robalo Cordeiro, "Escolha e medida da pena", in Jornadas de Direito Criminal, CEJ, pág. 272.