Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
833/12.5TBVCT.G1
Relator: ANABELA TENREIRO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO PATRIMONIAL FUTURO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - No cálculo da indemnização relativa ao dano patrimonial futuro são ponderados os valores obtidos através dos auxiliares matemáticos, que constituem uma base objectiva, norteadora do julgador, corrigidos, se necessário, com recurso à equidade por forma a ser atribuída ao lesado uma quantia ajustada ao caso concreto, sem olvidar as situações semelhantes.

II- As sequelas específicas que afectam a lesada, das quais se destaca a necessidade, para exercer a sua profissão habitual, de se medicar para as dores, de fazer pausas de 2 em 2 horas para se levantar e desempenhar tarefas que não impliquem estar sentada à máquina de costura, e por outro, a necessidade de distinção dos casos de gravidade superior, determinam, no caso concreto, a atribuição de uma indemnização no montante de € 45.000,00 no que respeita ao dano patrimonial futuro.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO
Maria veio propor contra “Seguros, SA.” a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, peticionando que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global líquida de € 199.800,25, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal, desde a citação, até efectivo pagamento, e ainda a indemnização ilíquida que, por força dos factos alegados no artigo 239º da petição inicial vier a ser fixada em execução de sentença, a título de indemnização por danos decorrentes da ocorrência de um acidente de viação de que foi vítima e em que foi interveniente um veículo automóvel segurado na Ré.
Regularmente citada, contestou a Ré, impugnando os factos alegados pela Autora relativamente aos prejuízos e danos sofridos.
O Centro Distrital de Viana do Castelo do Instituto de Segurança Social, I.P. deduziu contra a companhia de seguros pedido de reembolso de prestações pagas à beneficiária Autora, ao abrigo do disposto no artigo 2º do Decreto-Lei nº 59/89, de 22 de Fevereiro.
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Proferiu-se sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente, e, consequentemente, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 99.930,58, acrescida de juros contados desde data da citação, à taxa legal de 4%, até integral e efectivo pagamento e, ainda, a quantia cuja fixação se remeteu para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 564º, nº 2, do Código Civil, e que corresponder às despesas que a Autora comprovar que teve com os medicamentos, tratamentos, consultas e exames elencados nas alíneas gg), hh) e ii), do ponto II.1., até ao fim da vida.
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Inconformada com a sentença, a Autora interpôs recurso, terminando com as seguintes
CONCLUSÕES
1.º -As indemnizações arbitradas na, aliás, douta sentença recorrida, acima mencionadas, são manifestamente baixas e inadequadas à situação factual dos autos;
2.º - Com efeito, os valores atribuídos pela douta sentença recorrida não traduzem uma reparação justa e com sentido de equidade à Recorrente;
3.º-Entendemos que a justa indemnização para os danos não patrimoniais deve ser quantificada em montante não inferior a 40.000 €uros, em vez dos 30.000 €uros atribuídos e o dano patrimonial deve ser quantificado em valor não inferior a 75.000 €uros, a uma taxa de capitalização de 0.03%, em substituição dos 45.000 €uros fixados na sentença recorrida.
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A Ré também recorreu e formulou as seguintes
CONCLUSÕES
A. Da alínea s) dos factos provados, deverá constar apenas que ”Como consequência directa, necessária e imediata do embate a Autora sofreu uma entorse cervical que deu causa a cervicobraquialgia esquerda pós traumática”.
B. Não pode dizer que o acidente provocou na Autora uma cervicalgia com dores frequentes, mas apenas que, como consequência do acidente e das lesões degenerativas cervicais de que a Autora padecia, ficou ela a padecer, a partir do acidente, de cervicalgias, com dores frequentes”, sendo isto apenas o que deverá passar a constar da alínea u) dos facos provados.
C. Do ponto v) dos factos provados, deverá constar apenas que Devido às dores que ficou a padecer a Autora foi submetida em 16.07.2010 a uma cirurgia de fixação vertebral (discectomia foraminectomia e atrodese anterior com 2 cages de C5-C6 e C6-C7), a qual se revelou incapaz de eliminar tais dores, cuja causa resultava de uma compressão do nervo provocada por uma costela.”
D. Do ponto cc) dos factos provados, deverá constar apenas qu “A Autora, como sequelas das lesões sofridas no acidente, ficou com uma cicatriz cervical anterior esquerda de 8 cm, e com cervicalgias com dores frequentes, mas medicada com Brufen 400 e com necessidade de recorrer a fisioterapia periódica.”
E. Das alínea gg), hh) e ii) dos factos provados, deverá passar a constar, globalmente, apenas que a ”Autora, mercê do acidente, ficou a carecer, até ao fim da vida, de medicamentos anti-inflamatórios e de dois períodos de 20 sessões fisioterapia por ano.”
F. A sentença não deveria ter dado como provada a matéria da alínea oo) dos factos provados, donde devia constar apenas ”Que a autora, para trabalhar, terá de desenvolver esforços suplementares!
G. Dever-se-á dar como provado que ”a Autora é cega de uma vista.”
H. Em face das alterações da matéria de facto que atrás defendemos, e tendo presente que a Autora sofre limitações com causas que nada têm que ver com o acidente, a indemnização relativa ao dano patrimonial futuro não deverá ser superior a Eur 20.000,00.
I. Tendo presente o que habitualmente é arbitrado para casos semelhantes tratados na jurisprudência, a indemnização destinada a ressarcir o dano não patrimonial deverá quedar-se nos Eur 25.000,00.
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A Autora contra-alegou.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - Delimitação do Objecto do Recurso

As questões a apreciar, delimitadas pelas conclusões dos recursos, consistem na alteração da decisão sobre a matéria de facto e na determinação do quantum indemnizatório relativo aos danos não patrimoniais e ao dano futuro resultante da incapacidade geral permanente que afecta a Autora.
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Da modificabilidade da decisão de facto
Nos termos do artº. 662º. do Código de Processo Civil a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. (negrito nosso)
Assim, sem prejuízo de uma valoração autónoma dos meios de prova utilizados pelo tribunal(1) e ainda de outros que se mostrarem pertinentes, essa operação não pode nunca olvidar os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
Discorda a Recorrente, Companhia de Seguros, da decisão que julgou a matéria constante das alíneas s), u), v), cc), gg) a ii) e oo), indicando os meios de prova que, no seu entender, determinavam uma formulação daquela matéria no sentido por si preconizado.
Analisemos.
Antes de mais, cumpre notar que o julgador fundamentou a sua convicção nos teores dos relatórios periciais juntos aos autos de fls. 419 a 422 e 500 a 503, bem como nos esclarecimentos prestados por escrito e oralmente em sede de audiência de discussão e julgamento e no teor dos documentos clínicos juntos aos autos subscritos pelo Prof. A. N.. Neste âmbito, foi igualmente relevante o depoimento da testemunha A. L., médico de profissão e da Autora, conhecedor do estado de saúde da Autora antes do embate, tendo respondido, por causa disso, com razão de ciência. Valoraram-se, ainda e conjugadamente, os depoimentos das testemunhas J. M., condutor do veículo que embateu no veículo conduzido pela Autora, e que referiu que esta logo após o embate se queixou de dores na coluna cervical, M. M. , amiga da Autora, que conhece esta desde o seu nascimento e que relatou ao Tribunal o seu dia-a-dia antes e depois do embate, B. A., filha da Autora, que relatou ao Tribunal, entre outros pontos, como é que a Autora, após o embate, passa as noites, M. S. e M. A., mãe e sogra da Autora que relataram ao Tribunal como era a saúde da Autora antes e depois do acidente.
Na alínea s) foi dado como provado que : Como consequência directa, necessária e imediata do embate a Autora sofreu uma entorse cervical (cervicobraquialgia esquerda após traumatismo), com ruptura da membrana atlanto-occipital e ruptura parcial do ligamento alar direito;”
A Recorrente sustenta que não devia ter sido dado como demonstrado o segmento referente à ruptura da membrana atlanto-occipital e ruptura parcial do ligamento alar direito uma vez que, em resumo, os elementos clínicos, nomeadamente o relatório pericial, não confirmam essa lesão.
Salvo o devido respeito, carece de razão.
Após ter sido ouvida a testemunha A. L., médico da Autora, foi junto por esta, e admitido nos autos, o documento de fls. 547.
O documento em causa é um relatório da Ressonância Magnética à coluna cervical, exame a que a Autora foi sujeita, em 09 de Maio de 2009, ou seja, pouco tempo depois da ocorrência do acidente, em 17 de Abril desse ano.
Este exame revelou, além do mais, a não observância da membrana atlanto-occipital que provavelmente sofreu ruptura, sendo que o ligamento alar direito também não era visualizado, havendo suspeita de ruptura parcial desse ligamento direito.
A Sra. Perita, confrontada com o relatório desse exame, declarou que as alterações discoligamentares são referidas nos relatórios anteriores nomeadamente do Dr. A. N. e parcialmente sobreponíveis no relatório de RMN de 29/04/2010 e justificam o enquadramento das sequelas capítulo das cervicalgias com lesões discoligamentares documentadas.
A Ressonância Magnética Cervical realizada, quase um ano após o acidente, em 29/04/2010, admite a descontinuidade e má definição da membrana atlanto-occipital.
Resulta dos elementos clínicos (nomeadamente do parecer do Cirurgião Prof. Dr. A. N., junto a fls. 119, que operou a Autora por duas vezes) que existem lesões ligamentares traumáticas apenas visíveis nas ressonâncias magnéticas e não em TAC. Esta informação consta do relatório pericial de fls. 420. Esclarece-se ainda que o aparecimento de alterações degenerativas discais um ano após o acidente e a presença das lesões ligamentares traumáticas da RM conduz à admissão de um nexo de causalidade entre o acidente e as queixas manifestadas pela paciente, aqui Autora.
Os Relatórios periciais de fls. 420, de fls. 484 verso e o relatório pericial final de fls. 500 e segs. referem claramente que o TAC, realizado à data do acidente, não mostrava lesões degenerativas, apenas visíveis no TAC de 2011.
Aliás, esta factualidade está em conformidade com o depoimento do médico, A. L., que referiu queixas manifestadas pela Autora na cervical, lombar e braço esquerdo só depois do acidente e nunca antes, sendo que, na sua opinião, as alterações degenerativas não existiam antes do acidente.
O Dr. L. C., no Relatório de Avaliação do Dano Corporal, junto a fls. 107 e segs., admite a existência de lesões cervicais prévias ao evento em causa, designadamente protusões discais que seriam assintomáticas e não causavam qualquer handicap e que constituíam território favorável ao desencadear de lesões compressivas radiculares geradoras de sintomas incapacitantes. Assim o agravamento de lesões pré existentes é o mecanismo mais provável no aparecimento das sequelas em apreciação. (negrito nosso)
O Relatório de Perícia Médico-Legal também apenas admite, com base em RMN de 2010 e no TAC e de 2011, protusões e alterações ligamentares, que sofreram, com o acidente, um agravamento.
Assim, no que concerne ao facto da existência prévia de lesões degenerativas, a verdade é que, antes do acidente, eram assintomáticas (cfr. depoimentos das testemunhas A. L. e C. S. respectivamente médico de família e Perita do IML) e que terão sofrido um agravamento resultante do acidente.
Significa isto, em bom rigor, que em consequência do acidente, a Autora ficou a padecer de cervicalgias com dores frequentes e que as lesões degenerativas, assintomáticas, sofreram um agravamento, por ter passado a ter dores (cfr. ainda esclarecimento de fls. 528).
Em suma, a Autora não ficou a padecer de cervicalgias em resultado exclusivo das referidas lesões pré existentes degenerativas, que, tal como referiu a testemunha A. L., são frequentes na maioria das pessoas com mais de 40 anos. Verifica-se, antes, uma cumulação entre a cervicobraquialgia esquerda pós traumática e o agravamento, em consequência do acidente, das lesões degenerativas prévias, ambas causadoras de dores.
Por conseguinte, afigura-se-nos constituirem quadros clínicos completamente diferenciáveis, face aos elementos clínicos e depoimentos das testemunhas, com conhecimentos médicos, acima assinalados.
Assim, confirma-se a decisão no que respeita à factualidade dada como assente na alínea s) e na alínea u).
A cegueira do olho direito, revelada pelo médico, A. L., naturalmente que já exigia esforços acrescidos antes do acidente, e não era impeditivo da actividade de costureira, pelo que não se considera um facto, aliás não alegado, relevante.
Quanto à origem exclusiva das dores (compressão do nervo provocada por uma costela) não há elementos clínicos que confirmem essa situação, bem pelo contrário, atendendo às razões acima aduzidas, pelo que as meras declarações (indirectas) da Autora revelam-se manifestamente insuficientes para dar como provado esse facto.
A factualidade referente à limitação da mobilidade, tratamentos e medicação de que a Autora carece (alíneas cc), gg), hh), ii) (2)), concorda-se em absoluto com a avaliação dos meios de prova feita pelo Mmo. Juiz, ao dar credibilidade ao médico de família da Autora, a testemunha A. L., que a conhece, como utente, há 31 anos, e depôs pormenorizadamente sobre o estado clínico daquela, antes e depois do acidente, e às pessoas que convivem directamente com ela, ou seja, a amiga, a filha, a mãe e a sogra (M. M. , B. A., M. S. e M. A.).
A medicação e tratamentos regulares foram dados como provados com base no relatório de perícia médico-legal mas efectivamente existe um lapso porquanto apenas foi admitida a prescrição de analgésicos e fisioterapia dois períodos de 20 sessões por ano.
No entanto, dos depoimentos da Sra. Perita e do médico resulta que a Autora necessita ainda de relaxantes musculares.
Assim, deve ser eliminada a alínea hh) (que corresponde à explicação constante do relatório) e corrigida a alínea gg) (Ficou a carecer, até ao fim da vida, de medicamentos analgésicos e relaxantes musculares para debelar ou atenuar as dores na coluna cervical).
Por último, a factualidade constante da alínea oo) do factos dados como provados na sentença,”Pode exercer a sua profissão habitual se se medicar para as dores e fizer pausas de 2 em 2 horas para se levantar e desempenhar tarefas que não impliquem estar sentada à máquina de costura.”, resulta do parecer da Sra. Perita C. S., junto a fls. 554.
Por todos estes motivos, e à excepção das alíneas gg) e hh), não se impõe a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, no sentido pretendido pela Recorrente, antes pelo contrário, considera-se que a decisão impugnada se encontra devidamente fundamentada, através de um raciocínio lógico, alicerçado nas regras da experiência e rigor probatório.
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III—FUNDAMENTAÇÃO

FACTOS
a) No dia 17 de Abril de 2009, pelas 09.00 horas, o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula UJ, propriedade da Autora e por si conduzido, circulava na Estrada Nacional n.º13, no sentido Esposende – Viana do Castelo;
b) O que fazia pela sua mão de trânsito e a baixa velocidade – inferior a 50 Km/h;
c) Quando a viatura UJ se encontrava a percorrer a dita EN 13, na freguesia de Chafé, nesta comarca, cerca de 20 metros à frente dos denominados “Viveiros”, uma viatura que circulava à sua frente reduziu de velocidade e, paulatinamente, aproximou-se do eixo dessa via para efectuar uma manobra de mudança de direcção à sua esquerda;
d) Para entrar no logradouro de uma habitação existente junto à hemifaixa de rodagem contrária à sua;
e) Alcançado o eixo dessa via, a dita viatura teve que a imobilizar porquanto ocorria trânsito em sentido oposto, ou seja, de Viana – Esposende;
f) Por tal motivo, a Autora viu-se obrigada a reduzir de velocidade à sua viatura UJ à medida que se aproximava da retaguarda da viatura que a precedia;
g) Ao ponto de a ter imobilizado totalmente devido à permanência da viatura que a precedia, no eixo da via, e inexistir espaço para a contornar pela sua direita;
h) Nesse dia e hora, na mesma via e sentido de marcha da viatura UJ, circulava à sua retaguarda o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula LC, conduzido pelo seu proprietário J. M.;
i) Sucede que o condutor do LC, porque fazia uma condução desatenta e alheia à circulação rodoviária, não se apercebeu que a condutora do UJ havia reduzido a velocidade que a este imprimia;
j) Nem tão pouco se apercebeu que a condutora do UJ o havia imobilizado na retaguarda do veículo que a precedia, nessa via e local acima indicado, junto ao eixo da via;
k) Por isso, foi embater violentamente com a frente do LC na retaguarda do UJ;
l) Fazendo com que este, devido à violência do embate, rodopiasse para a sua direita e se imobilizasse, de forma oblíqua, na sua hemifaixa de rodagem;
m) A EN 13, no local do embate, encontra-se em piso betuminoso e em bom estado de conservação;
n) A EN 13, no local do embate, é constituída por uma recta com extensão superior a um quilómetro;
o) A Ré, por carta datada de 27 de Abril de 2009, assumiu integralmente e sem reservas a responsabilidade do seu segurado na produção do descrito embate, conforme cópia que se encontra junta aos autos a fl. 43 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
p) A Ré comunicou à Autora que não aprovava a cirurgia à coluna cervical a realizar pelo Prof. A. N. cujo pagamento foi solicitado pela Autora, por nada resolver, segundo a Ré, quanto às queixas que aquela apresentava;
q) A Autora nasceu no dia 10 de Março de 1975, conforme se retira da cópia da certidão do assento de nascimento que se encontra junta aos autos a fls. 118 e 119 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
r) A responsabilidade civil emergente de danos causados pela circulação do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula LC, foi transferida para a Ré, “Seguros, S.A.”, por contrato celebrado entre aquela e J. M. e titulada pela apólice nº 0045.10.046…;
s) Como consequência directa, necessária e imediata do embate a Autora sofreu uma entorse cervical (cervicobraquialgia esquerda após traumatismo), com ruptura da membrana atlanto-occipital e ruptura parcial do ligamento alar direito;
t) E foi assistida no próprio dia 17 de Abril de 2009 na Unidade Local de Saúde do Alto Minho;
u) Ficou a padecer de cervicalgia com dores frequentes;
v) Devido às dores que ficou a padecer a Autora foi submetida em 16.07.2010 a uma cirurgia de fixação vertebral (discectomia foraminectomia e atrodese anterior com 2 cages de C5-C6 e C6-C7);
w) Durante os 3 meses seguintes – Agosto, Setembro e Outubro de 2010 –, por causa da cirurgia, a Autora teve necessidade de usar um colar cervical, feito em plástico, por prescrição do Prof. A. N.;
x) E fez fisioterapia, de seguida, durante 45 dias;
y) Porque passou a sentir dores incapacitantes no membro superior esquerdo, em 09.05.2011 a Autora fez nova cirurgia, no dia 09.05.2011, para tratamento do síndrome compressivo do plexo braquial e exérese da primeira costela à esquerda, tendo ficado internada durante 3 dias, na Clínica, em Coimbra;
z) Fez fisioterapia, de seguida, durante 15 dias;
aa) A Autora, em consequência do traumatismo cervical sofreu dores e ainda sofre dores, sendo que o quantum doloris atingiu o grau 4, numa escala de 1 a 7;
bb) Tem dores na zona cervical quando tenta fazer as lides domésticas, como aspirar, lavar ou estender roupa, e, em geral, levantar pesos;
cc) Como sequelas das lesões sofridas, a Autora apresenta limitação da mobilidade geral, designadamente, nas lides domésticas e incapacidade de estar sentada, por causa das dores, durante mais de 2 horas;
dd) Lesões e sequelas que lhe determinaram:
. Um Período de Défice Funcional Temporário Total de 15 dias;
. Um Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 402 dias;
. Um Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 801 dias;
. Um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 10 pontos;
ee) A Autora obteve a consolidação médico-legal no dia 26.06.2011;
ff) A Autora sente-se desgostosa e infeliz por ter dores;
gg) Ficou a carecer, até ao fim da vida, de medicamentos analgésicos e relaxantes musculares para debelar ou atenuar as dores na coluna cervical;
ii) Ficou a carecer, até ao fim da vida, de fisioterapia, em, pelo menos, dois períodos anuais com 20 sessões cada, para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas;
jj) Antes do acidente, a Autora não tinha dores ao nível da coluna cervical;
kk) Antes do acidente, a Autora tinha protrusões, de carácter degenerativo, ao nível da coluna lombar e da coluna cervical;
ll) A Autora é operária fabril e desempenhou até à data do acidente as funções de costureira em empresa têxtil;
mm) A sua profissão exige-lhe estar sentada durante longos períodos de tempo;
nn) A Autora encontra-se de baixa médica desde o acidente;
oo) Pode exercer a sua profissão habitual se se medicar para as dores e fizer pausas de 2 em 2 horas para se levantar e desempenhar tarefas que não impliquem estar sentada à máquina de costura;
pp) A Autora sente-se deprimida, agastada e triste com as sequelas de que ficou a padecer;
qq) Desde o embate que nunca mais estabilizou o sono, tendo muita dificuldade em adormecer e não consegue agora dormir mais de 4 a 5 horas;
rr) Devido às dores que a Autora sente ao nível da coluna cervical e lombar, o seu médico de família, Dr. A. L., do Centro de Saúde, concedeu-lhe “baixa médica” desde o dia do embate, 14.04.2009, até à presente data;
ss) À data do acidente, a Autora auferia, no exercício da sua profissão, a quantia mensal de € 450,00, 14 vezes por ano;
tt) A Autora está sem receber o seu vencimento mensal desde 01.01.2010;
uu) Somente o seu marido, C. A., é que está a trabalhar para fazer face às despesas domésticas e da sua falta de saúde, o qual trabalha, como pintor de automóveis, na firma Auto RM, na zona industrial de Neiva, I Fase, nesta comarca, onde aufere o salário mensal de € 845,00 líquidos;
vv) O casal constituído pela Autora e seu marido tem a seu cargo uma filha, de seu nome B. A., com 9 anos de idade, à data da propositura da acção;
ww) É com aqueles € 845,00 e mediante ajuda de familiares que a Autora tem de fazer face mensalmente às despesas da alimentação do seu agregado familiar;
xx) A sua casa de habitação foi adquirida mediante recurso ao crédito bancário, do qual estão a pagar uma prestação mensal ao Banco, no montante de € 363,29;
yy) Para além do pagamento do crédito pessoal que tiveram que contrair em Julho de 2010 para fazer face à despesa da cirurgia da Autora em Coimbra, cuja prestação mensal é de € 424,00 e cujo capital mutuado ascendeu a € 12.600,53 e cujo valor global a restituir ascendeu, com juros, a € 15.336,42;
zz) Em consequência do embate, a Autora despendeu as seguintes quantias em consultas e meios auxiliares de diagnóstico: - Ressonância Magnética: € 170,00; - TAC: € 150,00; - Centro de Saúde: € 2.20; - Consulta Dr. P.F.: € 35,00; - Consulta Prof. A. N.:€ 90,00; - Policlínica de Esposende: € 15,00; ; - Centro de Saúde: € 2,20; - EMG – Clinor: € 75,00; - Rx Tórax: € 5,00 €; - Penso: € 12,50; - Rx coluna cervical: € 1,75; - Rx coluna lombar: € 150,00; - farmácia: € 8,13; - farmácia: € 13,95; - consulta médica: € 15,00; - consulta médica: € 90,00; - consulta médica: € 35,00; - EMG simples: € 75,00; - Ressonância Magnética: € 170,00; - TAC coluna cervical: € 150,00; - Consulta Dr. A. V.: € 60,00; - Consulta Ortopedia: € 15,00; num total de € 1.340,73;
aaa) A Autora despendeu na primeira cirurgia: Honorários Prof. A. N.: € 2.000,00; - Dr. C. R., Ortopedista: € 600,00; - Enf. A. F.: € 200,00; - Dr. A. C., anastesista: € 600,00; - Instituto de Cirurgia Reconstrutiva A. N., Lda.: € 2.000,00; num total de € 5.400,00;
bbb) A Autora despendeu na segunda cirurgia: - Honorários Médico Cirúrgicos: € 1.700,00; - Actos Médicos efectuados: € 1.785,00; - Internamento: € 2.280,02 num total de € 5.765,02;
ccc) Quanto ao internamento da Autora na Clínica, em Coimbra, para a aludida primeira cirurgia, bem como a sua ocupação da sala de operações e material necessário à mesma, a Autora pagou a quantia de € 5.174,03;
ddd) E despendeu € 56,10 em taxas moderadoras no Centro de Saúde;
eee) Pagou do seu bolso a quantia de € 175,59 euros em medicamentos, por causa das mencionadas lesões;
fff) Efectuou, no ano de 2011, exames médicos que originaram as seguintes despesas: - Ortopantomografia facial: € 1,80; - Mordente: € 3,00; - Ultra Som, terapia de calor húmido, massagem e mobilização: € 45,72; - Consulta fisiatria, ultra-som, calor húmido, massagem e mobilização: € 101,20; - Consulta fisiatria, ultra-som, calor húmido, massagem e mobilização: € 122,95; - Consulta fisiatria, ultra-som, calor húmido, massagem e mobilização: € 180,00; - Cinesiterapia vertebral: € 45,00; - Consulta fisiatria, ultra-som, calor húmido, massagem e mobilização: € 70,00; num total de € 569,67;
ggg) A Autora também teve necessidade de adquirir no Supermercado A., em Darque, uma boca de mangueira que ficou danificada com o descrito embate, na qual despendeu a importância de € 40,00;
hhh) Despendeu, em refeições, portagens e combustível, por causa das consultas médicas e cirurgia para debelar as lesões do embate, a quantia de € 877,34;
iii) No dia 25.05.2009, a Autora iniciou a realização de fisioterapia na Clínica A., Lda., em Esposende, pagando 5 sessões, continuando no dia 02.06.2009, altura em que pagou mais 5 sessões;
jjj) No dia 03.06.2009, a Autora foi novamente ao seu médico de família em Esposende por causa das referidas lesões;
kkk) No dia 08.06.2009, a Autora pagou mais 5 sessões de fisioterapia;
lll) No dia 18.06.2009, a Autora foi, uma vez mais, consultada pelo Dr. AS, o que voltou a acontecer nos dias 19.06.2009, 26.06.2009 e 30.06.2009;
mmm) Nos dias 01.07.2009 e 24.07.2009, a Autora voltou ao seu médico de família;
nnn) No dia 29.07.2009, a Autora teve necessidade de consultar do Sr. Dr. J. M., por causa das relatadas lesões;
ooo) No dia 24.09.2009, a Autora realizou TAC da coluna cervical que relata, entre o mais, o seguinte: “em C5-C6 há protrusão discal mediana, com ligeiro predomínio esquerdo, que oblitera o espaço subaracnoideu anterior, sem comprimir a medula de modo significativo. Pode gerar tensão das raízes C6, mais provavelmente da raiz da C6 esquerda…”;
ppp) A pedido da Ré, a Autora foi observada clinicamente por conta da primeira, em 15.06.2009, tendo nesse dia aí realizado um exame de TAC cervical e em 22.06.2009 efectuou novo exame radiológico por conta da Ré;
qqq) Foi consultada clinicamente por conta da Ré em 17.07.2009, 31.09.2009, 17.09.2009, 21.09.2009, 18.09.2009, 26.09.2009, 26.10.2009, 30.11.2009, 03.12.2009 e 29.12.2009;
rrr) No dia 29.12.2009, o Hospital, no Porto, instituição que trabalha por conta da Ré, considerou a Autora clinicamente curada, com uma I.P.P. de 6%, e apta a regressar ao trabalho;
sss) A Autora foi a Coimbra à consulta do Prof. A. N., que apenas conseguiu em 30.03.2010;
ttt) Nesta data, o Prof. A. N. ordenou-lhe a realização de novos exames de diagnóstico, entre os quais, ressonância magnética e TAC da coluna cervical;
uuu) Para além de E.M.G. do membro superior esquerdo, devido ao facto de, segundo ele, a Autora apresentar parestesias no membro superior esquerdo e cintura escapular;
vvv) Em face do resultado dos exames, o Prof. A. N. prescreveu à Autora a realização de uma cirurgia à coluna cervical por compressão múltipla das raízes da C5 e C6, confirmada por E.M.G. e ressonância magnética;
www) A Autora enviou à Ré a missiva cuja cópia consta de fls. 87 e 88, solicitando-lhe o pagamento da cirurgia recomendada pelo Prof. A. N.;
xxx) Depois da cirurgia de 16.07.2010, o Prof. A. N. prescreveu à Autora quais os cuidados a ter nos dias seguintes, bem como quais os medicamentos a tomar e a data da próxima consulta, daí a 15 dias;
yyy) No dia 21.07.2010, o Sr. Prof. A. N. prescreveu-lhe novo RX à coluna cervical 2 PP;
zzz) Uma semana depois, a Autora teve de se deslocar novamente a Coimbra, ao Prof. A. N., para este lhe aplicar novo penso na zona da cirurgia;
aaaa) Sendo que daí a 8 dias, foi outra vez a Coimbra para o Prof. A. N. lhe retirar os pontos daquela cirurgia;
bbbb) Nos dias 6, 8, 11, 13, 14, 15, 25, 27 e 29 de Julho, tal como nos dias 2, 3, 5, 9, 11 e 12 de Agosto de 2011, fez fisioterapia no Hospital de Fão;
cccc) A Autora continua a utilizar o colar cervical para conduzir e quando tem muitas dores;
dddd) À Autora foi concedida baixa médica em 28.12.2011, 27.01.2012, 26.02.2012, 27.03.2012, 26.04.2012, 26.05.2012, 25.06.2012, 25.07.2012, 24.08.2012, 23.09.2012, 23.10.2012, 22.11.2012, 22.12.2012, 21.01.2013 e 20.02.2013;
eeee) Desde 14.03.2012 e até à propositura da acção a Autora despendeu, em consequência das lesões sofridas com o embate, em meios auxiliares de diagnóstico, exames clínicos, consultas médicas e medicamentos a quantia de € 799,12.
2 – Factos não provados
Quesitos: 1º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea s), 2º, 4º a 8º, 9º a 10º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea s), 19º, 26º a 31º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas s) e aa), 38º a 40º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea www), 49º a 53º, 63º a 66º, 67º a 69º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas aa) a jj) e oo) a qq), 72º, 73º a 87º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas aa) a jj), 89º a 103º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas aa) a jj) e oo) a qq), 110º a 112º, 117º a 124º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas aa) a jj) e oo) a qq), 129º a 139º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas zz) a hhh), 141º a 148º, 152º e 153º.
Não se provou que as dores sentidas pela Autora na coluna lombar tivessem sido provocadas pelo embate, bem como não se provou que a segunda cirurgia a que a Autora foi submetida tivesse tido origem em lesões causadas pelo embate.
*
DIREITO
A Autora sustenta que as indemnizações dos danos não patrimoniais e do dano patrimonial futuro atribuídas pelo tribunal a quo, respectivamente de €30.000,00 e de € 45.000,00 são diminutas.
Cabe ao lesante, responsável pelo embate, indemnizar o lesado dos danos decorrentes do mesmo, por forma a reconstituir a situação que existiria se o evento não se tivesse verificado-- v. artigos 483.º e 562.º do C.Civil.
O conceito de dano corporal para o Tribunal de Justiça da União Europeia (3) abrange qualquer dano, na medida em que a sua indemnização esteja prevista a título de responsabilidade civil do segurado pelo direito nacional aplicável ao litígio, resultante da ofensa à integridade da pessoa, que abrange tanto os sofrimentos físicos como psicológicos.
Nesta mesma linha, e em termos médicos (4), o dano corporal consiste num prejuízo primariamente biológico, que se pode traduzir por perturbações a nível das capacidades e das situações da vida ou a nível psicológico, com repercurssões funcionais.
O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão; e na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis mas se não forem determináveis, essa fixação será remetida para decisão ulterior—v. art. 564.º, n.º 1 e 2 do C.Civil.
Esta indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos-- artigo 566.º, n.º 1 do C.Civil.
Relativamente ao dano patrimonial futuro, sabemos que o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica constitui um dano indemnizável nos termos previstos no artigo 564.º, n.º 2 do C.Civil.
Sobre esta temática, acompanhamos o Acórdão desta Relação, de 01/10/2015, (5) quando aí se afirma que o que se valoriza, pois, na atribuição da indemnização pela perda da capacidade aquisitiva não é o sofrimento ou a deformação corporal em si mesma (que terão de ser consideradas no âmbito dos danos não patrimoniais), mas antes a impossibilidade que o lesado fica a padecer de utilizar o seu corpo de forma plena, enquanto força de trabalho produtora de rendimento e de bem- estar para si e para os demais. (negrito nosso)
A Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de forma praticamente unânime, tem seguido o entendimento de que a valorização deste tipo de dano (patrimonial ou não patrimonial) deve ser autonomizada: o dano biológico é indemnizável per si, independentemente de se verificarem, ou não, as consequências em termos de diminuição de proventos por parte do lesado. (6)

Sobre a problemática do cálculo da indemnização do dano patrimonial futuro, o Acórdão do STJ de 15.07.2007, expôs a orientação da jurisprudência daquele Tribunal Superior:

- “A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida”;

- “No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equi­dade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso nor­mal das coisas, é razoável”;
- “As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade”;
- “No caso de morte do lesado, deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio gastaria consigo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos)”;
- “Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que per­mitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um des­conto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia”; (7)
- “E deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida activa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de traba­lhar por vir­tude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 76 anos, e tem tendência para aumentar; e a das mulheres chegou aos oitenta )”
Por forma a assegurar a atribuição de uma indemnização que não seja arbitrária ou aleatória, o que pressupõe uma base objectiva, o julgador pode e deve socorrer-se de fórmulas matemáticas ou de tabelas; em relação à que consta da Portaria n.º 377/08 de 26.05 actualizada pela n.º 679/09 de 25.06 a jurisprudência tem vindo a reconhecer que não garante uma indemnização minimamente adequada, sendo o seu campo de aplicação específico nas soluções extrajudiciais.
A factualidade relevante, para decidir a questão do cálculo indemnizatório, dada como provada é a seguinte :
Como consequência directa, necessária e imediata do embate a Autora sofreu uma entorse cervical (cervicobraquialgia esquerda após traumatismo), com ruptura da membrana atlanto-occipital e ruptura parcial do ligamento alar direito e ficou a padecer de cervicalgia com dores frequentes.
Tem dores na zona cervical quando tenta fazer as lides domésticas, como aspirar, lavar ou estender roupa, e, em geral, levantar pesos.
Como sequelas das lesões sofridas, a Autora apresenta limitação da mobilidade geral, designadamente, nas lides domésticas e incapacidade de estar sentada, por causa das dores, durante mais de 2 horas.
Lesões e sequelas que lhe determinaram:
. Um Período de Défice Funcional Temporário Total de 15 dias;
. Um Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 402 dias;
. Um Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 801 dias;
. Um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 10 pontos;
Ficou a carecer, até ao fim da vida, de medicamentos analgésicos, anti-inflamatórios, anti-espamódicos ou anti-epilépticos para debelar ou atenuar as dores na coluna cervical.
Ficou a carecer, até ao fim da vida, de tratamentos médicos regulares – de consulta com recurso a meios auxiliares de diagnóstico - para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas.
Ficou a carecer, até ao fim da vida, de fisioterapia, em, pelo menos, dois períodos anuais com 20 sessões cada, para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas.
Antes do acidente, a Autora não tinha dores ao nível da coluna cervical.
A Autora é operária fabril e desempenhou até à data do acidente as funções de costureira em empresa têxtil e a sua profissão exige-lhe estar sentada durante longos períodos de tempo.
Pode exercer a sua profissão habitual se se medicar para as dores e fizer pausas de 2 em 2 horas para se levantar e desempenhar tarefas que não impliquem estar sentada à máquina de costura.
À data do acidente, a Autora auferia, no exercício da sua profissão, a quantia mensal de € 450,00, 14 vezes por ano.

Tendo presente os mencionados parâmetros, os factores a atender para efeitos de cálculo indemnizatório são os seguintes:
--o salário anual no valor de € 6.300,00;
--46 anos de vida activa considerando o limite médio de 80 anos de idade de vida activa;
--IPG de 10 pontos com repercussão permanente da actividade profissional pois implica esforços acrescidos.
Com estes dados, e seguindo a metodologia adoptada por vários arestos, que se afigura correcta e transparente, cumpre fazer uma análise comparativa de resultados e optar por aquele que nos parece mais ajustado às circunstâncias do caso concreto, fazendo ainda operar as correcções que a equidade determinar.
Assim, multiplicando o rendimento anual de € 6.300,00 auferido pela Autora pelo défice funcional (10%) e pelo número de anos de vida activa-46, obtemos uma indemnização de € 28.980,00.
Utilizando a tabela indicada no Acórdão do STJ de 04.12.2007, destinada a facilitar os cálculos através de uma aplicação de programa informático Excell da fórmula referida no Acórdão do STJ de 05/05/1994, a indemnização obtida é de € 15,608,53 (€6.300,00x24,77545x10%), sendo que nesta tabela apenas que contabiliza os anos restantes até à idade da reforma.
Estes valores, resultantes da aplicação de auxiliares matemáticos, constituem, como se sabe, apenas uma orientação com o objectivo de uniformização de soluções para casos idênticos ou de contornos semelhantes.
A equidade, sustentada nos factos provados, deve ser norteada pelo princípio de igualdade, o que implica uma uniformização de critérios, desde que sejam respeitadas as circunstâncias do caso concreto.
Ora, tendo presente, por um lado, os valores obtidos através dos auxiliares matemáticos, com uma função norteadora do julgador, e as sequelas específicas que afectam a Autora, das quais se destaca a necessidade, para exercer a sua profissão habitual de se medicar para as dores, de fazer pausas de 2 em 2 horas para se levantar e desempenhar tarefas que não impliquem estar sentada à máquina de costura, e por outro, a necessidade de distinção dos casos de gravidade superior (8), afigura-se-nos muito ajustada e equilibrada a indemnização no montante de € 45.000,00 atribuída pelo tribunal a quo no que respeita ao dano patrimonial futuro.
No que concerne aos danos não patrimoniais, o art. 496.º, n.º 1 do C.Civil estabelece que, na fixação da indemnização, deve atender-se a este tipo de danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
E o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º--v. n.º 4 do citado preceito legal.
Essas circunstâncias são nomeadamente o grau de culpabilidade do agente, e a sua situação económica.
O Supremo Tribunal de Justiça (9) propôs uma definição dos componentes mais importantes do dano não patrimonial : o “dano estético” que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resisitiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o “prejuízo de afirmação pessoal”--dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”—em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; e o “pretium juventutis”—que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida; e o “pretium doloris”--que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária.
O ressarcimento destes danos sempre foi enquadrado pela doutrina e jurisprudência numa vertente compensativa (10) compreendendo todos os danos que não estejam abrangidos no grupo dos danos patrimoniais, não devendo ser meramente simbólica, miserabilista, nem a sua atribuição arbitrária. (11)
De todo o modo, tem vindo a ser reconhecido que o princípio de igualdade implica uma uniformização de critérios, desde que sejam respeitadas as circunstâncias do caso concreto. (12)
Ora, tomando em consideração os danos sofridos pela Autora, que não teve qualquer culpa na eclosão do acidente, e reflectidos na matéria provada da qual se destacam um quantum doloris de grau 4/7, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 10 pontos, e face a casos semelhantes (13), a atribuição de uma compensação de € 30.000,00 não pode ser considerada, de forma alguma, excessiva nem pouco compensatória.
Assim sendo, deverá a sentença ser mantida.
*
V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar improcedentes os recursos, e consequentemente, mantêm a sentença.
Custas da apelação pela Autora e Ré, em ambas as instâncias, na proporção das respectivas sucumbências.
Notifique e registe.

Guimarães, 14 de Setembro de 2017

(Anabela Andrade Miranda Tenreiro)
(Fernando Freitas Fernandes)
(Alexandra Rolim Mendes)

1. Cfr. Geraldes, António Santos Abrantes, Temas da Reforma do Processo Civil, II vol., pág. 256.
2. cc) Como sequelas das lesões sofridas, a Autora apresenta limitação da mobilidade geral, designadamente, nas lides domésticas e incapacidade de estar sentada, por causa das dores, durante mais de 2 horas; gg) Ficou a carecer, até ao fim da vida, de medicamentos analgésicos, anti-inflamatórios, anti-espamódicos ou anti-epilépticos para debelar ou atenuar as dores na coluna cervical; hh) Ficou a carecer, até ao fim da vida, de tratamentos médicos regulares – de consulta com recurso a meios auxiliares de diagnóstico - para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas; ii) Ficou a carecer, até ao fim da vida, de fisioterapia, em, pelo menos, dois períodos anuais com 20 sessões cada, para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas.
3. Cfr. Processo n.º C-371/12 de 23.01.2014 in http://eur-lex.europa.eu.
4. Magalhães, Teresa, Da Avaliação à Reparação do Dano Corporal, Instituto Nacional de Medicina Legal I.P.-Delegação do Norte, disponível em www.trp.pt/ficheiros/estudos.
5. Processo acima indicado.
6. Cfr. Acórdão do STJ de 02.12.2013 disponível no site www.dgsi.pt; no mesmo sentido, entre outros. Acs. do STJ de 26.09.2013, 11.04.2013, 21.03.2013, 07.06.2011 e 14.09.2010 e em sentido contrário v. Ac. de 17.01.2012; Jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães com o entendimento propugnado : entre outros v. Acs. de 05.02.2015, 27.10.2014, 11.09.2014, 15.09.2014, 03.07.2014, 05.06.2014 e 02.05.2013; Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto : entre outros v. Acs. de 07.09.2015, 24.02.2015, 16.03.2015 e 30.09.2014; Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra : v. entre outros, Acs. de 03.03.2015, 14.01.2014 e 05.11.2013; Jurisprudência da Relação de Lisboa : entre outros v. Acs. de 28.10.2014, 16.01.2014 e 06.11.2013; Jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora : Acs. 09.07.2015, 16.04.2015, 19.03.2013.
7. Contra esta redução v. Acórdão do STJ de 06.10.2011 e Acórdão da Rel. Porto de 15.09.2014 disponíveis no site www.dgsi.pt.
8. Cfr. entre outros, Acórdãos do STJ de 25.06.2009 e 10.09.2009 in www.dgsi.pt.
9. Cfr. Acórdão de 05/07/2007 (07A1734) disponível no site www.dgsi.pt.
10. Como a dor é insusceptível de ser avaliada em dinheiro, é incorrecta a meu ver a fixação da indemnização a título de pretium doloris; além disso, como a reconstitituição in natura é impossível neste caso, a indemnização em dinheiro funciona como verdadeira compensação (Compensatio doloris), ou seja, a tendencial reparação da angústia, da dor física, da doença ou do abalo psíquico-emocional resultante de uma situação de luto, etc.., através da atribuição de uma quantia pecuniária que permita a aquisição de bens materiais e ou o fruir de prazeres espirituais que funcionam como lenitivo dos danos sofridos. Neste sentido, Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, pag. 375; v. ainda Varela, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª edição, pág. 562 e segs., Telles, Inocêncio Galvão, Direito das Obrigações, 6.ª edição, pág. 375; Cordeiro, António Menezes, Direito das Obrigações, 2.º volume, 1990, pág. 285.
11. É esta a orientação seguida pelo STJ, indicando como exemplo, entre muitos, ao Acórdão de 24.04.2013 disponível no site www.dgsi.pt.
12. V. recentemente, os Acórdãos do STJ de 04.06.2015, 19.02.2015 e 17.01.2012; nesta Relação de Guimarães v. o Acórdão de 19.02.2015.
13. V. Acórdão do STJ de 19.02.2015e Acórdão da Rel. Guimarães de 12.02.2015 e de 19.02.2015 disponíveis no site www.dgsi.pt.