Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
119/17.9GAMDL.G1
Relator: MÁRIO SILVA
Descritores: BUSCA EM VEÍCULO AUTOMÓVEL
REQUISITOS LEGAIS
INEXISTÊNCIA DE NULIDADE
ARTºS 174º
251º E 125º
DO CPP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/25/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I- É válida a busca feita a um veículo automóvel, sem o consentimento do visado, quando o agente policial, do exterior, observa um objeto suscetível de ser considerado como arma proibida no interior do mesmo.

II - A apreensão do referido objeto constitui medida cautelar de polícia
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

1. Em processo abreviado com o nº 119/17.9GAMDL, a correr termos no Tribunal Judicial da comarca de Bragança – Juízo de Competência Genérica de Mirandela – Juiz 2, foi proferida e depositada sentença em 12/06/2018, com a seguinte decisão (transcrição):

5- Dispositivo:

Em face do exposto:

1. Condeno o arguido R. P. pela autoria material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º nº 1, al. d), por referência aos artigo 2º, n.º3, al. p) da lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei 50/2013, de 24 de Julho, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, que se suspende na execução por igual período, sujeito a regime de prova a delinear pela DGRS, tendo presente a particular necessidade de reeducar o arguido para o Direito e a cidadania.
2. Declaro perdidas a favor do Estado as munições e o cartucho apreendidos nos autos, ordenando-se o seu depósito à guarda da GNR.
3. Condeno o arguido R. P. nas custas criminais do processo, fixando a taxa em 2 UC’s (arts. 513º nº 1 do Código de Processo Penal, e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais).
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Notifique.
Deposite a sentença, após leitura da mesma, nos termos do disposto no artigo 372º, nº 5 do Código de Processo Penal.
Após trânsito, remeta boletim para efeitos de registo criminal.”
*
2 – Não se conformando com a decisão, o arguido interpôs recurso, oferecendo as seguintes conclusões (transcrição):

I. “O presente recurso vem interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, Juízo de Competência Genérica de Mirandela, Juiz 2, nos autos à margem identificados
II. O Recorrente arguiu, em início de audiência de julgamento a nulidade da busca realizada e consequente nulidade da apreensão efetuada na sequência da primeira, tendo por base proibição de prova nos termos do art.126.º do CPP.
III. No que à questão prévia da nulidade suscitada diz respeito, o Tribunal a quo proferiu, por sentença ora recorrida, decisão de indeferimento da mesma.
IV. Da sentença recorrida resultou ainda a condenação do Arguido:
a. “1. (…) pela autoria material de um crime de detenção de arma proibida, p.e.p. pelo artigo 86º nº 1, al. d), por referência aos artigo 2º, n.º3, al. p) da lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei 50/2013, de 24 de Julho, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, que se suspende na execução por igual período, sujeito a regime de prova a delinear pela DGRS, tendo presente a particular necessidade de reeducar o arguido para o Direito e a cidadania;
(…)
b. 3.(…) nas custas criminais do processo, fixando a taxa em 2 UC’s (arts. 513º nº 1 do Código de Processo Penal, e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais)”.
V. A decisão de indeferimento da nulidade requerida fundamentou-se nos seguintes factos dados como provados com relevância para o presente recurso:
“i) No dia 12 de Dezembro de 2017, cerca das 19h00, o arguido foi abordado pelo Cabo da GNR L. C., quando imobilizou o veículo automóvel Opel Vectra, de cor verde, com a matrícula XX ao circular pela Rua …, Aguieiras, por ali estar imobilizado veículo que impedia a circulação.”
ii) a abordagem resultou de ter o arguido sido indicado ao supra identificado Cabo como suspeito de furtos em habitações.
iii) depois de se identificar e ao avistar uma bengala, com a ponta mais larga do que o punho e por considerar estar em causa uma bengala com ponta tipo moca, a seu ver construída para ser utilizada como arma de agressão, o Cabo L. C., perguntando ao arguido se teria alguma coisa ilícita consigo, deu-lhe conta de que iria proceder à busca ao veículo, ao que aquele não se opôs.
iv) a apreensão dos objetos foi validade pela Digna Magistrada do Ministério Público por despacho de 13/12/2017, com a Ref.ª 20792279, tendo o arguido sido de imediato sujeito a interrogatório, assistido pela sua Ilustre Defensora Oficiosa (Ref.ª 20792549).
v) o arguido não suscitou a nulidade ora arguida até ao início da audiência de julgamento, apesar de ter, inclusive, apresentado contestação.
VI. Por seu turno, a decisão de condenação do Arguido fundamentou-se nos seguintes factos dados como provados com relevância para o presente recurso:

“a) no dia 12 de Dezembro de 2017, cerca das 19h00, o arguido foi abordado pelo Cabo da GNR L. C., quando imobilizou o veículo Opel Vectra, de cor verde, com a matrícula XX ao circular pela Rua …, Aguieiras, por ali estar imobilizado veículo que impedia a circulação.
b) A abordagem resultou de ter o arguido sido indicado ao supra identificado Cabo como suspeito de furtos em habitações.
c) Depois de se identificar e ao avistar uma bengala, com a ponta mais larga do que o punho e por considerar estar em causa bengala com ponta tipo moca, a seu ver construída para ser utilizada como arma de agressão, o Cabo L. C., perguntando ao arguido se teria alguma coisa ilícita consigo, deu-lhe conta de que iria proceder à busca ao veículo, ao que aquele não se opôs.
d) Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar a que se alude em a), o arguido transportava consigo 25 munições de calibre 6,35mm.
e) Tais munições encontravam-se acondicionadas num saco de plástico colocado na porta do condutor.
f) o arguido sabia que não possuía qualquer licença que lhe permitisse a detenção das referidas munições, bem sabendo que não as podia ter em seu poder, como tinha, sem possuir licença e que, ao fazê-lo, estava a agir contra disposição legal.
g) O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
(…)
VII. Destarte, o Arguido não se conforma, nem se pode conformar, com a decisão ora Recorrida nem com o teor da Douta Sentença proferida.
VIII. Nessa conformidade, o presente recurso fundamenta-se, em primeiro lugar, na impugnação do indeferimento da nulidade de prova suscitada, impugnando-se para tanto a matéria de facto dada como provada que esteve na base daquela decisão de indeferimento, nomeadamente o ponto iii) dos factos dados como provados na análise da “Questão Prévia – da Nulidade da Prova Obtida”
IX. E ainda, na impugnação da matéria de facto dada como provada (a qual deveria ter sido, como mais ao adiante se explanará, dada como não provada), nomeadamente os pontos c), d), e), e, consequentemente os ponto f), g), nos termos do disposto no art. 410.º n.º 1 conj. art. 412.º n.º 3, 4 e 6, ambos do CPP,
X. Porquanto, da reapreciação da prova produzida resulta uma clara violação dos limites do princípio da livre apreciação da prova, plasmado no art. 127.º do CPP, e consequentemente, a violação do princípio do in dubio pro reo;
XI. Tendo sido feita uma errada apreciação da prova no que à nulidade arguida diz respeito,
XII. Nomeadamente, a busca então impugnada afigura-se manifestamente desnecessária e desproporcional face ás circunstâncias fácticas adjacentes, não se encontrando preenchidos os pressupostos legais exigidos para realização da mesma;
XIII. Bem como uma errada apreciação da prova considerada para fundamentação da condenação do Arguido, resultando da mesma apenas dúvidas e não certezas susceptíveis do afastamento de toda a dúvida razoável, não tendo assim sido feita prova bastante no sentido da certeza, para além de qualquer dúvida razoável por parte do tribunal a quo, de que o arguido haja praticado os factos que lhe são imputados,
XIV. De onde se impunha que,
XV. O facto dado como provado constante do ponto iii), deveria ter sido considerado NÃO PROVADO, o que desde já se requer, e
XVI. Consequentemente, a nulidade arguida fosse deferida, com a consequente absolvição do arguido por falta de prova;
XVII. Bem como, os factos dados como provados constantes das alíneas c), d), f) e g) fossem como dados NÃO PROVADOS, o que desde já se requer;

DA NULIDADE DA BUSCA:

XVIII. Quanto à questão prévia da nulidade por proibição de prova, constam dos autos elementos fácticos que impunham decisão contrária à tomada pelo Tribunal recorrido, indicando-se desde já, como elementos de prova que impõem decisão diversa:
XIX. A reapreciação do requerimento ditado para ata pela Defensora Oficiosa do Arguido, em início de audiência de julgamento, no dia 02.05.2018, gravado em sistema informático das 10:26:17 às 10:27:55;
XX. A reanálise do auto de notícia e do auto de apreensão;
XXI. a reapreciação do depoimento prestado pela testemunha L. C., gravado em sistema informático dia 02.05.2018 das 10:54:57 às 11:28:28;
XXII. a reapreciação do depoimento prestado pela testemunha A. C., gravado em sistema informático dia 16.05.2018 das 10:42:56 às 10:51:07,
XXIII. a reapreciação do depoimento prestado pela testemunha N. R., gravado em sistema informático dia 16.02.2018 das 10:51:34 às 11:00:05;
XXIV. a reapreciação do depoimento prestado pela testemunha R. M., gravado em sistema informático dia 16.05.2018 das 11:01:18 às 11:15:04;
XXV. bem como a reapreciação das declarações prestadas pelo Arguido, gravadas em sistema informático dia 02.05.2018 das 10:28:54 às 10:53:47.
XXVI. No que ao requerimento de arguição de nulidade da busca realizada ao veículo em que seguia o Arguido diz respeito, arguiu o Arguido a mesma, com a consequente nulidade da apreensão efetuada, nos termos do preceituado nos arts. 118.º, 125.º, 174.º, 251.º e 126.º n.º 3, todos do CPP, por falta de verificação dos pressupostos legais exigidos para realização da mesma, afigurando-se a mesma manifestamente desnecessária e desproporcional, espelhando apenas um acto de perseguição ao Arguido, tudo conforme devidamente explanado no ponto 3.a) das motivações que antecedem, o qual damos aqui por integralmente reproduzido, apenas não o transcrevendo por razões de economia processual, nulidade essa que em sede do presente recurso se reitera.
XXVII. Nesta senda, entendeu o Tribunal a quo provado, no ponto iii) dos factos provados em sede de apreciação da nulidade de prova alegada, que, “depois de se identificar e ao avistar uma bengala, com a ponta mais larga do que o punho e por considerar estar em causa uma bengala com ponta tipo moca, a seu ver construída para ser utilizada como arma de agressão, o Cabo L. C., perguntando ao arguido se teria alguma coisa ilícita consigo, deu-lhe conta de que iria proceder à busca ao veículo, ao que aquele não se opôs”, O QUAL AQUI EXPRESSAMENTE SE IMPUGNA E SE REQUER A SUA REAPRECIAÇÃO,
XXVIII. Consequentemente entendeu o tribunal a quo verificar-se situação de flagrante delito, e como tal, ser a busca ora impugnada legalmente admissível, o que não se concebe.
XXIX. tal facto deveria ser dado como NÃO PROVADO, face à prova produzida em sede de audiência de julgamento, ou melhor, face, à falta de prova de tal facto.
XXX. A convicção positiva do Tribunal a quo relativamente a este ponto fundou-se no auto de notícia de fls. 4-6 (mormente para consideração da data e hora dos factos), ao auto de apreensão de fls. 7 e ao auto de exame direto de fls.9, despacho de fls.29, auto de fls. 33-35 (no que concerne à realização da diligência e à assistência do arguido pela Ilustre Defensora Oficiosa) e contestação de fls.74 e ss, bem como nas declarações prestadas pelo Arguido e ainda no depoimento da testemunha L. C., Cabo da GNR, e nos das testemunhas A. C., N. R. e R. M..
XXXI. Ora, relativamente ao depoimento da testemunha L. C. no dia 02.05.2018, e gravado em sistema informático das 10:54:57 às 11:28:28, cuja reapreciação aqui expressamente se requer, em especial das seguintes passagens: minuto 1:03 a 1:22, minuto 3:41 a 4:33, minuto 2:30 a 7:06, minuto 7:33 a 9:39, minuto 10:30 a 11:10, minuto 22:48 a 29:21, minuto 25:54 a 26:46, minuto 30:18 a 32:11,
XXXII. E como melhor explanado e concretizado no ponto 3. b) das motivações do presente recurso, para o qual se remete, e aqui expressamente se dá por integralmente reproduzido, por razões de economina processual,
XXXIII. Afigura-se-nos claro e evidente a falta de objetividade, de clareza, em suma a falta de assertividade do depoimento prestado por esta testemunha, o qual se demonstrou parcial e com grande carga pessoal,
XXXIV. Em contraposição com as declarações prestadas pelo Arguido, no dia 02.05.2018, gravadas em sistema informático das 10:28:54 às 10:53:47, cuja reapreciação aqui expressamente se requer;
XXXV. Do mesmo modo, não encontra o depoimento da primeira, no que ao avistamento da prévio da bengala concerne, corroborância com o depoimento das demais testemunhas, A. C., gravado em sistema informático dia 16.05.2018 das 10:42:56 às 10:51:07, N. R., gravado em sistema informático dia 16.05.2018 das 10:51:34 às 11:00:50, e R. M., gravado em sistema informático dia 16.05.2018 das 11:01:18 às 11:15:04, cuja reapreciação de todos aqui expressamente se requer.
XXXVI. Sendo ainda, o depoimento daquela, testemunha L. C., contrariado pelo auto de notícia, do qual é a própria testemunha autora, tudo conforme explanado nas motivações de recurso, ponto 3.b), o qual damos aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, e que aqui não se transcreve por razões de economia processual.
XXXVII. Por todo o exposto, não podia a Ex.ma Sra. Juiz a quo valorar positivamente o depoimento da testemunha L. C., para fundamentar a sua convicção quanto ao facto dado como provado no ponto iii),
XXXVIII. Pelo contrário deveria ter valorado as declarações do arguido, que vão de encontro ao constante do auto de notícia.
XXXIX. O Tribunal a quo considerou assim o facto constante da alínea iii) dos factos provados, em jeito de juízo conclusivo e não com base na matéria probatória produzida em julgamento.
XL. Em suma, deveria o tribunal recorrido ter dado o facto iii) depois de se identificar e ao avistar uma bengala, com a ponta mais larga do que o punho e por considerar estar em causa uma bengala com ponta tipo moca, a seu ver construída para ser utilizada como arma de agressão, o Cabo L. C., perguntando ao arguido se teria alguma coisa ilícita consigo, deu-lhe conta de que iria proceder à busca ao veículo, ao que aquele não se opôs como NÃO PROVADO, O QUE DESDE JÁ SE REQUER.
XLI. E consequentemente ter conhecido a nulidade arguida.
XLII. Pois o que resulta da análise conjugada da prova supra realizada é que a busca levada a cabo foi realizada de forma ilegítima, em clara e flagrante violação das regras de obtenção de prova, afigurando-se totalmente desproporcional, desnecessária e irrazoável, não encontrando se verificando qualquer fundamento legal para realização da mesma, e como tal, não podia a consequente apreensão realizada ser utilizada como prova pelo Tribunal a quo, devendo antes a mesma ser declarada nula, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 118.º, 125.º, 174.º, 251.º e 126.º n.º 3, todas do CPP, o que expressamente se requer, devendo o Arguido ser absolvido da prática do crime que lhe é imputado por falta de prova.

DA CONDENAÇÃO DO ARGUIDO:

XLIII. Relativamente à impugnação da matéria de facto aduzida, da mesma, facilmente se infere que, o Tribunal Recorrido, procedeu a uma errada valoração da prova produzida em audiência de julgamento, dando como provados factos, nomeadamente os supra impugnados, sem se verificar a produção de prova suficiente para tal, e sem apresentar a devida fundamentação, pelo que se requer a reapreciação dos factos provados constantes das als. c), d), f) e g),
XLIV. Violando assim o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127.º do CPP, e, consequentemente, o princípio da presunção de inocência e o princípio do in dubio pro reo decorrente daquele.
XLV. Nesta senda, e no que ao facto provado constante da al.c) concerne, considerou o Tribunal a quo provado que, “Depois de se identificar e ao avistar uma bengala, com a ponta mais larga do que o punho e por considerar estar em causa bengala com ponta tipo moca, a seu ver construída para ser utilizada como arma de agressão, o Cabo L. C., perguntando ao arguido se teria alguma coisa ilícita consigo, deu-lhe conta de que iria proceder à busca ao veículo, ao que aquele não se opôs”,
XLVI. Sendo que, para a formação da convicção positiva do Tribunal relativamente à prova deste ponto, terão contribuído, e ainda que o julgador a quo não o refira expressamente na fundamentação apresentada, os depoimentos das testemunhas L. C., A. C., N. R. e R. M..
XLVII. Contudo, e com o devido respeito, conforme supra aventado aquando da motivação de recurso da decisão de indeferimento da nulidade da prova arguida, ponto 3.b) das motivações de recurso, para onde remetemos, procedendo à audição dos depoimento prestados por aquelas, não se entende, nem se poderá concordar, com a valoração feita pelo juiz a quo dos mesmos, reiterando-se nesta sede tudo quanto supra explanado, por razões de economia processual.
XLVIII. Assim, no que à primeira parte do facto considerado provado diz respeito, ” o facto considerado provado aqui em análise em duas partes, sendo a 1.ª “Depois de se identificar e ao avistar uma bengala, com a ponta mais larga do que o punho e por considerar estar em causa bengala com ponta tipo moca, a seu ver construída para ser utilizada como arma de agressão, o Cabo L. C., perguntando ao arguido se teria alguma coisa ilícita consigo”,
XLIX. impõe decisão contrária, desde logo Auto de Notícia, o qual foi confirmado em sede de audiência de julgamento pela testemunha Cabo L. C., militar da GNR, que afirmou ser a descrição dos factos constante do mesmo, correspondente ao que efetivamente se verificou (cfr. depoimento prestado por aquele, gravado em sistema informático, no dia 02.05.2018 das 10:54:57 às 11:28:28, mais concretamente passagens minuto 1:03 a 1:22, 3:41 a 4:33, 25:54 a 26:46, e minuto 30:18 a 32:11), que a bengala em causa, foi encontrada no decorrer da busca realizada e não antes, contrariamente ao que o Tribunal a quo considerou provado, tal como as luvas de latex e as munições, cfr. melhor explanado no ponto 4.a) das motições de recurso, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido por razões de economia processual,
L. no mesmo sentido apontam o depoimento das demais testemunhas A. C. gravado em sistema informático dia 16.05.2018 das 10:42:56 às 10:51:07; N. R. gravado em sistema informático dia 16.05.2018 das 10:51:34 às 11:00:50 e R. M. gravado em sistema informático dia 16.05.2018 das 11:01:18 às 11:15:04, cuja reapreciação aqui expressamente se requer.
LI. O que se verifica sim, e se comprava pelo discurso da testemunha Cabo L. C., é uma verdadeira perseguição ao Arguido, tão só porque o mesmo, em anos longínquos terá adotado uma conduta de crime perante a sociedade, conduta essa que já foi devidamente punida e a qual o Arguido já alterou, cfr. supra exposto ponto 4.a) das motivações de recurso, para onde expressamente se remete, corroborando tal facto o depoimento por aquele prestado em sede de audiência de julgamento, mais concretamente passagens minuto 2:30 a 7:06, munito 7:33 a 9:39, minuto 10:30 a 11:10 e minuto 22:48 a 29:21.
LII. no que à 2.ª parte do facto provado em análise diz respeito, “deu-lhe conta de que iria proceder à busca ao veículo, ao que aquele não se opôs”, não procede as considerações do Tribunal a quo, às declarações prestadas pelo Arguido, quando afirma que “em sede de julgamento, confirmou que lhe foi perguntado se podiam revistar o veículo”,
LIII. em consonância com o arrimado, proceda-se à audição das declarações prestadas pelo Arguido, gravadas em sistema informático dia 02.05.2018 das 10:28:54 às 10:53:47, mais concretamente atente-se nas passagens minuto 8:34 a 9:54 e 10:37 a 11:35, bem como o depoimento da testemunha L. C., gravado em sistema informático dia 02.05.2018 das 10:54:57 às 11:28:28, mais concretamente minuto 8:06 a 9:03; 10:30 a 10:43; 27:45 a 29:30, que afirmou não ter questionado o Arguido do seu consentimento para a busca.
LIV. Em suma, o depoimento da testemunha L. C., valorado positivamente pelo tribunal a quo para prova do facto constante da al.c) apresentou-se incongruente, parcial, e motivado por interesses pessoais, não tendo apoio em qualquer outro depoimento, pelo que o facto aqui em discussão deveria ter sido dado como NÃO PROVADO, o que desde já se requer, porquanto, a convicção do Tribunal ao considerar como provado o referido facto, apenas se sustentou, ou apenas se poderia ter sustentado, no depoimento da testemunha Cabo L. C., uma vez que nenhuma outra testemunha, no seu depoimento o afirmou que presenciou.
LV. No que ao facto considerado provado na al.d) diz respeito, “Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar a que se alude em a), o arguido transportava consigo 25 munições de calibre 6,35mm,
LVI. O Recorrente, reitera, mutatis mutandis para este ponto da matéria de facto provada, a análise feita à valoração dada pela Ex.ma Dra. Juiz a quo aos depoimentos das quatro testemunhas arroladas pela acusação pública, que valorou aqueles em total detrimento das declarações prestadas pelo Arguido, que de forma firme, clara, sincera e convicta afirmou nada saber nem nada ter que ver com as munições encontradas no veículo em que seguia,
LVII. Impondo decisão contrária, declarações do Arguido gravadas em sistema informático dia 02.05.2018 das 10:28:54 às 10:53:47 e no dia 16:05:2018 das 11:27:12 às 11:28:25, em especial passagens, dia 02.05.2018 minuto 5:04 a 6:54; minuto 11:46 a 13:43; minuto18:25 a 19:03, e minuto 23:42 a 24:50.
LVIII. Bem como o facto provado na al. i), de onde resulta que o veículo apresentava problemas de segurança, nomeadamente as portas não trancavam e um dos vidros não fechava, ficando aparcado na via pública, depoimento E. F., prestado no dia 02.05.2018 gravado em sistema informático das 11:48:40 às 12:01:26, mais concretamente passagens minuto 6:17 a 7:17, testemunha A. F., depoimento gravado em sistema informático no dia 02.05.2018 das 12:02:06 às 12:18:49, mais concretamente minutos 2:29 a 2:46 e 3:13 a 3:24, 2:46 a 3:12 e 3:24 a 3:50.
LIX. E ainda depoimento testemunha A. A., que não foi sequer tido em consideração pelo tribunal a quo, apesar de ter deposto de forma totalmente isenta, desinteressada, imparcial e objetiva, que se mostrando-se muito surpreendida quando confrontada com a acusação feita ao Arguido, o que bem demonstra a personalidade e forma de estar do Arguido perante a sociedade, gravado em sistema informático no dia 02.05.2018 das 12:18:49 às 12:29:09, cuja reapreciação se requer, e no mesmo sentido o depoimento de A. F. minuto 10:57 a 12:40 gravado em sistema informático dia 02.05.2018 das 12:02:06 às 12:18:49 e E. F., minuto 10:17 a 10:59 gravado em sistema informático dia 02.05.2018 das 11:48:40 às 12:01:26, testemunhos que, no que a este aspeto diz respeito, foram, tal como o anteriormente analisado, totalmente desconsiderados.
LX. Em suma, resulta da prova testemunha produzida em audiência de julgamento, e conforme melhor supra analisada, ponto 4.b) das motivações de recurso, para onde expressamente remetemos, e as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas por questões de economia processual, que o Arguido é pessoa de bem, nunca lhe tendo sido vistas armas ou munições, tendo as pessoas que convivem diariamente com o Arguido ficado extremamente surpreendidas com a acusação pública que lhe foi feita. O próprio Arguido demonstrou-se surpreendido quando confrontado com a existência das munições na porta do veículo que lhe fora emprestado pela cunhada, afirmando em tribunal desconhecer por completo a existência e proveniência das mesmas, Mais, o veículo onde as munições foram encontradas ficava sempre aberto, sempre estacionado em locais públicos, com o seu exterior totalmente acessível a qualquer pessoa, tendo inclusivamente, sido tal facto considerado provado pelo Tribunal a quo
LXI. Foram demonstrados em sede de audiência de julgamento indícios concretos e razoáveis de que as mesmas poderiam efetivamente não pertencer ao arguido, nem este ter conhecimento da existência das mesmas. Indícios esses supra apontados e que conjugados entre si levantam a dúvida razoável acerca da prática pelo Arguido do crime em que foi condenado. Dúvida essa que o Tribunal a quo deveria ter considerado relevante aquando da decisão, e valorado, conforme legalmente imposto, no sentido de considerar não provado o facto provado ora impugnado.
LXII. daqui e com a conjugação da restante prova, o que se pode retirar são dúvidas, e não certezas, conforme melhor explanado no ponto 4.b) das motivações de recurso, as quais se dão nesta sede por integralmente reproduzidas por questões de economia processual,
LXIII. Pelo que, deveria o tribunal recorrido ter dado o facto “Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar a que se alude em a), o arguido transportava consigo 25 munições de calibre 6,35 mm» como NÃO PROVADO, O QUE DESDE JÁ SE REQUER.
LXIV. Por último, no que ao recurso da matéria de facto relevante diz respeito, tida por relevante para a formulação do juízo de condenação do Tribunal a quo, em consonância com tudo quanto supra arrimado, nomeadamente, no que à impugnação dos factos constantes das alíneas c) e d) concerne, também os constantes das alíneas f) e g), “f) O arguido sabia que não possuía qualquer licença que lhe permitisse a detenção das referidas munições, bem sabendo que não as podia ter em seu poder, como tinha, sem possuir tal licença e que, ao fazê-lo, estava a agir contra disposição legal”, “g) O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”, devem ser dados como NÃO PROVADOS, o que desde já se requer,
LXV. Reiterando-se nesta sede, mutatis mutandis, tudo quanto arrimado nas impugnações antecedentes, no que à expressão “como a as tinha” concerne, não o transcrevendo aqui por questão de economia processual
LXVI. Na formação da convicção da verificação destes, fundou-se o Tribunal recorrido nas declarações prestadas pelo Arguido, a qual redunda numa clara e flagrante errada análise das mesmas, pois que, o Arguido em momento algum das suas declarações afirmou ter tais munições em seu poder, afirmando apenas e tão só que não possuía licença para a detenção de munições e que sabia ser preciso tê-la para ter munições.
LXVII. Impondo decisão diversa as próprias declarações prestadas pelo Arguido, requerendo-se a sua reapreciação in totum, gravadas em sistema informático no dia 02.05.2018 das 10:28:54 às 10:53:47, em especial passagens minuto 5:04 a 6:46, minuto 11:46 a 12:22, minuto13:10 a 14:00, minuto 18:25 a 19:45 e minuto 22:04 a 22:24.
LXVIII. Devendo factos “f) O arguido sabia que não possuía qualquer licença que lhe permitisse a detenção das referidas munições, bem sabendo que não as podia ter em seu poder, como tinha, sem possuir tal licença e que, ao fazê-lo, estava a agir contra disposição legal”, bem como o facto, “g) O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”, serem tidos como NÃO PROVADOS, O QUE EXPRESSAMENTE SE REQUER.
LXIX. Em suma, pela análise ponderada de toda a prova produzida em audiência de julgamento, bem como a prova documental constante dos mesmos, não se encontra suporte para que os factos constantes das alíneas c), d), f) e g) dos factos provados possam ser considerados provados, impondo-se um decisão diferente, que absolva o arguido dos crimes pelos que foi acusado.
LXX. O Tribunal recorrido fez uma errada interpretação da prova produzida em audiência de julgamento, dando como provados factos, nomeadamente os supra impugnados, sem se verificar a produção de prova suficiente para tal,
LXXI. Pelo que, violou o Tribunal Recorrido o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127.º do CPP, e, consequentemente, o princípio da presunção de inocência e o princípio do in dubio pro reo decorrente daquele.
LXXII. Sendo que, o Princípio da Livre Apreciação da Prova, princípio norteador da função jurisdicional em sede de apreciação de prova, confere, ao julgador, uma “ampla margem” de decisão ao nível da valoração da prova, sempre que, essa mesma prova não tenha critérios de valoração balizados legalmente,
LXXIII. Contudo, a “ampla margem” de decisão ao nível de valoração da prova ao dispor do julgador, apesar de na verdade se tratar de uma actividade discricionária, não é desprovida de limites.
LXXIV. Salienta o Professor Figueiredo Dias, que a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, “uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo”.
LXXV. Também o Tribunal Constitucional, a respeito do art. 127.º do CPP, destaca que a livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma actividade puramente subjectiva, emocional e imotivável. A mesma terá, pelo contrário, de traduzir-se numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão – Ac. do TC n.º 1165/96 de 19.11, Proc. n.º 142/96 – 1.ª in BMJ 461º/93).
LXXVI. Tendo antes, de especificar e concretizar, quais as regras de experiência de que se socorreu, ou seja, terá de “conduzir” o “leitor” da sentença no raciocínio por si efectuado e seguido, para formação da convicção que obteve em relação àquela prova em concreto; terá ainda de explicitar em concreto o porquê do afastamento das teses contrárias à convicção formada, não bastando afirmar que as mesmas foram afastadas porque contrárias à convicção formada pelo julgador.
LXXVII. Transpondo tudo quanto arrimado supra no que ao princípio da livre apreciação da prova diz respeito, não podemos de todo assentir nem concordar com a valoração feita pela Ex.ma Sra. Juiz a quo da prova produzida em sede de audiência de julgamento. O Tribunal a quo ao dar como provados os factos constantes das alíneas iii), c), d), f) e g) dos Factos Provados, violou claramente, entre outros, o já referido princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do CPP.
LXXVIII. Não consta pois do processo em apreço prova suficiente para imputar ao arguido a prática pelo mesmo dos factos pelos quais foi condenado, não tendo sido produzida prova suficientemente consistente capaz de afastar toda a dúvida razoável acerca da prática pelo arguido dos factos de que foi acusado.
LXXIX. Pretende assim o arguido ver reapreciada a prova produzida, de modo a que se proceda a uma valoração e apreciação correta daquela e mal analisada pelo tribunal recorrido, porquanto, os elementos de prova referenciados supra, ponto 3.b) e 4, das motivações de recurso, e igualmente nestas conclusões, impõem uma decisão diversa da constante na sentença recorrida, sendo notório que a convicção a que o tribunal de primeira instância chegou sobre a veracidade dos factos é implausível face às provas.
LXXX. Nesta senda, forçoso será chamar à colação o princípio do in dubio pro reo, inseparável do princípio da presunção de inocência princípio basilar de todo o sistema penal consagrado no art. 32.º n.º 2 da CRP.
LXXXI. O princípio do in dubio pro reo, impõe ao julgador, decidir favoravelmente ao arguido, sempre que, não seja feita prova bastante da prática de determinado facto.
LXXXII. De onde resulta que, sempre que determinado facto imputado ao arguido pela acusação não se demonstre devidamente provado, o julgador estará vinculado à decisão de dar tal facto como não provado.
LXXXIII. Face à prova produzida em audiência de julgamento, e neste recurso atentamente analisada, nunca, o tribunal a quo poderia ter dado como provado a prática pelo arguido dos factos constantes da acusação,
LXXXIV. Porquanto, como exposto supra o depoimento da testemunha L. C., não se mostra de todo objectivo e verosímeis de tal modo que mereçam a credibilidade atribuída pelo juiz a quo, nem tão pouco, no que á matéria de facto impugnada concerne, encontra cabal sustentação na demais prova testemunhal produzida, nem tão pouco da prova documental constantes dos autos, sendo mesmo contraditório com o constante do Auto de notícia por si confirmado.
LXXXV. Do depoimento da mesma, conjugado com o depoimento dos demais, bem como com as declarações prestadas pelo Arguido, e o teor do Auto de Notícia, resultarão, quanto muito, apenas dúvidas, e não certezas susceptíveis de afastar todas as dúvidas razoáveis relativamente à prática pelo arguido dos factos de que foi acusado e pelos quais foi condenado.
LXXXVI. A fundamentação dos factos provados que conduz à condenação do arguido é, como exposto, contraditória, inconsistente e precária, devendo conduzir à sua absolvição, ou à aplicação do princípio in dúbio pro reo.
LXXXVII. Pelo que, face ao conjunto probatório alcançado, deve o tribunal assumir a posição que mais favorece o arguido. Na dúvida, deve decidir a favor do arguido, em cumprimento do princípio in dubio pro reo
Termos em que pelo que se alegou precedentemente e pelo mais que vossas Excelências doutamente suprirão, deve a decisão de indeferimento da nulidade de prova arguida ser revogada e substituída por outra que a defira, com as demais consequências legais,

Ainda que assim não se entenda, deve a sentença condenatória recorrida ser revogada e substituída por uma que absolva in totum o arguido.
como é de inteira JUSTIÇA!

3 – A Exma. Procuradora-Adjunta respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência do mesmo e pela manutenção da decisão recorrida.
4 – Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta sufragou a posição expendida pela Exma. Procuradora-Adjunta e emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
5 – No âmbito do disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não houve qualquer resposta.
6 – Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº 3, do Código de Processo Penal.
* * *
II – Fundamentação

1 - O objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação - artº 412º, n1, do Código de Processo Penal e jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ nº 7/95, de 19/10, publicado no DR de 28/12/1995, série I-A -, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as cominadas com a nulidade de sentença, com vícios da decisão e com nulidades não sanadas - artigos 379º e 410º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal (cfr. Acórdãos do STJ de 25/06/98, in BMJ nº 478, pág. 242; de 03/02/99, in BMJ nº 484, pág. 271; Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, vol. III, págs. 320 e ss; Simas Santos/Leal Henriques, “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 3ª edição, pág. 48).
2 - As questões invocadas pelo recorrente são as seguintes:

- Proibição de valoração de prova – nulidade da busca
- Impugnação da matéria de facto provada das alíneas c), d), f) e g), que deve ser tida como não provada;
- Violação do princípio da livre apreciação da prova;
- Aplicação do princípio da presunção de inocência e do “in dubio pro reo”.

3 – Fundamentação constante da sentença recorrida
*
“Questão Prévia – da Nulidade da Prova Obtida

Veio o arguido, no início da audiência de julgamento (reafirmando-o em sede de alegações), arguir a nulidade da prova dos autos, porque obtida na sequência de busca à viatura não consentida pelo arguido.

Entendeu-se pertinente a produção de prova previamente à decisão de tal nulidade e, com relevância para a boa decisão da nulidade invocada, apurou-se que:

i) No dia 12 de Dezembro de 2017, cerca das 19h00, o arguido foi abordado pelo Cabo da GNR L. C., quando imobilizou o veículo automóvel Opel Vectra, de cor verde, com a matrícula XX ao circular pela Rua …, Aguieiras, por ali estar imobilizado veículo que impedia a circulação.
ii) A abordagem resultou de ter o arguido sido indicado ao supra identificado Cabo como suspeito de furtos em habitações.
iii) Depois de se identificar e ao avistar uma bengala, com a ponta mais larga do que o punho e por considerar estar em causa bengala com ponta tipo moca, a seu ver construída para ser utilizada como arma de agressão, o Cabo L. C., perguntando ao arguido se teria alguma coisa ilícita consigo, deu-lhe conta de que iria proceder à busca ao veículo, ao que aquele não se opôs.
iv) A apreensão dos objetos foi validada pela Digna Magistrada do Ministério Público por despacho de 13/12/2017, com a Ref.ª 20792279, tendo o arguido sido de imediato sujeito a interrogatório, assistido pela sua Ilustre Defensora Oficiosa (Ref.ª 20792549).
v) O arguido não suscitou a nulidade ora arguida até ao início da audiência de julgamento, apesar de ter, inclusive, apresentado contestação.

Para consideração da factualidade a que vem de aludir-se como provada, o Tribunal atendeu ao auto de notícia de fls. 4-6 (mormente para consideração da data e hora dos factos), ao auto de apreensão de fls. 7 e ao auto de exame direto de fls. 9, despacho de fls. 29, auto de fls. 33-35 (no que concerne à realização da diligência e à assistência do arguido pela Ilustre Defensora Oficiosa) e contestação de fls. 74 e ss..
Mais considerou as declarações prestadas pelo arguido que, em sede de julgamento, confirmou que lhe foi perguntado se podiam revistar veículo, ao que afirmou não se ter oposto já que estava tranquilo, confirmando, igualmente, estar a bengala no interior do veículo, no local indicado.

No mesmo sentido o depoimento da testemunha L. C., Cabo da GNR que procedeu à abordagem e que explicou o que o levou a abordar o arguido e a forma como avançou para a busca (referindo que o fez depois de avistar a bengala que, a seu ver, constituiria objeto destinado a ser usado como arma de agressão), comunicando previamente ao arguido (não solicitando consentimento, por entender não ser o mesmo necessário), que não se opôs a nada, antes colaborando.
Este depoimento foi corroborado pelos demais militares da GNR inquiridos.

Isto posto,

Dispõe o artigo 174º do CPP “1- Quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada a revista.

2- Quando houver indícios de que os objetos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada a busca.
3- As revistas e buscas são autorizadas ou ordenadas por despacho pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência.(…)
5- Ressalvam-se das exigências contidas no n.º 3 as revistas e as buscas efetuadas por órgão de polícia criminal nos casos: (…) b) em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado; c) Aquando de detenção em flagrante delito por crime a que corresponda pena de prisão”.
O n.º 6 da citada disposição impõe a comunicação ao JIC da busca, sempre que efetuada nos termos da al. a) do bn.º5.
Ora, na ótica do Cabo L. C., a bengala constituía arma proibida e, como tal, verifica-se a situação de flagrante delito a que se reporta o artigo 174º, n.º5, al. c) do CPP, pelo que a busca é válida, sendo igualmente válida a apreensão subsequente.
Não enferma, pois, da invocada nulidade, que, consequentemente, se indefere.
*
Inexistem excepções, nulidades ou outras questões prévias de que de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
Mantêm-se os pressupostos de validade e regularidade da instância verificados no despacho que designou dia para julgamento (cfr. fls. 71-72).
*
Fundamentação:

Discutida a causa, apurou-se, com relevância para a decisão da mesma, que:

a) No dia 12 de Dezembro de 2017, cerca das 19h00, o arguido foi abordado pelo Cabo da GNR L. C., quando imobilizou o veículo automóvel Opel Vectra, de cor verde, com a matrícula XX ao circular pela Rua …, Aguieiras, por ali estar imobilizado veículo que impedia a circulação.
b) A abordagem resultou de ter o arguido sido indicado ao supra identificado Cabo como suspeito de furtos em habitações.
c) Depois de se identificar e ao avistar uma bengala, com a ponta mais larga do que o punho e por considerar estar em causa bengala com ponta tipo moca, a seu ver construída para ser utilizada como arma de agressão, o Cabo L. C., perguntando ao arguido se teria alguma coisa ilícita consigo, deu-lhe conta de que iria proceder à busca ao veículo, ao que aquele não se opôs.
d) Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar a que se alude em a), o arguido transportava consigo 25 munições de calibre 6,35 mm.
e) Tais munições encontravam-se acondicionadas num saco de plástico colocado na porta do condutor.
f) O arguido sabia que não possuía qualquer licença que lhe permitisse a detenção das referidas munições, bem sabendo que não as podia ter em seu poder, como tinha, sem possuir tal licença e que, ao fazê-lo, estava a agir contra disposição legal.
g) O arguido agiu o arguido livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
h) O veículo identificado em a) pertence a E. F., irmã da companheira do arguido e que emprestou ao último o veículo identificado em a), entregando-lho sem qualquer munição ou bengala no interior.
i) O veículo tinha uma avaria que impedia o fecho das portas e uma das janelas não fechava completamente.
j) Era o arguido quem habitualmente e enquanto lhe esteve emprestado conduzia o veículo identificado em a).

Quanto às condições pessoais e antecedentes criminais do arguido, provou-se que:

k) O arguido vive em união de facto com A. F., em casa dos pais do primeiro, contribuindo com quantia compreendida entre € 100,00 e € 200,00/mês para as despesas da casa.
l) O arguido e a companheira não têm filhos.
m) O arguido é pastor de profissão e, com a sua atividade, consegue um rendimento que varia entre € 500,00 (nos meses mais fracos) e € 1.000,00 (nos meses melhores).
n) A companheira do arguido trabalha na Santa Casa da Misericórdia de …, onde aufere o salário mínimo.
o) Com os animais, o arguido despende, uma média mensal de € 300,00 com alimentação, medicação e assistência veterinária.
p) O arguido não tem outras despesas fixas.
q) O arguido tem o 6º ano de escolaridade.
r) No CRC do arguido estão averbadas as seguintes condenações:
- No âmbito do processo n.º 32/01, que correu termos no extinto Tribunal Judicial de Valpaços, foi condenado, por decisão proferida em 30/05/2001, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, praticado em 30/05/2001, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de PTE 800$00, pena extinta pelo cumprimento;
- No âmbito do processo n.º 43/01.7GBMDL, que correu termos no extinto Tribunal Judicial de MIrandela, foi condenado, por decisão proferida em 22/10/2001, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal e um crime de detenção de arma proibida, praticado em 09/10/2001, na pena única de 210 dias de multa, à taxa diária de PTE 800$00, pena extinta pelo cumprimento;
- No âmbito do processo n.º 104/02.5GTVRL, que correu termos no extinto Tribunal Judicial de Valpaços, foi condenado, por decisão proferida em 12/03/2002, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, praticado em 12/03/2001, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 4,00, pena extinta pelo cumprimento;
- No âmbito do processo n.º 348/02.0TACHV, que correu termos no extinto 1º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves, foi condenado, por decisão proferida em 09/03/2004, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, praticado em 03/2002, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 3,00, pena extinta pelo cumprimento;
- No âmbito do processo n.º 34/04.6GAVNH, que correu termos no extinto Tribunal Judicial de Vinhais, foi condenado, por decisão proferida em 14/02/2008, pela prática de um crime de passagem de moeda falsa, praticado em 17/04/2004, na pena de 9 meses de prisão efetiva, vindo a integrar decisão cumulatória e que se mostra extinta pelo cumprimento;
- No âmbito do processo n.º 116/02.9GAVNH, que correu termos no extinto Tribunal Judicial de Vinhais, foi condenado, por decisão proferida em 28/04/2004, pela prática de um crime de furto qualificado, praticado em 02/10/2002, na pena de 2 anos e quatro meses de prisão efetiva, pena extinta pelo cumprimento;
- No âmbito do processo n.º 9/03.2GDMDL, que correu termos no extinto 2º Juízo do Tribunal Judicial de Mirandela, foi condenado, por decisão proferida em 27/05/2004, pela prática de um crime de furto qualificado, praticado em 24/03/2003, na pena de e anos de prisão suspensa na execução por igual período, pena extinta pelo cumprimento;
- No âmbito do processo n.º 28/03.9GAAFE, que correu termos no extinto Tribunal Judicial de Alfândega da Fé, foi condenado, por decisão proferida em 15/06/2004, pela prática de um crime de desobediência, praticado em 13/06/2003, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pena extinta pelo cumprimento de prisão subsidiária;
- No âmbito do processo n.º 1/04.0GDMDL, que correu termos no extinto 2º Juízo do Tribunal Judicial de Mirandela, foi condenado, por decisão proferida em 07/02/2006, pela prática de um crime de dano simples, praticado em 01/01/2004, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 3,00, pena extinta pelo cumprimento da prisão subsidiária;
- No âmbito do processo n.º 97/04.4GBCHV, que correu termos no extinto Tribunal Judicial de Valpaços, foi condenado, por decisão proferida em 07/02/2007, pela prática de quatro crimes de roubo e um crime de dano simples, praticados entre 02/07/2004 e 06/07/2004, na pena única de 8 anos de prisão efetiva, vindo a ser-lhe concedida liberdade condicional em 10/12/2014 até 03/05/2019;
- No âmbito do processo n.º 93/04.1TAMDL, que correu termos no extinto 2º Juízo do Tribunal Judicial de Mirandela, foi condenado, por decisão proferida em 23/03/2007, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, praticado em 10/04/2004, na pena de 3 meses de prisão, substituídos por 160 dias de multa, à taxa diária de € 3,00, pena extinta pelo cumprimento; e
- No âmbito do processo n.º 84/03.0JAGRD, que correu termos no extinto Tribunal Judicial de Pinhel, foi condenado, por decisão proferida em 15/01/2008, pela prática de um crime de condução de sequestro, praticado em 04/2003, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na execução por igual período, pena extinta pelo cumprimento.
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- Por outro lado, não se provou que o arguido tivesse sido abordado enquanto circulava pela Rua ....
*
Com interesse para a decisão da causa não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos.
*
A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica e conjugada da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, designadamente na prova documental junta aos autos, designadamente:

- Auto de Notícia de fls. 4-6;
-Auto de Apreensão de fls. 7;
- Autos de exame direto de fls. 8-9.
- Auto de Apreensão de fls. 16;
- Auto de Exame Direito de fls. 17;
- Informação de fls. 45; e
- CRC de fls. 80-97.

O Tribunal atendeu, ainda, ao depoimento absolutamente desinteressado e congruente das testemunhas L. C., A. C., N. R. e R. M., militares da GNR que procederam à fiscalização do arguido e que explicaram os moldes em que tal fiscalização ocorreu.

As quatro testemunhas explicaram que iam acorrer a uma participação de um furto numa residência e que, ao verem passar o arguido na direção da casa furtada (desconhecendo que aquele ali tinha uma corriça) e, por estar indiciado pela prática de crimes de furto, decidiram abordá-lo.

O Cabo L. C., responsável pela abordagem, pela busca e pela elaboração do auto de notícia, explicitou o que o determinou a agir e o que encontrou, explicitando o local, onde estavam as munições, a forma como as mesmas estavam acondicionadas e as diligências que a seguir levou a efeito, sendo integralmente corroborado pelos militares da GNR que com ele estavam.

Que dizer das declarações prestadas pelo arguido?

Este admitiu que conduzia o veículo naquele dia e que seguia pela Rua ..., mais admitindo que, na sequência da busca lhe foram exibidas as munições, afirmando, contudo que as mesmas não lhe pertenciam e que nem sequer sabia da sua presença na porta do veículo.

A verdade é que, como ressalta dos depoimentos prestados por E. F., irmã da companheira do arguido e proprietária, à data do veículo identificado em a) dos factos provados, A. F., companheira do arguido, e A. A., amigo do arguido, confirmaram que aquele veículo era habitualmente utilizado pelo arguido (desde que E. F. lho emprestara, uns meses antes), tendo as duas primeiras afirmado expressamente que entregaram o veículo ao arguido sem nada na porta, incluindo as munições, tendo, além do mais, a companheira do arguido dito mesmo que nas ocasiões em que conduziu o carro (entregue sem nada além dos documentos), nada havia na porta ou junto à caixa de velocidades.

É certo que afirmaram, também, o veículo tinha um problema na porta que impedia que a mesma fosse trancada e que uma das janelas não fechava completamente, tendo o arguido e a companheira asseverado que deixavam o veículo aparcado na rua.
Mas nenhum deles deu uma explicação para que outrem lá fosse colocar as munições e a verdade é que a avaria e a forma como o veículo era estacionado sempre ocorreram e nunca antes a companheira do arguido viu nada na porta ou junto à caixa de velocidades, nem se perceberia a colocação das munições por outrem, já que nenhuma denúncia houve a dar conta de que o arguido tivesse armas ou munições em seu poder, pelo que nenhum cenário de “cilada” se antevê.

Ou seja, o veículo, que era habitualmente (à data) conduzido pelo arguido e que a proprietária e a companheira do arguido asseveraram que nada tinha do que foi apreendido no interior, tinha na porta 25 munições calibre 6,35 mm, inexistindo outra explicação lógica e consentânea com as regras da experiência comum que não seja lá terem sido colocadas pelo arguido.

Não pode o Tribunal deixar de salientar o agastamento da irmã da companheira do arguido que, de forma espontânea, afirmou que não voltou a emprestar o veículo ao arguido por ter perdido a confiança (o que imediatamente a seguir tentou mitigar), o que diz bem da certeza que a mesma tinha de que as munições não haviam seguido no veículo.

O arguido confirmou a factualidade vertida em f) e g), que terá de dar-se por provada.

Tendo presente a prova documental e testemunhal e as considerações supra expendidas, não teve dúvidas o Tribunal em dar por provada a factualidade vertida em a) a j), não podendo, pelas razões expendidas, dar como provada a demais matéria vertida na acusação pública.

Para prova dos factos k) a q) o Tribunal valorou as declarações do arguido que nesta parte mereceram credibilidade, tanto mais que foram corroborados pela sua companheira.

Quanto aos antecedentes criminais, considerou-se o teor do certificado do registo criminal do arguido junto aos autos a fls. 80-97.
*
III - Apreciação do recurso

Preceitua o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, que: “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.”

A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorrerá - como referem Simas Santos e Leal Henriques em “Recursos em Processo Penal”, citados por Maia Gonçalves em “Código de Processo Penal Anotado”, Almedina, 16ª edição, pág. 871 – quando exista uma lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher.

Porventura, melhor dizendo, só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final.

Ora, como vem considerando o Supremo Tribunal de Justiça, só existe tal insuficiência quando se faz a “formulação incorrecta de um juízo” em que “a conclusão extravasa as premissas” ou quando há “omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão.”

Quanto à contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste, basicamente, na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.

Assim, há oposição na matéria de facto provada quando, por exemplo: se dão como provados dois ou mais factos que estão entre si em oposição (que sejam logicamente incompatíveis); há oposição entre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada quando se dá como provado e não provado o mesmo facto; há uma incoerência da fundamentação probatória da matéria de facto quando se dá como provado certo facto e da motivação da convicção resulta que seria outra a decisão de facto correta; e há oposição entre a fundamentação e a decisão quando a fundamentação de facto e de direito apontam para uma determinada decisão final e no dispositivo da sentença consta decisão em sentido diverso.

O erro notório na apreciação da prova constitui uma “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram como provados factos inconciliáveis entre si, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, que as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto provado uma conclusão logicamente inaceitável.

Dito de outro modo, há tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis – cfr. Simas Santos e Leal Henriques, obra citada.

Descritos, ainda que sumariamente, os apontados vícios, incontroverso é que eles têm de resultar da decisão recorrida (melhor, do texto da decisão), por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

Não é, pois, admissível o recurso a elementos estranhos à sentença, como, por exemplo, quaisquer outros dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do julgamento, tratando-se, portanto, de vícios intrínsecos da sentença que, quanto a eles, terá que ser suficiente.

O recorrente, no caso em apreço, não invocou qualquer dos vícios supra elencados, nem os mesmos se vislumbram da decisão recorrida, seja a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, seja alguma contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, seja erro notório na apreciação da prova, pelo que nada há a conhecer neste capítulo.
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Apreciando as razões concretas da discordância apresentada pelo recorrente e começando pela primeira apontada, isto é, pela:

Proibição de valoração de prova – Nulidade da busca

O recorrente alega que, no início da audiência de julgamento, suscitou a nulidade da busca realizada ao veículo que conduzia, por a considerar manifestamente desnecessária, desproporcional e irrazoável, concluindo que foi realizada de forma ilegítima, em clara e flagrante violação das regras de obtenção de prova, o que obsta à utilização como prova da subsequente apreensão.

Da audição do requerimento, conclui-se que, de forma resumida, o arguido/recorrente considera a busca realizada ilegal por não ter sido dado prévio consentimento à mesma, quer pelo arguente quer pelas demais pessoas que se faziam transportar no mesmo veículo, o que não é contrariado pelas suas declarações em sede de primeiro interrogatório, já que não lhe foi solicitado tal consentimento. Estriba-se, ainda, no facto de não constar tal autorização do auto de notícia.

Pretende o recorrente que o ponto iii) da matéria de facto dada como provada na análise da questão prévia seja tido como não provado.

É verdade que do auto de notícia (fls. 4 a 6 dos autos) – elaborado na manhã do dia seguinte e não de imediato, como foi referido pelo autor – nada consta relativo ao pedido de consentimento para a realização da busca, nem quanto ao avistamento preliminar da bengala/moca, susceptível de, por si só, justificar tal busca.

Todavia, no auto de interrogatório do arguido, por este assinado (fls. 33/5), levado a cabo no dia seguinte à busca e na presença do respectivo defensor, ficou exarado que “Fizeram-lhe uma revista e de seguida uma busca ao veículo devidamente autorizadas pelo próprio”, no qual foi igualmente proferido despacho a validar as revistas e a busca efectuadas.

Na produção de prova relativa à questão prévia suscitada no início da audiência, após audição da mesma, apura-se o seguinte, em síntese:

- o arguido declara que acha, embora sem certeza disso, que lhe foi perguntado “Podemos revistar o carro?”, ao que não se opôs, pois “estava tranquilo”;
- o cabo L. C., afirma que o arguido foi abordado por os colegas da GNR o terem avistado e ele ser referenciado por furtos. Acrescenta que ao solicitar os documentos do veículo ao arguido, avistou logo a bengala, colocada junto à alavanca de velocidades e com a parte mais grossa voltada para trás, sobressaindo dos bancos dianteiros. Por este motivo informou o arguido que ia fazer uma busca ao veículo, o qual não deduziu oposição, mas perguntou ao depoente o motivo da mesma, que lhe foi explicada. Assegura não ter pedido consentimento para a busca, nem informado da possibilidade de o arguido se opor. Remata que já tinha decidido deter o arguido pela posse da bengala, por se tratar de uma medida cautelar de polícia;
- os restantes guardas (A. C., N. R. e R. M.) declaram ter-se deslocado ao local na sequência de uma denúncia por furto em residência. No local, ouviram a vítima do furto mencionar o nome do R. P., o qual “andava por ali”. Pediram a intervenção do NIC e foram recolher o respectivo elemento (cabo L. C.) junto à estrada nacional, tendo visto o arguido a entrar numa rua próxima do local do furto, onde imobilizou o veículo que conduzia. No que concerne à autorização para a busca: o N. R. nada ouviu porque estava colocado atrás do jipe da GNR; o A. C. ouviu o cabo L. C. perguntar ao arguido se podia revistar o carro, ao que este respondeu que sim, porque “nada tinha a esconder”; o R. M. afirma que o arguido disse “pode revistar à vontade”.

Perante tais meios de prova e apesar das divergências evidenciadas, não se pode afirmar que a matéria dada como assente no ponto iii) da questão prévia seja descabida ou arbitrária. Bem pelo contrário, é do conhecimento comum o comprimento de uma bengala e que, colocada longitudinalmente a meio do veículo, junto à alavanca da caixa de velocidades, uma das pontas teria de sobressair da parte traseira dos bancos dianteiros, sendo visível do exterior. Isto, dado já ser noite, caso a iluminação fosse suficiente para tal, mas alguns dos militares referem que havia iluminação pública no local (um ou dois postes), que o jipe da GNR parou, com os faróis ligados, na traseira do veículo do arguido e que os militares usavam lanternas. Diga-se, ainda, que tais bengalas são, habitualmente, de cor bege ou castanha clara – como parece resultar da fotografia de fls. 9 – o que faz contraste com o “chão” dos veículos, estes sempre escuros em razão da própria pintura ou da cor dos tapetes.

Por conseguinte, nada obsta à consideração de que o cabo L. C. tenha avistado a “bengala” logo que abordou o arguido/se aproximou do veículo. E muito menos, que o arguido não deduziu oposição à busca ao veículo.

Portanto e concluindo, a factualidade em causa foi apreciada de modo lógico e racional, de acordo com as regras da experiência, está devidamente motivada e criticamente analisada a opção realizada pelo tribunal, que se afigura objectiva e imparcial, nada impondo solução diversa.
Passemos, agora, a analisar se era indispensável a prestação de consentimento para a busca.

O artigo 174º do CPP define os pressupostos a que devem obedecer as revistas e buscas, nos seguintes termos (no que importa ao caso):

“1 – Quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada revista.
2 – Quando houver indícios de que os objectos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca.
3 – As revistas e as buscas são autorizadas ou ordenadas por despacho pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência.
4 - …
5 – Ressalvam-se das exigências contidas no nº 3 as revistas e as buscas efectuadas por órgão de polícia criminal nos casos:
a) …
b) Em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado; ou
c) Aquando de detenção em flagrante por crime a que corresponda pena de prisão.
6 - … “

Foi com o fundamento constante da alínea c) do nº 5 que o Ministério Público validou a busca e a subsequente apreensão.

Também o tribunal a quo manifestou o entendimento que “… na ótica do Cabo L. C., a bengala constituía arma proibida e, como tal, verifica-se a situação de flagrante delito a que se reporta o artigo 174°, n.°5, al. c) do CPP, pelo que a busca é válida, sendo igualmente válida a apreensão subsequente.”.

Ora, como se refere em anotação, subscrita pelo Conselheiro Santos Cabral, ao artigo 174º no “Código de Processo Penal comentado”, Henriques Gaspar e outros, 2ª edição:Caso a revista, ou a busca, tenha subjacente uma opção do órgão de polícia criminal nos termos do nº 5 os pressupostos legitimadores da diligência devem ser aferidos em relação ao momento da respectiva decisão que, necessariamente, são aqueles que imediatamente antecedem o acto processual.”

Por sua vez, o artigo 251º do CPP, estabelece que: “1 – Para além dos casos previstos no nº 5 do artigo 174º, os órgãos de polícia criminal podem proceder, sem prévia autorização da autoridade judiciária: a) À revista de suspeitos em caso de fuga iminente ou de detenção e a buscas no lugar em que se encontrarem, salvo tratando-se de busca domiciliária, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servirem de prova e que, de outra forma, poderiam perder-se”.

Em resumo, o órgão de polícia criminal - no âmbito de uma diversa investigação (notícia de um furto em habitação), procedeu à abordagem de um referenciado suspeito - avistou uma bengala/moca, no interior de um veículo automóvel, que considerou constituir uma arma proibida, o que o determinou à realização de uma busca ao mesmo, no decurso da qual procedeu à respectiva apreensão, bem como de outros objectos, entre os quais munições, que também apreendeu.

E ao assim proceder, o OPC atuou em rigorosa conformidade com os ditames legais supra citados.

Por tudo o que fica exposto e prescindindo, por desnecessidade, da apreciação da existência de consentimento do visado para o efeito, impõe-se concluir que a busca e a subsequente apreensão são válidas, assim se indeferindo a nulidade das mesmas.

Acrescente-se, ainda (porque invocado pelo recorrente) que o artigo 126º do CPP, sob a epígrafe “Métodos proibidos de prova”, no seu nº 3, considera “… nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular”, situações que não ocorrem no caso em apreço, em que não se verificou qualquer daquelas intromissões.
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Impugnação da matéria de facto

O recorrente alega que a matéria de facto constante das alíneas c), d), f) e g) da factualidade provada, devem ser tidas como não provadas.
Nos termos do disposto no artº 428º, nº 1, do Código de Processo Penal, “as relações conhecem de facto e de direito.”.
A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: num âmbito mais restrito, dos vícios descritos no artº 410º, nº 2, do CPP, a chamada “revista alargada” (que já supra se analisou), ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que alude o artº 412º, nº 3, 4 e 6 do mesmo código.

Na impugnação ampla da matéria de facto, a apreciação não se cinge ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova, toda ela documentada, produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do artº 412º do CPP.

É consabido que, havendo impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, sendo antes um remédio, remédio jurídico, para evitar erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como foi apreciada e ponderada a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto indicados pelo recorrente.

“O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total dos acervos dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados.

Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa”

Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo - mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar - impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º3, do C.P. Penal:
“Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.»

A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.

A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.

Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P. e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º do C.P.P.).

Para dar cumprimento a estas exigências legais tem o recorrente de especificar quais os pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, quais os segmentos dos depoimentos que impõem decisão diversa da recorrida e quais os suportes técnicos em que eles se encontram, com referência às concretas passagens gravadas.

Como realçou o S.T.J., em acórdão de 12 de Junho de 2008 (Processo:07P4375, in www.dgsi.pt), a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:

- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações;
- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso;
- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º 3 do citado artigo 412.º].
Após esta introdução, cumpre apreciar a impugnação ampla da matéria de facto.
O arguido/recorrente começa por questionar o avistamento prévio (antes da realização da busca), pelo cabo da GNR, da bengala/moca que estava no interior do veículo e que veio a determinar a busca feita ao mesmo sem o consentimento – e também sem a oposição – do visado/arguido.
Tal matéria – plasmada na al. c) dos factos provados é exactamente do mesmo teor da vertida na al. iii) da matéria apurada para decisão da invocada nulidade da busca – tendo já sido objecto de abordagem no item anterior, onde se extraiu a conclusão de que a factualidade em causa foi apreciada de modo lógico e racional, de acordo com as regras da experiência, está devidamente motivada e criticamente analisada a opção realizada pelo tribunal, que se afigura objectiva e imparcial, nada impondo solução diversa. Por tal razão, dispensa-se a repetição da análise aí efectuada, para a qual se remete.
O recorrente também questiona que transportasse consigo as munições encontradas no veículo – al. d) dos factos provados.

Contudo, tal invocação está votada ao insucesso. Vejamos porquê.

O veículo automóvel era pertença de uma irmã da companheira do arguido, sendo que estava “emprestado” a este e à sua companheira, que o utilizavam exclusivamente há, pelo menos, dois meses.
A dona do veículo garante, no seu depoimento, que nenhumas munições nele existiam, quando o “emprestou”. A companheira do arguido também nunca viu tais munições no veículo, quando o usou.
O arguido era o principal utilizador do mesmo, devido a uma avaria ocorrida no seu próprio automóvel e que constituiu a razão da cedência.
Em audiência, o arguido veio alegar que as portas do veículo não trancavam e que uma das janelas “não fechava bem”, parecendo querer alvitrar que alguém as poderia ter colocado na bolsa da porta do condutor.
Tal hipótese, em exercício de mera abstracção, é verosímil. Porém, não resiste à análise à luz das regras da experiência.

Na verdade, quem pretendesse “tramar” o arguido - depositando o saco com as munições naquele local – não deixaria - sob pena de frustração do intuito - de apresentar alguma denúncia contra o mesmo, para que as munições fossem encontradas na sua posse. A verdade é que inexiste qualquer notícia nesse sentido. Pelo contrário, demonstrou-se que a abordagem feita pela GNR foi absolutamente fortuita, só acontecendo porque o arguido foi avistado junto ao local onde ocorreu um furto em habitação e dada a referência feita ao seu nome, pela vítima do furto, aos militares da GNR.

Por conseguinte, também nesta alínea não assiste razão ao recorrente, tendo o tribunal a quo, ao decidir que as munições eram transportadas – e detidas - pelo arguido, atuado em conformidade com as regras da lógica e da experiência.

No que se reporta à alínea f), o próprio arguido admite que não possuía licença para deter tais munições e que sabia ser necessária tal licença para o efeito.

No fundo, o que o recorrente pretende impugnar é a detenção das munições, mas isso é questão que entronca por completo na imediatamente anterior, tornando-se desnecessária a repetição da análise feita.

Por último, neste item de impugnação da matéria de facto, o recorrente questiona a atuação dolosa apurada. Contudo, tal matéria, porque resultante da respectiva motivação interior do arguido, depreende-se da demais factualidade apurada, como bem fez o tribunal recorrido.

Em suma e neste capítulo da impugnação da matéria de facto, soçobra a pretensão do arguido.
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Violação do princípio da livre apreciação da prova

O recorrente invoca (conclusão LXXIX) que “… a prova produzida, de modo a que se proceda a uma valoração e apreciação correta … impõe uma decisão diversa da constante na sentença recorrida, sendo notório que a convicção a que o tribunal de primeira instância chegou sobre a veracidade dos factos é implausível face às provas”.
Ora, como decorre da motivação e das conclusões apresentadas, a dissidência do arguido/recorrente em relação à decisão da matéria de facto impugnada incide unicamente sobre a forma como o tribunal a quo valorizou os diversos meios de prova, fazendo uma própria e diferente leitura da prova, que confronta com a que foi realizada pelo julgador, para, de seguida, extrair as suas próprias conclusões.

Contudo, impõe-se não olvidar a correta interpretação do preceituado no artº 127º do CPP, nos termos do qual cabe ao julgador apreciar da credibilidade dos veículos transmissores dos factos, a ele cabendo a missão de apreciar, em obediência a tal normativo, quais os depoimentos/declarações que lhe merecem credibilidade e se o merecem na totalidade ou só em parte.

Com efeito, o recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no citado artº 127º do CPP.

Nestes termos e conforme o disposto no artigo 412º, nº 3, al. b), do CPP, este tribunal só pode alterar o decidido pelo tribunal a quo se as provas indicadas pelo recorrente impuserem – e não quando apenas admitam - decisão diversa da recorrida, ou seja, quando se esteja perante uma clamorosa e manifesta desconformidade dos factos fixados com os meios de prova produzidos e examinados.

É claro, com tem vindo uniformemente a ser expendido pela doutrina e pela jurisprudência, que “a livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova”, pois que “a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.”

Sucede que, apreciada integralmente a prova produzida, ao abrigo do disposto no artº 412º, nº 6, do CPP, conclui-se que os factos dados como provados têm plena sustentabilidade na prova indicada na motivação da sentença, inexistindo contradições, sendo que também não se descortina nenhuma razão para divergir do juízo de credibilidade atribuído pelo Tribunal a quo a tais meios de prova, devidamente explanado na “motivação da factualidade” supra transcrita.

Na verdade, a convicção formada não é arbitrária, antes racionalmente objectivada, em conformidade com a lógica, a experiência comum e os ditames da razão e da lei, fundamentando tal convicção de forma clara e indicando as razões por que chegou a tal conclusão.

Assim, o recurso improcede neste segmento.
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Aplicação do princípio da presunção de inocência e do “in dúbio pro reo

O recorrente também invoca (conclusão LXXXV) que da conjugação do depoimento da testemunha L. C. com os das demais testemunhas, com as declarações do arguido e com o teor do auto de notícia “resultarão, quando muito, apenas dúvidas, e não certezas susceptíveis de afastar todas as dúvidas razoáveis …”.

Ora, o fundamento para a discordância mantém-se o mesmo: a forma como o tribunal valorizou a prova produzida.

Como é sabido, a prova não pode ser analisada de forma segmentada, atomizada. “O julgador tem de apreciar e valorar a prova na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou hominis, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção.”

A convicção formada mostra-se explicitada em termos perfeitamente perceptíveis, não se vislumbrando qualquer dúvida em que tenha incorrido o tribunal que possa dar lugar à aplicação do invocado princípio.

O princípio “in dubio pro reo” traduz-se numa imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa, pelo que a sua violação exige que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos essenciais e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido.

É insofismável que perante uma dúvida sobre os factos desfavoráveis ao arguido, que seja insanável, razoável e objectivável, o tribunal deve decidir “pro reo”.

Como ensina o Prof. Figueiredo Dias ““à luz do princípio da investigação bem se compreende, efectivamente, que todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminoso, quer à pena) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do tribunal, também não possam considerar-se como provados. E se, por outro lado, aquele mesmo princípio obriga em último termo o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido: um non liquet na questão da prova – não permitindo nunca ao juiz, como se sabe, que omita a decisão (…) – tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo.””

Em momento algum resulta da sentença recorrida que, relativamente à factualidade provada e não provada apreciada nos autos, tenha o tribunal a quo ficado com dúvidas, a mais pequena que fosse, na formação da sua convicção. E, obviamente, muito menos que, tendo-a, haja decidido em desfavor dos arguidos.

Também não se verifica que a matéria de facto assente não esteja suficientemente suportada na prova produzida, de molde a deixar dúvidas inultrapassáveis no espírito do tribunal e que, apesar disso, haja decidido “contra” os arguidos.

Nestes termos, e, porque nenhuma censura pode merecer o juízo valorativo plasmado na sentença, sendo que ao decidir como decidiu o tribunal a quo não incorreu na violação do princípio “in dubio pro reo”, improcede, também neste segmento, o recurso.
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IV – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido R. P. e, consequentemente, manter na íntegra a sentença recorrida.
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Custas a cargo do arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça na quantia correspondente a 3 UC (três unidades de conta) – artigo 513º, nº 1, do CPP, artigo 8º, nº 9, do RCP e tabela anexa a este diploma legal.
*
(Texto elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários – artigo 94º, nº 2, do Código de Processo Penal)
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Guimarães, 25 de Fevereiro de 2019

(Mário Silva)
(Maria Teresa Coimbra)