Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2899/14.4T8GMR-A.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: RETRIBUIÇÃO-BASE
RETRIBUIÇÕES INTERCALARES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/14/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – O princípio da irredutibilidade da retribuição não incide sobre a globalidade da retribuição mas apenas sobre a retribuição estrita, não abrangendo as parcelas correspondentes a maior penosidade do trabalho, a situações de desempenho em condições específicas ou a situações de trabalho prestado fora do período normal de trabalho, podendo o empregador suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.

II – Tendo um motorista de veículos de mercadorias deixado de prestar trabalho no serviço de transporte internacional e voltado a exercer funções no serviço de transporte nacional, sem que se tenha demonstrado a ilicitude da alteração, o empregador não está obrigado a continuar a pagar-lhe os complementos denominados «cláusula 74.ª» e «subsídio TIR».
Decisão Texto Integral:
1. Relatório

Nos presentes autos, a aqui embargante X – Transportes, S.A. veio deduzir oposição, mediante embargos de executado, contra António, com os seguintes fundamentos:

- por um lado, ocorre a excepção da inexequibilidade do título executivo, na medida em que a sentença remete para o que se viesse a liquidar em incidente ulterior e não foi efectuada tal liquidação;
- caso assim não se entenda, a liquidação não está correctamente realizada, inexistindo título executivo para reclamação de suplementos remuneratórios, por não estarem contemplados na sentença proferida;
- assim sendo, impõe-se a condenação do exequente como litigante da má-fé, na medida em que deveria aquele ter suscitado o incidente de liquidação da sentença, ou, pelo menos, ter movido execução sob a forma de processo comum (e não sumária), por forma a permitir a citação antes da penhora, tendo causado prejuízos à executada no valor de 2.000,00 €.

O exequente/embargado veio contestar, alegando, em síntese, que:

- a liquidação depende apenas de cálculo aritmético, tendo o exequente deduzido as quantias recebidas a título de subsídio de desemprego;
- caso o exequente não tivesse sido despedido, auferiria regular e mensalmente a quantia de 1.004,25 €;
- o facto de se ter dado como provado sob o n.º 22 que, imediatamente antes do despedimento, o exequente foi afecto ao serviço de transporte de combustíveis, em nada afecta a retribuição auferida, porquanto estatuto remuneratório e categoria são diferentes dimensões da relação laboral e não se verificam os pressupostos do art. 119.º do Código do Trabalho;
- o exequente exerce funções no transporte internacional de mercadorias, com o seu acordo, não podendo a executada afectá-lo a serviço diferente, com retribuição inferior, contra a sua vontade.

Seguidamente, pela Mma. Juíza foi proferido despacho saneador-sentença, terminando com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, o Tribunal julga procedente os presentes embargos de executado deduzidos pela executada /embargante X – Transportes, Lda. contra o exequente /embargado António, na parte em que deduz oposição, quanto ao valor mensal de € 1.004,25, e em conformidade, o valor de retribuições intercalares devido é de 597,04 euros (ou seja, o vencimento base mensal de 582,06€, acrescido de diuturnidades no valor de 14,98€), acrescido dos respectivos juros, e não de € 1.004,25 (ou seja, àquele valor devido a titulo de retribuição base e diuturnidades, deverá ser deduzido o montante € 407,21) atenta a manifesta inexistência de título quanto ao montante que excede o acima consignado, julgando-se improcedente, na parte restante, o peticionado.
Custas destes embargos, por embargante e embargada, sendo o decaimento da Executada/Embargante de 2.000,00 euros e o restante relativo ao Exequente/Embargado, e sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao 2º.»

O exequente, inconformado, veio interpor recurso do despacho saneador-sentença, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:

« A sentença em recurso julgou procedentes os embargos de executado deduzidos pela Recorrida, quanto à inexistência de título executivo para a remuneração prevista na claúsula 74ª nº 7 do CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU aplicável à relação laboral em causa e para o subsídio TIR previsto em anexo deste mesmo CCT.
O segmento decisório supra referido é nulo porque viola as normas dos artigos 129º, nº 1, alínea d) e 390º, nº1 do CT, a cláusula 74ª, nº 1 e 7 do CCT aplicável e o princípio da estabilidade no emprego protegido pela norma artigo 53º da CRP;
A sentença proferida nos autos principais e que constitui o título executivo, condenou a Recorrida "2 – a pagar ao mesmo trabalhador todas as retribuições vencidas desde o dia 10/10/2014 e que se vençam até ao trânsito em julgado desta decisão, deduzindo-se ... qualquer quantia que o trabalhador tenha recebido a título de subsídio de desemprego...".
É facto provado que antes de ter sido despedido o Recorrente auferia o vencimento base, diuturnidades e a retribuição prevista na cláusula 74ª nº 7 do CCT aplicável (facto provado nº 2).
Esta rubrica salarial tem caracter retributivo, conforme já foi jurisprudência uniforme (entre todos acórdão do STJ de 03 de maio de 2016, processo 729/13.3TTVNG.P1.S2, disponível em www.dgsi.pt ).
O nº 1 do artigo 390º do CT determina que o trabalhador tem direito a receber todas as rubricas com caracter retributivo que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento (acórdão do STJ, de 15 de fevereiro de 2006, no processo 05S2844, publicado in www.dgsi.pt),
Por seu lado, o artigo 258º do CT estabelece a presunção de que todas as prestações regulares são retribuição.
Logo, o não recebimento da compensação prevista na cláusula 74ª, nº 7 do CCT aplicável constitui violação do disposto no artigo 390º, nº 1 do CT.
E constitui igualmente, violação do artigo 129º, nº 1, alínea d) do CT, na medida em que o não pagamento desta retribuição durante o período intercalar, consubstancia uma verdadeira diminuição do salário do Recorrente, o que é proibido.
10ª A sentença em recurso julgou procedentes os embargos deduzidos quanto à inexistência de título relativamente à retribuição da cláusula 74ª nº 7 do CCT aplicável e subsídio TIR do seu anexo com o fundamento do facto provado nº 5, nos termos do qual a Recorrida reafectou o Recorrente ao serviço nacional;
11ª Este entendimento viola o princípio da estabilidade no emprego, consagrado no artigo 53ª da CRP, na medida em que deixa ao livre arbítrio do Empregador a medida da retribuição do Recorrente.
12º Por seu lado, a norma do nº 1 da cláusula 74ª já referida é violada pela sentença em recurso, na medida em que não valoriza o necessário acordo do motorista para o exercício da respectiva profissão em TIR, ao admitir que a Recorrida pode, em detrimento daquele acordo, decidir suprimir a retribuição que lhe é adstrita.
13ª O Tribunal "a quo" devia ter julgado totalmente improcedentes os embargos, julgando haver título executivo bastante, com fundamento no vencimento regularmente recebido do pelo Recorrente à altura do seu despedimento, em cumprimento do disposto no nº 1 do artigo 390º do CT.»
A embargante apresentou resposta ao recurso do exequente, pugnando pela sua improcedência.
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, e colhidos os vistos dos Exmos. Desembargadores Adjuntos, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil –, a única questão que se coloca a este Tribunal é a da relevância das quantias auferidas a título de «cláusula 74.ª» e «subsídio TIR» no cômputo das denominadas retribuições intercalares que a executada foi condenada a pagar ao exequente.

3. Fundamentação de facto

Os factos materiais relevantes para a decisão da causa são os seguintes:

1 – No âmbito dos autos principais de acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, o autor/trabalhador pugnou pela ilicitude do despedimento e pela sua reintegração, com a categoria de motorista de transporte internacional de mercadorias;
2 – No âmbito dos autos principais deu-se como provado, além do mais:

«1- Em 05 de Maio de 2008 autor e ré celebraram um acordo denominado de “contrato de trabalho a termo certo”, o qual veio a converter-se em contrato de trabalho sem termo, para exercer as funções de motorista de pesados e ligeiros, por conta e direcção da empregadora – ponto 1, dos factos provados:
2- A Ré paga ao Autor, regularmente, o vencimento base mensal de 582,06€, acrescido de diuturnidades no valor de 14,98€, da quantia mensal de 108,74€ (a título de subsídio de TIR, nos termos da Nota constante do anexo II, Tabela de Remunerações Mínimas e seu enquadramento, do CCTV publicado in BTE nº30, 1ª série, de 15.08.1997, pág. 1499), de € 298,47 a título de compensação prevista na cláusula 74º, nº7, do CCT aplicável), e ainda, de uma quantia variável, paga a título de ajudas de custo inerente à prestação de serviço nos transportes internacionais – ponto 3 dos factos provados;
3- No dia 13 de Outubro de 2014, a administração da empregadora/ré pretendia comunicar ao trabalhador/autor um novo serviço de transporte, que este passaria a fazer a partir de 01 de Novembro, na sequência de uma recente adjudicação que a primeira ganhou – ponto 4 dos factos provados;
4- Durante algum tempo, o autor trabalhou nos transportes internacionais, tendo a ré remunerado, durante esse período, de acordo com esse trabalho – ponto 20 dos factos provados;
5- Na sequência da celebração, pela ré, de um contrato de prestação de serviços de transporte de combustíveis com um novo cliente, o autor foi novamente afecto ao serviço de transporte nacional de mercadorias perigosas – ponto 22 dos factos provados.»
3 – Resulta da fundamentação jurídica da decisão proferida, quanto ao pedido de reintegração na categoria profissional de motorista de transportes internacionais, o seguinte:

“Ora, voltando ao caso dos autos, refere o autor que deve ser reintegrado na categoria profissional de motorista de transportes internacionais.

Sucede que, conforme resulta dos factos provados (e por contraposição aos que resultaram por apurar (a saber resposta restritiva ao ponto 8 dos temas de prova) – veja-se pontos 1, 2, 20 e 22 dos factos provados supra – o que resultou foi que aquando da celebração do contrato de trabalho o autor ficou com a exercer as funções de motorista de pesados e ligeiros, que no âmbito dessas funções de motorista cabe-lhe a condução de veículos pesados com ou sem atrelado, e que durante algum tempo, e por diversas vezes o autor trabalhou nos transportes internacionais e que, durante esse período, foi remunerado em conformidade.
Improcede, desta feita o pedido do autor em ser reintegrado na categoria de motorista de transportes internacionais, devendo a empregadora, reintegra-lo na categoria correspondente àquela para que foi contratado e que o mesmo detinha na data do despedimento.” (sublinhado actual).
4 – Em sede de decisão, a executada X – Transportes, S.A. foi condenada no processo de impugnação do despedimento individual:

a) a reintegrar o trabalhador, na categoria que o mesmo detinha à data do despedimento, nos termos já referidos;
b) a pagar ao mesmo trabalhador todas as retribuições vencidas desde o dia 10/11/2014 e que se vençam até ao trânsito em julgado desta decisão, deduzindo-se as quantias que tenha recebido com a cessação do contrato de trabalho e que não teria recebido se não fosse o despedimento, bem como qualquer quantia que o trabalhador tenha recebido a título de subsídio de desemprego, sendo a quantia respectiva entregue pelo empregador à segurança social;
c) a pagar juros de mora nos termos fixados nesta decisão.
5 – Da decisão proferida, o autor /trabalhador interpôs recurso da parte em que se ordenou a reintegração do trabalhador na categoria de motorista de veículos ligeiros e pesados (veja-se 1.ª conclusão das alegações de recurso). Conclui ainda sob o ponto 4.º que “Não obstante ter sido contratado para o exercício de funções inerentes à categoria de motorista de ligeiros e pesados, durante a execução do contrato, o Recorrente aceitou passar a desempenhar e desempenhou as funções inerentes à categoria profissional autónoma daquela para a qual foi contratado (a de motorista dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias – descrito no Anexo I do CTT aplicável – cfr. cláusulas 6ª e 74ª deste clausulado”; sob o ponto 5.º conclui que “Resulta da cláusula 74º, nº7 e de nota do CCT aplicável que o exercício de funções de motorista de transportes internacional implica o recebimento de acréscimos remuneratórios”; sob o ponto 6º “A recorrida só pode fazer baixar a categoria do Recorrente se essa medida for necessária, for aceite pelo trabalhador e pela entidade inspectiva competente. Sob pena de violação dos artigos 119º, 120º e 129º, alíneas d) e e), do CT. (…)” Termina pugnando pela anulação desse segmento da sentença, com a condenação da Recorrida a reintegrar o Recorrente na categoria de motorista de transportes internacionais – cfr. fls. 130 a 134;
6 – Admitido o recurso interposto, em 03.03.2016 foi proferido acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães onde se julgou improcedente a apelação, confirmando-se a decisão proferida – cfr. fls. 176 a 181;
7 – Resulta da fundamentação do mesmo acórdão, de modo claro e inequívoco que “o facto 22 vem esclarecer que o autor teria sido novamente reafecto ao serviço nacional, o que pressupõe que tenha estado durante algum tempo, de que ignoramos a dimensão, afecto ao transporte internacional. Ora, o autor não foi contratado para exercer as funções no transporte internacional, como resulta de forma clara do facto 1, tendo sim sido contratado como motorista de pesados e ligeiros.
O autor alegou que efectuava tal tipo de transporte desde 2010, constando do tema de prova “saber se o trabalhador exercia as funções de motorista de TIR de mercadorias”. Ora apenas resultou provado o que consta do facto 20, vd., Fundamentação. Refere-se na fundamentação aludindo ao que uma testemunha confirmou, que o autor fazia transportes no nacional e internacional, tendo licença de ADR. Não vem demonstrado qualquer acordo no sentido de ter passado para o serviço internacional, nem vem demonstrado durante que período exerceu funções no internacional, se, durante os períodos em que exerceu foi com exclusividade ou não, nem a duração dos períodos.

Assim sendo, não pode concluir-se da factualidade que tenha ocorrido uma alteração da categoria contratada aquando da sua admissão ao serviço da entidade patronal. Por estas e demais razões constantes da decisão recorrida é de manter a mesma.” – cfr. fls. 180 v.º e 181.
8 – Em 16 de Junho de 2016, o exequente/trabalhador instaurou execução sumária contra a executada/empregadora, alegando que aquele recebia a quantia de 1.004,25 €, acrescida das ajudas de custo devidas. Para tanto, teve em consideração o ponto 3 (alínea c) dos factos assentes) dos factos provados, ou seja, o vencimento base mensal de 582,06 €, acrescido de diuturnidades no valor de 14,98 €, da quantia mensal de 108,74 € (a título de subsídio de TIR, nos termos da Nota constante do anexo II, Tabela de Remunerações Mínimas e seu enquadramento, do CCTV publicado no BTE n.º 30, 1.ª série, de 15.08.1997, pág. 1499), de 298,47 € a título de compensação prevista na cláusula 74.ª, n.º 7, do CCT aplicável, e, ainda, de uma quantia variável, paga a título de ajudas de custo, inerente à prestação de serviço nos transportes internacionais – ponto 3 dos factos provados;
9 – O trabalhador/exequente recebeu do ISS, IP a quantia de 9.022,21 €;
10 – A empregadora /executada entregou ao trabalhador/executado, na sequência da decisão proferida, o montante de 971,02 €;
11- O trabalhador /exequente, relativamente ao período que mediou entre Novembro de 2014 e 17 de Fevereiro de 2016, com base nos valores supra (ver ponto 8), liquidou o valor a receber em 18.645,58 € (vencimentos de Novembro de 2014 e Dezembro de 2014, subsídio de Natal de 2014, vencimentos de 2015, subsídios de férias e de Natal de 2015, vencimentos de Janeiro de 2016 e 17 dias de Fevereiro de 2016), tendo deduzido a este valor os recebidos do ISS, IP e o entregue pela executada, concluindo que o valor a liquidar se cifra em 8.652,44 €.

4. Fundamentação de direito

Como se indicou acima, a única questão que se coloca a este Tribunal é a da relevância das quantias auferidas pelo exequente a título de «cláusula 74.ª» e «subsídio TIR» no cômputo das denominadas retribuições intercalares que a executada foi condenada a pagar àquele.

Vejamos.

Resulta dos factos provados que a executada foi condenada a reintegrar o exequente na categoria que o mesmo detinha à data do despedimento e não no exercício de funções no serviço de transporte rodoviário internacional.
Trata-se de questão que foi expressamente apreciada na acção declarativa e inclusive foi reapreciada em sede de recurso de apelação por este Tribunal.

Com efeito, no âmbito dos autos principais, deu-se como provado, além do mais, que em 5 de Maio de 2008 autor e ré celebraram um acordo denominado de “contrato de trabalho a termo certo”, o qual veio a converter-se em contrato de trabalho sem termo, para exercer as funções de motorista de pesados e ligeiros, por conta e direcção da empregadora – ponto 1 dos factos provados.

A ré pagava ao autor, regularmente, o vencimento base mensal de 582,06 €, acrescido de diuturnidades no valor de 14,98 €, da quantia mensal de 108,74 € (a título de subsídio de TIR, nos termos da Nota constante do anexo II, Tabela de Remunerações Mínimas e seu enquadramento, do CCTV publicado in BTE n.º 30, 1.ª série, de 15.08.1997, pág. 1499), de 298,47 € a título de compensação prevista na cláusula 74.ª, n.º 7, do CCT aplicável), e ainda de uma quantia variável, paga a título de ajudas de custo inerentes à prestação de serviço nos transportes internacionais – ponto 3 dos factos provados.

Durante algum tempo, o autor trabalhou nos transportes internacionais, tendo a ré remunerado, durante esse período, de acordo com esse trabalho – ponto 20 dos factos provados.

Na sequência da celebração, pela ré, de um contrato de prestação de serviços de transporte de combustíveis com um novo cliente, o autor foi novamente afecto ao serviço de transporte nacional de mercadorias perigosas – ponto 22 dos factos provados.
Resulta da fundamentação jurídica da decisão proferida, quanto ao pedido de reintegração na categoria profissional de motorista de transportes internacionais, o seguinte:

“Ora, voltando ao caso dos autos, refere o autor que deve ser reintegrado na categoria profissional de motorista de transportes internacionais.

Sucede que, conforme resulta dos factos provados (e por contraposição aos que resultaram por apurar (a saber resposta restritiva ao ponto 8 dos temas de prova) – veja-se pontos 1, 2, 20 e 22 dos factos provados supra – o que resultou foi que aquando da celebração do contrato de trabalho o autor ficou com a exercer as funções de motorista de pesados e ligeiros, que no âmbito dessas funções de motorista cabe-lhe a condução de veículos pesados com ou sem atrelado, e que durante algum tempo, e por diversas vezes o autor trabalhou nos transportes internacionais e que, durante esse período, foi remunerado em conformidade.

Improcede, desta feita o pedido do autor em ser reintegrado na categoria de motorista de transportes internacionais, devendo a empregadora, reintegrá-lo na categoria correspondente àquela para que foi contratado e que o mesmo detinha na data do despedimento.” (sublinhado actual).

Por seu turno, resulta da fundamentação do Acórdão proferido por esta Relação que “o facto 22 vem esclarecer que o autor teria sido novamente reafecto ao serviço nacional, o que pressupõe que tenha estado durante algum tempo, de que ignoramos a dimensão, afecto ao transporte internacional. Ora, o autor não foi contratado para exercer as funções no transporte internacional, como resulta de forma clara do facto 1, tendo sim sido contratado como motorista de pesados e ligeiros.

O autor alegou que efectuava tal tipo de transporte desde 2010, constando do tema de prova “saber se o trabalhador exercia as funções de motorista de TIR de mercadorias”. Ora apenas resultou provado o que consta do facto 20, vd., Fundamentação. Refere-se na fundamentação aludindo ao que uma testemunha confirmou, que o autor fazia transportes no nacional e internacional, tendo licença de ADR. Não vem demonstrado qualquer acordo no sentido de ter passado para o serviço internacional, nem vem demonstrado durante que período exerceu funções no internacional, se, durante os períodos em que exerceu foi com exclusividade ou não, nem a duração dos períodos.

Assim sendo, não pode concluir-se da factualidade que tenha ocorrido uma alteração da categoria contratada aquando da sua admissão ao serviço da entidade patronal. Por estas e demais razões constantes da decisão recorrida é de manter a mesma.”

Posto isto, conclui-se que ficou decidido, com força de caso julgado, que a executada foi condenada a reintegrar o exequente na categoria que o mesmo detinha à data do despedimento, sendo que então exercia as funções de motorista de pesados no serviço de transporte nacional.

Assim, considerando o conjunto de verbas retributivas que a executada pagava regularmente ao exequente, acima enunciadas, não são devidas as que concernem exclusivamente ao exercício de funções no transporte internacional rodoviário – designadamente as quantias denominadas «cláusula 74.ª» e «subsídio TIR» –, que a executada pagou ao exequente apenas durante o período de tempo em que o mesmo prestou a sua actividade nessa modalidade.

Na verdade, tendo-se alterado – de modo não ilícito, conforme apreciado oportunamente em primeira e segunda instâncias – os pressupostos da prestação do trabalho que importavam o pagamento dos aludidos complementos remuneratórios, que, consequentemente, deixaram de ser pagos pela executada a partir da data da alteração, ainda antes da data do despedimento, nenhum fundamento existe para alicerçar tal pagamento por parte da executada a partir desta segunda data, no âmbito das denominadas retribuições intercalares.
O Apelante parece sustentar que, relativamente aos aludidos complementos remuneratórios, o princípio da irredutibilidade da retribuição é absoluto e opera independentemente do desaparecimento dos pressupostos de facto que estiveram na origem da obrigação de os mesmos serem pagos.

Contudo, não é assim.

Frequentemente ocorrem situações de retribuição mista, composta pelo salário base e por prestações complementares determinadas por contingências especiais de prestação de trabalho (penosidade, perigo, isolamento, toxicidade), pelo rendimento, mérito ou produtividade (individual ou por equipa) ou mesmo por certas situações pessoais dos trabalhadores (antiguidade, diuturnidades)(1).

Ora, no que toca ao princípio da irredutibilidade da retribuição consagrado sucessivamente nos arts. 21.º, n.º 1, al. c) da Lei do Contrato de Trabalho, 122.º, al. d) do Código do Trabalho de 2003 e 129.º n.º 1 al. d) do Código do Trabalho de 2009, o mesmo só incide sobre a retribuição estrita, não abrangendo as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho ou a situações de desempenho específicas (como é o caso da isenção de horário de trabalho), ou a maior trabalho (como ocorre quando se verifica a prestação de trabalho para além do período normal de trabalho), ou à prestação de trabalho em condições mais onerosas, em quantidade ou esforço (como é o caso do trabalho por turnos e do trabalho nocturno), o mesmo sucedendo com as prestações decorrentes de factos relacionados com a assiduidade ou desempenho do trabalhador, cujo pagamento não esteja antecipadamente garantido.

Neste sentido, veja-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2014, proferido no processo n.º 4272/08.4TTLLSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt, no qual, a propósito de não poder ser diminuída a retribuição do trabalhador, salvo nos casos específicos previstos na lei e nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, se refere:

“Porém, a irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares. Com efeito, tal como vem sendo entendimento unânime da nossa Jurisprudência e da nossa Doutrina, o citado princípio, previsto no normativo antes enunciado, não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes ao maior esforço ou penosidade do trabalho, a situações de desempenho específicas (v.g. isenção de horário de trabalho), ou a maior trabalho (trabalho prestado além do período normal de trabalho).

Embora de natureza retributiva, tais remunerações não se encontram submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só serão devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, podendo a entidade empregadora suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.”

Com efeito, embora integrem o conceito de retribuição, tais prestações complementares não se encontram sujeitas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só serão devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, podendo o empregador suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.
Neste mesmo sentido se tem pronunciado a doutrina, designadamente Romano Martinez (2), que ensina que “(…) os complementos salariais que são devidos enquanto contrapartida do modo específico do trabalho – como um subsídio de “penosidade”, de “isolamento”, de “toxicidade”, de “trabalho nocturno”, de “turnos”, de “risco” ou de “isenção de horário de trabalho” – podem ser reduzidos, ou até suprimidos, na exacta medida em que se verifique modificações ou a supressão dos mencionados condicionalismos externos do serviço prestado. O princípio da irredutibilidade da retribuição não obsta a que sejam afectadas as parcelas correspondentes ao maior esforço ou penosidade do trabalho sempre que ocorram, factualmente, modificações ao nível do modo específico de execução da prestação laboral. Tais subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação de base que lhes serve de fundamento.”

Em sentido semelhante, Monteiro Fernandes (3) escreve, a propósito do princípio da irredutibilidade da retribuição e de saber se os “aditivos” determinados pela penosidade, pelo risco e pelo isolamento devem encontrar-se ao abrigo daquele princípio, que “(…) são meras especificações do salário, correspondentes a particularidades da prestação normal do trabalho. Põe-se, no entanto, quanto a tais valores, o problema de saber se, face ao princípio da irredutibilidade da retribuição, eles deverão ser mantidos mesmo quando se alterem as condições externas do serviço prestado (p. ex. se o trabalhador deixa de estar integrado na organização dos turnos (…) A nosso ver a resposta afirmativa conduziria a tão patente absurdo que é forçoso admitir, nestes casos, uma solução específica; especificidade, aliás, bastante relativa, dado que a retribuição-base, está obviamente fora de questão. Assim, e em suma, entendemos que os referidos subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação que lhes serve de fundamento (…)”.

De igual modo, Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho (4) referem que “(…) a irredutibilidade da prestação não pode significar a impossibilidade de retirar a correlativa atribuição patrimonial específica ao trabalhador que deixa de estar adstrito ao regime de turnos, que é transferido para uma cidade, que deixa de trabalhar em condições de risco. A irredutibilidade da retribuição não pode, sob pena de criar situações absurdas (…) ser entendida de modo formalista e desatendendo à substância das situações.”

Podemos, assim, concluir que o empregador pode retirar ao trabalhador determinados complementos salariais, como é o caso dos que visem compensar o trabalho prestado no estrangeiro, em condições de maior penosidade, isolamento e constrangimento da conciliação da vida profissional do trabalhador com a sua vida privada, desde que cesse, licitamente, a situação que fundamentou a sua atribuição.

Nestes casos não ocorre qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, já que este está limitado ao sentido estrito do conceito de retribuição, ou seja, à retribuição em sentido próprio, e aqueles complementos correspondem a um modo particular (no estrangeiro) de prestação do trabalho de motorista de veículos de mercadorias, cuja justificação apenas persiste enquanto se mantiver a situação que lhes serve de fundamento.
Por todo o exposto, soçobra necessariamente o recurso.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, e, em consequência, em confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Apelante.
Guimarães, 14 de Junho de 2018

(Alda Martins)
(Eduardo Azevedo)
(Vera Sottomayor)


Sumário (elaborado pela Relatora):

I – O princípio da irredutibilidade da retribuição não incide sobre a globalidade da retribuição mas apenas sobre a retribuição estrita, não abrangendo as parcelas correspondentes a maior penosidade do trabalho, a situações de desempenho em condições específicas ou a situações de trabalho prestado fora do período normal de trabalho, podendo o empregador suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.
II – Tendo um motorista de veículos de mercadorias deixado de prestar trabalho no serviço de transporte internacional e voltado a exercer funções no serviço de transporte nacional, sem que se tenha demonstrado a ilicitude da alteração, o empregador não está obrigado a continuar a pagar-lhe os complementos denominados «cláusula 74.ª» e «subsídio TIR».


(Alda Martins)


1. Bernardo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, Verbo, p. 387.
2. Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, p. 595.
3. Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, p. 471.
4. Comentário às Leis do Trabalho, vol. I, Lex, p. 100.