Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1120/16.5T8VRL.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ACIDENTE DE TRABALHO
TRABALHO AGRÍCOLA
RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/31/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I –Prestando o sinistrado à data do acidente, trabalho eventual/não regular decorrente da actividade agrícola ocasional e não resultando da factualidade apurada o valor da retribuição anual para efeitos de reparação de acidente de trabalho, cabe-nos socorrer do disposto no n.º 5 do artigo 71º da NLAT, incumbindo assim ao juiz, segundo o seu prudente arbítrio, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria do sinistrado e os usos determinar a retribuição anual para efeitos de cálculo das indemnizações e pensões devidas.

II – Visando a reparação do acidente de trabalho compensar o trabalhador pela diminuição da capacidade para o trabalho e correspondendo àquela à capacidade de auferir €50,00 por dia é de fixar a retribuição anual da seguinte forma: €50,00 x 30 dias x 14meses.
Decisão Texto Integral:
APELANTES: X – SUCURSAL EM PORTUGAL
MINISTÉRIO PÚBLICO

Comarca de Vila Real, Juízo do Trabalho de Vila Real, J2

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

JOSÉ, residente na Rua …, Carrazeda de Montenegro, com o patrocínio do Ministério Público, intentou ação especial emergente de acidente de trabalho contra

X – SUCURSAL EM PORTUGAL, com sede na Rua …, em Lisboa, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe:

a) O capital de remição de pensão anual e vitalícia no valor de €472,58 (devida em razão da atribuída desvalorização/IPP);
b) A quantia de €1891,85, a título de indemnização (em falta) por ITs;
c) A importância de €80,00, a título de indemnização por despesas com deslocações directamente ocasionadas por este processo;
d) Os correspectivos juros moratórios, incidentes sobre todas e cada uma das aqui reclamadas prestações.

Para o efeito alegou no essencial que no dia 8/04/2016, cerca das 09.15 horas, quando se encontrava em ..., Valpaços, a desempenhar a sua actividade de trabalhador rural/agrícola sob as ordens direcção e fiscalização do seu empregador L. L., ao proceder ao corte de castanheiros com uma motosserra, escorregou, vindo a ser atingido no braço e mão esquerdas pela lâmina daquele instrumento, o que lhe causou lesões que originaram períodos de incapacidade temporária e a IPP de 3% a partir de 3/07/2016. Na altura auferia a retribuição diária de €50,00, por 8 horas de trabalho.

O empregador do sinistrado tinha transferido a sua responsabilidade infortunística decorrente de acidente de trabalho para a Ré Seguradora com base numa retribuição diária de €53,58, correspondente à retribuição anual de €22.503,60. A Ré liquidou ao Autor as indemnizações referentes aos períodos de incapacidades temporárias, razão pela qual o Autor reclama as diferenças entre o que recebeu e o que deveria ter recebido.

A Ré veio contestar, alegando em resumo que no âmbito do contrato de seguro encontrava-se garantida a retribuição diária dos trabalhadores do empregador com o limite de €1.478,81. O segurado indica à companhia de seguros qual o montante máximo diário que cada trabalhador poderá auferir, figurando tais verbas como tectos máximos de retribuição diária garantida. O autor era um trabalhador ocasional, ou seja trabalhava à jorna e apenas pontualmente. Alega ainda que que a situação sub judice não configura uma situação de trabalho a tempo parcial pelo que não se tendo apurado qual a retribuição auferida pelo sinistrado no ano anterior ao do acidente, terá de se considerar o montante correspondente à retribuição mínima mensal garantida à data do acidente como sendo a retribuição auferida pelo sinistrado.
*
Foi proferido despacho saneador com elaboração da matéria assente e da base instrutória, que foi objecto de reclamação, que veio a ser deferida.
Foi ordenado o desdobramento dos autos, tendo corrido o apenso para determinação da incapacidade do sinistrado que foi fixada em 3%.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e por fim, foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:

“Por todo o exposto, julga-se parcialmente procedente a presente acção e, em conformidade, decide-se:

1.- Declarar que o sinistrado JOSÉ sofreu um acidente de trabalho, por via do qual ficou afectado de uma I.P.P. de 3%.
2. - Em consequência, condena-se a ré seguradora “X – SUCURSAL EM PORTUGAL”, a pagar ao referido sinistrado

a)- o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de €324,40 (trezentos e vinte e quatro euros e quarenta cêntimos), a partir de 04/07/2016, inclusive – cfr. art. 48º, nº.3, alínea c) e art. 75º, nº.1, ambos da Lei nº 98/2009, de 04/09 -, acrescido de juros, à taxa legal, desde essa data e até integral pagamento;
b)- o montante global de €1.000,88 (mil euros e oitenta e oito cêntimos), a título de indemnização/diferença por IT´s., acrescido de juros, à taxa legal, desde do dia seguinte ao do acidente e até integral pagamento;
c)- a quantia de €80,00 (oitenta euros), a título de despesas com transportes obrigatórios - art. 39º, nº.1, da Lei nº. 98/2009, de 04/09 -, acrescida de juros, á taxa legal, desde 9/02/2017 (data seguinte à realização da tentativa de conciliação – cfr. fls. 46) e até integral pagamento.
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2. Declarar a pensão supra referida obrigatoriamente remível – cfr. art. 75º, nº. 1 da Lei nº. 98/2009, de 04/09.
Custas a cargo da entidade seguradora - arts. 527º, nºs. 1 e 2 do CPC e 17º, nº. 8, do Regulamento das Custas Processuais.
Nos termos do artº. 120º. do C.P.T. fixa-se á acção o valor de €6.694,62.
Registe e Notifique.
Oportunamente, proceda ao cálculo e entrega do Capital de Remição.”
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Inconformados com esta decisão apelaram para este Tribunal da Relação de Guimarães, quer a Ré Seguradora, quer o Ministério Público.

A Ré Seguradora apresentou as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:

– O presente recurso incide, prima facie, sobre o julgamento da matéria de facto.

- Os factos constantes das alíneas a) e b) dos factos não provados devem passar a“provados” – cfr. art.º 640.º n.º 1 do C.P.C.

- Foi produzida prova segura e credível que impõe uma decisão diversa da recorrida.

- O Autor, ouvido em depoimento de parte, CONFESSOU que se encontrava desempregado, ao referir que “nunca teve emprego certo para uma entidade empregadora, nem qualquer vencimento certo mensal”

– Confessou igualmente “que a retribuição auferida mensalmente, com referência ao ano anterior ao acidente, não atingia o valor de retribuição mínima garantida (salário mínimo nacional)” - cfr. acta de audiência de julgamento de fls .

- O depoimento de parte é o instrumento processual destinado a provocar a confissão judicial (art.º 452.º do C.P.C.), a qual tem força probatória plena contra o confitente.

- Atenta a prova produzida nestes autos, mormente o depoimento do Autor, os factos constantes das alíneas a) e b) dos factos “não provados”, deverão passar a “provados”.

- O presente recurso incide igualmente sobre a matéria de direito, mais precisamente sobre o rendimento a considerar na atribuição da pensão ao Autor.

- O Exmo. Sr. Juiz a quo, para efeitos de cálculo da retribuição anual auferida pelo A., atendeu à quantia de Eur. 15 400, 00, o que não se pode aceitar.

10ª - A relação laboral existente entre o Empregador e o sinistrado sub judice configura uma relação de trabalho agrícola sazonal, pontual e eventual, que resulta de uma concreta e esporádica necessidade pontual da entidade empregadora na contratação de mão-de-obra para épocas de lavoura específicas.

11ª – No trabalho agrícola sazonal os trabalhadores auferem um montante diverso da sua retribuição normal e não recebem uma remuneração mensal. Foi o caso!

12ª - O A. não trabalhava para o empregador de forma permanente, sendo trabalhador ocasional, estando na ocasião do sinistro previsto que iria trabalhar mais um ou dois dias.

13ª - Ficcionar que o Autor auferia Eur. 1 100, 00 por mês e Eur. 15 400, 00 por ano ao serviço da Empregadora não corresponde à realidade dos factos, não respeita a letra e o espírito da lei, nem o sentido de justiça aplicável ao caso.

14ª - Ao ficcionar um rendimento mensal de Eur. 1 100, 00 e anual de Eur. 15 400, 00, o A. beneficia de um injusto proveito, que não se pode aceitar.

15ª – Nos termos do disposto no art.º 71.º n.º 4 da LAT “se a retribuição correspondente ao dia do acidente for diferente da retribuição normal, esta é calculada pela média dos dias de trabalho e a respectiva retribuição auferida pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente”. Esta é a solução legal para o caso!

16ª - No ano de 2016, o A. auferiu apenas a quantia de Eur. 50, 00 – cfr. certidão da autoridade tributária de fls.

17ª - Como a lei estabelece como limite o valor da retribuição mínima mensal garantida (art.º 79.º nº 4 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro), que à data do sinistro se cifrava em Eur.530, 00/mês, como base de cálculo para a pensão a fixar ao Autor deverá ser considerado o montante anual de Eur. 7 420, 00 – cfr. Ac.s do T.R.E. de 2.10.2012 (Proc. n.º 349/10.4T2SNS.E1), de 8.11.2012 (Proc. n.º 466/10.0T2SNS.E1) e de 7.12.2012 (Proc. n.º 440/10.7T2SNS.E1).

18ª - Deve assim ser revogada a douta sentença recorrida, por violação, nomeadamente, do disposto nos art.º 71.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, art.º 342.º do Código Civil, art.ºs 154.º e 607.º n.º 5 do Código de Processo Civil e art.ºs 142.º e 150.º do Código do Trabalho que deveriam ter sido aplicados ou interpretados em conformidade com o alegado nas conclusões supra.

Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, que Vossas Exª.s doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência, revogada a douta decisão recorrida, devendo, em sua substituição, ser lavrado douto Acórdão que julgue procedentes as conclusões do presente recurso, com as legais consequências, como é da mais inteira J U S T I Ç A!”


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Por seu turno o Ministério Público apresentou as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:

1ª) A douta sentença recorrida considerou como assente que, à data do nestes autos participado acidente, o sinistrado era trabalhador agrícola ocasional/eventual do empregador e que pela correspondente actividade auferia uma retribuição diária no valor de €.50;
2ª) Que o empregador havia transferido, no âmbito do pertinente seguro de acidentes de trabalho (de agricultura, genérico e por área) a sua responsabilidade infortunística, com base numa retribuição diária (máxima) de €.53,58 para trabalhadores (homens);
3ª) E que o mesmo acidente determinou ao sinistrado 53 dias de ITA, 14 dias de ITP, com redução de 50%, 18 dias de ITP com redução de 30% e uma IPP de 3%;
4ª) Para efeitos da legislação infortunístico-laboral e à luz das finalidades por ela visadas, o desenvolvimento de actividade nos acima indicados termos reconduz-se ou equivale à prestação de trabalho a tempo parcial;
5ª) Donde que, não tendo sido alegada, nem provada a vinculação do sinistrado a mais do que um empregador, o cálculo da indemnização por incapacidade temporária e da pensão por IPP que lhe são devidas deve basear-se na retribuição que auferiria se trabalhasse a tempo inteiro (cfr. artº 71º, nº 9 da LAT);
6ª) Devendo o apuramento (i) da retribuição mensal que então lhe corresponderia fazer-se multiplicando por 30 dias o valor da respectiva retribuição diária e o (ii) da retribuição anual através da multiplicação por 14 meses da determinada retribuição mensal – de que resulta, “in casu”, uma retribuição mensal de
€.1500 (€.50 x 30) e anual de €.21000 (€.1500 x 14 meses) (cfr. artº 71º, nºs 1, 2 e 3 da LAT);
7ª) Sucede que o Sr. Juiz recorrido veio a achar a ficcionada retribuição mensal do sinistrado com base na multiplicação da sua retribuição diária não pelos 30 dias de calendário, mas apenas por 22 dias, assim chegando a valores de retribuição mensal (€.1100) e anual (€.15400) inferiores aos aqui atendíveis, com a consequente repercussão/diminuição do montante das prestações infortunísticas calculadas com referência à última (retribuição anual);
8ª) Ponderação que, sob o prisma interpretativo da atrás (corpo alegatório) sinalizada orientação jurisprudencial seguida a esse respeito - defendendo a determinação da ficcionada retribuição mensal por trabalho a tempo inteiro de sinistrado prestador de actividade eventual/irregular remunerada ao dia, com base na multiplicação por 30 dias do valor da respectiva retribuição diária -, traduz desaplicação do preceituado no artº 71º, nºs 2 e 9 da LAT;
9ª) Neste entendimento, deverá, na procedência do presente recurso, revogar-se a douta sentença recorrida na aqui questionada parte e substituir-se a mesma por outra que (i) proceda ao apuramento da retribuição anual do sinistrado com base numa retribuição mensal obtida através da multiplicação por 30 dias da sua comprovada retribuição diária – de que resulta um valor de retribuição anual atendível, nesta sede, de €.210000 (€.50 x 30 dias x 14 meses) - e (ii) determine, subsequentemente (relevando para o efeito o indicado valor anual), as indemnizações por ITs e a pensão anual e vitalícia que lhe são devidas.”
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O Autor com o patrocínio do Ministério Público apresentou contra-alegação para defender a improcedência do recurso interposto pela Ré.
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Admitidos os recursos na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta Relação.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil e foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II – DO OBJECTO DOS RECURSOS

São dois os Recursos trazidos à nossa apreciação, um interposto pela Ré Seguradora outro interposto pelo Ministério Público, pelo que iremos analisar cada um dos recursos respeitando a ordem da respectiva interposição.

Delimitado o objeto dos recursos pelas conclusões dos recorrentes (artigos 608º n.º 2, 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3, toos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, nos recursos interpostos sobre a sentença recorrida, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

Apelação da Ré Seguradora

1 - Da alteração da matéria de facto;

Apelação da Ré Seguradora e Apelação do Autor

2 - Do valor da retribuição anual a considerar para efeitos de cálculo de indemnizações e pensão decorrente de acidente de trabalho;

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Consideram-se provados os seguintes factos:

1. O autor exerce a sua actividade profissional de jornaleiro/trabalhador agrícola/rural por conta de outrem.
2. No dia 08/04/2016, cerca das 9H15, estando o sinistrado no exercício dessa sua actividade, em ..., Valpaços, a cortar castanheiros com uma motosserra, para o empregador L. L., residente em Rua …, que o havia contratado para sob as suas ordens, direcção e fiscalização executar essas funções, escorregou, vindo a ser atingido no braço e mão esquerdas pela lâmina da motosserra, resultando desse evento para o sinistrado as lesões descritas e examinadas no relatório pericial elaborado pelo GML - constante de 26 a 26 verso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.
3. Como consequência directa e necessária das lesões sofridas, o autor esteve com ITA (incapacidade temporária absoluta) no período compreendido entre os dias 09/04/2016 e 31/05/2016 (53 dias); com ITP de 50% (incapacidade temporária parcial), no período compreendido entre 01/06/2016 e 14/06/2016 (14 dias) e com ITP de 30%, no período compreendido entre 15/06/2016 e 02/07/2016 (18 dias).
4. À data do acidente o sinistrado era trabalhador ocasional/eventual do referido L. L./empregador, desempenhando tal actividade, por conta e em benefício deste, em função das tarefas agrícolas para que era chamado e que importava realizar.
5. A responsabilidade infortunístico/laboral encontrava-se transferida, pelo referido empregador, para a ré/entidade seguradora, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº 4458585, com base numa retribuição diária para trabalhadores (homens) de €53,58.
6. A ré/seguradora liquidou ao autor/sinistrado a quantia de €930,65, a título de indemnização por ITs.
7. O Autor/sinistrado despendeu, com transportes e alimentação para efeito de comparecimento em actos processuais determinados no âmbito do presente processo, a quantia de €80,00.
8. No âmbito da tentativa de conciliação realizada na fase conciliatória, a Ré/entidade seguradora aceitou:

a) A existência do acima relatado evento infortunístico e a sua caracterização como acidente de trabalho;
b) O nexo de causalidade entre tal acidente e as lesões sofridas pelo sinistrado;
c) A quantia de €80,00, reclamada a título de indemnização por despesas com deslocações e alimentação;
d) A vigência, à data do acidente em questão, do respectivo contrato de seguro e a cobertura de tal sinistro pelo mesmo (contrato).
9. A ré não aceitou:

a) O grau de desvalorização atribuído ao Autor/sinistrado pelo GML e relevado na proposta de acordo então formulada pelo Ministério Público (de 3%);
b) O (ficcionado) valor da retribuição anual do Autor/sinistrado levado à então formulada proposta de acordo, de €19566,70 (€53,58 x 365 dias); e, consequentemente,
c) Os correspondentes montantes indemnizatórios.
10. A consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo autor/sinistrado ocorreu a 03/07/2016.
11. O autor nasceu a 16 de Novembro de 1990.
12. O autor na sua actividade profissional de jornaleiro/trabalhador agrícola/rural por conta de outrem, auferia a retribuição diária de €50,00, por 8 horas de trabalho efectivo.
13. Na execução da tarefa que estava a levar a efeito, nas circunstâncias referidas em 2., era esse o valor da retribuição/dia acordado com o empregador L. L..
14. O autor/sinistrado, após alta clínica, ficou com sequelas valoráveis à luz da TNI e como um grau de incapacidade permanente parcial para o trabalho de (IPP) de 3%.

IV – APRECIAÇÃO DOS RECURSOS

Do recurso da Ré Seguradora

1 - Da alteração da matéria de facto

A Recorrente/Apelante, Companhia de Seguros, pretende a alteração da decisão sobre a matéria de facto, quanto à resposta negativa dada aos artigos 4.º e 5.º da base instrutória, uma vez que em sua opinião tais factos foram confessados pelo autor, pelo que não podem deixar de ser considerados como provados.

Nos artigos 4.º e 5.º da base instrutória perguntava-se o seguinte:

“4.º O autor encontrava-se desempregado à data do sinistro?
5.º A retribuição mensal auferida pelo autor, no período de um ano anterior ao dia do acidente, não era superior ao salário mínimo nacional?”

O Autor prestou depoimento de parte tendo o mesmo incidido sobre os aludidos factos que agora se pretende que sejam dados como provados.
O Mmº Juiz a quo não considerou que o autor tivesse confessado tais factos, no entanto a este propósito na acta de audiência de julgamento consignou o seguinte:

“O Autor, aos artigos 4.º e 5.º da base instrutória, referiu que nunca teve emprego certo para uma entidade empregadora, nem qualquer vencimento certo mensal.
Que deixou de estudar e tentou arranjar trabalho no estrangeiro, mas não conseguiu e que a sua actividade resumia-se a dar jeiras na agricultura a quem o chamasse para executar essas tarefas.
Que sempre esteve disponível para trabalhar à jeira para quem o chamasse, referiu ainda que a retribuição auferida mensalmente, com referência ao ano anterior ao acidente, não atingia o valor de retribuição mínima garantida (salário mínimo nacional).
Referiu ainda que havia meses que não trabalhou por não ser chamado para trabalhar e nos meses em que trabalhava, nunca o fazia mais do que uma semana.”

Sobre esta assentada não foi formulada pelas partes qualquer reclamação.

Em sede de motivação da matéria de facto a este propósito o tribunal a quo pronunciou-se nos seguintes termos:

O autor, JOSÉ, prestou depoimento pessoal e declarações de parte, tendo confirmado trabalhar há anos à jeira na agricultura, recebendo a quantia de €50,00/dia (8 horas de trabalho), não tendo ideia quantos dias trabalhava ao mês. Que no dia do acidente estava a trabalhar para o Sr. L. L. e o salário do dia era de €50,00, por 8 horas de trabalho.
(…)

Relativamente à matéria dada como não provada (situação de desemprego do autor e uma salário anterior não superior ao salário mínimo nacional), considerou o tribunal, que nenhuma prova foi feita quanto a essa factualidade, sendo certo que, do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, não se pode concluir que o autor se encontrasse na situação de desemprego, porquanto como por si e restantes testemunhas foi referido, a sua actividade como trabalhador à jeira na agricultura era feito, desde sempre, de forma irregular (alguns dias por mês), dependendo o seu rendimento da maior ou menor regularidade a que era chamado a trabalhar.

Considerou o tribunal, relativamente à factualidade provada e à não provada, o ónus que incumbia a cada uma das partes.”

Ora, depois de termos ouvido o depoimento de parte prestado pelo autor, bem como os demais depoimentos prestados em audiência de julgamento, afigura-se-nos dizer o seguinte:

Por um lado, o autor efectivamente afirmou que antes do acidente estava desempregado, que não tinha emprego certo, mas andava à jeira sempre que o chamavam, querendo com isto dizer que considerava estar desempregado porque só trabalhava de vez em quando, tal como resulta da assentada do seu depoimento, que não foi objecto de qualquer reclamação.

Mais afirmou no que respeita à retribuição por si auferida que o seu salário mensal não era superior ao salário mínimo nacional, sem conseguir precisar com que frequência era chamado para trabalhar à jeira, não conseguindo sequer precisar ou estimar, com o mínimo de certeza ou rigor, quantos dias trabalhava por mês.

Por outro lado, as testemunhas inquiridas em audiência de julgamento revelaram ter conhecimento de que efectivamente o autor trabalhava à jeira na agricultura, auferindo um valor diário de cerca de €50,00, correspondente a 8 horas de trabalho, não resultando dos seus depoimentos que este trabalho à jeira fosse prestado de longe a longe, mas ao invés tudo indica que parte da família do autor (pai e irmão) trabalhavam, tal como o autor de forma frequente à jeira na agricultura, sendo com esses rendimentos que faziam face às suas despesas correntes e do seus agregados familiares, não podendo por isso concluir-se que o autor só trabalharia à jeira muito esporadicamente.

Por fim, quer porque em face do depoimento do autor não podemos considerar que este tenha confessado de forma espontânea, livre e sem reservas os factos que se pretendiam agora dar como provados, quer porque os depoimentos das testemunhas inquiridas em julgamento se revelaram de manifestamente insuficientes para concluirmos que o autor à data do acidente não só estava desempregado, como o valor da sua retribuição mensal, não era superior ao salário mínimo nacional, bem andou o tribunal a quo ao dar tais factos como não provados.

Na verdade, o autor considerou-se como sendo desempregado por nunca ter tido emprego certo, mas convenhamos que esse facto é manifestamente insuficiente para se concluir pela situação de desemprego à data do acidente, quando efectivamente foi no exercício das funções para as quais foi contratado que ocorreu o acidente, sendo ainda certo que sempre trabalhou à jeira.

Importa reter que desemprego significa falta de emprego ou falta de ocupação, que pode assumir várias formas a saber: cíclica, estacional/sazonal, friccional e estrutural.
Ora, ainda que pudéssemos incluir o Autor como sendo um desempregado sazonal, o certo é que os factos apurados inclusive o seu depoimento não nos permite concluir que o mesmo tivesse falta de trabalho ou falta de ocupação.

No que respeita ao valor da retribuição auferida pelo trabalho à jeira, ainda que o autor tivesse afirmado que o seu salário mensal não era superior ao salário mínimo nacional, o fez sem qualquer convicção e revelando até algum desconhecimento sobre tal valor, é certo que bastaria trabalhar metade do mês à jeira, para que atento o montante diário liquidado (€50,00) ultrapassasse o valor do rendimento mensal mínimo garantido.

Em suma, os meios de prova invocados pela Recorrente/Apelante não impõe de forma alguma decisão diversa sobre a factualidade em causa, razão pela improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Mantendo-se assim inalterada a matéria de facto apurada, passemos à análise da questão referente ao valor da retribuição anual a considerar para efeitos de cálculo de indemnizações e pensão decorrente de acidente de trabalho, questão esta que é objecto dos dois recursos interpostos, ainda que com perspectivas diferentes e que por nós será apreciada em simultâneo.

2 - Do valor da retribuição anual do Autor a atender para efeitos de cálculo de indemnizações e pensão decorrente de acidente de trabalho

Importa desde já deixar consignado que por o acidente a que os autos se reportam ter ocorrido no dia 8 de Abril de 2016, a Lei aplicável, no que respeita ao regime dos acidentes de trabalho é a Lei n.º 98/2009 de 4/09 (NLAT) que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do art. 284º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12/02.

Sendo incontroverso, porque aceite por todos os intervenientes, que o acidente sofrido pelo Autor no dia 8/04/2016 é de trabalho, tal como resulta do disposto do artigo 8º n.º 1 da NLAT, coloca-se, à apreciação deste Tribunal da Relação, apenas a questão de saber qual a retribuição anual do Autor a atender para efeitos do cálculo da indemnização pela incapacidade temporária e para efeitos de cálculo de pensão por incapacidade permanente parcial de que ficou portador.

Com relevo para apreciação desta questão, resulta da factualidade provada que à data do acidente o sinistrado era trabalhador ocasional/eventual do L. L./empregador, prestava as tarefas agrícolas para que era chamado e que importava realizar, encontrando-se na altura a cortar castanheiros com uma motosserra, auferindo como contrapartida a retribuição diária de €50,00, por 8 horas de trabalho efectivo.

Mais resultou da factualidade apurada que à data do acidente a responsabilidade infortunística/laboral encontrava-se transferida pelo empregador do sinistrado, para a Ré seguradora, através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 4458585, com base numa retribuição diária para trabalhadores (homens) de €53,58.

Do confronto destes factos apurados conjugados com as regras da experiência, podemos inferir, sem margem para grandes dúvidas, que, a actividade desempenhada pelo sinistrado, por conta de outrem, à data do acidente era uma actividade sazonal, não regular, tendo como única referência a remuneração diária de €50,00.

Em situação idêntica nos pronunciamos no acórdão de 20-10-2016, proferido no processo 282/14.0TTVRL (consultável www.dgsi.pt), no qual, se lançou mão do disposto no art.º 71º, n.º 5 da Lei 98/2009, de 04.09, tendo presente na decisão a proferir a ideia de que se visa com a reparação do acidente de trabalho a compensação do trabalhador pela diminuição da capacidade laboral e de ganho, na perspectiva de que o acidente de trabalho não afecta apenas a capacidade de trabalho para aquela actividade desempenhada ocasionalmente, mas também para qualquer outra actividade que o trabalhador pudesse exercer no restante período normal de trabalho.
Passamos então a transcrever, no que a este propósito aí se fez consignar:

“Dispõe o artigo 71º da NLAT o seguinte:

«1 – A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente.
2 – Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
3 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.
4 - Se a retribuição correspondente ao dia do acidente for diferente da retribuição normal, esta é calculada pela média dos dias de trabalho e a respectiva retribuição auferida pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente.
5- Na falta dos elementos indicados nos números anteriores, o cálculo faz-se segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos.
6- (…).
7 – (…)
8 - O disposto nos n.ºs 4 e 5 artigo é aplicável ao trabalho não regular e ao trabalhador a tempo parcial vinculado a mais de um empregador.
9 – (…)
10 – (…)
11- Em nenhum caso a retribuição pode ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho».

Do citado n.º 1 do artigo 71º da NLAT resulta que quer a indemnização por incapacidade temporária, quer a pensão por acidente de trabalho devem ser calculadas tendo por base a retribuição anual ilíquida “normalmente” recebida pelo sinistrado, ou seja, a retribuição que por regra era recebida pelo sinistrado, tendo em conta os elementos constitutivos desta e a sua permanência, está em causa o carácter normal, e não excepcional ou esporádico da retribuição.

Tal como se fez consignar no Acórdão do Tribunal da Relação e Évora proferido no Proc. Nº 349/10.4T2SNS.E1, ainda que proferido ao abrigo da anterior Lei n.º 100/97, de 13/09, mas que mantêm aqui a sua actualidade “ao aludir a retribuição anual ilíquida, a lei não pretende significar que se deva atender à retribuição efectivamente auferida pelo sinistrado durante um ano: basta atentar que o trabalhador pode ser vítima de um acidente de trabalho logo num dos primeiros dias em que inicia a actividade para uma determinada entidade empregadora e nem por isso no cálculo da pensão a que o mesmo tenha direito deixará de se ter em conta a retribuição que normalmente ele auferiria nesse ano; o que a lei pretende ao estatuir que se atenda à retribuição anual ilíquida é, por um lado, determinar o cálculo da retribuição tendo por base um determinado período temporal e, por outro, precisar que essa retribuição a atender é ilíquida e não líquida. É nesta linha de entendimento que o número 4 do artigo 26.º manda atender, para efeitos de cálculo da retribuição anual não à retribuição concreta, mas ao “produto” (valor abstracto) que resulta da multiplicação por 12 vezes a retribuição mensal, acrescida dos subsídios de férias e de Natal e outras remunerações anuais que revistam carácter de regularidade.

Por sua vez, de acordo com o n.º 9 do artigo 26.º, estando em causa um trabalho não regular, aplica-se o disposto no n.º 5 do mesmo artigo, que determina que se a retribuição correspondente ao dia do acidente não representar a retribuição normal, será calculada pela média tomada com base nos dias de trabalho e correspondente a retribuições auferidas pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente; e na falta destes elementos, o cálculo far-se-á segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos.”

A retribuição anual da Autora terá de ser encontrada nos termos acima mencionados.

No caso em apreciação está em causa um trabalho sazonal (apanha da azeitona), pelo que há-de considerar-se não regular.

Desconhecemos quantos dias a Autora trabalhava, sabemos apenas que quando a 2ª Ré a chamava, ia trabalhar e nesses dias auferia a retribuição de € 25,00, sendo por isso essa a retribuição do dia do acidente. Tal significa que a capacidade de ganho da Autora era de €25,00 por dia. Importa ter presente que a atribuição da pensão por acidente de trabalho visa compensar o trabalhador pela sua diminuição da capacidade laboral: assim, se essa limitação corresponde a um ganho de €25,00, devemos para efeito de reparação atender a tal montante.

Considerando que a pensão é fixada anualmente, tendo em conta a retribuição anual, será aquele valor diário que resulta da multiplicação por 30 dias, o valor da retribuição mensal e esta deverá ser multiplicada por 12 vezes, acrescida dos subsídios de férias e de Natal e outras remunerações anuais que revistam carácter de regularidade durante um ano, que terá de se atender para cálculo da pensão

Ora, atendendo à natureza do trabalho levado a cabo pela autora, trabalho este não regular, a natureza dos serviços prestados – apanha da azeitona -, a categoria profissional da Autora – trabalhadora rural -, o facto deste tipo de trabalho ter de ser feito em determinada época do ano, ter de ser efetuado com alguma celeridade, o que leva à contratação ocasional, normalmente mais bem paga do que o vulgar trabalho rural ou agrícola, consideramos que, para efeitos de cálculo da retribuição anual auferida pela Autora e tendo presente o disposto o mencionado n.º 5 e em conformidade com o disposto nos n.ºs 1 a 3, todos do referido art. 71º da NLAT, a retribuição diária auferida pela Autora deverá ser multiplicada por 30 dias e o seu produto multiplicado por 14 meses por ano. Ou seja, entende-se que a Autora auferia a retribuição mensal de €750,00, a que corresponde uma retribuição anual de €10.500,00 (€750,00 x 14 meses por ano), por considerarmos ser esta retribuição equilibrada em função da contratação efetuada e que servirá como base de cálculo para as indemnizações devidas à A. em consequência do acidente por ela sofrido.

(…)
Em suma, voltamos a afirmar que a reparação do acidente de trabalho visa compensar o trabalhador pela diminuição da capacidade laboral e se tal capacidade correspondia à capacidade para ganhar €25,00 por dia, ainda que seja no desempenho de uma actividade sazonal, não regular, sem que tenha sido possível apurar quantos dias a Autora trabalhou, é de fixar a retribuição anual tendo em conta aquele valor diário vezes 30 dias por mês, vezes, 14 meses por ano, improcedendo assim a pretendida fixação da retribuição tendo em conta o salario mínimo nacional.”

Neste sentido já este Tribunal da Relação se tinha pronunciado designadamente no acórdão de 2-06-2016, proferido no Proc.º n.º 151/14.4TTVRL.G1, consultável em www.dgsi.pt, no qual se defendeu que a reparação do acidente de trabalho visa compensar o trabalhador pela diminuição da capacidade laboral e de ganho, ainda que no caso se tenha procedido à equiparação do trabalho sazonal ao trabalho a tempo parcial com a consequente aplicação do nº 9 do art.º 71º da NLAT nos seguintes termos:

“Deverá o cálculo das prestações devidas a titulo de indemnização das incapacidades temporárias e de pensão por IPP ter por base a retribuição anual determinada nos termos do n.º 4 do art.º 71 da Lei n.º 98/2009, de 04.09 (LAT), não podendo ir a responsabilidade da seguradora além da retribuição para si transferida pelo R. empregador do sinistrado, no montante anual de € 2.042,12? Ou deverá antes ter-se em conta, como defende a decisão recorrida, a retribuição anual ficcionada aludida no n.º 9 do art.º 71.º da, no montante anual de € 16.800,00 (€ 40,00/d x 30 d x 14 m)?

Dispõe o art.º 71, sob a epigrafe "Cálculo e pagamento das prestações, da LAT, nos n.º 1 a 5 e 9, que:

“(…)
9 - O cálculo das prestações para trabalhadores a tempo parcial tem como base a retribuição que aufeririam se trabalhassem a tempo inteiro.

(…)
Ora, se o contrato por meio do qual o sinistrado presta a actividade pode suscitar dúvidas relativamente à caraterística de tempo parcial, na medida em que este corresponde "a um período normal de trabalho semanal inferior ao praticado a tempo completo em situação comparável" (art.º 150, CT), também a pretensão da R. não encontra arrimo seguro, já que a sazonalidade corresponde ao que é próprio de uma estação do ano, que ocorre sempre em determinada época (cfr. por todos http://www.priberam.pt/dlpo/sazonal), já que a lenha poderá ser cortada em diversas alturas, ainda que porventura seja mais avisado fazê-lo quando se acha seca. Ou seja, esta é uma atividade irregular (um caso de irregularidade e não de sazonalidade é a prevista no art.º 140/2/e, 2ª parte: "outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respetivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima").

Certo é que para haver trabalho a tempo parcial não se mostra necessário que o trabalhador tenha um horário parcial todas as semanas (exceto, evidentemente, períodos de férias): um empregada doméstica que desempenha atividade quinzenalmente (vg um dia por quinzena), não deixa de trabalhar desta forma. Acresce que a prestação da atividade numa determinada época do ano não acarreta que deixe de haver trabalho a tempo parcial (cfr., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-01-2012, proc. 421/06.5TTFIG.C1.S1, no qual a sinistrada se dedicava à sulfatagem de vinhas, mais se provando que "a algumas semanas em que trabalhava todos os dias úteis, sucediam-se semanas em que só trabalhava alguns dias úteis, bem como semanas em que não trabalhava qualquer dia"). Ou seja, ainda é caraterizável a situação como de trabalho a tempo parcial, até porque o trabalhador não cessa, que se conheça, de laborar noutras ocasiões, e nem desenvolve apenas atividade sazonal, isto é, que só possa prestar em determinadas alturas do ano.

Prosseguindo. Como escreveu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-12-2015, no proc. 187/11.7TUVCT.G1.S1, aliás em recurso a decisão desta Relação, in www.dgsi.pt, "se fosse considerada relevante para o cálculo das prestações devidas a trabalhadores a tempo parcial a retribuição efetivamente paga ao sinistrado, ficaria por ressarcir a perda da capacidade de trabalho e de ganho em consequência do acidente, na parte complementar do dia normal de trabalho não ocupado com a atividade prestada ao responsável pela reparação dos danos emergentes do acidente. O que se compreende, uma vez que o acidente de trabalho não afeta apenas a capacidade de trabalho para aquela atividade desempenhada a tempo parcial, mas também para qualquer outra atividade que o trabalhador pudesse exercer no período normal de trabalho, diminuindo-lhe a capacidade de ganho durante todo o tempo possível de desempenho da correspondente atividade profissional. Tal como é sublinhado no acórdão deste Supremo Tribunal, de 19 de junho de 2002, proferido no Processo n.º 2773/01, da 4.ª Secção (Social), «não existe uma relação direta de proporcionalidade entre a duração do horário de trabalho praticado no momento do acidente e a duração das incapacidades deste derivadas: a incapacidade permanente vai afetar o sinistrado para o resto da sua vida ativa, diminuindo-lhe a capacidade de ganho durante todo o tempo possível de exercício de atividade, e não apenas no período de tempo equivalente ao horário parcial vigente aquando da ocorrência do acidente». Daí a razoabilidade da solução enunciada e que o acórdão referido considera válida para todas as situações de trabalho parcial, porque inteiramente alicerçada no «princípio infortunístico da necessidade de repor, por inteiro, a capacidade de ganho da vítima» (cf. CARLOS ALEGRE, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais – Regime Anotado, 2.ª edição. Almedina, Coimbra, 2005, p. 226). Em suma: as prestações a conferir a trabalhadores a tempo parcial devem ser calculadas com base na retribuição correspondente ao período normal de trabalho a tempo inteiro"

Ponderando os factos verificamos que o sinistrado em 21.08.2013 prestava a actividade de trabalhador rural ao empregador D., mediante a retribuição diária de € 40,00, quando sofreu um infortúnio que lhe causou incapacidades para o trabalho. O empregador tinha transferido a sua responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho para a C. mediante um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho por conta de outrem, trabalhadores agrícolas, na modalidade de seguro agrícola genérico, outorgado em 31.10.2008, formalmente titulado pela apólice n.º 4716869, abrangendo um quadro de pessoal de 2 homens, sem nome, e pela retribuição diária de € 51,05.

Dada a factualidade exposta a aplicabilidade do n.º 9 é fundada (e sempre se poderia aplicar regra semelhante, a não ser assim, por via do n.º 5, até porque, como escreveu o Supremo Tribunal de Justiça, no citado acórdão de 12-01-2012, "o que não seria justificável era que o empregador tivesse de suportar o pagamento de um prémio de seguro mais elevado... e... se constituísse um benefício para a seguradora, sem qualquer contrapartida": é que a seguradora, no caso, recebeu pelo valor de diário de € 51,05), que veio a por em causa na tentativa de conciliação.

De onde cabe efetivamente à R. ressarcir o sinistrado nos termos determinados.”

Por fim ainda recentemente este Tribunal da Relação de Guimarães no acórdão de 14-06-2018, proferido no proc. n.º 1040/16.3T8VRL se pronunciou a este propósito dele constando o seguinte sumário:

“1- No caso do trabalhador eventual/ocasional não se podendo concluir pelo valor da retribuição anual para efeitos de reparação de acidente de trabalho deve-se ter em conta o disposto no artº 71º, nº 5 da Lei 98/2009.
2- E se a reparação do acidente de trabalho visa compensar o trabalhador pela diminuição da capacidade laboral, bem como se tal capacidade correspondia à capacidade para ganhar 60,00 por dia, é de fixar a retribuição anual tendo em conta esse valor diário multiplicado por 30 dias e por 14 meses.”

Esta é a posição que temos vindo a subscrever, pois é a que melhor se adequa ao princípio infortunístico da “necessidade de repor por inteiro, a capacidade de ganho da vítima”, não tendo sido alegado pela Recorrente Seguradora qualquer argumento que nos levasse a alterar a posição que temos vindo a defender e sendo certo que ao contrário do pretendido pela Recorrente/Seguradora, não é de considerar o valor do salário mínimo nacional em vigor ao tempo da ocorrência do sinistro, pois os elementos que constam dos autos permitem-nos encontrar um valor superior e proceder ao seu cálculo tendo presente o prudente arbítrio do juiz.

Nem se diga que existe um injusto proveito ao ficcionar a retribuição do sinistrado, pois temos presente a realidade factualizada que se traduz na precaridade e na natureza dos trabalhos prestados pelo sinistrado de cariz agrícola, a prestar em período anual diferenciado, com duração normalmente de vários dias, consoante a natureza da actividade e em face da normalidade do ciclo produtivo, podendo ocupar efectivamente grande parte do ano, sendo por isso pouco relevante a necessidade do gozo efectivo de dias de descanso, feriados e férias e realçando por outro lado a precária situação económica do trabalhador à jeira.

Assim, retornando ao caso em apreço e ponderando a natureza do trabalho prestado pelo sinistrado, trabalho este não regular/ocasional, a categoria profissional do sinistrado – trabalhador rural - o facto deste tipo de trabalho ter de ser feito em determinada época do ano, tendo de ser efectuado com alguma celeridade, o que leva à contratação ocasional, normalmente mais bem paga do que o vulgar trabalho rural ou agrícola e tendo presente o disposto no mencionado n.º 5 e em conformidade com o disposto nos n.ºs 1 a 3, todos do referido art.º 71º da NLAT, é de considerar que a retribuição anual para efeitos de cálculo das prestações (indemnização pelos períodos de incapacidade temporária e pensão), é a correspondente à retribuição que auferiria se trabalhasse a tempo inteiro.

Ou seja, entende-se que o Autor auferia a retribuição mensal de €1.500,00 (€50,00 x 30), a que corresponde uma retribuição anual de €21.000,00 (€1.500,00 x 14 meses por ano), por considerarmos ser esta retribuição equilibrada em função da contratação efectuada, da garantia da reposição por inteiro da capacidade de ganho e que servirá como base de cálculo para as indemnizações devidas ao A. em consequência do acidente por ele sofrido.

Resumindo, voltamos a afirmar que a reparação do acidente de trabalho visa compensar o trabalhador pela diminuição da capacidade laboral e se tal capacidade correspondia à capacidade para ganhar €50,00 por dia, ainda que seja no desempenho de uma actividade ocasional, não regular, não tendo sido possível apurar a retribuição anual efectivamente auferida, é de fixar a tal retribuição tendo em conta aquele valor diário vezes 30 dias por mês, vezes 14 meses por ano.

Improcede assim o recurso interposto pela Ré seguradora e procede o recurso interposto pelo Ministério Público, impondo-se agora proceder a novos cálculos com vista ao apuramento das importâncias efectivamente devidas ao sinistrado.

Em face do exposto e a abrigo dos artigos 48º, nº 3, al. c), 50.º e 75.º n.º 1 da NLAT é devida ao sinistrado a pensão anual e obrigatoriamente remível de €441,00 (€21.000,00x70%x3%), desde 4/07/2016.

No que respeita à indemnização pelos períodos de incapacidade temporária são lhe devidas as seguintes quantias:

- indemnização por 53 dias de ITA = €2.134,52 (21.000,00 x 70% :365 x 53)
- indemnização por 14 dias de ITP de 50% = €281,92 (21.000,00 x 70% :365 x 50% x 14)
- indemnização por 18 dias de ITP de 30% = €217,48 (21.000,00 x 70% :365 x 30% x 18).

Resultando dos factos provados que a título de indemnização por incapacidades temporárias o sinistrado já recebeu €930,65, agora apenas tem a receber a diferença que se cifra em €1.703,27.

V – DECISÃO

Nestes termos, acorda-se neste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela Ré X – SUCURSAL EM PORTUGAL;

Em julgar totalmente procedente o recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e consequentemente revoga-se parcialmente a sentença e condena-se a Ré Seguradora a pagar ao Autor, em substituição do que consta dos pontos 2) alíneas a) e b) do dispositivo da sentença:

a) a pensão anual e obrigatoriamente remível, no montante de €441,00, devida desde 04/07/2016, acrescida de juros, à taxa legal, desde essa data e até integral pagamento;
b) a quantia de €1.703,27, a título de indemnização (diferenças) por incapacidade temporária absoluta e parcial, acrescida de juros, à taxa legal devidos desde o dia do respectivo vencimento e até integral pagamento.
No mais, mantém-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Ré Seguradora.
Guimarães, 31 de Outubro de 2018

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins