Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
588/17.GAVNF.G1
Relator: MÁRIO SILVA
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REVOGAÇÃO
PROCESSO PENDENTE
ARTº 57º
Nº 2
DO CP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1 - O preceituado no art. 57º, nº 2, do CP, constitui uma verdadeira cláusula de salvaguarda.
2 - Assim, tendo presidido à decisão de suspender a execução da pena a finalidade de " afastar o delinquente da prática de novos crimes", a existência de processo pendente por crime, ainda que de diferente natureza, cometido no período da suspensão, impõe que se aguarde a decisão a proferir neste, a fim de, então, apurar o comprometimento daquela finalidade.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

1 - No processo sumário com o nº 588/17.7GAVNF, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão – Juiz 2, foi proferido despacho, datado de 07/12/2019, do seguinte teor (transcrição integral):

I. Relatório

O Ministério Público, a fls. 189, promoveu se revogue a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao condenado H. D. e se determine o cumprimento da aludida pena de prisão, e com base nos fundamentos ali exarados e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
Notificado o condenado do teor daquela promoção veio, o mesmo, pronunciar-se nos termos exarados a fls. 197, defendendo não se ter inscrito no exame de código por dificuldades económicas que o seu agregado familiar tem vindo a atravessar e solicitando nova oportunidade no sentido de vir a inscrever-se em tal exame assim que consiga trabalho remunerado.
*
II. Cumpre decidir.

Com interesse para a decisão é de considerar a seguinte factualidade:

- Por sentença proferida em 11.8.2017 e transitada em julgado aos 02.10.2017, H. D. foi condenado, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 3.1., na pena de 12 (doze) meses de prisão cuja execução se suspendeu pelo período de 1 (um) ano, nos termos do art. 50º, n.ºs 1 e 5, do Código Penal e mediante a regra de conduta de o mesmo frequentar as aulas de código/condução, o que deveria comprovar documentalmente nos autos de 2 em 2 meses – cfr. fls. 47 a 58 e 62;
- O condenado inscreveu-se no dia 12.4.2017, na escola de condução para obtenção da categoria “B” (automóveis ligeiros) – cfr. fls. 73;
- Não tendo sido junto, no reportado prazo de dois meses, qualquer comprovativo aos autos de que o mesmo vinha frequentado as aulas de código/condução foi, por isso, solicitado à escola de condução, identificada nos autos, que informasse se o condenado frequentou aulas de código/condução desde 2.10.2017 – cfr. fls. 74 a 76.
- Em 22.01.2018, veio a escola de condução informar que o arguido não frequentou as referidas aulas – cfr. fls. 77.
- Face àquela informação foi designada data para audição do condenado – cfr. fls. 78, 79 - e o mesmo foi ouvido, por este tribunal, em 07.03.2018, sob detenção, após faltar injustificadamente em 27.02.2018 – cfr. fls. 85 e 86, 90 a 92.
- Após audição do condenado, foi considerado culposo o incumprimento daquela condição, porém, atentas as declarações ali prestadas pelo condenado, o Tribunal entendeu que - não tendo ainda decorrido o período de suspensão da execução da pena de prisão e estando o condenado mais consciente da gravidade do incumprimento das regras de conduta e, ainda, porque manifestou vontade de frequentar de imediato aquelas ditas aulas – seria de dar uma oportunidade ao condenado, porquanto o juízo de prognose favorável efectuado em sede de sentença ainda não estava totalmente comprometido, e foi alterada a regra de conduta para frequência diária das aulas de código necessárias para submissão a exame e inscrição no mesmo, no mais curto prazo possível – cfr. fls. 91 e 92.
- Aos 10.05.2018 veio a escola de condução informar que o condenado, a partir do dia 7.3.2018, frequentou 16 aulas teóricas e 8 práticas e que ainda não se tinha submetido a exame teórico porque não terminou a formação exigida por lei, e o seu horário laboral não é compatível com o horário da formação – cfr. fls. 100.
- Foi novamente ouvido o condenado, esclarecendo que ainda não se tinha submetido a exame por falta de condições económicas para tal – cfr. fls. 107, 108 e 110 - o que foi confirmado pela escola – cfr. fls. 110, sendo que nesta informação fornecida pela escola de condução mais foi reportado que o condenado até então frequentou 21 aulas teóricas e 10 práticas.
- Aos 8.10.2018 o condenado informou aos autos que devido a dificuldades económicas não conseguiu inscrever-se no exame de código – cfr. fls. 131.
- Da informação fornecida pela Segurança Social, e junta a fls. 184, resulta que o condenado, no período entre 4.10.2017 e 31.7.2019, trabalhou por conta de outrem e auferiu as remunerações descritas a fls. 185 a 188, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
- Após análise do print de pesquisa de processos pendentes contra o aqui condenado, concluiu-se que o mesmo, se encontra a ser investigado pela prática de um crime de subtracção de menor em 04.08.2018 no âmbito do processo n.º 2165/18.6JAPRT.
- Do CRC do arguido, junto a fls. 169 e ss., decorre que em 27.03.2019 cometeu novo crime de condução sem habilitação legal, pelo qual veio a ser condenado em pena de 12 meses de prisão substituída por 360 horas de Trabalho a Favor da Comunidade, no processo n.º 252/19.2GAVNF.
- Da certidão junta, em 11.7.2019, aos autos (cfr. fls. 155 e ss.), decorre, ainda, que em 13.06.2019 o condenado cometeu novo crime de condução sem habilitação legal, pelo qual veio a ser condenado em pena de 15 meses de prisão efectiva no processo n.º 190/19.9PFPRT, sendo que daquela certidão constava que a sentença em causa ainda não tinha transitado em julgado.
Apurada a factualidade com interesse para a decisão da questão a decidir vejamos, agora, o enquadramento jurídico.
Em conformidade com o disposto no art. 55º da lei penal substantiva, se, durante o período de suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, pode o Tribunal fazer uma solene advertência [al.a)], exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão [al.b)], impor novos deveres ou regras de conduta [al.c)], ou prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de 1 ano, nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º5 do respectivo art. 50º[al.d)].
Pressuposto material comum à verificação de qualquer uma das consequências legalmente previstas é que o incumprimento das condições de suspensão haja ocorrido com culpa.
Pois bem.
Embora se não ignore que o condenado prestou, em várias ocasiões no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada nestes autos, trabalhos remunerados, também é certo que tais trabalhos não foram contínuos e as respectivas remunerações fixaram-se sempre num limite abaixo da mediania das remunerações em causa no nosso País, ao que acresce que com tais remunerações o condenado teria que fazer face às despesas mais essências com ele próprio e o seu agregado familiar.
Igualmente resulta da informação prestada pela escola de condução que o condenado não se tinha submetido (inscrito) a exame teórico porque não terminou a formação exigida por lei, e o seu horário laboral não é compatível com o horário da formação – cfr. fls. 100 -, e a fls. 110 pela referida escola foi confirmado que o condenado não tinha condições económicas para se sujeitar (inscrever) a exame de código, sendo que mais foi informado que o mesmo frequentou 21 aulas teóricas e 10 práticas naquela escola.
Entendemos, face à factualidade acima exarada, e salvo o devido respeito por opinião contrária, que o incumprimento pelo condenado de se inscrever no aludido exame de código não pode ser considerado culposo.
A inércia do condenado verificou-se na dita falta de inscrição, por dificuldades económicas, no mencionado exame, mas já não na frequência das aulas teóricas e práticas, como de resto atesta a escola de condução, pelo que não podemos concluir que o mesmo persistiu numa atitude de total indiferença perante a condenação.
Isto é, o incumprimento da (de uma das) obrigação imposta – inscrição no exame de código – registou-se num momento em que a respectiva observância não dependia exclusivamente da vontade e iniciativa do arguido, pelo que haverá que concluir-se pela não existência de culpa do condenado, e, por isso, não há lugar à verificação das consequências alternativamente previstas no art. 55º do Código Penal nem da consequência prevista no art. 56º, n.º 1, al. a), do Código Penal.
E, da factualidade acima expendida também resulta que no período da suspensão da execução da pena de prisão o condenado não praticou qualquer crime, pelo qual veio a ser condenado e cuja prática levasse a concluir eu as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (cfr. art. 56º, al. b), do Código Penal).
Destarte, decorrido que se mostra o período de suspensão da pena de prisão aplicada ao condenado, e demonstrado que o condenado nesse período não praticou qualquer crime – cfr. CRC actualizado junto aos autos –, e que o incumprimento da mencionada condição, por parte do condenado, não é culposo, forçoso é declarar extinta a pena aplicada nos autos ao condenado.

III. Decisão.

Pelo exposto, e decorrido que se mostra o período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao condenado sem que haja motivos que conduzam à sua revogação e/ou que importem a sua prorrogação, nos termos acima exarados, declaro extinta a pena aplicada ao condenado – cfr. art. 57º do Código Penal e arts. 55º e 56º, estes “a contrario”, do mesmo diploma legal.
Notifique.
D.n.”
*
2 - Não se conformando com a decisão, o Ministério Público interpôs recurso da mesma, oferecendo as seguintes conclusões (transcrição):

“1. H. D. foi condenado nos presentes autos, por sentença transitada em julgado em 02/10/2017, na pena de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, mediante a regra de conduta de o arguido frequentar aulas de código/condução, o que deveria ser comprovado nos autos de 2 em 2 meses.
2. Não frequentou as referidas aulas, razão pela qual foi ouvido, por este tribunal, em 07/03/2018, sendo tal incumprimento considerado culposo, razão pela qual lhe foi dada uma oportunidade para cumprir, sendo alterada a regra de conduta para frequência diária das aulas de código necessárias para submissão a exame e inscrição no mesmo, no mais curto prazo possível.
3. No entanto, o condenado não se submeteu a exame teórico, o que motivou a sua nova audição, em 16/06/2018, sendo-lhe concedido novo prazo de 2 meses para se apresentar a exame, o que o condenado novamente não fez.
4. O período da suspensão terminaria em 02/10/2018 sem que o arguido cumprisse com o que lhe foi determinado, invocando falta de condições económicas para tal.
5. Porém, resulta do relatório elaborado pela DGRSP bem como das informações prestadas pela Segurança Social, que o condenado, desde o trânsito em julgado da sentença, se manteve profissionalmente activo, auferindo rendimentos, embora de forma intermitente e de montante variável. Resulta também dos autos que a submissão a exame de código rondaria os 200/300 euros.
6. Dispõe o art.º 56.º, n.º 1 que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social.
7. Ora, na situação concreta, verifica-se a existência desta culpa grosseira no incumprimento da condição em que foi condenado, atenta a situação económica e financeira do mesmo bem como o valor a pagar, já que o condenado, apesar de auferir rendimentos, ainda que variáveis, foi incapaz de, durante o período da suspensão e não obstante as oportunidades que lhe foram dadas, fazer o sacrifício de juntar o valor necessário para a realização do exame de código, tal como lhe tinha sido determinado, persistindo numa atitude de total indiferença perante a condenação.
8. É manifesto que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizaram de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que, a Mmª Juíza deveria ter revogado a suspensão da execução da pena de 12 meses de prisão aplicada ao condenado nos presentes autos e ordenado o cumprimento da pena em conformidade com o disposto no artº 56º, nº 1 al. a) do Código Penal.
9. Ainda que assim não se entenda, a pena não deveria ter sido declarada extinta, porquanto tal como resulta dos autos pende contra o condenado o processo n.º 2165/18.6JAPRT no qual o mesmo ser encontra a ser investigado pela pratica, em 04/08/2018, de um crime de subtracção de menor.
10. Pelo que, em conformidade com o disposto no aludido artº 57º, nº2 do Código Penal deveria o tribunal, além do mais, ter aguardado a decisão que viesse a ser proferida em tal processo para só depois decidir pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão ou pela extinção da pena, nos termos do nº 1 do mesmo artigo.
11. Encontram-se violadas as disposições legais previstas nos artsº 55º, 56º, nº1, al. a) e 57, nºs 1 e 2, todos do Código Penal.
12. Em face do exposto a Decisão em apreço deverá ser revogada e substituída por outra que determine:
- a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada a H. D. e ordene o cumprimento da pena de 12 meses de prisão, nos termos do artº 56º, nº1, al. a) do Código Penal.
- se assim não se entender, atenta a pendência do Processo nº 2165/18.6JAPRT no qual o condenado se encontra a ser investigado pela prática de crime cometido no período da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos presentes autos, deverá aguardar-se a decisão que vier a ser proferida em tal processo para só depois decidir pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão ou pela extinção da pena, nos termos do nº 1 do mesmo artigo.

Nestes termos e noutros, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão em apreço, que deverá ser substituída por outra que determine:

- a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada a H. D. e ordene o cumprimento da pena de 12 meses de prisão, nos termos do artº 56º, nº1, al. a) do Código Penal.
- se assim não se entender, atenta a pendência do Processo nº 2165/18.6JAPRT no qual o condenado se encontra a ser investigado pela prática de crime cometido no período da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos presentes autos, deverá aguardar-se a decisão que vier a ser proferida em tal processo para só depois decidir pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão ou pela extinção da pena, nos termos do nº 1 do mesmo artigo, assim se fazendo, como sempre, justiça!
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3 – O arguido/recorrido apresentou resposta ao recurso interposto, concluindo pelo acerto da decisão proferida por, em síntese, a sua conduta ter sido determinada por absoluta carência económica e financeira e por não ter sido condenado por qualquer crime cometido no período da suspensão, pugnando pela total improcedência do mesmo.
4 – Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que pugna pela procedência do recurso, pelo menos na última vertente recursiva, devendo os autos aguardar a decisão a proferir no processo pendente e só depois ser tomada a decisão de revogar a suspensão da execução ou de extinguir a pena.
5 – No âmbito do disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não houve qualquer resposta.
6 – Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso aí dever ser julgado de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº 3, do Código de Processo Penal.
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II – Fundamentação

1 - O objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação - artº 412º, nº 1, do Código de Processo Penal e jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ nº 7/95, de 19/10, publicado no DR de 28/12/1995, série I-A -, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as cominadas com a nulidade de sentença, com vícios da decisão e com nulidades não sanadas - artigos 379º e 410º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal (cfr. Acórdãos do STJ de 25/06/98, in BMJ nº 478, pág. 242; de 03/02/99, in BMJ nº 484, pág. 271; Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, vol. III, págs. 320 e ss; Simas Santos/Leal Henriques, “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 3ª edição, pág. 48).
2 O recorrente discorda do despacho proferido que julgou extinta a pena suspensa aplicada ao arguido, por:
- Ser manifesto que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizaram de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que deveria ter sido revogada a suspensão da execução da pena de 12 meses de prisão aplicada ao condenado e ordenado o cumprimento da pena - artº 56º, nº 1, al. a), do CP;
- Ainda que assim não se entenda, estando pendente um processo em que o arguido é investigado pela prática de crime cometido no período da suspensão da execução da pena de prisão, deverá aguardar-se a decisão que vier a ser proferida em tal processo para só depois decidir pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão ou pela extinção da pena - arts 56º, nº 1, al. b) e 57º, do CP).
3 – Para uma mais completa apreciação, impõe-se efectuar uma síntese do caso em análise:
- O arguido foi condenado – por sentença de 11/08/2017, depositada em 14/08/2017 e transitada em julgado em 02/10/2017 - pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 12 (doze) meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de um ano, mediante a regra de conduta de frequentar as aulas de código/condução, o que deverá comprovar documentalmente, de dois em dois meses (cfr. fls. 47 a 59 dos autos);
- A sentença em apreço justificou a aplicação da suspensão da execução da pena nos seguintes termos:
Nas palavras de FIGUEIREDO DIAS «A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes», sem perder de vista, no entanto, as necessidades de tutela dos bens jurídicos (prevenção geral).
Considerando que as anteriores condenações datam de há mais de seis anos, não havendo notícia da prática de crimes nesse período, o que indicia uma integração social, entende-se que a censura do facto e a ameaça da prisão serão suficientes para afastar o arguido de comportamentos desviantes, pelo que suspenderá (…)
- Como se menciona no próprio despacho recorrido, na ausência de comprovação documental do cumprimento da regra de conduta imposta, foram realizadas avaliações intercalares, com audição do arguido. A primeira, em 07/03/2018 (na sequência das informações da Escola de Condução de que, estando inscrito, o arguido não havia frequentado qualquer aula até 22/01/2018), considerou o incumprimento culposo e determinou que a frequência das aulas seria diária. A segunda, em 14/06/2018 (na sequência de informação da Escola de Condução de que o arguido havia frequentado 16 aulas teóricas e 8 práticas), na qual se fixou o prazo de dois meses para a sujeição a exame (cfr. fls. 91/2 e 107/8 dos autos);
- Decorrido o prazo de 1 (um) ano, em 08/10/2018, o arguido veio informar os autos (fls. 131) de que não havia procedido à marcação do exame por escassez de meios financeiros, face aos € 150,00 necessários;
- Subsequentemente, desenvolveram-se diversas diligências para averiguação: - se o arguido havia pago alguma quantia para a marcação do exame; das condições socioeconómicas do condenado; - da situação dos autos em investigação por prática de crime no período da suspensão; diligências que se prolongaram durante cerca de 1 ano;
- Em 22/10/2019, o Ministério Público (fls. 189/91) promoveu a revogação da suspensão da execução da pena, por não se terem alcançado as finalidades pretendidas com a suspensão, atendendo: ao incumprimento culposo da regra de conduta fixada, à pendência de processo em investigação por crime de subtracção de menor cometido em 04/08/2018, ao posterior cometimento, já em 2019, de dois crimes de condução sem habilitação legal, que foi objecto da decisão ora questionada.

Concluído o resumo, importa determinar o que, acerca da matéria, preceitua o Cód. Penal:

- art. 56º “Revogação da suspensão”:
“1 – A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
(…)”.

- art 57º “Extinção da pena”:
1 – A pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação.
2 – Se, findo o período da suspensão, se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente (…) a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão.”.

Como se alcança do despacho recorrido, a Mma. Juíza a quo entendeu que o incumprimento da regra de conduta fixada não pode ser tido como culposo e que não tendo o condenado praticado, no período da suspensão, qualquer crime por que veio a ser condenado e cuja prática levasse a concluir que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (cfr. art. 56°, al. b), do Código Penal), veio a declarar extinta a pena aplicada.
Ora, independentemente do juízo formulado acerca do carácter culposo (culpa grosseira) ou não culposo do incumprimento ocorrido - que aqui não se chegou a apreciar - a verdade é que a Mma. Juíza parece ter olvidado o prescrito no art. 57º, nº 2, do Cód. Penal.
Existe conhecimento nos autos (e o despacho recorrido menciona-o) da pendência de um processo, em fase de investigação, pela prática, no período da suspensão, de um crime de subtracção de menor (desconhecendo-se mais pormenores).
Assim e recordando que a pena aplicada foi suspensa na execução com a finalidade de “afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes” e “afastar o arguido de comportamentos desviantes”, o cometimento, no período da suspensão, de um crime, ainda que de diversa natureza, é susceptível, em abstracto, de comprometer as finalidades que presidiram à suspensão (e não só a prática de um crime da mesma natureza). Ainda que o entendimento da Mma, Juíza fosse diferente, o facto é que o não expressou no despacho ora questionado.
Nestes termos e considerando a verdadeira “cláusula de salvaguarda” que aquela norma institui, impõe-se concluir que havia que aguardar pela decisão a proferir naquele processo “pendente” para, só então, aferir da revogação da suspensão da execução da pena ou da respectiva extinção.
O recurso interposto é procedente, ficando prejudicada a apreciação da questão do carácter culposo do incumprimento da regra de conduta.
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III – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, revogando o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que determine que os autos aguardem pela decisão a proferir no processo pendente com o nº 2165/18.6JAPRT.
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Sem custas.
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(Texto elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários – artigo 94º, nº 2, do Código de Processo Penal).
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Guimarães, 13 de Julho de 2020

(Mário Silva - Relator)
(Maria Teresa Coimbra - Adjunta)