Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | FERNANDO FERNANDES FREITAS | ||
Descritores: | HIPOTECA OBRIGAÇÃO FUTURA HIPOTECA GLOBAL | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 09/29/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | I - A hipoteca é uma garantia real que confere ao credor o direito de se pagar do seu crédito pelo valor de certos bens com preferência sobre os demais credores do devedor. II - Com base na prática corrente bancária vem sendo admitida a designada “hipoteca global”, também designada “hipoteca genérica”, que é uma hipoteca voluntária em que se convenciona que o devedor a constitui para todas e quaisquer dívidas que tenha assumido ou venha a assumir (dívidas futuras) com o credor, independentemente da sua causa, apenas se exigindo que no contrato conste um critério minimamente objectivo para determinação da prestação garantida ou a garantir, nomeadamente quanto aos limites dos montantes dos créditos garantidos. | ||
Decisão Texto Integral: | - ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES – A) RELATÓRIO I.- “L…, S.A.” vem deduzir oposição à execução comum que lhe move a “C…, S.A.”, alegando: - a sua ilegitimidade (passiva) por não figurar no título executivo como devedora; - que o título executivo – contrato de mútuo – é inexequível por dele não resultar que a Exequente tenha colocado à disposição da mutuária – a sociedade comercial “F…,Ldª.” – a quantia da qual esta se confessa devedora, não fazendo a Exequente prova complementar dos factos que integram o não cumprimento do mútuo; - a liquidação da dívida, efectuada pela Exequente, é incompreensível e não está fundamentada; - impugnando, alega não saber se a Devedora cumpriu ou não com as obrigações decorrentes do contrato de mútuo; - e, finalmente, alega que a hipoteca só abrange três anos de juros. Contestou a Exequente defendendo a legitimidade da Embargante visto ser a actual dona do prédio onerado com uma hipoteca constituída a seu favor pela anterior proprietária, sendo que, como demonstrou na execução, a dívida existe por a mutuária não ter cumprido com o que se obrigara no contrato de mútuo dado à execução, sendo que a liquidação que fez obedeceu aos termos definidos no mesmo contrato. Reconhece a razão à Embargante no sentido de somente serem devidos juros relativos a três anos, pedindo, por isso, que se considere uma redução do pedido exequendo do montante liquidado a mais, passando os juros a totalizar o valor de € 49.412,69. Entendendo estarem reunidos todos os pressupostos que lhe permitiam conhecer do mérito dos embargos, o Meritíssimo Juiz proferiu douto despacho saneador-sentença que julgou improcedente a excepção arguida pela Embargante, considerando-a parte legítima; julgou válido o título executivo por se tratar de um documento ao qual foi atribuída força pública e nele uma das partes confessa-se devedora de uma determinada importância em dinheiro; dependendo o valor da dívida de simples cálculo aritmético, considera que foi regularmente feita a liquidação; e, finalmente, face ao reconhecimento da Exequente no que se refere aos juros, ordenou se promovesse a actualização da quantia exequenda, quanto a esta parte, para os € 49.412,69. Inconformada, a Embargante impugna aquela decisão através do presente recurso, pretendendo que ela seja revogada e substituída por outra que a julgue parte ilegítima na acção executiva, com a consequente extinção da instância. Contra-alegou a Exequente propugnando para que seja negado provimento ao recurso e se mantenha a decisão impugnada. O recurso foi recebido como de apelação com efeito devolutivo. Foram colhidos os vistos legais. Cumpre apreciar e decidir. * II.- A Embargante/Apelante funda o seu recurso nas seguintes conclusões: 1º - Nos precisos termos da oposição oportunamente deduzida, no que à questão da legitimidade diz respeito, a aqui recorrente alegou, além do mais, não ter subscrito contrato de mútuo dado à execução, desconhecer a veracidade das declarações nele constantes e das assinaturas nele apostas. 2º - Independentemente disso, diz ter adquirido o imóvel hipotecado em data anterior à constituição da dívida, sendo que à data de tal aquisição a sociedade vendedora F…, Ldª. nada devia à exequente C…, razão pela qual o registo de hipoteca feito anteriormente não lhe aproveita. 3º - Por fim, embora admita desvios à regra geral no que se refere à determinação da legitimidade passiva na ação executiva, considera que no caso em apreço a executada/oponente é parte ilegítima porquanto a devedora já não era proprietária do imóvel à data da constituição da divida, sendo que não tinha legitimidade para dar o referido imóvel de garantia. 4º - A douta sentença proferida desconsidera a invocada falta de informação sobre o contrato de mútuo celebrado em 28/04/2008, bem como a veracidade das assinaturas dele contantes. Entende que a hipoteca anteriormente constituída se mantem como garantia das obrigações assumidas (e logo, como garantia do cumprimento desse novo contrato). Por fim, considera o título exequível. 5º - Todavia, considera a executada/oponente, salvo melhor entendimento, que o tribunal "a quo" laborou em erro, não fazendo uma correta interpretação dos factos nem uma adequada aplicação do direito. 6º - Pelo que, impõe-se revogar a douta sentença proferida e substitui-la por outra que julgue a executada L…, Ldª, parte ilegítima na ação executiva e, por decorrência, ordenar a extinção da instância executiva. 7º - Na verdade, debruçando-se sobre as questões suscitadas, a douta sentença proferida, considera que "a hipoteca anteriormente constituída se mantinha como garantia das obrigações (e logo como garantia desse novo contrato)." 8º - Acontece que no modesto entender da recorrente, esta interpretação dos factos e aplicação do direito não se coaduna com a efetiva realização da justiça e viola, entre outros princípios, o da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos, que são a concretização do princípio do Estado de Direito, que se encontra expressamente consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa. 9º - No caso em apreço, o titulo que serve de base à presente execução e que determina os limites e os fins da ação executiva, foi celebrado em data posterior à data da aquisição do imóvel por parte da executada, sendo que nele consta que a mutuária presta garantia através do imóvel propriedade da ora executada. 10º - Ou seja, a escritura de mútuo com hipoteca constituída pela sociedade F…, Ld. a favor da exequente C…, SA. é nula e de nenhum efeito em relação à aqui executada, pois a mutuária não detinha, nessa data, nem a posse, nem a propriedade do imóvel em questão. 11º - Assim, sendo a dívida constituída em momento posterior à aquisição do imóvel por parte da executada, não pode tal dívida ser garantida pela hipoteca constituída anteriormente, sem qualquer intervenção da nova proprietária. 12º- De resto, embora o registo da hipoteca a favor da exequente tenha precedido o registo da aquisição a favor da executada, a verdade é que aquela sabia que esta tinha adquirido o imóvel alguns anos antes e que nessa altura nada lhe era devido, ou seja, a hipoteca nada garantia. 13º - Portanto, sabendo a exequente da existência do negócio entre a executada L…, Lda e a mutuária F…, Ldª, ao efetuar o contrato de mutuo com hipoteca, não registada, nessa data, com esta, sem intervenção da verdadeira proprietária, conformou-se com o mesmo, e nesta medida aceitou a ineficácia da garantia alegadamente dada pela mutuária. 14º - Assim, na perspetiva da executada, não figurando esta como interveniente no contrato de mútuo que serve de título executivo à presente execução, nem se verificando o desvio à regra plasmada no artigo 56° do C.P.C., estamos em presença da exceção da ilegitimidade da executada, facto que devia ter sido acolhido pela douta sentença, 15º - Ao decidir de modo diferente, a douta sentença proferida violou, além do mais, o disposto no artigo 2° da Constituição da República Portuguesa e artigo 56° do Código de Processo Civil. * III.- Por sua vez, a Exequente conclui assim: 1. A recorrida é titular de um direito real de garantia (hipoteca) e, nessa condição, assiste-lhe o direito de sequela, se a coisa for alienada a terceiro pelo seu proprietário, independentemente da transmissão da propriedade. 2. O direito de sequela segue a coisa, persegue-a, acompanha-a, podendo fazer-se valer seja qual for a situação em que a coisa se encontre. 3. São proibidos tanto o pacto comissório (art. 694° CC) como a cláusula de inalienabilidade dos bens hipotecados (art. 695°). Se o obrigado hipotecário alienar o bem dado de hipoteca em data posterior ao registo desta, este ato é inoponível ao credor. 4. O credor pode executar a coisa hipotecada no património do adquirente. 5. Este regime substantivo, consagrado no art. 818° do CC, está devidamente consagrado na lei processual civil, artigo 54°. n°. 2 (anterior art. 56°. n°. 2). 6. Nos termos do n°. 2 do citado artigo 54°. do CPC., quando os bens dados em garantia pertençam a terceiro, o exequente pode fazer logo valer a sua garantia contra este. 7. Não ocorre pois, a ilegitimidade passiva da recorrente. É sim parte legítima na execução. 8. A quantia exequenda está efetivamente em dívida e é liquida. 9. Na verdade existe dívida desde 1997 que foi garantida por hipoteca de imóvel em 2001, que à data pertencia à devedora, mas, cuja propriedade foi transmitida em 2005 para a aqui apelante, com os ónus da hipoteca que sobre si impendia e que continua a garantir a dívida emergente do Contrato de Mútuo dado à execução, celebrado em 2008, para restruturação das dívidas existentes. 10. O título dado à execução constitui título executivo nos termos do artigo 703º., nº. 1, alínea b) do CPC e artigo 46º., nº. 1 alínea b) do anterior código. * IV.- Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2; 635º., nº. 4; 639º., nos. 1 a 3; 641º., nº. 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso. Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre reapreciar a questão da ilegitimidade passiva da Apelante na acção executiva. * B) FUNDAMENTAÇÃO V.- Com base nos documentos juntos aos autos, o Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, que relevam para o conhecimento do presente recurso: 1.- Pelo escrito constante de folhas 6 a 11 dos autos de execução n.º 356/13.5TBFAF, de que os presentes embargos são apenso, a Embargada/Exequente “C…, S.A.” e a sociedade comercial “F…, Ld.ª”, celebraram um contrato que titularam de “Mútuo”, pelo qual a primeira se obrigou a disponibilizar à segunda, o montante de € 200.000,00 (duzentos mil euros), destinando-se “o empréstimo a liquidação de responsabilidades contraídas” pela “Cliente” (a referida “F…, Ld.ª”), junto da C…. 2.- Nos termos do ponto 7 do mesmo contrato “Os fundos são entregues, na data da perfeição do contrato, por crédito na conta de depósitos à ordem adiante indicada”. 3.- De acordo com o ponto 26.1, “O presente contrato considera-se perfeito quando contiver as assinaturas de todos os CONTRATANTES”, o que se veio a verificar em 08 de Maio de 2008, data do reconhecimento das assinaturas (posto que não consta dos autos qualquer dos demais elementos que permitam, segundo o contrato, determiná-la). 4.- No capítulo 21 sob o título de “GARANTIAS”, para além do aval, consta ainda, sob o ponto 21.2: “HIPOTECA GENÉRICA QUE GARANTE O EMPRÉSTIMO: Todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas à C… pela CLIENTE no âmbito do contrato de empréstimo, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos ficam garantidos pela Hipoteca do prédio urbano, composto de um armazém e logradouro, situado na Rua…, freguesia e concelho de Fafe, descrito na Conservatória do Registo Predial desse concelho sob o número…, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, constituída para garantia de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir pela CLIENTE até ao montante de capital de 224.459,06 euros (...), juros e despesas, celebrada por escritura datada de 21/02/2002, no Notário Privativo da C…, S.A., no Porto”. 5.- No registo do prédio acima identificado foi, com data de 25/09/2001, inscrita uma “Hipoteca Voluntária”, a favor da Exequente “C…, S.A.”, “Para garantia de quaisquer responsabilidades ou obrigações pecuniárias decorrentes de qualquer operações bancárias assumidas ou a assumir, em conjunto ou em separado, nomeadamente mútuos, aberturas de crédito de qualquer natureza, descobertos em conta à ordem, letras, livranças, cheques, extracto de factura, warrants, garantias bancárias, fianças, avales e empréstimos obrigacionistas, qualquer que seja a forma que revistam ...”. 6.- Ainda nos termos do mesmo registo, o montante do crédito garantido era de € 224.459,05 de capital, o “juro anual à taxa de 11,45% acrescido de 4% na mora, a título de cláusula penal”, e ainda de “despesas” € 8.978,36, sendo o “MONTANTE MÁXIMO ASSEGURADO” de “337.474,19 Euros”. 7.- Com data de 28/09/2005 foi registada a aquisição da propriedade sobre aquele imóvel a favor da ora Apelante “L…, S.A.”. 8.- À altura da celebração do contrato acima referido em 1. a sociedade “F…, Ld.ª” tinha como sócios-gerentes J… e J…, que outorgaram o mesmo contrato também como fiadores. 9.- Àquela data a ora Apelante tinha como administradores os acima referidos J… e J…, e ainda E…. 10.- A sociedade “F…, Ld.ª” foi declarada insolvente em 28 de Janeiro de 2010, e a aqui Exequente “C…” reclamou no processo de insolvência um crédito no valor de € 127.778,84 relativo ao contrato referido em 1., crédito que lhe foi verificado e graduado, mas não recebeu qualquer quantia por conta dele. * VI.- Sendo apodíctico que o direito de execução pode incidir sobre bens de terceiro quando estejam vinculados à garantia do crédito, nos termos do disposto no art.º 818.º, do Código Civil (C.C.), sendo, pois, reconhecida a legitimidade passiva para a execução ao proprietário desses bens quando o credor pretenda fazer valer na execução o direito real de garantia, de acordo com o que dispõe o art.º 54.º, n.º 2, do C.P.C. vigente e dispunha o n.º 2 do art.º 56.º do anterior C.P.C. (com a redacção que lhe deu o Dec.-Lei n.º 180/96, de 25/09) a decisão sobre a legitimidade da Apelante impõe que previamente se decida se a hipoteca constituída antes da sua aquisição do prédio onerado abrange ou não a dívida resultante do incumprimento do contrato de mútuo acima referido em 1., celebrado cerca de dois anos e oito meses depois do registo daquela aquisição. A hipoteca é uma garantia real que confere ao credor o direito de se pagar do seu crédito pelo valor de certos bens com preferência sobre os demais credores do devedor. Se anteriormente foi motivo de acesa discussão, o C.C. pôs-lhe termo, permitindo, de forma expressa, que se constitua uma hipoteca para garantia de uma obrigação futura ou condicional – cfr. n.º 2 do art.º 686.º. Passou, pois, a ser possível constituir uma hipoteca para garantia de dívidas futuras, mas, pela imposição decorrente do art.º 280.º, n.º 1 do mesmo Cód., do contrato tem de constar um critério objectivo para a determinação da prestação garantida ou a garantir. A hipoteca é um direito acessório do crédito que assegura e, por isso, o crédito garantido tem de estar mencionado no registo (que, na hipoteca, tem carácter constitutivo). Com efeito, o art.º 96.º do Código de Registo Predial (C.R.P.) determina que o extracto da inscrição da hipoteca deva conter: o fundamento da hipoteca, o crédito e seus acessórios e o montante máximo assegurado (tratando-se de hipoteca de fábrica, cfr. a alínea b) do n.º 1), e se o capital vencer juros, caso a taxa convencionada não venha mencionada nos documentos apresentados, menciona-se na inscrição a taxa legal – cfr. n.º 2. Da imposição legal de que fique a constar do registo o fundamento da hipoteca decorre a impossibilidade, mesmo havendo convenção nesse sentido, de a hipoteca originária se estender a um crédito constituído posteriormente entre o mesmo credor e o mesmo devedor. Este novo crédito só ficará garantido com o registo de uma nova hipoteca – é o que resulta dos princípios da acessoriedade e da especialidade. Hipótese diferente é a da transmissão da hipoteca para garantia de um crédito pertencente a outro credor do mesmo devedor ou para outro credor com garantia hipotecária sobre os mesmos bens, observando-se o disposto nos art.os 727.º a 729.º, do C.C.. Ainda decorrentemente da acessoriedade, extinto o crédito a que serve de garantia, a hipoteca também se extingue, nos termos da alínea a) do art.º 730.º, do C.C., o que não significa, porém, o cancelamento automático do registo, que só é feito contra a apresentação de documento autêntico ou autenticado do qual conste o consentimento do credor, nos termos do art.º 56.º, do C.R.P., ou então com base numa decisão judicial que o imponha. Ainda diferentemente do que acima se deixou referido, e com base na prática corrente bancária vem sendo admitida a designada “hipoteca global”, figura paralela à “fiança omnibus” que garante quaisquer dívidas assumidas e a assumir pelo devedor, sem propriamente as concretizar – o Ac. da Rel. de Coimbra de 26/05/1998 considerou ser determinável uma fiança “e conforme aos bons costumes e aos princípios de ordem pública, ainda que não esteja fixado um limite temporal, designada de “fiança para todas as responsabilidades”, para garantia “de todas e quaisquer obrigações pecuniárias decorrentes de mútuos, aberturas de crédito de qualquer natureza, descobertos em contas à ordem, letras, livranças, extractos de factura, warrants, garantias bancárias, fianças, avales e empréstimos obrigacionistas, concedidos ou a conceder”, se os fiadores são os sócios-gerentes da sociedade mutuária, agindo, por um lado, como representantes da empresa, vinculando-a, e, por outro, em nome próprio como fiadores, podendo assim, perfeitamente controlar o nascimento das obrigações afiançadas” (Processo: 229/97 PR 15-97, Des. Pires da Rosa, in www.dgsi.pt). A “hipoteca genérica”, designação preferida por Maria Isabel Helbing Menéres Campos, é uma hipoteca voluntária em que se convenciona que o devedor a constitui para todas e quaisquer dívidas que tenha assumido ou venha a assumir com o credor, independentemente da sua causa, caracterizando-se, assim, “por garantir uma dívida que não está determinada ab initio sendo apenas determinado o montante máximo que assegura”, podendo as obrigações garantidas terem a mais variada natureza, e não sendo o seu número limitado, (in “Da Hipoteca Caracterização, Constituição e Efeitos” Almedina, Reimpressão, págs. 103-108). E, como decidiu a Rel. de Coimbra no Ac. de 6/09/2011, é de admitir a constituição de uma hipoteca global ou “genérica” desde que “no contrato que lhe deu origem conste um critério minimamente objectivo para determinação da prestação garantida ou a garantir, nomeadamente quanto aos montantes limites dos créditos garantidos ou a garantir” (in C.J., ano XXXVI, Tomo IV/2011, págs. 13-14). Na situação sub judicio, estamos perante uma hipoteca voluntária que, como resulta, quer da escritura pública, quer do registo, a sociedade “F…, Ld.ª” constituiu a favor da aqui Exequente sobre o prédio urbano aí identificado, “para segurança” de “responsabilidades ou obrigações pecuniárias assumidas ou a assumir”, nomeadamente “mútuos, aberturas de crédito de qualquer natureza, descobertos em conta à ordem ...”, até ao montante máximo de € 337.474,19. Consta ainda do registo a taxa de juro – “11,45% ao ano, acrescido de 4% em caso de mora, a título de cláusula penal”, e ainda o montante de “€ 8.978,36 de despesas”. E foi com o conhecimento e aceitação da existência deste ónus que a Apelante comprou àquela “F…, Ld.ª” o prédio hipotecado. O devedor, dono do prédio hipotecado, pode livremente vendê-lo, sendo até nula a convenção que proíba a venda – cfr. art.º 695.º, do C.C. – mas o ónus mantém-se e o direito de sequela permite ao credor executar o seu crédito demandando o adquirente. Este sempre poderá libertar do ónus o prédio que adquiriu expurgando a hipoteca, nos termos e pelos modos definidos nos art.os 721.º a 726.º, do C.C. - mas a Apelante nunca o fez. No contrato de mútuo em mérito a mutuária “F…, Ld.ª” não presta qualquer garantia à aqui Exequente. Essa garantia já existia porquanto uma das origens das “responsabilidades ou obrigações pecuniárias”, também as futuras, abrangidas pela hipoteca é, precisamente, o mútuo, e a referência a ela como garantia da quantia mutuada destina-se, desde logo, a deixar inequívoco que a obrigação da mutuária contraída por aquele mútuo estava incluída na garantia da hipoteca. É apenas isto o que resulta do escrito a que acima se fez referência em V., 1., que não é acto constitutivo de qualquer hipoteca. A credora C… não renunciou à hipoteca constituída em 2001 - a renúncia, como forma de extinção da hipoteca, tinha de ser expressa e com observância das formalidades prescritas no art.º 731.º do C.C. – e nem ela se extinguiu por se não haver verificado qualquer outra das causas de extinção legalmente previstas - cfr. art.º 730.º, do C.C.. E ainda que, como ficou contratualmente estabelecido, a quantia mutuada se destinasse à “liquidação das responsabilidades contraídas” pela mutuária “F…, Ld.ª” junto da mutuante, ora Exequente, “C…”, o que legitimaria considerar estarmos perante a novação, como causa extintiva das anteriores obrigações – cfr. artos. 857.º a 861.º, do C.C. – o certo é que o mútuo integrado nas operações bancárias que se desenvolviam entre aquela “F…, Ld.ª” e a “C…” está expressamente previsto como fonte das obrigações cobertas pela hipoteca. Destarte, porque nunca se extinguiu, a hipoteca em mérito mantém-se válida e eficaz como garantia dos créditos com origem numa das operações bancárias ali expressamente enumeradas. E essa garantia não está dependente do consentimento do adquirente do prédio onerado, ainda que o acto de onde emerge a obrigação tenha sido celebrado em data posterior à do registo de aquisição, desde que a hipoteca abranja, como abrangia, esse acto futuro e tenha sido registada (como o foi) em data anterior à do registo de aquisição (se bem que na situação sub judicio, sendo os outorgantes do contrato de mútuo simultaneamente titulares dos órgãos de gestão da mutuária “F…, Ld.ª” (sócios-gerentes) e da proprietária, ora Apelante (administradores), por certo que “a metade” que geria aquela não se terá esquecido de avisar a “metade” que administrava esta do acto que tinha praticado se o considerasse ilegitimamente lesivo do património da Administrada). Assim sendo resta concluir pela legitimidade da Apelante para a acção executiva, destarte improcedendo os fundamentos do recurso. Posto que estamos perante direitos privados de natureza disponível, exercidos, ao que tudo indica, com plena liberdade e consciência, não se vê como e em quê a douta decisão impugnada (e este acórdão que a confirma), possa ofender o art.º 2.º da Constituição. * C) DECISÃO Nos termos que acima se deixam expostos, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o presente recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida. Custas pela Apelante. Guimarães, 29/09/2014 Fernando Fernandes Freitas Maria Purificação Carvalho Espinheira Baltar |