Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
878/20.1T8VRL.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
FALTAS INJUSTIFICADAS
ABANDONO DO TRABALHO
COVID-19
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Sumário (elaborado pela relatora):

1. Não é possível concluir que, na data da comunicação ao trabalhador da cessação do contrato de trabalho, se verificavam os elementos constitutivos da presunção de abandono do trabalho, desde logo a ausência durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, se a mesma se manteve durante apenas 5 dias úteis, em virtude de as faltas anteriores terem sido consideradas justificadas pelo empregador.
2. Também não se verificavam os factos constitutivos do abandono de trabalho se, ainda que a ausência do trabalhador ao serviço durante aqueles 5 dias úteis pudesse integrar o respectivo elemento objectivo, não se provaram factos que, com toda a probabilidade, revelassem a intenção do trabalhador de definitivamente não retomar o serviço, designadamente se se provou que o mesmo permaneceu em casa, em apartamento facultado pelo empregador na urbanização que constituía o seu local de trabalho, e em que residia numa situação de disponibilidade para o trabalho, num contexto de confinamento geral da população por motivo da pandemia COVID-19, nada levando a crer que não se apresentasse imediatamente ao trabalho logo que interpelado pelo empregador, residente na mesma urbanização, como podia entender-se que tinha ficado assente no final do dia 18 de Março de 2020.

Alda Martins
Decisão Texto Integral:
1. Relatório

D. A. intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra A. C., pedindo que se condene o R. a reintegrá-lo no seu posto de trabalho ou a pagar-lhe indemnização no montante de 17.879,75 €, bem como a quantia de € 3.629,49 a título de créditos laborais.
Alega, em suma, que foi admitido ao serviço do R. em 01/02/2007, para exercer funções de técnico de manutenção/encarregado de obras nos imóveis que o R. vendia na Urbanização ..., em Vila Real, cumprindo um horário de trabalho e estando ainda disponível aos fins-de-semana, auferindo a título de remuneração a quantia mensal de 892,50 €, acrescida de subsídio de alimentação. Sucede que, em 17/03/2020, o R. disse ao A. que, devido à situação de pandemia entretanto surgida, deveria ficar em casa até novas ordens, até que em 08/04/2020 recebeu comunicação do R. dando-lhe conta que o seu contrato de trabalho havia terminado por abandono do posto de trabalho, o que não corresponde à realidade, equivalendo tal comunicação a despedimento ilícito.
O R. apresentou contestação, arguindo a ineptidão da petição inicial e a litispendência, e alegando que foi o A. que a partir das 17h30 horas do dia 18/03/2020 não mais se apresentou no seu posto de trabalho, nem deu qualquer justificação para esse efeito, até que em 07/04/2020 o demandado lhe remeteu comunicação dando conta de que havia abandonado o seu posto de trabalho, a qual foi recepcionada em 13/04/2020.
Termina, pedindo a absolvição do pedido, e, em reconvenção, a condenação do A. a pagar-lhe uma indemnização por inobservância de aviso prévio e por outros danos que lhe causou, no valor global de 2.785,00 €.
O A. apresentou resposta à matéria das excepções e da reconvenção, pugnando pela sua improcedência.

Proferiu-se despacho saneador em que, além do mais, se admitiu liminarmente a reconvenção e se julgaram improcedentes as excepções deduzidas pelo R..
O R. veio apresentar reclamação do despacho na parte em que considerou assente determinado facto, sobre a qual incindiu o seguinte despacho:
«Nos presentes autos o aqui demandado veio deduzir reclamação quanto a um ponto da factualidade dada como assente no despacho saneador já elaborado e que se traduz no seguinte: “O A. sempre exerceu as suas funções na Urbanização ..., de forma a esta disponível, residindo na mesma urbanização no apartamento destinado ao encarregado de obras.”.
Regularmente notificado o A. nada veio responder a este propósito.
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
Analisada a factualidade vertida na petição inicial verifica-se que esta matéria de facto se encontra descrita no art. 3º, sendo que este não foi objecto de impugnação expressa pelo R. no seu articulado de contestação e, pelo contrário, o demandado admitiu claramente, quer naquele articulado, quer na própria reclamação que agora se aprecia, que o A. ocupava uma habitação dentro da Urbanização onde desempenhou funções. O fundamento jurídico desta ocupação (se por comodato, arrendamento ou qualquer outro) torna-se despiciendo nesta sede já que não concorre para a decisão de mérito a proferir.
Assim, por se considerar que sobre aquela matéria de facto não recaiu impugnação expressa, nem tal impugnação decorre, em nosso entender, da demais fundamentação descrita na contestação, indefere-se a reclamação apresentada, mantendo-se o indicado facto como assente.»

Oportunamente, realizou-se a audiência de julgamento, após o que pelo Mmo. Juiz a quo foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
«Tudo visto e nos termos expostos julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada e em consequência julga-se ilícita a cessação do contrato de trabalho que vigorou entre as partes por abandono do posto de trabalho e em consequência determina-se a reintegração imediata do A. no seu posto de trabalho, sem perda de antiguidade.
Mais se condena o R. a pagar ao A. a quantia de € 3.396,39 (três mil trezentos e noventa e seis euros e trinta e nove cêntimos) a título de créditos laborais vencidos e não liquidados, sendo que a este montante acrescem os respectivos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento.
Julga-se ainda improcedente o pedido reconvencional deduzido pelo R. absolvendo-se o A. do mesmo.
Custas por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento (sendo de € 233,10 para o A. e o remanescente do valor fixado para o R.).»

O R. interpôs recurso da sentença, juntando documentos e formulando as seguintes conclusões:

«1ª O Réu apresentou reclamação da matéria assente constante do despacho saneador, nos termos do disposto no artigo 593º, n.º 3 ex vi do artigo 62º do CPT.
2ª Todavia, tal reclamação foi indeferida por despacho datado de 03.11.2020, sob a referência 34883022, alegando o douto Tribunal que sobre tal matéria não recaiu impugnação expressa, nem tal impugnação decorre, no entender do Tribunal, da demais fundamentação descrita na contestação.
3ª Ora, de tal despacho, apenas pode ser impugnado no recurso que vier a ser interposto da decisão final.
4ª O Réu/Recorrente está assim em tempo e no momento próprio para impugnar por via do recurso tal despacho, nos termos do n.º 3 do artigo 596º do CPC.
5ª Compulsada a matéria assente do despacho saneador, verifica-se que surge como facto assente o seguinte: “O A. sempre exerceu as suas funções de forma a estar disponível, residindo na mesma urbanização no apartamento destinado ao encarregado de obras”.
6ª Sucede que em relação a este ponto, o Recorrido não pode aceitar que fique a constar como facto assente que o Autor residia na referida urbanização no apartamento destinado ao encarregado de obras, pois tal não corresponde à verdade,
7ª Pelo que devia, como deve, tal ponto juntar-se aos temas da prova, o que se requer, 8ª Aliás, esse facto colide com o ponto 137º da Contestação, isto é, se o Réu alguma vez residiu na Urbanização ... tal ocorreu apenas e só tendo em conta a relação de especial amizade e confiança que o Réu depositava no Autora, e a título de comodato.
9ª Até porque nunca existiu na Urbanização ..., qualquer apartamento destinado ao encarregado de obras,
10ª Existe já pendente uma ação de processo comum, a correr temos no Juízo Local Cível de Vila Real sob o proc. N.º 1679/20.2T8VRL em que o aqui Réu, naquela ação Autor, vem peticionar a cessação do contrato de comodato, uma vez atingido o seu termo em 14.08.2020, nos termos do art.º 1135º al. h) e art.º 1137º N.º 3 do Código Civil, com a condenação do ali Réu nesta ação Autor, na entrega/restituição do imóvel, imediatamente, livre e devoluto, Cfr. P.I. que se junta como Doc. 1.
11ª Além de que, em relação à referida habitação foi celebrado um contrato de comodato, que se junta como Doc. 2, conforme supra alegado, atenta a relação especial de amizade e confiança, que o Réu sempre depositou não só no Autor, mas também na sua família,
12ª Jamais poderá constar como facto assente que o Autor residia na referida Urbanização no apartamento destinado ao encarregado de obras, uma vez que tal não corresponde à verdade e não é, nem pode ser considerado como facto assente pelo Réu.
13ª Na fundamentação do despacho ora posto em crise, consta o seguinte: “O fundamento jurídico desta ocupação (se por comodato, arrendamento ou qualquer outro), torna-se despiciendo nesta sede já que não concorre para a decisão de mérito a proferir.”
14ª Todavia, e por uma questão de rigor e verdade, não pode o Réu concordar com tal facto dado como assente, pois o mesmo, apensar de não ter sido impugnado expressamente de forma especificada, o que aconteceu porque essa menção resulta da última parte do facto.
Contudo, a impugnação é também aquela que pelo seu contexto se percebe que colide com o restante teor e restante factualidade alegada pela parte.
15ª No caso concreto, o facto aqui em causa, “no apartamento destinado ao encarregado de obras”, está em oposição com o alegado pelo Réu no artigo 137º da Contestação, que diz o seguinte: “O Réu facultou até uma habitação, para que o Autor e a sua família residissem, em regime de comodato”.
16ª Tal facto alegado pelo Réu na sua contestação, não foi impugnado ou contraditado pelo Autor.
17ª Portanto, entende o Recorrente que no caso concreto, e por tal facto estar em oposição com a versão do Ré que alega que o Autor residia numa habitação cedida a título de comodato, deverá estar contemplado na exceção prevista do n.º 2 do artigo 574º do CPC e o por isso, deverá considera-se impugnado e não assente, na parte onde refere “destinado ao encarregado de obras”.
18ª Pelo que deve Atento o supra exposto, deverá proceder o presente recurso, na parte do despacho que recaiu sobre a reclamação da matéria assente do despacho saneador, colocando o ponto “ A. sempre exerceu as suas funções de forma a estar disponível, residindo na mesma urbanização no apartamento destinado ao encarregado de obras?”, nos temas da prova, uma vez que não é, nem pode ser considerado como facto assente e aceite pelo Ré.
19ª A decisão proferida fez errada decisão da matéria de facto e incorreta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.
20ª O presente recurso é interposto da sentença proferida nos autos, a qual, em suma, considerou como provados os factos 1., 2., 3., 4., 5., 6., 7., 8., e 9. e como não provados os pontos a) e b) da sentença.
21ª Ora, não pode o aqui Recorrente conformar-se com a decisão proferida, porquanto a mesma fez errada decisão da matéria de facto e incorreta interpretação do direito ao caso em concreto.
22ª Os factos considerados como provados pelo tribunal a quo sob os números 6., 7. (parte inicial – de “No dia 19/03/2020” até “ficar em casa”), 8. (parte inicial – de “O A. permaneceu em casa” até “ao serviço”) e 9., deveriam ter sido considerados não provados, na ótica deste recurso, resulta, da circunstância de nos autos existir prova séria, credível, congruente, objetiva, imparcial, competente, com razão de ciência que impunha decisão diversa da recorrida, nomeadamente:
Número 6., deveria ter sido valorado: A.1) DEPOIMENTO DE PARTE DO A. D. A., o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 11/11/2020, com duração de 15.16 minutos, com relevo para este recurso de 00:42 a 04:27; 05:09 a 05:45; 06:45 a 06:52; 07:15 a 08: 52; 12:43 a 13:17; 13:42 a 14:32.; e B.1) DECLARAÇÕES DE PARTE DO R. A. C., o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 11/11/2020, com duração de 27.39 minutos, com relevo para este recurso de 02:07 a 04:07; 05:00 a 06:13.1; 06:37 a 09:52; 10:28 a 11: 22; 12:41 a 12:44; 13:10 a 13:20; 13:39 a 15:19; 17:39 a 18:05; 20:58; 22:08 a 23:28; 23:30 a 23:49; 25:18 a 25:49.
Número 7. (parte inicial – de “No dia 19/03/2020” até “ficar em casa”), deveria ter sido valorado: A.1) DEPOIMENTO DE PARTE DO A. D. A., o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 11/11/2020, com duração de 15.16 minutos, com relevo para este recurso de 00:42 a 04:27; 05:09 a 05:45; 06:45 a 06:52; 07:15 a 08: 52; 12:43 a 13:17; 13:42 a 14:32.; e B.1) DECLARAÇÕES DE PARTE DO R. A. C., o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 11/11/2020, com duração de 27.39 minutos, com relevo para este recurso de 02:07 a 04:07; 05:00 a 06:13.1; 06:37 a 09:52; 10:28 a 11: 22; 12:41 a 12:44; 13:10 a 13:20; 13:39 a 15:19; 17:39 a 18:05; 20:58; 22:08 a 23:28; 23:30 a 23:49; 25:18 a 25:49.
Número 8. (parte inicial – de “O A. permaneceu em casa” até “ao serviço”), deveria ter sido valorado: A.1) DEPOIMENTO DE PARTE DO A. D. A., o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 11/11/2020, com duração de 15.16 minutos, com relevo para este recurso de 00:42 a 04:27; 05:09 a 05:45; 06:45 a 06:52; 07:15 a 08: 52; 12:43 a 13:17; 13:42 a 14:32.; B.1) DECLARAÇÕES DE PARTE DO R. A. C., o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 11/11/2020, com duração de 27.39 minutos, com relevo para este recurso de 02:07 a 04:07; 05:00 a 06:13.1; 06:37 a 09:52; 10:28 a 11: 22; 12:41 a 12:44; 13:10 a 13:20; 13:39 a 15:19; 17:39 a 18:05; 20:58; 22:08 a 23:28; 23:30 a 23:49; 25:18 a 25:49; e C.1) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA R. C., o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 11/11/2020, com duração de 11.57 minutos, com relevo para este recurso de 01:02.9 a 02:11; 02:58 a 03:07; 04:03 a 05:29; 05:30 a 06:05; 06:49 a 07:30; 07:34 a 08:27.
Número 9., deveria ter sido valorado: A.1) DEPOIMENTO DE PARTE DO A. D. A., o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 11/11/2020, com duração de 15.16 minutos, com relevo para este recurso de 00:42 a 04:27; 05:09 a 05:45; 06:45 a 06:52; 07:15 a 08: 52; 12:43 a 13:17; 13:42 a 14:32.; B.1) DECLARAÇÕES DE PARTE DO R. A. C., o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 11/11/2020, com duração de 27.39 minutos, com relevo para este recurso de 02:07 a 04:07; 05:00 a 06:13.1; 06:37 a 09:52; 10:28 a 11: 22; 12:41 a 12:44; 13:10 a 13:20; 13:39 a 15:19; 17:39 a 18:05; 20:58; 22:08 a 23:28; 23:30 a 23:49; 25:18 a 25:49; e D.1) RECIBOS DE VENCIMENTO JUNTOS PELO RECORRENTE NA CONTESTAÇÃO, SOB OS DOCS. 6; 7 e 8; e 9 a 21.
23ª E, por seu turno, os factos considerados como não provados pelo tribunal a quo sob os pontos a) e b) deveriam ter sido considerados como provados, na ótica deste recurso, resulta da circunstância de nos autos existir prova séria, credível, congruente, objetiva, imparcial, competente, com razão de ciência, que impunha decisão diversa da recorrida, nomeadamente:
Ponto a), deveria ter sido valorado: A.1) DEPOIMENTO DE PARTE DO A. D. A., o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 11/11/2020, com duração de 15.16 minutos, com relevo para este recurso de 00:42 a 04:27; 05:09 a 05:45; 06:45 a 06:52; 07:15 a 08: 52; 12:43 a 13:17; 13:42 a 14:32.; B.1) DECLARAÇÕES DE PARTE DO R. A. C., o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 11/11/2020, com duração de 27.39 minutos, com relevo para este recurso de 02:07 a 04:07; 05:00 a 06:13.1; 06:37 a 09:52; 10:28 a 11: 22; 12:41 a 12:44; 13:10 a 13:20; 13:39 a 15:19; 17:39 a 18:05; 20:58; 22:08 a 23:28; 23:30 a 23:49; 25:18 a 25:49; C.1) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA R. C., o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 11/11/2020, com duração de 11.57 minutos, com relevo para este recurso de 01:02.9 a 02:11; 02:58 a 03:07; 04:03 a 05:29; 05:30 a 06:05; 06:49 a 07:30; 07:34 a 08:27; e C.2) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA M. G., que consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 11/11/2020, com duração de 12.59 minutos, com relevo para este recurso de 01:36 a 02:59; 03:01 a 03:54; 04:31 a 04:47; 06:06 a 06:54; 07:13 a 07:46; 08:38 a 08:51; 09:18 a 10:19; 10:31 a 11:03
Ponto b), deveria ter sido valorado: A.1) DEPOIMENTO DE PARTE DO A. D. A., o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 11/11/2020, com duração de 15.16 minutos, com relevo para este recurso de 00:42 a 04:27; 05:09 a 05:45; 06:45 a 06:52; 07:15 a 08: 52; 12:43 a 13:17; 13:42 a 14:32.; e B.1) DECLARAÇÕES DE PARTE DO R. A. C., o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 11/11/2020, com duração de 27.39 minutos, com relevo para este recurso de 02:07 a 04:07; 05:00 a 06:13.1; 06:37 a 09:52; 10:28 a 11: 22; 12:41 a 12:44; 13:10 a 13:20; 13:39 a 15:19; 17:39 a 18:05; 20:58; 22:08 a 23:28; 23:30 a 23:49; 25:18 a 25:49.
24ª Devendo o Tribunal a quo ter valorado os supra mencionados depoimentos, tendo em conta que da conjugação da prova produzida, deveriam os factos dados como provados pelo tribunal a quo sob os números 6., 7. (parte inicial – de “No dia 19/03/2020” até “ficar em casa”), 8. (parte inicial – de “O A. permaneceu em casa” até “ao serviço”) e 9. sido considerados não provados, e os factos considerados como não provados sob os pontos a) e b) ter sido dados como provados.
25ª No depoimento de parte do Autor o mesmo confessa que – e apesar da contradição nas datas entre o alegado na petição inicial e o confessado em audiência de julgamento – em conversa com o aqui Réu, no dia 18 de março de 2020, comentaram o Estado de Emergência que iria ser decretado no dia 19 de março à meia noite.
26ª O autor confessa que no dia 18 de março de 2020 exerceu normalmente as suas funções até às 17 horas e 30 minutos, sendo que no final desse dia de trabalho, alega que recebeu instrução expressa do Réu para ficar em casa, a partir dessa data e até novas ordens.
27ª No dia 19 de março, o Autor afirma que se encontrou presencialmente com o filho do Réu, R. C., e com a sua colega de trabalho, M. G..
28ª Afirma ainda o Autor que a colega M. G. efetuou uma chamada para o Réu, dando, assim, a entender que os três, no dia 19 de março, se encontraram no estacionamento do prédio – o que demonstrou ser falso, tendo em conta os depoimentos das testemunhas R. C. e M. G..
29ª Relativamente à comunicação de abandono do posto de trabalho, estamos mais uma vez perante uma contradição de datas, visto que, diferentemente do afirmado pelo Autor, a comunicação que se refere é datada de 07/04/2020, enviada pelo Réu a 08/04/2020 e recebida, pelo Autor, a 13/04/2020, conforme aviso de receção assinado e junto aos autos.
30ª Confessa o Autor que a relação de confiança e amizade existente entre ele e o Réu era falsa, mas parece esquecer-se de toda a ajuda prestada e consideração que, ao longo de mais de 10 anos, o Réu demonstrou para com o Autor.
31ª Tudo porque, o Réu não só lhe arranjou emprego, evitando que o Autor se mudasse para a Suíça, como ainda lhe facultou uma habitação para que o Autor e a sua família residissem, tal como se demonstrou pelas declarações prestadas pelo Réu.
32ª Mais, e tal como adiante pelas declarações do Réu se irá demonstrar, o Autor, no dia 18 de Março de 2020, no final do dia de trabalho, despediu-se do Réu, como aliás é habitual, proferindo a seguinte expressão: “Até amanhã, senhor engenheiro” – dando, com isso, a entender que no dia seguinte, isto é dia, 19 de março de 2020, se apresentaria normalmente ao serviço.
33ª Ora, no que diz respeito ao salário correspondente ao mês de março de 2020, o Réu liquidou essa retribuição, tal como confessado pelo Autor, mesmo estando em causa um período em que o Autor se encontrava em casa, por abandono do posto de trabalho.
34ª No que concerne aos respetivos proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal em relação ao ano de cessação do contrato, ao contrário do alegado pelo Autor, tais valores encontram-se regularizados, conforme documentos nº 6 e nºs 9 a 21, juntos em sede de contestação.
35ª Independentemente de o Réu estar ou não a residir em Portugal, mantinha poucas conversas telefónicas com o Autor, pois depositava inteira confiança no seu trabalhado, sabendo que este iria cumprir com as suas funções.
36ª O Autor reconhece que não era necessário manter o contacto diariamente com o Réu, sendo habitual passarem-se dias sem haver contacto e sem serem dadas ordens de trabalho.
37ª Aqui, de forma sumariada, o depoimento do Autor serve para demonstrar que os factos considerados como não provados em a) e b) deveriam ter sido dados como provados, e ainda para dar como não provados os factos dados como provados sob os números 6., 7. (parte inicial – de “No dia 19/03/2020” até “ficar em casa”), 8. (parte inicial – de “O A. permaneceu em casa” até “ao serviço”) e 9.
38ª Nas declarações de parte do Réu, ficou demonstrado que, ao longo de mais de 10 anos em que o Autor exerceu funções junto do Réu, este sempre apoiou e auxiliou o Autor, dada a relação de confiança e amizade que considerava existir entre os dois.
39ª Tal como afirmado em audiência de julgamento, o Réu arranjou um emprego, na Urbanização, para o Autor, bem como lhe cedeu uma habitação para que o Autor e a sua família residissem, a título de comodato.
40ª Sucede que, com o abandono do posto de trabalho, o Réu sentiu que toda a amizade e confiança depositada no Autor foi em vão.
41ª Nas declarações de parte do Réu, ficou mais uma vez demonstrado que no dia 18 de março, o Autor exerceu normalmente as suas funções, tendo inclusive juntando-se com o Autor na garagem, onde conversaram sobre os trabalhos que tinham em atraso.
42ª Dessa conversa, ficaram definidos e programados novos trabalhos que o Autor deveria executar, daquele dia em diante e, portanto, jamais o Réu poderia mandar para casa o Autor, dispensando antecipadamente o único funcionário que tinha para executar tais trabalhos em atraso.
43ª Após esta conversa, o Réu despediu-se do Autor, como habitualmente faz, e que passamos a transcrever: “Até amanhã, senhor engenheiro”, dando a entender que no dia seguinte, isto é, dia 19 de março, se apresentaria ao serviço.
44ª Contudo, antes de o Autor se ir embora, e perante as notícias que se ouviam na comunicação social relativamente à pandemia provocada pelo vírus Covid-19, o Réu referiu ao Autor que deviam aguardar o que iria ser decretado pelo Sr. Presidente da República.
45ª A este respeito, veja-se o segmento que se passa a transcrever, e em que o Réu afirma: “Agora vamos esperar o pronunciamento do nosso Presidente para ver o que ele vai-nos falar” – tendo sido estas as últimas palavras dirigidas pelo Réu ao Autor.
46ª No dia 19 de março, quando o Réu se apercebeu que o Autor não tinha aparecido para continuar os trabalhos anteriormente programados, ligou ao seu filho R. C., tendo este comunicado que o Autor tinha aparecido.
47ª No entanto, quando questionado se tinha aparecido para trabalhar, o filho do Réu respondeu negativamente, atendendo às roupas com que o Autor se apresentou naquele dia.
48ª No decorrer dessa manhã de dia 19, o Réu recebeu uma chamada da trabalhadora M. G., que já se encontrava no escritório, aqui se demonstrando que o afirmado pelo Autor é falso, quando diz que estava perante a sua colega quando esta ligou ao Réu.
49ª O Réu, no dia 19 de março, apesar de estranhar a ausência do Autor não falou pessoalmente com o mesmo, tendo-lhe apenas sido transmitida a informação de que o Autor não se encontrava a trabalhar (incumprindo com o acordado) e que tinha saído da Urbanização, com a sua viatura pessoal.
50ª O Réu sempre acreditou e esperou receber algum tipo de justificação/explicação, por parte do Autor, relativamente ao comportamento que este adotou, aquando do abandono do posto de trabalho.
51ª De tal modo que, teve a preocupação de falar com a contabilidade, de modo a serem processados o seu salário e o de todos os funcionários, independentemente da situação incerta que à data atravessavam.
52ª Depois da declaração de Estado de Emergência, o Réu afirma que a trabalhadora M. G. e o seu filho R. C. retomaram as suas atividades normalmente e acordaram ainda num desfasamento de horários, sendo que o único que não retomou as suas funções foi o Autor.
53ª Com o comportamento do Autor, de abandonar o seu posto de trabalho, aliado ao facto de o país estar a atravessar uma pandemia mundial provocada pelo vírus Covid-19, mostra-se o Réu profundamente magoado com o Autor, dado que este último nunca se preocupou em saber se o Réu se encontrava bem de saúde e se precisava de assistência, dada a sua idade avançada.
54ª Apesar de o sector da construção civil não ter sido abrangido pela obrigatoriedade de confinamento, o Réu decidiu aguardar que o Autor aparecesse ao posto de trabalho ou que desse alguma justificação, pois entendia que essa seria a atitude correta a tomar dada a relação de amizade mantida ao longo dos vários anos.
55ª O Réu afirma que o Autor apenas entrou em contacto consigo quando recebeu a comunicação de abandono do posto de trabalho – dia 13/04/2020, conforme anteriormente mencionado e provado nos autos.
56ª E, desse modo, o Autor, desde o dia 19 de março de 2020, nunca apresentou nenhuma justificação ou explicação para a sua ausência, atitude que apanhou de surpresa o Réu.
57ª Contudo, e por morarem na mesma Urbanização, dúvidas não restaram ao Réu de que o Autor se encontrava bem de saúde, visto que todos os dias saía de casa, e, aliás, justamente por morarem na mesma Urbanização, também o Autor via, todos os dias, os seus colegas a cumprirem com as suas funções e, portanto, a irem trabalhar.
58ª O Réu revelou declarações sérias, credíveis, claras, objetivas e congruentes, pelo que, no conjunto da prova produzida e de acordo com as regras da experiência comum, o depoimento serve para demonstrar que os factos considerados como não provados em a) e b) deveriam ter sido dados como provados, e ainda para dar como não provados os factos dados como provados em 6., 7. (parte inicial – de “No dia 19/03/2020” até “ficar em casa”), 8. (parte inicial – de “O A. permaneceu em casa” até “ao serviço”) e 9.
59ª Já a testemunha R. C., expressou que, efetivamente, o último dia de trabalho do Autor foi dia 18 de março de 2020.
60ª De forma assertiva, referiu que no dia 19 de março, muito depois do horário de entrada do Autor, este ligou-lhe, tendo sido aí que reparou que o Autor não se encontrava com as habituais roupas de trabalho.
61ª A testemunha afirma que o Autor chegou inclusive a comentar que tinha ido levar a esposa a algum sítio, pelo que ficou demonstrado que aquando dessa conversa, o Autor apenas estava acompanhado pela testemunha R. C. – diferentemente do confessado pelo Autor ao Tribunal.
62ª Por mensagens de WhattsApp trocadas, a testemunha afirma ainda que aconselhou a colega M. G., que se encontrava no stand de vendas sozinha, a ligar para o Réu.
63ª A testemunha afirma, de forma assertiva e clara, que desde o dia 19 de março de 2020 nunca mais viu o Autor, muito menos a exercer as funções para as quais tinha sido contratado.
64ª Mais uma vez, e devido ao facto de morarem todos na mesma Urbanização, a testemunha afirma que durante o período de ausência do Autor do seu posto de trabalho, este era visto, algumas vezes, a sair de casa, mas nunca para ir trabalhar.
65ª No dia 19 de março, a testemunha afirma que foi contactada pelo seu pai, o aqui Réu, que havia estranhado a ausência do Autor e que procurava algum tipo de explicação/justificação para não ter aparecido ao trabalho.
66ª A testemunha declarou com razão de ciência, de forma clara, objetiva, imparcial, congruente e credível, pelo que, no conjunto da prova produzida e de acordo com as regras da experiência comum, o depoimento desta testemunha serve para demonstrar que o facto considerado como não provado em a) devia ter sido dado como provado, e ainda para dar como não provado o facto dado como provado em 8 (parte inicial – de “O A. permaneceu em casa” até “ao serviço”).
67ª Por fim, e quanto à testemunha M. G., a mesma afirma que no dia 19 de março de 2020 se apresentou normalmente ao trabalho, confessando que nesse dia não esteve com o Autor.
68ª Ficou demonstrado, pelo seu depoimento, que a testemunha efetivamente perguntou ao filho do Réu, por mensagem de WhattsApp, se no dia 19 de março era para se apresentar ao serviço, mas como não obteve resposta decidiu comparecer no seu posto de trabalho – stand de vendas.
69ª Entretanto, e já no stand, a testemunha afirma, assertivamente, que recebeu uma resposta do filho do Réu, sendo clara ao afirmar que se encontrava sozinha no stand, ao contrário do afirmado pelo Autor ao Tribunal.
70ª Ficou igualmente demonstrado que, contrariamente ao que o Autor afirma, este não estava com as testemunhas M. G. e R. C. na garagem do prédio, (apenas com a testemunha R. C.), pelo que seria impossível ter presenciado a chamada telefónica da testemunha M. G. para o Réu.
71ª Para além de que, também não é verdade o afirmado pelo Autor quando diz que o Réu, nessa alegada chamada telefónica que presenciou, mandou a testemunha para casa, até segundas ordens.
72ª A testemunha, por sua iniciativa, e depois de ter sido declarado Estado de Emergência Nacional, voltou ao trabalho de forma a assegurar os seus compromissos.
73ª A testemunha afirma ainda que não recebeu ordens diretas do Réu para regressar ao trabalho, visto que aquele a deixou à vontade para voltar quando achasse melhor, sendo que, de igual modo, procedeu o filho do Réu, em virtude de terem acordado um desfasamento de horários.
74ª A testemunha afirma que durante algum tempo não teve contacto com o Autor, a não ser uma vez em que este lhe ligou, por motivos particulares, não tendo demonstrado interesse em saber como estavam as coisas no seu local de trabalho, nem tendo apresentado justificação para a sua ausência, agindo como se nada se passasse.
75ª Afirma, também, a testemunha, e de forma clara, que o Autor lhe teria dito que recebeu ordens expressas para que ficasse em casa.
76ª A testemunha revelou um depoimento sério e descomprometido, declarando com razão de ciência, de forma clara, objetiva, imparcial, congruente e credível, pelo que, no conjunto da prova produzida e de acordo com as regras da experiência comum, o depoimento desta testemunha serve para demonstrar que o facto considerado como não provado em a) devia ter sido dado como provado.
77ª Os recibos de vencimento servem para demonstrar que o facto considerado como provado pelo Tribunal a quo, sob o número 9., deveria ter sido considerado como não provado, dado que todos os créditos salariais foram pagos, sendo que nada é devido ao Recorrido, contrariamente ao por si alegado.
78ª Sucede que, o Tribunal a quo em nada considerou tal prova documental apresentada em sede de contestação pelo aqui Recorrente.
79ª No que concerne à quantia de 892,50€ referente ao subsídio de Natal do ano de 2019, esta já foi liquidado ao aqui Recorrido – conforme recibo de vencimento junto aos autos, em sede de contestação, como doc. nº 6, e que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos.
80ª Ademais, e apesar de o Recorrido, por sua iniciativa, ter decidido abandonar o seu posto de trabalho, sempre lhe foi liquidada integralmente a sua retribuição – mesmo durante o período em que esteve em casa e, portanto, sem exercer funções – tal como se demonstra pelos docs. nºs 7 e 8, juntos com a contestação.
81ª No que diz respeito às férias vencidas e não gozadas, bem como aos respetivos subsídios, o Recorrido bem sabe que nada lhe é devido, tal como se pode comprovar pelos recibos de vencimento do trabalhador/Recorrido juntos aos autos, com a contestação, sob os docs. nºs 9 a 21.
82ª Ainda, relativamente aos respetivos proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal em relação ao ano de cessação (2020), ao contrário do alegado pelo Autor/Recorrido tais valores também se encontram regularizados, não sendo, por isso, devidos – cfr. documento nº 8 junto em sede de contestação.
83ª Portanto, da conjugação da prova produzida, e face ao supra exposto, o Recorrente entende que o Tribunal a quo na sua matéria de facto fez incorreta análise de prova, porquanto, ao assim decidir, o Tribunal a quo incorreu em errada análise e interpretação da prova testemunhal, violando dessa forma o disposto nos artigos 413º do Código de Processo Civil e 341º e 362º do Código Civil.
84ª Ora, o Autor intentou a presente ação peticionando a sua reintegração no seu posto de trabalho ou o pagamento de uma quantia de €21.059,24, referente à indemnização prevista no art. 396º, nº 1 do Código do Trabalho, em virtude de um despedimento ilícito, bem como alegados créditos salariais.
85ª Nos presentes autos, o Tribunal foi chamado a apreciar os fundamentos do abandono do posto de trabalho comunicado ao demandante/autor como fundamento da cessação do contrato de trabalho por tempo indeterminado, que vigorava entre as partes desde 01/02/2017.
86ª Desse modo, o Tribunal considerou que o Autor nunca se mostrou indisponível para retomar as suas funções e, pelo contrário, queria retomar ao seu posto de trabalho, ficando claro o motivo por que nunca apresentou nenhuma justificação – estava a aguardar a chamada de regresso ao trabalho.
87ª Relativamente ao pedido reconvencional apresentado pelo aqui Réu, no qual vem pedir que se considere que o Autor não respeitou o pedido de aviso prévio na denúncia do seu contrato de trabalho, em que se traduziu o abandono do posto de trabalho, bem como em indemnização pelos danos que lhe causou de natureza não patrimonial, julgou o tribunal o pedido improcedente.
88ª No entanto, não pode o Recorrente aceitar tal entendimento.
89ª O Autor/Recorrido vem peticionar o valor de 17.879,75€ referente à indemnização prevista no art. 396º, nº 1 do Código do Trabalho, calculada a 45 dias por casa ano completo de antiguidade.
90ª Sucede que, o Autor/Recorrido não peticiona o reconhecimento da ilicitude de qualquer despedimento, limitando-se apenas a invocar ter direito à referido indemnização, sem fundamentar tal pedido.
91ª No entanto, não estamos perante qualquer caso de resolução do contrato com fundamento em facto previsto no nº 2 do art. 394º do CT, isto é, o referido artigo prevê a justa causa da resolução do contrato de trabalho, por iniciativa do trabalhador, de acordo com os factos elencados no nº 2 de tal preceito – o que não se verifica no caso em apreço.
92ª No caso concreto, estamos perante a cessação do contrato de trabalho devido ao abandono do posto de trabalho, logo não é devida qualquer indemnização ao Recorrido, ainda menos a consagrada no art. 396º do CT.
93ª Todavia, mesmo que o mui douto Tribunal assim não entenda, tal valor a ser devido, que não é, sempre seria de quantitativo manifestamente exagerado.
94ª Ademais, vem o Autor/Recorrido peticionar o montante de 3.629,49€ a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, bem como proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.
95ª Como anteriormente já foi demonstrado, a quantia de 892,50€ referente ao subsídio de Natal do ano de 2019, já foi liquidado ao aqui Recorrido – conforme recibo de vencimento junto aos autos, em sede de contestação, como doc. 6.
96ª O Recorrido, por sua livre iniciativa, decidiu abandonar o seu posto de trabalho, no final do dia 18 de março de 2020, não tendo mais regressado, sendo que durante o período em que se manteve em casa, foi-lhe liquidada integralmente a sus retribuição – cfr. docs. 7 e 8 juntos com a contestação.
97ª Assim, mesmo sem exercer funções, o Réu/Recorrente decidiu liquidar ao Autor/Recorrido a sua retribuição mensal, quando na realidade, tal não lhe era devido, uma vez que estamos perante um caso de abandono do posto de trabalho.
98ª Ademais, no que concerne às férias vencidas e não gozadas, bem como aos respectivos subsídios, o Recorrido bem sabe que nada lhe é devido, pois tais montantes já foram liquidados desde a ano de 2007 até à presente data no próprio ano de vencimento – cfr. docs. 9 a 21 juntos com a contestação.
99ª Aquando do abandono do posto de trabalho pelo Recorrido, o Recorrente solicitou aos seus serviços de contabilidade o apuramento das contas finais e eventuais créditos salariais devidos ao Autor/Recorrido.
100ª No ano de 2007, data de início do contrato, concedeu férias ao Recorrido, mas verificou que o subsídio de férias não se encontrava corretamente processado, pelo que, no recibo final (junto aos autos em sede de contestação e sob o nº 8), processou já o valor em falta, bem como processou o pagamento de 10 dias de férias vencidas e não gozadas.
101ª No que concerne aos respetivos proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal em relação ao ano de cessação (2020), tais valores também se encontram regularizados, não sendo, por isso, devidos – cfr. documento nº 8 junto com a contestação.
102ª Na Petição Inicial, vem o Autor/Recorrido dizer que “No dia 17 de Março de 2020, o A. no final do dia em conversa com o Réu, devido à situação de pandemia que o nosso país estava a atravessar, e uma vez que, iria ser decretado o Estado de Emergência, perguntou-lhe como iria ser “amanhã” (dia 18 de Março) ao que o Réu lhe respondeu “Ficas em casa, até novas ordens”.
103ª No entanto, da discussão da causa em audiência de julgamento, resultou provado que a referida conversa teve lugar, não no dia 17, mas sim no dia 18 de Março de 2020.
104ª Reafirma o aqui Recorrente que é totalmente falso que no dia 17 de Março de 2020, tal como primeiramente indicado pelo Autor, o mesmo tenha recebido qualquer ordem/instrução da parte do Réu/Recorrente para que a partir dessa data ficasse em casa, até novas ordens.
105ª Ao contrário do alegado pelo Recorrido, o que ocorreu no presente caso foi o seguinte:
106ª No final do dia 18 de Março de 2020, pelas 17:30horas / 18:00horas – final do dia de trabalho –, perante as notícias que se ouviam através da comunicação social, o Sr. Eng.º A. C., aqui Réu/Recorrente, referiu ao Autor/Recorrido que deviam aguardar o que iria ser decretado pelo Sr. Presidente da República, nunca tendo sido dito ao trabalhador para permanecer em casa até novas ordens.
107ª O Decreto-Lei do Presidente da República nº 14-A/2020 de 18 de Março que decretou o estado de emergência em Portugal, apenas foi publicado ao final desse dia, produzindo efeitos a partir das 0:00 horas do dia seguinte, isto é, do dia 19 de Março de 2020.
108ª No dia 18 de Março de 2020 ainda ninguém tinha conhecimento sobre quais os contornos do Estado de Emergência, e muito menos conhecimento de quais estabelecimentos teriam de ser encerrados ou quais poderiam continuar em funcionamento.
109ª Nem o Recorrente, nem ninguém, tinham como saber, no dia 18 de Março de 2020, quais seriam as obrigações impostas pelo Governo relativamente à execução do Estado de Emergência Nacional,
110ª E por isso mesmo, jamais o Recorrente poderia mandar os seus trabalhadores para casa, designadamente o Autor/Recorrido, dispensando antecipadamente o único funcionário que tinha para executar os trabalhos em atraso, como este bem sabia, pois tal foi-lhe comunicado.
111ª Recorde-se que apenas no dia 20 de Março de 2020 é que o Governo regulou a aplicação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República, o que fez através do Decreto-Lei nº 2-A/2020, de 20 de Março de 2020.
112ª Alem disso, se analisarmos aquele Decreto-Lei nº 2-A/2020, de 20 de Março, verificamos que as atividades que eram desempenhadas pelo Autor (categoria profissional de Encarregado de Obras) não foram as constantes do anexo I do referido diploma legal, e por isso não foram obrigadas a fechar/parar, o que também resulta da leitura da sentença.
113ª Atentas as circunstâncias excecionais que o mundo e o País atravessam devido à pandemia Covid19, caso o trabalhador/recorrido pretendesse ficar em casa, ou reduzir o eu horário de trabalho, o empregador/recorrente acederia.
114ª Mas foi o próprio Autor/Recorrido que decidiu ausentar-se do serviço ainda antes da entrada em vigor do Estado de Emergência.
115ª O Recorrente, em total cumprimento da lei, enviou, através de carta registada com aviso de receção, comunicação ao trabalhador, em virtude do seu comportamento consubstanciar abandono do posto de trabalho (e tal como previsto pelo art. 403º, nº 1, 2 e 3 do CT).
116ª O Autor/Recorrido rececionou tal comunicação, nada tendo feito, não tendo provado a ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da casa da ausência.
117ª O Recorrente, apesar de ter sido totalmente surpreendido com esta atitude do trabalhador, que de forma unilateral decidiu não mais comparecer ao serviço, continuou a processar o vencimento do trabalhador, por estar sempre à espera que este regressasse.
118ª O aspeto essencial do abandono do trabalho é a conduta do trabalhador (e esta tanto pode ser real como presumida), pelo que o comportamento adotado por este, além de consubstanciar abandono do posto de trabalho, é ainda uma violação grosseira dos seus deveres enquanto trabalhador.
119ª Além de que, faltando o trabalhador ao serviço, pelo menos, por dez dias úteis seguidos, (como foi o caso) sem que informe o empregador do motivo da sua ausência e desde que este não tenha ou não deva ter conhecimento do motivo da não comparência do trabalhador, funciona a presunção prevista no nº 2 do art. 403º do CT – presunção que pode ser ilidida nos termos do nº 4 do art. 403º do CT.
120ª Ou seja, o trabalhador tem de provar que ocorreu motivo de força maior que o impediu de comunicar ao empregador a sua ausência – neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo nº 629/12.4TTFUN, de 22/03/2017.
121ª Todavia, tal presunção não foi ilidida, porquanto o Recorrido nem sequer apresentou qualquer certificado de incapacidade para o trabalho, e/ou declaração emitida por Autoridade de Saúde, que atestasse ou justificasse a ausência do local de trabalho, ao invés intentou a presente ação a reclamar créditos salariais.
122ª A ausência é, então, entendida como uma verdadeira denúncia do contrato (art. 403º, nº 3 e 5 do CT), dado que o Recorrido não respeitou o período de aviso prévio previsto por lei, o que permite ao Recorrente reclamar indemnização pelos prejuízos causados, nos termos do art. 401º do CT.
123ª Atente-se ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo nº 8810/2008-4, de 21/01/2009, que refere que o abandono do trabalho constitui uma denúncia ilícita que importa responsabilidade para o trabalhador (nos mesmos termos estabelecidos para a denúncia sem aviso prévio) e que a denúncia se manifesta mediante um comportamento concludente, como seja a ausência do trabalhador ao serviço.
124ª Refere ainda o citado Acórdão que, apesar de não resultar expressamente da norma, o contrato de trabalho cessa a partir da data do início do abandono.
125ª De acordo com o plasmado no art. 400º do CT, o Autor/Recorrido deveria ter cumprido com o aviso prévio de 60 dias, tendo em conta a duração do seu contrato de trabalho ser superior a 2 anos.
126ª Pelo que, deve o Autor/Recorrido ser condenado ao pagamento da quantia de 1.785,00€ ao Recorrente, a título de indemnização prevista nos artigos 403º, nº 5, 401º e 400º do Código de Trabalho.
127ª O Autor desempenha funções junto do Recorrente há mais de 10 anos, sendo que com base nessa relação de confiança e de amizade, o Recorrente facultou uma habitação para o Autor e a sua família residirem, em regime de comodato.
128ª Sucede que, com o abandono do posto de trabalho, o Recorrente sentiu que toda a amizade e confiança depositada no Autor/Recorrido foi em vão.
129ª Pois além de ter abandonado as suas funções, sem apresentação de qualquer justificação, ainda promoveu diligências várias, com a participação junto da ACT e a presente ação, afetando a imagem, reputação e o bom nome do aqui Recorrente, enquanto Entidade Patronal.
130ª Deve, por isso, ser o Autor/Recorrido condenado em quantia nunca inferior a 1.000,00€ a título de danos não patrimoniais.
131ª À luz do artigo 128º do CT, referente aos deveres do trabalhador, constatamos que o seu nº 1, alínea b), prevê o dever de assiduidade e pontualidade e, assim, sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador tem o dever de comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade.
132ª Nesta matéria, é sabido que o dever de assiduidade – elemento essencial da relação laboral – está relacionado com a diligência que o trabalhador coloca na realização da sua atividade,
133ª Pelo que, o incumprimento/violação desse dever, origina uma quebra de lealdade e uma desobediência à entidade patronal, suscetível de afetar não apenas a produtividade, mas também a confiança do empregador quanto ao futuro comportamento do trabalhador – cfr. Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, Processo nº 637/08.0TTBRG.P1.S1, 4ª Secção, de 02/12/2010.
134ª Ora, diretamente relacionado com este dever de assiduidade, está o regime de faltas previsto nos artigos 248º do CT, que dispõe que se considera falta a ausência de trabalhador do local em que devia desempenhar a atividade durante o período normal de trabalho diário.
135ª Assim, a ausência do trabalhador que não seja comunicada ao empregador determina que a mesma seja considerada injustificada e, tal falta injustificada, constitui violação do dever de assiduidade – tal como dispõem o art. 253º, nº 1 e 5 e art. 256º, nº 1, ambos do CT.
136ª Ora, in casu, e tal como já referido, verificou-se que o Autor/Recorrido se ausentou do serviço por, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que informasse o Réu/Recorrente do motivo da sua ausência, pressupondo o abandono do posto de trabalho.
137ªAtentando ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo nº 9200/15.8T8LSB.L1.S1, 4ª Secção, de 26/09/2018, verificamos que para que haja abandono do trabalho, são necessários dois requisitos, um primeiro elemento objetivo (constituído pela ausência do trabalhador ao serviço, ou seja, pela sua não comparência voluntária e injustificada no local e tempo de trabalho a que estava obrigado) e um segundo elemento subjetivo (constituído pela intenção de não retomar o trabalho, isto é, pela intenção de não comparência definitiva no local de trabalho).
138ª Consta ainda do referido Acórdão que a ausência do trabalhador sem notícias é valorada como facto mais grave do que o mero cometimento de faltas, pois que ali não há lugar a um procedimento disciplinar.
139ª E ainda que o abandono pelo trabalhador sem notícias e, depois, sem apresentar motivo sério ultrapassa o quadro de normalidade das vicissitudes do contrato, inexistindo boa-fé e inexistindo relação com a empresa, considerando-se assim uma situação extintiva do contrato.
140ª Visto que a relação laboral pressupõe uma execução continuada, as faltas sucessivas integram um cumprimento defeituoso do vínculo, suscetível de gerar na entidade patronal a quebra de confiança no trabalhador.
141ª E, portanto, no caso concreto, entende o Recorrente que o comportamento do Recorrido consubstancia uma violação consciente, reiterada e de acentuada gravidade, face aos deveres que sobre ele impendem de assiduidade e pontualidade.
142ª Tudo porque, e segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo nº 9200/15.8T8LSB.L1-4, de 26/04/2018, é ao Recorrido que recai a obrigação de se apresentar ao serviço,
Isto é, é sobre o Recorrido que recai o dever de assiduidade, bem como o dever de comunicar a sua ausência – o que, aliás, resulta da imperatividade do regime de faltas, anteriormente mencionado.
143ª Contudo, no caso concreto, ficou claramente demonstrado que o Autor/Recorrido nunca se apresentou ao trabalho, nem justificou a sua ausência, violando, dessa forma, o dever de assiduidade.
144ª Em suma, deve o Autor/Recorrido ser condenado no pagamento ao Recorrente da quantia de 1.785€ a título de indemnização prevista nos artigos 403º, nº 5, 401º e 400º do CT, bem como a quantia de 1.000,00€ a título de danos não patrimoniais.
145ª Assim, e considerando, o Recorrente, que o Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação e aplicação do direito no caso em apreço, nomeadamente por violação do referido artigo 403º, nº 3, 4 e 5, 401º e 400 todos do Código do Trabalho, devendo ao invés ter julgado a ação de processo comum totalmente improcedente por não provada e, em consequência, julgar lícita a cessação do contrato de trabalho por abandono do posto de trabalho,
146ª E ainda julgar procedente, por provada, a reconvenção apresentada em sede de contestação e, em consequência, ser o Autor condenado a pagar ao Réu a quantia de €1.785,00 a título de indemnização prevista nos artigos 403º, nº 5, 401º e 400º do Código do Trabalho, isto é, o valor equivalente ao período de aviso prévio que o Autor não respeitou em virtude da denúncia do contrato de trabalho correspondente ao abandono do posto de trabalho,
147ª E ser o Autor condenado a pagar a quantia de €1.000,00 a título de danos não patrimoniais.»
O A. não apresentou resposta ao recurso do R..
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da procedência parcial do recurso.
Vistos os autos pelas Exmas. Adjuntas, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões que se colocam a este tribunal são as seguintes:
- indeferimento da reclamação contra factualidade considerada assente no despacho saneador;
- modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
- despedimento ilícito do A. pelo R. ou abandono do trabalho pelo A. e consequente indemnização ao R.;
- créditos laborais.
Previamente, impõe-se pronúncia sobre a junção de documentos com o recurso.

3. Fundamentação de facto

Os factos provados são os seguintes:
1. O A. foi admitido para trabalhar sob a autoridade e direcção do R. no dia 01/02/2007.
2. O A. sempre exerceu as suas funções na Urbanização ..., de forma a estar disponível, residindo na mesma urbanização num apartamento facultado pelo R. (alterado nos termos do ponto 4.2.).
3. O A. cumpria o horário de trabalho das 08h00 às 12h30 horas e das 14h00 às 18h30 horas, estando ainda disponível para qualquer situação urgente fora deste horário, mesmo aos fins-de-semana.
4. O A. auferia a retribuição mensal de € 892,50, acrescida de subsídio de alimentação.
5. O A. recebeu em 13/04/2020 a comunicação remetida pelo R. constante do doc. de fls. 24 a 25, datada de 7/04/2020, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido (alterado nos termos do ponto 4.3.).
6. No final do dia 18/03/2020, o A., devido à situação de pandemia então surgida, e ao Estado de Emergência que iria ser decretado, perguntou ao R. como iria ser no dia seguinte, ao que este respondeu que tinham de esperar para saber quais as restrições legais que em concreto iriam ser estabelecidas (alterado nos termos do ponto 4.3.).
7. No dia 19/03/2020, o A. foi fazer a ronda pelas garagens, e deparou-se com uma situação estranha num estacionamento, tendo-a reportado ao filho do R., o qual se deslocou ao local para a resolverem (alterado nos termos do ponto 4.3.).
8. A partir de então, o A. permaneceu em casa, com conhecimento do R., residindo ambos na mesma urbanização, e no final do mês de Março, quando questionado pelos serviços de contabilidade quanto ao tratamento a dar às faltas dos trabalhadores, designadamente do A., o R. respondeu que os salários fossem pagos por inteiro (alterado nos termos do ponto 4.3.).
9. O R. pagou ao A. o subsídio de Natal de 2019 (alterado nos termos do ponto 4.3.).
10. Existia uma relação de confiança e amizade entre A. e R. (aditado nos termos do ponto 4.3.).

4. Apreciação do recurso

4.1. Levanta-se a questão da admissibilidade de junção pelo Apelante de documentos com as suas alegações.
Dispõe o art. 651.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o art. 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Estabelece, por seu turno, o art. 425.º do mesmo diploma que depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Sobre esta questão, acolhe-se o que escreve Antunes Varela (1): “A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1.ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.
Todos sabem, com efeito, que nem o Juiz, nem o Colectivo se podem utilizar de factos não alegados pelas partes (salvo o disposto nos artigos 514.º e 665.º do CPC). Mas que podem, em contrapartida, realizar todas as diligências probatórias que considerem necessárias à averiguação da verdade sobre os factos alegados (arts. 264.º n.º 3, 535.º, 612.º, etc.) e que nem o juiz nem o tribunal se têm de cingir, na decisão da causa, às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação ou aplicação das regras de direito (art. 664.º-1.ª parte).
A decisão de primeira instância pode, por isso, criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam. Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar”.
Ora, no caso em apreço, os documentos juntos têm em vista provar que o A. residia na urbanização acima identificada numa casa cedida pelo R. a título de comodato, como invocado no art. 137.º da contestação, de modo a convencer que devia ter sido deferida a reclamação apresentada contra a consideração como assente de diferente factualidade no despacho saneador.
Trata-se, pois, de factualidade anterior ao encerramento da discussão na 1.ª instância, estando os documentos disponíveis também em data anterior, não sendo caso de produção de prova que só se tenha tornado necessária em virtude da sentença proferida, nem de impossibilidade de junção em momento anterior.
Não se admite, por isso, a junção aos autos dos mencionados documentos, cujo desentranhamento se ordenará a final.
4.2. Sustenta o Apelante que deveria ter sido deferida a reclamação que oportunamente apresentou contra a consideração como assente, no despacho saneador, de que o Autor residia na urbanização no apartamento destinado ao encarregado de obras, na parte onde refere “destinado ao encarregado de obras”, uma vez que impugnou tacitamente esta parte quando, no art. 137.º da contestação, alegou que o A. residia na Urbanização ... tendo em conta a relação de especial amizade e confiança que o R. depositava no A. e a título de comodato.
Ora, compulsados os articulados, constata-se que assim é, pelo que, em conformidade, altera-se a parte final do ponto 2. da factualidade provada.
4.3. No que respeita a alterações da matéria de facto, o Recorrente requer desde logo que seja rectificado o teor do ponto 5., de modo a constar que a comunicação do R., datada de 7/04/2020, foi recebida pelo A. em 13/04/2020, face aos documentos n.ºs 4 e 5 juntos com a contestação.
Ora, compulsados tais documentos, é inequívoco o lapso cometido quanto à data do recebimento da comunicação, pelo que se defere o requerido.

O Apelante pretende ainda a alteração da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova, designadamente de depoimentos e documentos, nos seguintes termos:
- devem ser considerados não provados os seguintes factos considerados como provados pelo tribunal recorrido:
6. No final do dia 18/03/2020, o A., devido à situação de pandemia então surgida, e ao Estado de Emergência que iria ser decretado, perguntou ao R. como iria ser no dia seguinte, ao que este lhe respondeu “ficas em casa, até novas ordens”.
7. (parte inicial) No dia 19/03/2020, apesar dessas instruções para ficar em casa (…)
8. (parte inicial) O A. permaneceu em casa a aguardar um telefonema do R. para se apresentar ao serviço.
9. O R. não pagou ao A. as quantias referentes a férias não gozadas no ano de 2020 e aos proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal correspondentes ao trabalho prestado em 2020.
- devem ser considerados provados os seguintes factos considerados como não provados pelo tribunal recorrido:
a) Desde o dia 19/03/2020, o A., sem apresentar nenhuma justificação para o efeito, não mais compareceu ao serviço, tendo trabalhado até 18/03/2020 pelas 17h30 horas;
b) Existia uma relação de confiança e amizade entre A. e R., tendo o demandante comprometido esta relação ao apresentar queixa junto da ACT e ao intentar esta acção, afectando a imagem e o bom nome do R..

O tribunal recorrido fundamentou a sua decisão sobre a matéria de facto nos seguintes termos:
«Na presente lide A. e R. vieram apresentar duas versões diametralmente opostas quanto ao motivo pelo qual o demandante deixou de se apresentar no seu posto de trabalho, uma vez que enquanto o primeiro justifica a sua ausência com uma ordem do empregador aqui demandado para permanecer no seu domicílio até ser novamente chamado para trabalhar, o segundo considerou a ausência do A. injustificada como abandono do seu posto de trabalho.
Ora, o Tribunal considerou como meios de prova, não só as declarações prestadas por ambos A. e R. como o depoimento da testemunha M. G. conjugando-as com as regras da experiência comum que aqui se revelaram determinantes.
Antes de mais, incumbe salientar que a conversa ocorrida entre os aqui litigantes no dia 18/03/2020 não foi presenciada por qualquer outra pessoa, pelo que o conteúdo da mesma apenas daqueles é conhecido. Mas, sucede que o Tribunal atendeu ao contexto em que a mesma decorreu, nomeadamente, a pandemia determinada pelo vírus Covid19 que determinou o decretamento do estado de emergência. Basta atentarmos nas notícias veiculadas nos meios de comunicação social à data, para se perceber que logo às primeiras horas do dia 18/03/2020 a declaração do estado de emergência seria inevitável – cita-se aqui por exemplificativa a notícia do Jornal Expresso on-line publicadas às 07h23 horas desse mesmo dia em que se destacava “Marcelo Rebelo de Sousa anunciou que fala ao país hoje à noite e tem tudo a postos para decretar o estado de emergência. O decreto presidencial está pronto. António Costa colaborou. E o Presidente só espera luz verde do Conselho de Estado, que se reúne às 10h00, para pedir parecer ao Governo e autorização ao Parlamento. Quando a tiver, assina, manda publicar e anuncia. O estado de emergência pode começar à meia noite desta quarta-feira.” e, efectivamente, nesse mesmo dia foi publicado o Decreto do Presidente da República no 14-A/2020 em que foi decretado o estado de emergência, com o confinamento que se seguiu e que é do domínio público.
Assim, tanto para o A. como para o R. era manifesto que o país iria entrar num período de confinamento e que as relações laborais iriam ser alteradas em conformidade e tanto assim era que a testemunha M. G. foi clara ao afirmar que o R. lhe disse para ficar em casa até data indeterminada mas, pelo menos por um período de 15 dias.
A estas considerações acresce ainda que estamos perante um trabalhador classificado pelo próprio demandada como assíduo e cumpridor, pelo que caso a sua ausência tivesse sido injustificada o R. estranharia o seu comportamento e procuraria indagar dos motivos das suas faltas consecutivas. Não o fez. Não o procurou, nem sequer lhe telefonou para saber o que se passava, os motivos pelos quais não havia voltado ao seu posto de trabalho e na nossa firme convicção, não o fez porque foi o próprio que lhe deu instruções expressas para ficar em casa, bem sabendo que essas eram também as indicações dadas por força do mencionado estado de emergência. Não foi sequer invocado pelo R. que no decurso do período de ausência do A. lhe tivesse sido solicitada a realização de alguma tarefa (dado que algumas profissões nunca cessaram completamente a sua actividade, como, por exemplo, a construção civil) que este se tivesse recusado a cumprir, tal como confirmou a testemunha R. C., filho do R. e o seu representante quando aquele se ausenta. Esta última testemunha foi ainda relevante no sentido de confirmar que o A. no dia 19/03/2020 – dia seguinte ao início do estado de emergência – fez uma ronda pelas garagens do edifício que o R. detém e verificando que existia uma viatura indevidamente ali estacionada o alertou para esta circunstância, o que igualmente nos pareceu incompatível com a atitude de quem pretendia simplesmente ausentar-se do seu posto de trabalho. A este propósito realça-se ainda que não foi sequer invocado que o demandante tivesse desde Março de 2020 qualquer outra ocupação profissional que lhe permitisse obter um rendimento mensal, o que acresce a relevância do seu posto de trabalho junto do R. o que não só lhe proporcionava um rendimento monetário, como um local de residência, sendo certo que o A. tinha e tem um agregado familiar a seu cargo (cônjuge, filha e neto) tal como confirmado pelo seu cônjuge I. P..
A estes meios de prova acresce ainda a inexistência de qualquer prova documental que atestasse o pagamento das quantias peticionadas pelo A. a título de créditos laborais.»
O Apelante fundamenta as alterações atinentes aos pontos 6., 7., 8., a) e b) no depoimento de parte do A., nas declarações de parte do R. e nos depoimentos das testemunhas R. C. e M. G., que trabalhavam no stand de vendas da Urbanização em causa, sendo o 1.º também filho do R..
Compulsados os depoimentos do A. e do R., constata-se que reconhecem que no final da jornada de trabalho do dia 18 de Março de 2020 conversaram sobre o anunciado decretamento do Estado de Emergência, divergindo essencialmente no que toca à resposta que o segundo terá dado à pergunta do A., sendo certo que mais ninguém se encontrava presente.
Ora, tendo em conta que na altura se desconheciam as concretas restrições que iriam ser implementadas e o seu âmbito de aplicação, não se afigura credível que o R. tivesse dito peremptoriamente ao A. que ficasse em casa, sendo mais consentâneo com o contexto e com a conduta do A. descrita no ponto 7. e a das testemunhas R. C. e M. G. no mesmo dia 19/03/2020 (esta perguntar àquele se era para trabalhar ou para ir para casa e aquele responder que devia colocar a questão ao pai) que tivesse respondido ao A. que tinham de aguardar por tal concretização.
Em face do exposto, alteram-se os pontos 6. e 7 em conformidade.
Relativamente à matéria controvertida dos pontos 8. e a), resulta dos depoimentos do R. e das testemunhas identificadas que o primeiro, no dia 19/03/2020 (alegadamente tendo em conta que o A., por sua iniciativa, não estava a trabalhar), decidiu que todos aguardassem em casa até ao fim de semana seguinte. E resulta também das declarações de parte do R. que, residindo ambos na Urbanização identificada, era do seu conhecimento que o A. se mantinha em casa, quer por vê-lo, quer porque o seu filho e a M. G. o viam e lho reportavam. O R. disse ainda que só depois soube que o sector da construção civil não estava abrangido pela obrigação de confinamento e que no final do mês, questionado pela contabilidade quanto ao tratamento a dar às faltas dos trabalhadores, designadamente do A., respondeu que os salários de Março fossem pagos por inteiro. E, efectivamente, constata-se do recibo relativo a Março de 2020 que foram processados 30 dias de trabalho e 22 dias úteis de subsídio de refeição, enquanto do recibo relativo a Abril já resulta que foi descontada a retribuição dos 7 dias de trabalho decorridos até à data da comunicação de abandono do trabalho, a título de faltas injustificadas (documentos n.ºs 7 e 8 juntos com a contestação).
Assim, importa alterar o ponto 8. em conformidade, incluindo quanto ao pagamento do salário de Março de 2020, oportunamente alegado na contestação e confessado pelo A..
No que toca à factualidade da alínea b), é pacífico que se considere provado que existia uma relação de confiança e amizade entre A. e R., pois o próprio A. o confessou, sendo a restante parte meramente conclusiva.
No que respeita ao ponto 9., resulta da sentença recorrida que se deu como provado que o R. não efectuou o pagamento de créditos laborais porque inexiste prova documental que ateste o pagamento. Todavia, obviamente, a falta de prova do pagamento não significa por si só que haja prova do não pagamento, pelo que tal facto não podia ser dado como provado apenas com a mencionada justificação.
De qualquer modo, importa verificar se, relativamente aos créditos em que o R. foi condenado, existe prova do respectivo pagamento, como alegado na contestação e em sede de recurso.
Compulsada a sentença, verifica-se que se condenou o R. a pagar ao A. o subsídio de Natal de 2019 e as férias vencidas em 1/01/2020 e o respectivo subsídio, no valor de 2.677,50 € (892,50 x 3), bem como as férias e subsídios de férias e de Natal proporcionais ao trabalho prestado no ano de 2020, no valor de 718,89 € (239,63 € x 3).
Não obstante, consta dos autos um recibo datado de 30/11/2019, referente ao subsídio de Natal de 2019, devidamente assinado pelo A. (doc. n.º 6 junto com a contestação), pelo que se impõe considerar provado que o mesmo está pago.
Já relativamente a proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal, bem como a férias vencidas em 1/01/2020 e respectivo subsídio, o recibo junto com a contestação como documento n.º 8 nada prova, pois não está assinado pelo A., sendo certo que a dedução de 60 dias de retribuição a título de aviso prévio em falta, que dali consta, perfazendo um saldo negativo de 535,95 €, implica precisamente que não possam considerar-se pagas aquelas verbas. Acresce que o A. foi admitido ao serviço do R. no dia 01/02/2007, pelo que tinha direito a gozar férias e receber o respectivo subsídio logo nesse ano, e, assim, ao contrário do que o R. sustenta, o recibo datado de 30/11/2007, junto com a contestação como documento n.º 9, relativo a 12 dias de subsídio de férias, de modo algum prova que o R. pagava antecipadamente as férias que se venceriam em 1 de Janeiro do ano seguinte e respectivo subsídio.
Em face do exposto, apenas se pode dar como provado que o R. pagou ao A. o subsídio de Natal de 2019, alterando-se o ponto 9. em conformidade.
4.4. Importa, então, decidir se, em face da factualidade provada, deve entender-se que não ocorreu o despedimento ilícito do A. pelo R., em virtude de ter sido validamente invocado pelo R. o abandono do trabalho pelo A., como sustenta o Apelante.

Estabelece o art. 403.º do Código do Trabalho:
Abandono do trabalho
1 - Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de não o retomar.
2 - Presume-se o abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência.
3 - O abandono do trabalho vale como denúncia do contrato, só podendo ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida deste.
4 - A presunção estabelecida no n.º 2 pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência.
5 - Em caso de abandono do trabalho, o trabalhador deve indemnizar o empregador nos termos do artigo 401.º.

Assim, são dois os elementos constitutivos do abandono do trabalho:
- um elemento objectivo, traduzido na ausência do trabalhador ao serviço, isto é, na não comparência, voluntária e injustificada, no local e no tempo de trabalho a que está obrigado;
- um elemento subjectivo, traduzido na intenção de não retomar o serviço, ou seja, na intenção de não comparência definitiva ao trabalho, a retirar de factos que, com toda a probabilidade, a revelem.
Em suma, antes de mais, é suposto que o trabalhador esteja numa situação de faltas injustificadas, seja por carência de motivo atendível, seja por falta de comunicação, mas, ainda, é também necessário que o trabalhador assuma um comportamento concludente, no sentido de evidenciar que, de facto, quis pôr termo ao contrato de trabalho, embora sem proceder a uma declaração expressa nesse sentido junto do empregador (2).
No entanto, através da presunção de abandono do trabalho estabelecida no n.º 2 do preceito em análise, cuja base consiste na falta ao serviço durante 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência, o legislador veio libertar o empregador de provar o elemento subjectivo, pois, invocados tais elementos da presunção de abandono pelo empregador, por carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida do trabalhador, nos termos do n.º 3, passa a incumbir ao trabalhador a prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência.
Já esta comunicação prevista no n.º 3 não integra um facto constitutivo da denúncia do contrato por abandono do trabalho, tratando-se apenas de um requisito ou condição de atendibilidade ou de invocação da cessação do contrato pelo empregador.
Retornando ao caso em apreço, provou-se que, no final do dia 18/03/2020, o A., devido à situação de pandemia então surgida, e ao Estado de Emergência que iria ser decretado, perguntou ao R. como iria ser no dia seguinte, ao que este respondeu que tinham de esperar para saber quais as restrições legais que em concreto iriam ser estabelecidas.
Daqui decorre que, perante a situação imprevista e sem precedentes que consistiu no iminente decretamento do Estado de Emergência, o próprio R. se viu, no final da jornada de trabalho do dia 18 de Março de 2020, numa situação de indefinição e de não ter uma resposta inequívoca para dar ao A. quanto ao trabalho no dia seguinte, dizendo-lhe que teriam de esperar para saber quais as restrições legais que em concreto iriam ser estabelecidas, o que, sem mais, tanto podia ser entendido pelo A. como devendo continuar a apresentar-se ao trabalho até indicação em contrário, como que devia aguardar por instruções do R., depois de publicados os diplomas legais que concretizassem as restrições às liberdades de empresa e de trabalho, entre outras, decorrentes da pandemia COVID19.
Ora, através do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de Março, foi declarado o estado de emergência, com início às 0:00 horas do dia 19 de Março de 2020, mas apenas através do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de Março, entrado em vigor às 00:00 do dia 22 de Março de 2020, que veio regulamentar a aplicação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República, é que foi possível ter conhecimento das repercussões do mesmo na actividade do R..
Não obstante, apesar de A. e R. residirem ambos na Urbanização que constituía o local de trabalho do A., este num apartamento facultado pelo R., em situação de disponibilidade para o trabalho, e existindo uma relação de confiança e amizade entre ambos, não consta que o R. tenha interpelado o A. para retomar o trabalho.
Pelo contrário, o A. permaneceu em casa desde 19 de Março, com conhecimento do R., e no final desse mês, quando questionado pelos serviços de contabilidade quanto ao tratamento a dar às faltas dos trabalhadores, designadamente do A., o R. respondeu que os salários fossem pagos por inteiro.
Do exposto resulta que, no contexto de circunstâncias excepcionais então vividas, e de sucessiva produção legislativa sobre restrições e condicionamentos das actividades económicas, que nem sempre foi fácil assimilar e colocar em prática de imediato, o R. não considerou que as ausências do A. (e outros colegas) ao serviço, durante o mês de Março de 2020, fossem injustificadas, nem por falta de motivo atendível, nem por falta de comunicação, aprovando-as tácita mas inequivocamente ao pagar a respectiva retribuição (arts. 249.º, n.ºs 1 e 2, al. j) e 256.º, n.º 1 a contrario do Código do Trabalho).
Assim, não é possível concluir que, na data da comunicação ao A. da cessação do contrato de trabalho – 7 de Abril de 2020 – se verificavam os elementos constitutivos da presunção de abandono do trabalho, desde logo a ausência durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, já que, tendo as faltas em Março sido consideradas justificadas pelo R., desde o início do mês de Abril apenas tinham decorrido 5 dias úteis. Acresce que também não se verificavam os factos constitutivos do abandono de trabalho, uma vez que, ainda que a ausência do A. ao serviço durante aqueles 5 dias úteis do mês de Abril pudesse integrar o respectivo elemento objectivo, não se provaram factos que, com toda a probabilidade, revelem a intenção do A. de definitivamente não retomar o serviço. Pelo contrário, a factualidade provada evidencia que o A. permaneceu em casa, isto é, no apartamento facultado pelo R. na Urbanização que constituía o seu local de trabalho, e em que residia numa situação de disponibilidade para o trabalho, num contexto de confinamento geral da população por motivo da pandemia COVID-19, nada levando a crer que não se apresentasse imediatamente ao trabalho logo que interpelado pelo R., residente na mesma urbanização, como podia entender-se que tinha ficado assente no final do dia 18 de Março.
Em face do exposto, a invocação pelo R. da cessação do contrato de trabalho por denúncia do trabalhador através de abandono do trabalho não tem fundamento legal, não podendo deixar de equiparar-se a despedimento ilícito, como se entendeu na sentença recorrida (3).
4.5. No que se refere a créditos laborais peticionados pelo A., apenas se provou que o R. lhe pagou oportunamente o subsídio de Natal de 2019, no valor de 892,50 €, pelo que se impõe a alteração da sentença nesta parte.
Ao invés, o R. não logrou provar, como lhe competia nos termos do art. 342.º, n.º 2 do Código Civil, qualquer facto extintivo da dívida por férias vencidas em 1/01/2020 e respectivo subsídio, bem como da dívida por férias e subsídios de férias e de Natal proporcionais ao trabalho prestado no ano de 2020, pelo que é de manter a sentença nesta parte.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, e, em consequência, absolve-se o R. da quantia de 892,50 € relativa a subsídio de Natal de 2019, confirmando-se a sentença na restante parte.
Custas pelas partes na proporção do decaimento.
Determina-se o desentranhamento e restituição ao R. dos documentos juntos com o recurso, condenando-se o mesmo nas custas do respectivo incidente.
Guimarães, 15 de Junho de 2021

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso



1. Na RLJ, Ano 115.º, pág. 95, citado no Acórdão da Relação de Lisboa de 11 de Janeiro de 2012 (in www.dgsi.pt).
2. Cfr. o Acórdão desta Relação e Secção Social de 17 de Dezembro de 2019, proferido no processo n.º 1777/18.2T8BCL.G1, disponível em www.dgsi.pt.
3. Cfr. o Acórdão desta Relação e Secção Social de 22 de Outubro de 2015, proferido no processo n.º 216/14.2TTVRL.G1, não publicado.