Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
97/19.0T8VNC.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR NÃO ESPECIFICADO
REQUISITOS
CONCORRÊNCIA DESLEAL
PROXIMIDADE DAS ACTIVIDADES DESENVOLVIDAS PELOS AGENTES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário do Relator:

I – São requisitos (de fundo e de forma) necessários ao decretamento da providência cautelar não especificada:

a) - Probabilidade séria da existência de um direito (aparência do direito - «fumus bonis juris»).
b) - Fundado receio de que a demora natural na solução do litígio causará uma lesão grave e dificilmente reparável (do direito que se pretende fazer valer em ação pendente ou a instaurar - «pericullum in mora»).
c) - Desde que o prejuízo resultante de um tal recurso não exceda consideravelmente o dano que, através da providência, se pretenda evitar.
d) - E não cabimento da possibilidade de recorrer a qualquer outro tipo de procedimento cautelar nominado.

II – A falta da verificação (cumulativa) destes requisitos importa a improcedência da providência cautelar requerida.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

M .G. (Estabelecimento Comercial X), instaurou contra M. C. (Estabelecimento Comercial A) procedimento cautelar comum, peticionando:

- A condenação da Requerida a retirar todas as cadeiras, mesas e guarda-sóis e outros equipamentos que coloca em frente da fachada virada a norte do estabelecimento da Requerente;
- A condenação da Requerida a retirar todas as mesas, cadeiras e guarda-sóis que coloca em frente das portas principais do estabelecimento da Requerente, o que permitirá o livre e incondicional acesso de pessoas e bens ao estabelecimento “X”;
- A condenação da Requerida a abster-se de todos os comportamentos que de alguma forma colidam com o exercício normal da atividade económica da Requerente, nomeadamente seja aquela impedida de “arrumar” todo o mobiliário da esplanada encostado à fachada do “X”.
- A condenação da Requerida, nos termos do n.º 2 do artigo 365º do CPC, no pagamento de uma multa e indemnização a título de sanção pecuniária compulsória, adequada a assegurar a efetividade da providência decretada;

Para tanto alegou, em resumo, que é proprietária de um estabelecimento comercial denominado “X”, destinado a comércio e serviços, estabelecimento esse que possui quatro portas, duas viradas a poente e outras duas viradas a norte, sendo que estas últimas são as portas principais do estabelecimento, uma vez que deitam diretamente para a zona mais ampla do Largo ....
A Requerida, proprietária do estabelecimento “vizinho” ao da Requerente, denominado “A”, dispõe a “sua” esplanada ocupando todo o espaço em frente e ao longo de toda a fachada virada a norte do estabelecimento “X”, colocando mesas e cadeiras “coladas” à fachada do estabelecimento da Requerente, chegando mesmo ao ponto de colocar algumas dessas mesas e respetivas cadeiras em frente às portas do “X”, facto este que impede o acesso ao interior do estabelecimento da requerente.
As mesas, cadeiras, guarda-sóis e respetivas estruturas, pertencentes ao estabelecimento “A”, são, por vezes, amontoados, colocados e “arrumados” de forma a que, também por esta via, o acesso de pessoas e bens, ao estabelecimento ”X”, através das suas principais portas seja estorvado e, por vezes, até mesmo impedido.
Os comportamentos da Requerida supra descritos e na circunstância de tempo em que ocorreram e ocorrem já causaram, ainda hoje causam e causarão no futuro, vultuosos prejuízos económicos e financeiros à atividade económica desenvolvida no estabelecimento da Requerente, bem assim como muito perturbaram, hoje são causa de transtornos emocionais da Requerente, e, ainda, dos maiores temores relativamente ao futuro, causando-lhe grande angústia e sofrimento com implicações na qualidade de vida, da Requerente, nomeadamente no seu relacionamento familiar, situação com tendência para se agravar com o decorrer do tempo e a manutenção da situação descrita.
*
Citada, a requerida M. C. deduziu oposição, invocando a exceção de incompetência absoluta dos tribunais judiciais para apreciarem a providência ou, assim não se entendendo, concluindo pelo não decretamento da providência (cfr. fls. 28 a 34).

Alegou, em síntese, que a sua esplanada está devidamente licenciada e que a requerente não está impedida de realizar o seu negócio, na medida em que o acesso ao seu estabelecimento pode ser efetuado pelas duas portas viradas a poente.
*
Realizada a produção de prova, o Tribunal “a quo” julgou improcedente a providência cautelar requerida e, em consequência, não decretou a mesma (cfr. fls. 57 a 66).
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Inconformada com esta decisão, a requerente dela interpôs recurso e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (cfr. fls. 67 a 78):

«Primeira conclusão
O presente recurso é interposto da aliás douta sentença que, naqueles precisos termos, “(...) julgo improcedente por não provada a presente providência cautelar e em consequência não decreto a mesma”, e versa sobre matéria de facto e de direito.

Segunda Conclusão
Na sentença em análise, considerou o MMº. Juiz a quo “(...) com relevância para a decisão da causa, não está indiciariamente provado que:
a) O impedimento de entrada pelas portas viradas a norte causa prejuízos à requerente.
b) E perturba emocionalmente a Requerente, causando-lhe grande angústia e sofrimento com implicações na qualidade de vida, da Requerente, nomeadamente no seu relacionamento familiar. (…)”

Terceira Conclusão
Em conformidade com o teor dos depoimentos supra transcritos, as conclusões do MMº. Juiz a quo, constantes das referidas alíneas a) e b) dos factos não provados, não se encontram sustentadas.

Quarta Conclusão
Ao invés, e no que à prova exigida em sede de providência cautelar diz respeito, e tendo em conta os critérios definidos, e as exigências da lei quanto à prova a produzir nestes processos, tudo conjugado com a regra da experiência comum, sempre deveria, o MMº. Juiz ter concluído que:
c) O impedimento da entrada pelas portas viradas a norte causa prejuízos à requerente;
d) E perturba emocionalmente a requerente causando grande angústia e sofrimento.

Quinta Conclusão
Por ser essa a decisão que se impunha em resultado da prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente os depoimentos das testemunhas, que para efeito da sua valoração, foram atendidos pelo MMº. Juiz porque possuíam “conhecimentos, objetivos e convincentes sobre a referida matéria controvertida”(artigo 640º do CPC n.º 1 al. c))

Sexta Conclusão
Sem prescindir e ainda no âmbito do julgamento da matéria de facto,
São suficientes os factos dados como provados e que constam da fundamentação na matéria dada como provada pelo MMº. Juiz a quo, nomeadamente os artigos 1º), 2º), 3º), 4º), 6º), 7º), 11º), 12º), 13º), 17º), para se poder concluir pelo preenchimento dos requisitos de que a lei faz depender o decretamento da providência.

Sétima Conclusão
Face à matéria supra dada como provada, estão preenchidos os requisitos de que a lei faz depender o decretamento da providência cautelar, nomeadamente o requisito fumus boni iuris quanto à existência do direito a acautelar e o requisito do periculum in mora.

Oitava Conclusão
Contrariamente ao teor da conclusão ínsita do ponto 14º) da matéria dada como provada pelo MMº. Juiz do processo, os documentos juntos a fls 41v-43 conjugados com o depoimento da testemunha M. A., fiscal da Câmara Municipal de ..., a requerida não possui uma esplanada devidamente licenciada pela Câmara Municipal de ....

Nona Conclusão
Os documentos referidos na conclusão anterior não são aptos a que deles se possa extrair ”A esplanada da requerida está licenciada pela Câmara Municipal de ....”

Décima Conclusão
Mas tão somente de que a requerida é titular de uma Autorização para ocupação do espaço público que impõe o cumprimento das normas do DL 48/2011 e a mesma não cumpre.

Décima Primeira Conclusão
Em conclusão, com a decisão da matéria de facto, e a respetiva motivação, ora posta em crise, andou mal o MMº. Juiz a quo, extraindo daquele julgamento as consequências para a decisão final do não decretamento da providência, o que não poderia ter feito, tendo incorrido em erro na apreciação da prova.

Décima Segunda Conclusão
O MMº. Juiz a quo, concluiu, em nosso modesto entendimento, erradamente, que no presente no pleito o que está em causa: “(…) São dois direitos que estão no mesmo grau e que dizem respeito ao exercício das atividades económicas que ambas prosseguem. “

Décima Terceira Conclusão
Dos factos dados como provados em 11º), 12º) e 13º), deveria o MMº. Juiz ter concluído que o direito da requerente se encontra fortemente diminuído em razão do exercício do mesmo direito, tal como a requerida o materializa.

Décima Quarta Conclusão
Em razão dos factos dados como provados em 11º), 12º) e 13º), deveria o MMº. Juiz a quo ter concluído que a requerida ao adotar tais comportamentos, exerce, relativamente à requerente, concorrência desleal, porquanto, conforme ensina Oliveira Ascensão, Concorrência Desleal, 1994, págs. 91.)
“(…) um acto exterior ao exercício da empresa, tendente a outorgar uma posição de vantagem no mercado, contrário às normas e usos honestos, de qualquer ramo de actividade económica, assumindo a natureza de desleal quando seja dotado de virtualidades que lhe permitam operar uma subtracção, efectiva ou potencial, da clientela de outra pessoa. (…)”

Décima Quinta Conclusão
A decisão proferida padece de falta de fundamentação de direito quanto à matéria alegada pela requerente no que à concorrência desleal diz respeito, nos termos e para os efeitos do artigo 615º n.º 1 al. b) do CPC.

Décima Quinta Conclusão
A aplicação do artigo 61º da CRP, no entendimento adotado pelo MMª., in casu, permite que a requerida viole o direito da requerente constitucionalmente previsto no artigo 62º da CRP, uma vez que impede esta de aceder ao estabelecimento comercial da sua propriedade.

Décima Sexta Conclusão
A requerida não cumpre o estabelecido no DL 48/2011 e respetivos anexos, na sua formulação atual.

Décima Sexta Conclusão
Em razão do teor das conclusões anteriores e dos factos dados como provados nos artigos 1º), 2º), 3º), 4º), 6º), 7º), 11º), 12º), 13º), 17º), mostram-se verificados os requisitos fumus boni iuris e periculum in mora, e como tal, deveria a presente providencia cautelar ter sido decretada.

Décima Sétima Conclusão
Ao não ter sido decretada, nos teremos referidos nas conclusões anteriores, incumpriu o MMº. Juiz a quo os dispositivos dos artigos 58º, 61º, 62º e 99 º da CRP, o DL 48/2011 e ainda os artigos 615º nº1 al. b) e 362º ambos do CPC.

Nestes termos, e nos mais de direito que V. Exas Senhores Juízes Desembargadores do Respeitável Tribunal da Relação de Guimarães, doutamente suprirão, deve ser revogada a decisão do Tribunal a quo e substituída por outra que decrete a providência cautelar inominada interposta, nos precisos termos em que foi requerida.
Com o que se fará
JUSTIÇA».
*
Contra-alegou a requerida, pugnando pela improcedência do recurso de apelação (cfr. fls. 80 a 86).
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 88).
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:

1.ª – Da nulidade da sentença por falta de fundamentação de direito quanto à matéria alegada quanto à concorrência desleal;
2ª – Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
3ª – Se estão ou não verificados os pressupostos para o decretamento da providência cautelar não especificada;
*
III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

A decisão recorrida deu como indiciariamente provados os seguintes factos:

1º) A Requerente é proprietária de um estabelecimento comercial destinado a comércio e serviços, com a firma “X”, destinado, sobretudo, à atividade de venda de gelados artesanais e crepes, entre outros.
2º) O “X” encontra-se instalado no Terreiro / Praça....
3º) E encontra-se licenciado pela Câmara Municipal de ..., para a atividade que desenvolve.
4º) O estabelecimento possui quatro portas,
5º) duas viradas a poente
6º) e outras duas viradas a norte, as quais deitam diretamente para a zona mais ampla ....
7º) O “lay-out” do funcionamento do estabelecimento foi desenhado tendo como ponto de entrada de pessoas e mercadorias as portas viradas a norte.
8º) Adjacentes e em posição perpendicular ao estabelecimento em apreço, existem outros estabelecimentos comerciais de cafetaria/restauração.
9º) Todos eles têm instaladas esplanadas que estão viradas a poente.
10º) A Requerida é proprietária do estabelecimento denominado “A”, que é o mais próximo do da requerente.
11º) Dispõe a sua esplanada virada a poente, ocupando todo o espaço em frente e ao longo da fachada virada a norte do estabelecimento “X”.
12º) Colocando mesas e cadeiras próximas da fachada norte do estabelecimento da Requerente, chegando mesmo a colocar algumas dessas mesas e respetivas cadeiras em frente às portas viradas a norte do “X”.
13º) Impedindo ou dificultando o acesso ao interior do estabelecimento “X”, da Requerente, dos clientes e de mercadorias, por essas portas.
14º) A esplanada da requerida está licenciada pela Câmara Municipal de ....
15º) A esplanada do “X” encontra-se virada a poente.
16º) Entre os dias 13 a 18 de Outubro de 2018 a requerida fechou para férias, tendo colocado as mesas e cadeiras da esplanada junto à fachada norte do estabelecimento da requerente.
17º) O período de verão é o de maior movimento para a atividade comercial da requerente.
18º) O acesso ao estabelecimento da requerente pode ser feito através das duas portas viradas a poente.
*
E deu indiciariamente como não provado que:

a) O impedimento de entrada pelas portas viradas a norte causa prejuízos à requerente.
b) E perturba emocionalmente a Requerente, causando-lhe grande angústia e sofrimento com implicações na qualidade de vida, da Requerente, nomeadamente no seu relacionamento familiar.
*
V. Fundamentação de direito.

1. Nulidade da sentença recorrida com fundamento na al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC.
1.1. Como é consabido, é através da sentença, conhecendo das pretensões das partes – pedido e causa de pedir –, que o juiz diz o direito do caso concreto (arts. 152º, n.º 2 e 607º, ambos do CPC).
Pode, porém, a sentença estar viciada em termos que obstem à eficácia ou validade do pretendido dizer do direito.
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão (art. 613º, n.º 3 do CPC) são as que vêm taxativamente enumeradas no n.º 1 do art. 615º do CPC.

Nos termos do n.º 1 do art. 615º do CPC, a sentença é nula, entre o mais, quando:

«b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».

A apontada nulidade está relacionada com o dever de fundamentação que decorre do princípio enunciado no art. 205.º, n.º 1, da Constituição da República, nos termos do qual as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, reiterando-se o referido princípio no art. 154.º, n.º 1, do CPC, onde se diz que as «decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas», não podendo essa justificação/fundamentação «consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade» (n.º 2 do art. 154º).

Acresce que, nos termos art. 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, devendo indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
A falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (enquanto causa de nulidade e vício de natureza processual) não pode confundir-se com a eventual ou imputável falta de adequação ou lógica jurídica entre a fundamentação apresentada e a decisão. Como salientam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora (1), «não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, e não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário».

Como tem sido reiteradamente apontado pela doutrina (2) e jurisprudência (3), só integra o apontado vício a falta absoluta de fundamentação da sentença, que não uma fundamentação simplesmente escassa, deficiente, incompleta, medíocre, não convincente ou mesmo errada. A insuficiência ou mediocridade da motivação pode afetar «o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade» (4).
*
1.2. Diz a recorrente que “é inexistente na fundamentação de direito qualquer sustento jurídico de onde se possa retirar a não verificação da alegada concorrência desleal, o que se invoca, nos termos e para os efeitos do artigo 615º n.º 1 al. b) do CPC, o MMº. Juiz, em face do alegado refere, na aliás douta decisão, o seguinte:

“(…) No caso concreto, temos que, naquele espaço central de ..., existem vários estabelecimentos comerciais, todos com esplanadas viradas a poente (como é o caso das esplanadas da requerente e da requerida).
Assim, desde logo, a esplanada da requerida segue a configuração do local, não estando em contravenção com essa configuração.
Além disso, a esplanada da requerida está regularmente licenciada. (…)”
Ora, salvo o devido respeito, o que vem de transcrever-se, da fundamentação de direito, da sentença, é a constatação de factos, genérica, que nem sequer corresponde à realidade, conforme ficou demonstrado no que à matéria de facto se refere, e, em consequência, não subsumível à assunção de uma posição de direito, como se impõe, face ao alegado pela requerente”.

Analisada a sentença proferida nos autos verifica-se que, no que à fundamentação de direito diz respeito, mais concretamente quanto à inverificação da alegada concorrência desleal, o Mmº Juiz “a quo” não deixou de enunciar o dipositivo legal onde tal instituto jurídico se mostra consagrado e, sequencialmente, na especificada aferição do requisito do fumus bonis iuris, concluiu pela sua não demonstração.
Ora, relativamente aos fundamentos de direito, o julgador não tem de analisar um por um todos os argumentos ou razões que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes; por outro lado, não se lhe impõe, conquanto seja de toda a conveniência, que na sentença indique, uma por uma, todas as disposições legais que fundamentam a decisão, sendo suficiente que faça menção aos princípios, às regras e normas em que a sentença se apoia.
Logo, constando da sentença recorrida os factos a que a decisão fez aplicação do direito (independentemente da recorrentes deles discordar), sendo que aquando do enquadramento jurídico dos factos provados o Mmº Julgador indicou, interpretou e aplicou as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final, não falta aquela fundamentação de direito, nem a sentença é nula.

Termos em que improcede a apontada nulidade da sentença.
*
2. Da impugnação da matéria de facto.

2.1. Em sede de recurso, a apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o/a recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no artigo 640º do CPC, o qual dispõe que:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».

Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que a recorrente indica quais os factos que pretende que sejam decididos de modo diverso, especificando igualmente a redação que entende dever ser proferida quanto à factualidade que entende estar mal julgada, como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua ótica o impõe(m), incluindo, no que se refere à prova gravada em que fazem assentar a sua discordância, a indicação dos elementos que permitem a sua identificação e localização, pelo que podemos concluir que cumpriram suficientemente o ónus estabelecido no citado artigo 640º.

Assim, no caso sub júdice, o presente Tribunal pode proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada, uma vez que, tendo sido gravada a prova produzida em audiência, dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre o(s) facto(s) em causa.
*
2.2. Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o artigo 662.º, n.º 1 do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se, resumidamente, de acordo com os seguintes parâmetros (5):

- só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
- sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento;
- nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes).
- a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância.
- a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
- ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão.
- se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com benefício da imediação e oralidade - apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
- a demonstração da realidade de factos a que tende a prova (art. 341º do Cód. Civil) não é uma operação lógica, visando uma certeza absoluta. A prova “visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto” (6). O mesmo é dizer que “não é exigível que a convicção do julgador sobre a realidade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança” (7).
*
2.3. Por referência às suas conclusões, extrai-se que a requerente/recorrente pretende:

i) – A alteração das respostas negativas para positivas das alíneas a) e b) da matéria de facto não provada.
Os referidos pontos fácticos objeto de impugnação têm o seguinte teor:
a) O impedimento de entrada pelas portas viradas a norte causa prejuízos à requerente.
b) E perturba emocionalmente a Requerente, causando-lhe grande angústia e sofrimento com implicações na qualidade de vida, da Requerente, nomeadamente no seu relacionamento familiar.

Resposta pretendida:

- O impedimento da entrada pelas portas viradas a norte causa prejuízos à requerente;
- E perturba emocionalmente a requerente causando grande angústia e sofrimento.
ii) - A modificação/alteração da resposta positiva do ponto 14 da matéria de facto provada da decisão recorrida.

É do seguinte teor o aludido ponto fáctico impugnado:

14º) A esplanada da requerida está licenciada pela Câmara Municipal de ....

Resposta pretendida:

14º) A requerida ocupa um espaço público, com pelo menos 70 m2, com base num “pedido de ocupação do espaço público” submetido on line no balcão do empreendedor, “aprovado automaticamente aquando da submissão.
*
Vejamos circunstanciadamente cada um dos factos impugnados.

< Alínea a) dos factos não provados.

Com o devido respeito, a pretensão impugnatória em apreço está desde logo destinada ao insucesso, visto esse ponto comportar matéria conclusiva.

Dispõe a esse respeito o art 607.º, n.º 4, do CPC que, na fundamentação da sentença, o juiz tomará «em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».

No âmbito do anterior regime do Código de Processo Civil, o art. 646.º, n.º 4, previa, ainda, que têm-se «por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes».

Muito embora esta norma tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação (de facto) da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria suscetível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos (8).

Com efeito, conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, os juízos conclusivos ou de valor não retratam ocorrências da vida real, quer internas, quer externas, mas sim o efeito e consequência dessas mesmas ocorrências, conclusões essas que cabe ao julgador extrair na prolação da sentença, dos factos dados como provados. Trata-se de matéria que não se cinge ao elencar do facto, mas tem em si, explicita ou implicitamente, considerações valorativas sobre esse facto, ou seja, apreciações que ultrapassam a objetividade do facto e trazem consigo a subjetividade da análise valorativa de uma determinada ocorrência da vida real. Dito de outro modo, só os factos materiais são suscetíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objeto de prova (9).
O que significa que, quando tal não tenha sido observado pelo tribunal “a quo” e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, considerando-as provadas ou não provadas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita (10).
Feitas estes considerandos teóricos torna-se evidente que a pretendida resposta de o “impedimento de entrada pelas portas viradas a norte causa prejuízos à requerente” encerra inequivocamente matéria de índole conclusiva e/ou subjetiva, pelo que a mesma nunca poderia ter sido dada como provada.
Essa alegação comporta um juízo de valor de natureza conclusivo, pelo que se conclui pela inviabilidade da inserção desse ponto na matéria de facto provada. Saber se o impedimento de entrada pelas portas viradas a norte é suscetível de causar prejuízos à requerente será (quando muito) conclusão a extrair na sentença dos factos materiais, concretos e precisos alegados e provados, sendo que para tanto se exigia que a requerente tivesse alegado a pertinente matéria fáctica com base na qual fosse lícito extrair aquela conclusão. Mas esse juízo conclusivo apenas poderia ser formulado na sentença a jusante, aquando da apreciação crítica da matéria de facto provada, e não nesta fase da enunciação dos fundamentos de facto, pelo que o mesmo sempre seria de excluir do elenco factual a considerar.
Mas mesmo que, porventura, nele se vislumbrasse um assomo fáctico (o que se concebe para efeitos meramente argumentativos), a verdade é que a prova produzida nos autos de modo algum seria apta à sua demonstração, pelo que sempre seria de concluir pela sua inclusão (ou seja, manutenção) no elenco dos factos não provados (11).

Concretizando.

A testemunha A. C., colaboradora subordinada da requerente desde agosto de 2018 e que presta funções no estabelecimento X, limitou-se a reportar os transtornos repercutidos na forma de funcionamento daquele estabelecimento em virtude da não utilização de uma das portas viradas a norte. Em termos abstractos, é de admitir que um estabelecimento que possa servir-se de quatro entradas/saídas permita um mais rápido escoamento de clientes e de circulação. Todavia, em termos concretos, a testemunha não logrou indicar quais os prejuízos advindos à requerente em virtude do impedimento ou das dificuldades do acesso ao interior do estabelecimento por essas portas situadas a norte, resultante da colocação, pela requerida, de mesas e cadeiras próximas da fachada norte do estabelecimento da Requerente, não sendo de olvidar o facto dessa ocupação do espaço público (esplanada da requerida) se mostrar licenciada pela Câmara Municipal de ....

- A testemunha M. V., cliente do estabelecimento X, que reside há 3 anos em ..., limitou-se a reportar os constrangimentos que tal situação é suscetível de gerar, por os funcionários e clientes do estabelecimento X terem de limitar-se a usar as portas do estabelecimento viradas a poente (o ideal seria ter uma das portas que dá para o lado poente afeta só aos clientes das mesas da esplanada e uma outra porta – que dá para o lado norte – destinada unicamente aos clientes que pretendem adquirir gelados ou crepes), sendo que o posicionamento da esplanada do X é capaz de gerar confusão, nos clientes, quanto à identificação do estabelecimento a que essa esplanada diz respeito. Sucede, porém, que essa confusão de identificação é passível de se repercutir nos dois estabelecimentos, pois – segundo o referido pela testemunha – tanto os clientes da esplanada da cafetaria (X) deslocam-se à gelataria (X) a fim de adquirirem gelados (o que desagrada a quem explora o X), como outros pretendem servir-se dos Wc`s do estabelecimento X (o que, neste caso, não é do contentamento de quem explora este estabelecimento, ou seja, a requerente).
Mas relativamente aos termos em que o negócio da requerente sai prejudicado por força dessa confusão de identificação, a testemunha nada disse de concreto, pelo que o seu depoimento se tem (nessa parte) como inócuo.
- A testemunha R. C., que foi colaboradora subordinada da requerente entre finais de outubro de 2018 e início de maio de 2019, tendo prestado funções no estabelecimento X, instada quanto à questão de saber se, não sendo possível pôr a funcionar um corredor de passagem para poder permitir a fluidez do negócio, haveria mais prejuízos, respondeu não ser capaz de “fazer números”, embora tenha dito que calculava que sim.

Por outro lado, não se vislumbra em que termos o facto de as pessoas desistirem de adquirir gelados em virtude da extensão da respectiva fila tenha algum nexo com a circunstância de se mostrar dificultado o acesso através da entrada junto à fachada norte do estabelecimento da requerente, já que não é de excluir que tais desistências tenham a ver com a dimensão da fila, o tempo de espera ou as próprias dimensões e limitações de funcionamento do estabelecimento.
- A requerente M. G., inquirida em sede de declarações de parte, em sede de esclarecimentos solicitados pela respetiva mandatária, referiu, entre o mais, que se tivesse a porta aberta virada a norte seria capaz de atender o dobro ou o triplo de pessoas.
Não podemos, porém, olvidar que, tendo sido inicialmente inquirida pelo Mmº Juiz “a quo” e apesar de para tanto ter sido expressamente instada, a declarante não logrou particularizar tais prejuízos, limitando-se a aduzir que com a não abertura da porta virada a norte as pessoas não podem entrar para comprar os gelados e consumir, o que não é plausível, posto que, como foi prontamente salientado pelo Mmº Juiz “a quo”, os clientes podem entrar pela porta virada para poente, por onde se processa a entrada habitual.
Das declarações prestadas depreende-se que o seu principal propósito era o de manter abertas, pelo menos, duas portas do estabelecimento, uma pelo qual os clientes entrassem e outra pela qual saíssem, sendo que a virada para o lado norte dá directamente para a esplanada licenciada ao estabelecimento explorado pela requerida.
A materialização desse propósito conferir-lhe-ia a prerrogativa de, além das (duas) entradas a poente, ser a única naquele espaço a ter uma porta aberta virada a norte.
Acresce que a existência da esplanada afeta ao estabelecimento X, nos moldes e com a configuração atual, era uma realidade com a qual a recorrente tinha já conhecimento quando decidiu explorar o estabelecimento X e projetou o “lay-out” do funcionamento desse estabelecimento, posto que aquela explanada já ali existe há mais de 20 anos.

Em suma, por referência aos enunciados meios de prova erigidos como justificadores da impugnação desse ponto em apreço e por apelo às regras da experiência comum e da lógica, é de concluir que não têm os mesmos a aptidão de credibilidade que a apelante lhes pretende atribuir, de modo a fundar a alteração da resposta impugnada.
Assim, não tendo sido produzida prova suficiente à formação de uma convicção positiva deste tribunal quanto à veracidade do facto impugnado, é de manter a resposta negativa.
*
< Alínea b) dos factos não provados.

A testemunha A. C. prestou um depoimento evasivo, parco e não circunstanciado quanto ao estado emocional ou psicológico da sua empregadora, limitando-se a referir – com o cariz opinativo e subjectivo que tal reveste – que “a minha patroa foi um bocadinho abaixo” e ficou “um bocadinho triste”.
Não resulta, por outro lado, que a referida testemunha tenha habilitações no âmbito da medicina ou da psicologia, que a habilitem a atestar o estado emocional da requerente, sendo que o depoimento prestado é, por si, manifestamente insuficiente para dar como demonstrada tal facticidade (ainda que em termos indiciários).
Acresce que a requerente também não invocou qualquer outro meio probatório, donde se possa inferir a demonstração daquela facticidade impugnada.
Tanto basta, a nosso ver, pela confirmação da decisão proferida relativa ao ponto fáctico impugnado.
*
< ponto 14 dos factos provados.

Com vista à demonstração desse facto o Tribunal “a quo” aduziu, na motivação da sentença recorrida, a seguinte fundamentação:

O ponto 14º está documentalmente provado (fls. 41v-43 – pedido de licenciamento da esplanada, idêntico ao apresentado pela requerente), e foi confirmado pela testemunha M. A., fiscal da Câmara Municipal de ...”.
Contrapõe a recorrente, sustentando para o efeito que os documentos juntos a fls. 41v-43 não são aptos a que deles possa extrair-se a conclusão retirada pelo tribunal recorrido, sendo que, do mesmo modo, tal conclusão não pode retirar-se do depoimento da testemunha M. A., fiscal da Câmara Municipal de ....
Desde já se diga que a pretensão da impugnante é manifestamente infundada.
Logo aquando do início da prestação do seu depoimento, a testemunha M. A. explicitou os termos e procedimentos a que obedece o licenciamento de ocupação de espaço público (esplanada) pelo Município, mais referindo que a esplanada do X já existe ali há muitos anos (cerca de 20 anos) e está licenciada.

Relativamente ao procedimento tendente ao licenciamento de ocupação de espaço público confirmou que o mesmo pressupõe um pedido de licenciamento feito online, através do Balcão do Empreendedor, sendo que o pedido referente à esplanada do X consta de fls. 41 vº a 43, o qual, a não merecer oposição por parte do Município no prazo de 20 dias como efetivamente não mereceu , considera-se tacitamente deferido.
Esse procedimento foi também integralmente confirmado pela testemunha J. F., Presidente da Câmara de ..., o qual referiu que atualmente não há um licenciamento prévio. Os pedidos de licenciamento são previamente comunicados à Câmara Municipal através do balcão do Empreendedor, via online. A Câmara não aprova expressamente o licenciamento, posto que, quando concorda, limita-se a não responder ao pedido de licenciamento, operando-se o licenciamento tácito.
Aliás, não deixa de registar-se que o licenciamento da esplanada da requerente obedeceu também ao mesmo formalismo e procedimento, como se alcança do documento de fls. 11 a 12 vº, sendo certo que aquela não carreou aos autos qualquer concessão de ocupação de espaço público (esplanada) e nem o poderia fazer visto ele não existir, considerando-se o licenciamento tacitamente deferido.
Nesta conformidade, mostrando-se devidamente ajuizado, é de manter inalterada a resposta a este ponto fáctico impugnado.
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Nesta conformidade, coincidindo integralmente a convicção deste Tribunal quanto aos factos impugnados com a convicção formada pelo Mm.º Juiz “a quo”, impõe-se-nos confirmar na íntegra a decisão da 1ª instância e, consequentemente, concluir pela total improcedência da impugnação da matéria de facto, mantendo-se inalterada a decisão sobre a matéria de facto fixada na sentença recorrida.
*
3 – Enquadramento jurídico dos factos provados.

3.1. Dispõe o art. 2º, n.º 2, do CPC que a todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo (...), bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação”.

As providências cautelares têm a sua justificação naquele princípio do nosso sistema processual civil segundo o qual a demora de um processo não deve prejudicar a parte que tem razão (12) ou naquela consideração de que o processo deve dar ao Autor, quando vencedor, a tutela que ele receberia se a decisão fosse proferida no preciso momento da instauração da lide.

Conforme assinala Manuel Andrade Domingues de Andrade, através do mecanismo próprio dos procedimentos cautelares pretendeu "a lei seguir uma linha média entre dois interesses conflituantes: o de uma justiça pronta, mas com o risco de ser precipitada; e o de uma justiça cauta e ponderada, mas com o risco de ser platónica, por chegar a destempo" (13).
As providências cautelares são, assim, o tipo de medidas que são requeridas e decretadas, tendo em vista acautelar o efeito útil da ação, mediante a composição provisória dos interesses conflituantes, mantendo ou restaurando a situação de facto necessária à eventual realização efetiva do direito. “Tais medidas visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer ação declarativa (...), a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o pericullum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo) a fim de que a sentença se não torne uma decisão puramente platónica” (14).
Segundo o explícito ensinamento de Alberto dos Reis (15), que apesar do tempo entretanto já decorrido se mantém plenamente atual, «o traço típico do processo cautelar está, por um lado, na espécie de perigo que ele se propõe conjurar ou na modalidade dano que pretende evitar e, por outro, no meio de que se serve para conseguir o resultado a que visa».
«O perigo especial que o processo cautelar remove é este: pericullum in mora, isto é, o perigo resultante da demora a que está sujeito um outro processo (o processo principal) ou, por outras palavras, o perigo derivado do caminho, mais ou menos longo, que o processo principal tem de per­correr até à decisão definitiva, para se dar satisfação à neces­sidade impreterível de justiça, à necessidade de que o julga­mento final ofereça garantias de ponderação e acerto».
«Uma vez que o processo cautelar nasce para ser posto ao serviço dum processo principal, a fim de dar ensejo a que este processo siga o seu curso normal sem o risco da decisão final chegar tarde e ser, por isso, ineficaz, vê-se claramente que a função do processo cautelar é nitidamente instrumental; o processo cautelar é um instrumento apto a assegurar o pleno rendimento do processo definitivo ou principal. Não satisfaz, por isso mesmo, o interesse da justiça; não resolve definitivamente o litígio; limita-se a preparar o terreno, a tomar precauções para que o processo principal possa realizar completamente o seu fim».
O procedimento cautelar comum reveste um âmbito residual, quer no plano das regras adjetivas, quer no plano das providências que nele se podem integrar (16). Dito doutro modo, o processo cautelar comum surge como um procedimento base ou modelar, aplicável sempre que à pretensão não caiba um procedimento cautelar especificado (17).

Dispõe o n.º 1 do art. 362º do CPC que, “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória, concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado”.
O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor” – n.º 2 do citado preceito legal.

Daqui resulta que são requisitos (de fundo e de forma) necessários ao decretamento desta providência:

1. - Probabilidade séria da existência de um direito (aparência do direito - «fumus bonis juris»).
2. - Fundado receio de que a demora natural na solução do litígio causará uma lesão grave e dificilmente reparável (do direito que se pretende fazer valer em ação pendente ou a instaurar) - «pericullum in mora».
3. - Desde que o prejuízo resultante de um tal recurso não exceda consideravelmente o dano que, através da providência, se pretenda evitar.
4. - E não cabimento da possibilidade de recorrer a qualquer outro tipo de procedimento cautelar nominado.

O requerente tem de convencer o tribunal da previsível procedência da ação que define a pretensão que o procedimento visa proteger (18).

O art. 368º do CPC, sob a epígrafe “Deferimento e substituição da providência”, prescreve, no seu n.º 1, que a “providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”.
Atendendo, porém, a que a lei manda que os requisitos das providências sejam aferidos mediante prova sumária, isto é, não aprofundada, mas, em todo o caso, minimamente consistente (“summaria cognitio” modo de averiguação dos seus fundamentos), “as providências só requerem, quanto ao grau de prova, uma mera justificação, embora a repartição do ónus da prova entre o requerido e o requerente observe as regras gerais” enunciadas nos n.ºs. 1 e 2 do art. 342º do Código Civil (19).

Assim, para o decretamento da providência cautelar exige-se apenas a prova de que a situação jurídica alegada é provável ou verosímil, pelo que é suficiente a aparência desse direito, ou seja, basta um «fumus boni iuris» (20).

Como adverte Miguel Teixeira de Sousa (21),o fumus boni iuris decorre da suficiência da mera justificação, mas não tem qualquer tradução numa discricionariedade do Tribunal quanto aos fundamentos do decretamento da providência”. Das duas uma: se tal requisito se mostrar provado, o Tribunal deve decretar a providência; “se isso não suceder, o Tribunal não a deve decretar, ainda que isso se pudesse justificar por outros factores (como, por exemplo, o manifesto interesse do requerente ou o pouco incómodo causado ao requerido).
Na aferição de tal requisito, bem como dos demais, deve ter-se sempre presente uma perspectiva de instrumentalidade hipotética, isto é, de que a composição final e definitiva do litígio no processo respectivo possa vir a ser favorável ao requerente.

Por sua vez, o fundado receio de que outrem cause lesão grave e irreparável ou de difícil reparação de um determinado direito, quer pelos danos que possam advir dessa conduta, quer pela demora na obtenção de uma decisão tendente à tutela definitiva do seu direito, constitui a manifestação do requisito comummente apelidado de «pericullum in mora».
Não é, contudo, qualquer consequência desvantajosa que previsivelmente ocorra antes da uma decisão definitiva que justifica o decretamento de uma medida provisória. “Só lesões graves e dificilmente reparáveis têm a virtualidade de permitir ao Tribunal, mediante iniciativa do interessado, a tomada de uma decisão que o coloque a coberto da previsível lesão” (22).
Como critério aferidor da gravidade da lesão previsível ter-se-á de entrar em linha de conta com a repercussão negativa ou desvantajosa que a mesma determinará na esfera jurídica do interessado lesado (23).
O requisito do fundado receio prende-se com a necessidade de o receio dever ser alicerçado em factos que permitam aferir, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas (24). E, como propugna Alberto dos Reis (25), a aferição do justo receio deve fazer-se a partir de um “juízo de certeza, de verdade, de realidade”.
As circunstâncias em que o juiz deve ter por justificado o receio de lesões futuras devem ser apreciadas objectivamente pelo juiz que, para o efeito, terá em conta o interesse do requerente que promove a medida e o requerido, que com ela é afectada, as condições económicas de um e outro, a conduta anterior e a sua projecção nos comportamentos posteriores” (26).
A lei não se basta com simples dúvidas ou conjecturas precipitadas. O juiz deve estar perfeitamente convicto da necessidade em adotar medidas tendentes a esconjurar o prejuízo (27).
Assim, enquanto a aparência do direito se basta com um juízo de verosimilhança ou de probabilidade, o requisito do fundado receio de lesão grave e irreparável ou de difícil reparação exige um juízo, senão de certeza e segurança absoluta sobre a sua realidade, pelo menos de probabilidade mais forte e convincente, para convencer o julgador acerca da necessidade de decretamento da providência (28).
A norma do n.º 2 do art. 368º do CPC – nos termos da qual a “providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal, quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar” –, contém a consagração do princípio da proporcionalidade, visando-se desta forma pôr cobro a decisões formalmente adequadas, mas materialmente injustas (29).
Por fim, segundo o n.º 3 do art. 362º do CPC, “[n]ão são aplicáveis as providências referidas no n.º 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas na secção seguinte”.
Determinando o não cabimento da possibilidade de recorrer a qualquer outro tipo de procedimento cautelar nominado, o normativo citado estabelece no domínio dos procedimentos cautelares o princípio da legalidade das formas processuais, o qual, no que diz respeito aos processos com carácter definitivo, se depreende do disposto no n.º 2 do art. 546º do CPC.
*
3.2. Feitos estes considerandos jurídicos acerca dos pressupostos que condicionam o deferimento do procedimento cautelar comum, vejamos, agora, o caso trazido à nossa apreciação.

Na decisão recorrida o Tribunal “a quo”, com vista à improcedência da providência cautelar comum requerida, considerou essencialmente os seguintes fundamentos:

i) - Da factualidade apurada resulta estarmos perante um conflito de direitos que estão no mesmo grau e que dizem respeito ao exercício das atividades económicas que ambas as partes prosseguem: por um lado, o direito da requerente em ter acesso ao seu estabelecimento por todas as suas portas; por outro, o direito da requerida poder estender a sua esplanada, a qual está devidamente licenciada.
ii) - Não está em causa a impossibilidade da requerente ter acesso ao seu próprio estabelecimento em virtude da instalação da esplanada da requerida junto a uma das fachadas daquele estabelecimento;
iii) - A esplanada da requerida, além de regularmente licenciada, respeita a configuração daquele espaço central de ..., onde existem vários estabelecimentos comerciais, todos com esplanadas viradas a poente (como é também o caso da esplanada da requerente).
iv) - O estabelecimento da requerente pode ser acedido por quatro portas – duas viradas a norte (cujo acesso se mostra impedido ou dificultado pela esplanada da requerida) e duas viradas a poente, sendo que a requerente não se vê impedida de exercer a sua atividade económica, posto que o acesso ao seu estabelecimento pode ser efetivado – como, de facto, é –, através das duas portas situadas na sua fachada poente.
v) - O facto de a requerente ter desenhado o lay-out do funcionamento do estabelecimento tendo como ponto de entrada de pessoas e mercadorias as portas viradas a norte não é argumento suficiente para se concluir pela existência do direito invocado, até porque tal concepção, no fundo, inutilizaria a esplanada da requerida, sendo que esta está regularmente licenciada.
vi) - Não está indiciariamente provado que a requerente tenha ficado impossibilitada de abrir o seu estabelecimento ou que os clientes ali deixaram de poder entrar.

Insurge-se a recorrente contra esse enquadramento jurídico feita na sentença recorrida, contrapondo, em súmula, os seguintes fundamentos:

i) - Dos pontos 11º), 12º) e 13º) dos factos provados resulta que o direito da requerente se encontra fortemente diminuído em razão do exercício do mesmo direito, tal como a requerida o materializa, visto que esta, ao adotar tais comportamentos, exerce, relativamente à requerente, concorrência desleal.
ii) - A aplicação do artigo 61º da CRP, no entendimento adotado na sentença, permite que a requerida viole o direito da requerente constitucionalmente previsto no art. 62º da CRP, uma vez que a impede de aceder ao estabelecimento comercial da sua propriedade.
iii) - A requerida não cumpre o estabelecido no DL 48/2011 e respetivos anexos, na sua formulação atual.
iv) – Mercê dos pontos 1º), 2º), 3º), 4º), 6º), 7º), 11º), 12º), 13º), 17º) dos factos provados, mostram-se verificados os requisitos fumus boni iuris e periculum in mora e, como tal, deveria a presente providencia cautelar ter sido decretada.
Delineados os fundamentos explicitados na sentença impugnada e os argumentos que servem de fundamento à apelação, desde já se adianta que esta não poderá proceder.

Concretizando.

No caso dos autos está (indiciariamente) provado que:

- A Requerente é proprietária de um estabelecimento comercial destinado a comércio e serviços, com a firma “X”, destinado, sobretudo, à atividade de venda de gelados artesanais e crepes, entre outros.
- O “X” encontra-se instalado no Terreiro / Praça da ... e encontra-se licenciado pela Câmara Municipal de ..., para a atividade que desenvolve.
- O estabelecimento possui quatro portas, duas viradas a poente e outras duas viradas a norte, as quais deitam diretamente para a zona mais ampla ....
- O “lay-out” do funcionamento do estabelecimento foi desenhado tendo como ponto de entrada de pessoas e mercadorias as portas viradas a norte.
- A esplanada do “X” encontra-se virada a poente.
- Adjacentes e em posição perpendicular ao estabelecimento em apreço, existem outros estabelecimentos comerciais de cafetaria/restauração, todos eles têm instaladas esplanadas que estão viradas a poente.
- A Requerida é proprietária do estabelecimento denominado “A”, que é o mais próximo do da requerente.
- Dispõe a sua esplanada virada a poente, ocupando todo o espaço em frente e ao longo da fachada virada a norte do estabelecimento “X”.
- Colocando mesas e cadeiras próximas da fachada norte do estabelecimento da Requerente, chegando mesmo a colocar algumas dessas mesas e respetivas cadeiras em frente às portas viradas a norte do “X”.
- Impedindo ou dificultando o acesso ao interior do estabelecimento “X”, da Requerente, dos clientes e de mercadorias, por essas portas.
- A esplanada da requerida está licenciada pela Câmara Municipal de ....
- Entre os dias 13 a 18 de Outubro de 2018 a requerida fechou para férias, tendo colocado as mesas e cadeiras da esplanada junto à fachada norte do estabelecimento da requerente.
- O período de verão é o de maior movimento para a atividade comercial da requerente.
- O acesso ao estabelecimento da requerente pode ser feito através das duas portas viradas a poente.

À luz dos factos apurados entendemos ser de subscrever a ponderação feita na sentença recorrida no sentido de estarmos perante um conflito de direitos, sendo que, por um lado, a requerente pretende ver reconhecido o seu direito em ter acesso ao seu estabelecimento por todas as suas portas, e, por outro lado, a requerida contrapõe o direito de instalar a sua esplanada virada a poente do seu estabelecimento, ocupando todo o espaço em frente e ao longo da fachada virada a norte do estabelecimento “X”.
Estando em causa o exercício das atividades económicas que ambas as partes prosseguem (art. 61º da Const. República Portuguesa), é indubitável estarmos perante direitos que se situam no mesmo grau ou patamar, como bem se concluiu na decisão recorrida.
Estriba-se, porém, a recorrente nos pontos 11), 12) e 13) dos factos provados para concluir que o direito da requerente se mostra fortemente diminuído em razão do exercício do mesmo direito, tal como a requerida o materializa, exercendo esta, relativamente à requerente, concorrência desleal.
Com o devido respeito por opinião contrária, a invocação do instituto da concorrência desleal ao caso dos autos carece, a nosso ver, de total fundamento legal.
A concorrência desleal pressupõe a existência de um acto de concorrência. Daí que se refira que “o acto de concorrência é constitutivo de todas as modalidades de concorrência desleal” (30).
É sempre necessário uma actividade concorrencial, medida através de um critério de mercado, que se projecte no público, procurando influir sobre a clientela.
As normas são padrões sociais de comportamento, tal como os usos: umas e outros deverão ser honestos, tal como é usual praticar-se entre concorrentes no mesmo ramo de actividade económica, sem nunca atingirem a desonestidade, sob pena de poderem incorrer em concorrência desleal.

Segundo o art. 311º do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro:

«1 - Constitui concorrência desleal todo o ato de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica, nomeadamente:

a) Os atos suscetíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue;
b) As falsas afirmações feitas no exercício de uma atividade económica, com o fim de desacreditar os concorrentes;
c) As invocações ou referências não autorizadas feitas com o fim de beneficiar do crédito ou da reputação de um nome, estabelecimento ou marca alheios;
d) As falsas indicações de crédito ou reputação próprios, respeitantes ao capital ou situação financeira da empresa ou estabelecimento, à natureza ou âmbito das suas atividades e negócios e à qualidade ou quantidade da clientela;
e) As falsas descrições ou indicações sobre a natureza, qualidade ou utilidade dos produtos ou serviços, bem como as falsas indicações de proveniência, de localidade, região ou território, de fábrica, oficina, propriedade ou estabelecimento, seja qual for o modo adotado;
f) A supressão, ocultação ou alteração, por parte do vendedor ou de qualquer intermediário, da denominação de origem ou indicação geográfica dos produtos ou da marca registada do produtor ou fabricante em produtos destinados à venda e que não tenham sofrido modificação no seu acondicionamento.
2 - São aplicáveis, com as necessárias adaptações, as medidas previstas no artigo 345.º».

Sendo o acto de concorrência aquele que, no desenvolvimento de uma dada actividade económica, é susceptível de prejudicar um outro agente económico que, por sua vez, exerce também uma actividade económica determinada, prejuízo esse que se consubstancia num desvio de clientela própria em benefício de um concorrente, tal acto de concorrência será de considerar desleal quando se verifica em termos contrários às normas e usos de qualquer ramo de actividade (31).

Estabelece, por sua vez, o art. 1º do Código da Propriedade Industrial que a “propriedade industrial desempenha a função de garantir a lealdade da concorrência, pela atribuição de direitos privativos sobre os diversos processos técnicos de produção e desenvolvimento da riqueza”.

O bem tutelado com a punição e proibição da concorrência desleal é o interesse geral dos consumidores, o regular funcionamento do mercado, e não propriamente os interesses particulares de cada empresário. Nesse sentido refere Carlos Olavo (32) que “a concorrência desleal é, pois, uma disciplina de comportamentos, comandada por uma preocupação de interesse geral, que não incide primacialmente sobre os interesses económicos dos concorrentes, mas sobre a concorrência em si considerada, como quadro fundamental da vida colectiva”. Dito por outras palavras, a garantia da lealdade da concorrência visa permitir aos agentes do comércio e da indústria, incluindo os consumidores, o benefício da ordem jurídica estabelecida e dos usos honestos dos meios de produção e de comercialização.

Citando Ramella, aceita Ferrer Correia (33) que “a concorrência desleal (...) tem um carácter próprio e constante, isto é, a tendência para usurpar a clientela alheia, para estabelecer ou aumentar uma clientela em prejuízo dos concorrentes. Só que o desvio da clientela é, por si, critério insuficiente, porque efeito tanto da concorrência lícita e honesta, como da abusiva (...). O carácter decisivo da mesma (da concorrência desleal) deve procurar-se nos meios adoptados para a consecução desse fim, meios desleais, contrários à boa fé, que é a alma do comércio, e ofensivos do direito doutrem à conservação da sua clientela, conquistada com lealdade e probidade comercial”.

Para que se verifique concorrência desleal é necessário, por outro lado, que se verifique uma certa proximidade entre as actividades desenvolvidas pelos agentes económicos em causa.

Ora, revertendo ao caso dos autos, não descortinamos em que termos a facticidade objeto dos pontos 11), 12) e 13) dos factos provados – ou mesmo a demais factualidade apurada – possa consubstanciar uma atuação de concorrência desleal por parte da requerida no domínio da sua atividade comercial, tanto mais que a instalação dessa esplanada pela requerida mostra-se regularmente licenciada pela entidade administrativa competente.
Admite-se que a questão atinente ao âmbito de licenciamento de ocupação de espaço público (esplanada) é, na verdade, a que subjaz ao conflito que opõe as partes, mas, como já foi sendo explicitado ao longo do processo, adjetiva e substantivamente não é este o foro competente à sua apreciação e resolução. Daí que nos abstenhamos de quaisquer considerações complementares sobre o tema.

É certo que, ao dispor a sua esplanada virada a poente, ocupando todo o espaço em frente e ao longo da fachada virada a norte do estabelecimento “X”, colocando mesas e cadeiras próximas da fachada norte do estabelecimento da Requerente, chegando mesmo a colocar algumas dessas mesas e respetivas cadeiras em frente às portas viradas a norte do “X”, com o que impede ou dificulta o acesso ao interior do estabelecimento “X”, da Requerente, dos clientes e de mercadorias, por essas portas, a requerida limita o direito da requerente de aceder ao seu estabelecimento comercial, já que esta se vê impedida de processar tal acesso através de todas as portas de que dispõe (no caso, quatro).

Importa, porém, não olvidar que a instalação da esplanada pela requerida está regularmente licenciada, pelo que não incorre a mesma em contravenção com essa configuração.
Em reforço da conclusão antecedente assinale-se que, naquele espaço central de ..., existem outros estabelecimentos comerciais de cafetaria/restauração, sendo que todos eles têm instaladas esplanadas que estão viradas a poente (também daqui se retira que a esplanada da requerida observa e respeita a configuração das demais esplanadas existentes no local, mostrando-se, aliás, em conformidade com a esplanada da própria requerente).
A deferir-se a pretensão principal da recorrente – condenação da requerida a retirar todas as cadeiras, mesas e guarda-sóis e outros equipamentos que coloca em frente da fachada virada a norte do estabelecimento da requerente –, tal traduzir-se-ia na inutilização e/ou privação da esplanada da requerida.
Tal pretensão, pelo menos em termos provisórios ou cautelares, jamais poderia ser deferida, quer por a instalação da esplanada da requerida estar regularmente licenciada, quer por a requerente não estar impedida de exercer a sua atividade económica, posto que o acesso ao seu estabelecimento pode ser feito – e é efetivamente realizado – através das duas portas existentes na fachada virada a poente.

Relativamente ao alegado não cumprimento pela requerida do estabelecido no Dec. Lei n.º 48/2011 e respetivos anexos, dir-se-á, antes de mais, tratar-se de uma questão nova, que não foi trazida aos autos pelas partes nos respetivos articulados, nem foi apreciada e dirimida na sentença recorrida.

De todo o modo, não se evidencia da matéria fáctica apurada (nem a recorrente cuidou sequer de a especificar) em que termos se traduzirá o alegado incumprimento daquele diploma legal.

Por último, não resultou provado que o impedimento de entrada pelas portas viradas a norte cause prejuízos à requerente, mais se acrescentando que, como foi explicitado na decisão recorrida, não “está indiciariamente provado que a requerente tenha ficado impossibilitada de abrir o seu estabelecimento ou que os clientes ali deixaram de poder entrar, factos que poderiam constituir um prejuízo a necessitar de tutela cautelar”.

Nesta conformidade, sem mais considerações por desnecessárias, é de secundar o juízo formulado na sentença recorrida no sentido de os factos concretos indiciados não permitirem concluir quer pela verificação do requisito do “fumus boni iuris”, quer do “periculum in mora”.

Em suma, a falta da verificação (cumulativa) destes requisitos importa a improcedência da providência cautelar requerida. E isto no pressuposto de que, no âmbito das causas de pedir complexas, a falta de demonstração de (pelo menos) um dos seus elementos equivale à falta completa de factos integradores.

Bem andou, por isso, a decisão recorrida ao julgar improcedente a providência cautelar requerida, pelo que tal decisão tem de se manter, com a consequente improcedência da apelação.
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As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade da recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I – São requisitos (de fundo e de forma) necessários ao decretamento da providência cautelar não especificada:
a) - Probabilidade séria da existência de um direito (aparência do direito - «fumus bonis juris»).
b) - Fundado receio de que a demora natural na solução do litígio causará uma lesão grave e dificilmente reparável (do direito que se pretende fazer valer em ação pendente ou a instaurar - «pericullum in mora»).
c) - Desde que o prejuízo resultante de um tal recurso não exceda consideravelmente o dano que, através da providência, se pretenda evitar.
d) - E não cabimento da possibilidade de recorrer a qualquer outro tipo de procedimento cautelar nominado.
II – A falta da verificação (cumulativa) destes requisitos importa a improcedência da providência cautelar requerida.
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V. DECISÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas a cargo da apelante (art. 527º do CPC).
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Guimarães, 19 de setembro de 2019

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)


1. Cfr. Manual de Processo Civil, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, p. 686.
2. Cfr., entre outros, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1984, Coimbra Editora, p. 140, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, pp. 735/736, Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2014, Almedina, p. 603.
3. Cfr. Acs. da RP de 28/10/2013 (relator Oliveira Abreu) e de 2/05/2016 (relator Correia Pinto), ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
4. Cfr. Alberto dos Reis, Código …, vol. V, p. 140.
5. Cfr., na doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 271/300, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, Almedina, 2017 – reimpressão, p. 384 a 396, Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33, e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pp. 462 a 469; na jurisprudência, Acs. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); Acs. da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis em www.dgsi.pt.
6. Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, pp. 435/436.
7. Cfr. Lebre de Freitas, Introdução ao processo civil. Conceito e princípios fundamentais à luz do código revisto, 3ª ed., Coimbra 2013, p. 200.
8. Cfr., neste sentido, Acs. do STJ de 28/09/2017, proc. n.º 659/12.6TVLSB.L1.S1 (relatora Fernanda Isabel Pereira) e proc. n.º 809/10.7TBLMG.C1.S1 (relatora Fernanda Isabel Pereira), Acs. da RP 24/10/2016 (relator Oliveira Abreu) e de 18/09/2017 (relator Manuel Domingos Fernandes) e Ac. da RE de 3/11/2016 (relatora Maria da Graça Araújo), todos acessíveis in www.dgsi.pt.; no sentido de que às conclusões de direito são assimiladas, por analogia, as conclusões de facto, ou seja, “os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados”, José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2001, Coimbra Editora, pp. 605 e 606.
9. Cfr., Acs. do STJ de 28/09/2017 (relatora Fernanda Isabel Pereira), de 29/04/2015 (relator Fernandes da Silva), de 14/01/2015 (relator Fernandes da Silva), de 14/01/2015 (relator Pinto Hespanhol); na doutrina, Tiago Caiado Milheiro, Nulidades da Decisão Da Matéria de Facto, www.julgar.pt., e Antunes Varela, “Juízos de valor da lei substantiva, o apuramento dos factos na ação e o recurso de revista”, CJ, Ano XX, tomo IV, pp. 7 a 14.
10. Cfr., Ac. RP de 23/04/2018 (relator Jerónimo Freitas), in www.dgsi.pt..
11. Segundo António Santos Abrantes Geraldes, em situações de dúvida quanto a saber se constituem matéria de direito (extensivo aos juízos de valor) ou matéria de facto, usando de um certo pragmatismo que não prejudica, será preferível o juiz responder à matéria de facto, considerando-a provada ou não provada, do que omitir qualquer decisão e correr, assim, o risco de repetição (ainda que parcial) do julgamento (cfr. Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 2ª ed., 1999, Almedina, p. 244).
12. Cfr. Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, vol. 1, Almedina, p. 130 e segs.
13. Cfr. Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, p. 10. Segundo Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., 1982, p. 624, "convém que a justiça seja pronta; mas, mais do que isso, convém que seja justa. O problema fundamental de política processual consiste exactamente em saber encontrar o equilíbrio razoável entre as duas exigências: a celeridade e a justiça".
14. Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio da Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 23 e ss.
15. Cfr. Boletim do Ministério da Justiça, n.º 3, pp. 42 e 45.
16. Cfr. António Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Procedimento Cautelar Comum, Vol. III, Almedina, p. 56.
17. Cfr. Maria Adelaide Domingos, Procedimentos Cautelares Laborais, in Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Vol. V, Almedina, p. 40.
18. Cfr. Ac. RL de 11.3.86, CJ, Ano XI, T. II, pág. 98 e Ac. do STJ de 23-09-1997 (relator Fernandes Magalhães), in www.dgsi.pt.
19. Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre O Novo Processo Civil, 2ª ed., Lex, p. 233.
20. Cfr. Ac. STJ, de 24/5/1983, BMJ, n.º 327, p. 353 e Ac. STJ, de 23/1/1986, BMJ, n.º 353, p. 376.
21. Cfr. obra citada, p. 234.
22. Cfr. António Abrantes Geraldes, Temas …, Vol. III, p. 83.
23. Cfr. António Abrantes Geraldes, Temas …, Vol. III, p. 84, Ac. da RL de 19.2.87, CJ, T. I, p. 141 e Ac. do STJ de 13.3.86, BMJ, n.º 355º, p. 356.
24. Cfr. António Abrantes Geraldes, Temas …, Vol. III, p. 87.
25. Cfr. Código …, Vol. I, p. 683.
26. Cfr. António Abrantes Geraldes, Temas …, Vol. III, p. 88.
27. Cfr. Paulo Sousa Pinheiro, o Procedimento Cautelar Comum no Direito Processual do Trabalho, 2ª ed., Almedina, p. 50.
28. Cfr. Marco Filipe Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, Almedina, 3.ª ed., 2017, p. 207 e Ac da RP de 2011/11/22 (relator Manuel Pinto dos Santos), in www.dgsi.pt.
29. Cfr., neste sentido, António Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 210.
30. Cfr. Oliveira Ascensão, Concorrência Desleal, Lições ao 5º ano no Ano Lectivo de 1993/94, p. 63.
31. Cfr., neste sentido, Carlos Olavo, Propriedade Industrial, 1997, Almedina, p. 145 e segs., e A Concorrência Desleal, artigo publicado na Revista Vida Judiciária, n.º 39, Setembro de 2000, p. 23.
32. Cfr. Propriedade (…), p. 154.
33. Cfr. Estudos de Direito Civil e Comercial, 1985, p. 253.