Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1208/12.1TBBGC.G1
Relator: ISABEL SILVA
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
HONORÁRIOS
AGENTE DE EXECUÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: a) O elemento relevante a ter em conta no apoio judiciário é que seja o mesmo o direito que se pretende acautelar, independentemente dos meios processuais necessários para o efeito.
b) Ao efetuar-se uma reclamação de créditos numa ação executiva em curso, devido a aí terem já sido penhorados os mesmos bens (art. 794º nº 1 do CPC), está a acautelar-se o mesmo direito que na ação executiva em que a penhora de bens foi posterior.
c) Assim, por interpretação extensiva dos números 4 e 5 do art. 18º da LAJ, deve considerar-se que o benefício do apoio judiciário concedido a uma Exequente é extensivo ao processo de reclamação de créditos que ela haja de efetuar noutro processo executivo, em razão da sustação da sua execução por força do art. 794º nº 1 do CPC.
d) Porém, as custas e os honorários do agente de execução de que essa Exequente ficou dispensada (por efeito do apoio judiciário) foram apenas aqueles que viessem a ser reputados da sua responsabilidade.
e) Por força do art. 541º do CPC, os honorários do agente de execução estão a ser pagos à custa do património do Executado, razão por que, numa tal situação, o benefício do apoio judiciário concedido não inibe o funcionamento do preceito, devendo tais honorários ser pagos pelo produto da venda, e não pelo IGFEJ.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - HISTÓRICO DO PROCESSO
1. Em processo laboral nº 874/12.2TTPRT, 4ª Secção do Juízo único do Tribunal de Trabalho do Porto, instaurado por B. contra C., L.da, veio ela a ser condenada a pagar à Autora B. a quantia de € 4.339,20, acrescida de juros de mora, referente a retribuições em atraso e indemnização por despedimento ilícito.
Nessa ação, a Autora B. litigou com apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, bem como nomeação e pagamento da compensação de patrono.
Posteriormente, a Autora B. instaurou execução para cobrança coerciva desse montante, agora pelo valor de € 9.221,08 (contados os juros vencidos), que correu sob o nº 874/12.2TTPRT-A, por apenso à ação declarativa, e em que foi designado D. para agente de execução.
Nesta ação executiva, a Exequente B. continuou a beneficiar de apoio judiciário, agora com o aditamento de “atribuição de agente de execução”.
Em 17.10.2013, o Sr. agente de execução procedeu à penhora dos bens móveis existentes no estabelecimento da Executada (fls. 83/86 dos autos de reclamação de créditos).
Constatando-se que esses bens móveis já se mostravam penhorados à ordem dos presentes autos, processo nº 1208/12.1TBBGC, desde 18.04.2013, foi sustada essa execução: art. 794º nº 1 do Código de Processo Civil (de futuro, apenas CPC).
Os presentes autos, processo nº 1208/12.1TBBGC, foram instaurados por E., L.da contra C., LD.ª.
Face ao despacho de sustação, a Exequente B. Garcia veio aqui reclamar o seu crédito, no montante de € 9.221,08.
Na sentença proferida na reclamação de créditos, foi-lhe o crédito reconhecido e graduado em primeiro lugar, decidindo-se ainda que as custas ficariam a cargo da Executada, a sair precípuas do produto dos bens penhorados (art. 446º e 455º do CPC).
Nos presentes autos, em que foi designado F. para agente de execução, logrou-se a venda dos bens penhorados, pela quantia de € 9.025,00.
Ordenou-se então a extinção da instância e o Sr. agente de execução apresentou nota discriminativa para efeitos de conta, donde resultava um valor a seu favor de € 1.775, 93, a título de honorários e despesas.
O Sr. agente de execução depositou à ordem da Reclamante B. o montante de € 7.549,19.
A Reclamante B. reclamou para o M.mº Juiz considerando que, como litigou com apoio judiciário de “atribuição de agente de execução”, os honorários e despesas do agente de execução não lhe devem ser pagos em desfavor do seu crédito, solicitando que “retornem à esfera jurídica patrimonial da aqui Exequente”.
O Sr. agente de execução considerou não lhe assistir razão.
O M.mº Juiz indeferiu o requerido.

2. Inconformada, vem a Reclamante apelar para este Tribunal da Relação, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«1ª - A aqui exequente tem um entendimento diverso do Tribunal a quo, na interpretação do art.º 18º n.º5 da L.A.J. - Lei n.º 34º/2004. de 29/07.
2ª - Designadamente quanto à (não) extensão do a.p.j., concedido no processo base – nº 874/12.2TTPRT-A, da 1ª secção da instância central de Trabalho da Comarca do Porto j2, onde a aqui exequente recorrente litiga com apoio judiciário na modalidade de modalidade de atribuição de agente de execução e dispensa de pagamento da sua compensação aos presentes autos.
3ª - Pois em despacho de 14/09/2015, considerado notificado ao patrono da exequente, nos termos do art.º 248º do N.C.P.C., indeferiu a reclamação da mesma face ao facto de ter que suportar as despesas e honorários do Sr., dr., agente de execução.
4ª - A aqui recorrente nunca colocou em causa o trabalho honroso e legítimo do ilustre agente de execução nem o valor do mesmo nem a nota explicativa do mesmo.
5ª - Pôs em causa apenas quem teria que pagar tais honorários, que na óptica do aqui exponente são devidos pelo I.G.F.EJ., e não pela exequente.
6ª - Visto que no decorrer da transcrição para o ordenamento jurídico Nacional da Directiva 2003/8/CE do Conselho, de 27 de Janeiro, mormente o objectivo consagrado no seu ponto (20) “Se for Concedido apoio judiciário, este deverá abranger todo o processo, incluindo as despesas necessárias para que uma decisão seja executada”.
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7ª - Se deve incluir todos os processos executivos que sirvam para executar o crédito do exequente que litiga com a.p.j, com identidade material e formal ao processo base, maxime, o mesmo Réu/executado.
8ª - Caso contrário estaríamos a limitar o efectivo e concreto acesso ao Direito e aos Tribunais pois o benificiário do a.p.j., teria receio de reclamar créditos noutro processo pois teria que pagar as custas e honorários do agente de execução, e até, no limite, caso o produto da venda seja escasso ter prejuízo e não lhe compensar intervir no processo executivo já em andamento.
9ª - Bem como repetir constantemente os requerimentos de a.p.j., a seguir à risca a interpretação do Tribunal a quo, no sentido da não extensão do beneficio.
10ª - Tese interpretativa e inconstitucional que viola o art.º 20º n.º 1 e 4, quando interpretada no sentido de não alargar o a.p.j., do processo base na modalidade de atribuição de agente de execução e dispensa de pagamento da sua compensação aos exequentes noutros processos, com conexão de causa, já em andamento bem como com agente de execução, de nomeação privada, pré-nomeado ao processo, por violação do princípio do concreto acesso aos Tribunais e ao Direito e um processo equitativo positivados no art., 20º n.º1 e 4 da C.R.P.
11ª - A tese interpretativa do Tribunal a quo, ainda é mais surpreendente quando em 09/10/2014 o mesmo Tribunal ordena à aqui exequente para " ii) a Credora reclamante para juntar comprovativo da extensão concessão de apoio judiciário na modalidade de atribuição de agente de execução".
12ª - Deste modo foi uma decisão surpresa do Tribunal a quo, pois a recorrente interveio no processo sem que lhe fosse pedido qualquer taxa de justiça ou encargo, ou seja, o Tribunal a quo, considerou, nessa data, como boa a extensão do a.p.j., não pondo em crise os intuitos da exequente.
13ª - Pois se exige a junção do requerimento de a.p.j., aos autos é porque considera tal acto importante para a boa decisão da causa.
14ª - Em 12/01/2015, os serviços da S.S., juntam um doc., aos autos concedendo tal extensão na modalidade de atribuição de agente de execução e dispensa de pagamento da sua compensação à aqui exequente.
15ª - O Tribunal a quo, nada apontou se considerava ou não válida tal deferimento e extensão do a.p.j., aos presentes autos.
16ª - Se não considerava extensível devia ter informado à aqui exequente de tal decisão e concedido um prazo razoável para que pudesse fazer um pedido concreto a este processo junto dos serviços da Segurança Social. Mas não concretizou tal pronúncia.
17ª - Argui-se, desta feição, uma nulidade nos termos do art.º 195º n.º1 do N.C.P.C., por referência ao art.º 3º n.º3 do N.C.P.C.
18ª - Deste modo, é inconstitucional a interpretação que o Tribunal a quo, faz do art.º 18º n.º5 da LA.J., quando interpretada no sentido de não considerar extensível o apoio judiciário na atribuição de agente de execução e dispensa de pagamento da sua compensação ao mesmo do processo de origem - n.º 874/12.2TTPRT, aos presentes autos, não concedendo um prazo razoável à exequente para requerer um pedido especifico, por violação dos princípios da segurança jurídica e do concreto acesso aos Tribunais e ao Direito, arts., 2º e 20º n.º1 da C.R.P.
19ª - Devendo-se concluir pela extensão do a.p.j., do processo base ao presente processo na mesma modalidade.
20ª - Devendo, os honorários e despesas do Sr Agente de execução serem pagos pelo I.G.F.EJ., que saíram precípuos, ou este instituto devolver directamente o referido valor de €1.500,00 à aqui exequente.
Fazendo-se assim, a costumeira justiça!».

3. O Ministério Público respondeu e CONCLUIU:
«A recorrente não se conforma com a interpretação do Tribunal a quo quanto ao disposto no artigo 18.º, n.º 5 da Lei n.° 34/2004, de 29-7, pugnando pela extensão aos presentes autos do apoio judiciário concedido no âmbito do processo 874/12.2TTPRT e que o pagamento das custas e honorários devidos ao AE (que saíram precípuas do produto da venda) sejam suportados pelo IGFEJ e tal quantia seja entregue à recorrente.
II. Invoca ainda que o entendimento do Tribunal é inconstitucional por violar o disposto no artigo 2.º e 20.º, 11.º da CRP.
III. E que a decisão proferida foi uma decisão surpresa, sendo nula nos termos do disposto no artigo 195.º, 1 do NCPC (pese embora o recorrente se refira ao artigo 185.º, certamente por mero lapso de escrita) por referência ao artigo 3.º, n.° 3 do NCPC
IV. A recorrente requereu e foi-lhe concedido o beneficio de apoio judiciário para a execução n.° 874/12.2TTPRT (principal e execução).
V. A recorrente não solicitou o beneficio de apoio judiciário para estes autos tendo em vista a reclamação de créditos, os presentes autos são autónomos à acção 874/12.2TTPRT e não é aplicável o disposto no artigo 18.º, n.° 5 da Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho à situação em apreço por não ter cabimento no âmbito de tal norma.
VI. Assim, entendemos que não assiste razão ao recorrente, sendo de aplicar a regra dos honorários devidos ao agente de execução saírem precípuas do produto do bem penhorado (artigos 541.º do NCPC), como foi feito.
VII A nulidade arguida (artigo 3 ,n.º 3 e 195.º n.° 1 do NCPC) é inexistente porquanto o Tribunal decidiu a favor de uma das soluções (a defendida pelo A.E., ou seja, pela aplicabilidade da regra dos honorários devidos ao agente de execução saírem precípuas do produto do bem penhorado nos termos do artigo 541.º do NCPC) em detrimento da defendida pelo recorrente (de serem suportadas pelo IGFEJ por a recorrente beneficiar de apoio judiciário - o que só poderia ter fundamento no artigo 18. °, n.° 5 da Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho).
VIII. O recorrente reclamou da nota das custas discriminativa invocando que a reclamante beneficiava de apoio judiciário (por o ter obtido noutro processo), tendo a Mma Juiz indeferido o requerido por entender que tal beneficio não se reportar a estes autos, mas apenas à acção para a qual foi pedida e nada mais se afere do facto de o Tribunal ter indagado de a recorrente beneficiar ou não de apoio judiciário no âmbito da acção n.° 874/12.2TTPRT ‘prova que incumbia, desde logo, à recorrente e ab initio) para além de ter procurado uma decisão justa e esclarecida quanto à questão sub judice.
IX Por fim, não é de colher a invocada inconstitucionalidade no artigo 2.º e 20. °, n.° 1 da CRP, pelo singelo motivo de a requerente não beneficiar de apoio judiciário porquanto não o solicitou para estes autos (reclamação de créditos, mas tão-somente para a acção n.° 874/12.2TTPRT.
X. A recorrente tinha o direito de requerer tal beneficio e assim aceder ao direito gratuitamente, simplesmente dispensou-se de o solicitar confiando que o já obtido seria “extensível” aos presentes autos.
XL A interpretação do Tribunal a quo não fere o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos da recorrente por insuficiência de meios económicos.
XII. Pelo exposto, entendemos que o Tribunal fez uma ponderação correcta das normas legais, sendo de manter a Decisão nos seus exactos termos.
Assim se fazendo, JUSTIÇA».

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO
4. A DECISÃO RECORRIDA tem o seguinte teor:
«Antes de mais refira-se que a requerente não coloca em causa o valor devido ao Sr. AE a título de honorários e despesas, insurgindo-se apenas e tão só contra o facto de tal quantia ser abatida ao produto da venda, entendendo que a mesma deverá ser “devolvida” à quantia a pagar-lhe uma vez que beneficia de apoio judiciário.
Efectuada esta nota introdutória, cumpre referir o seguinte:
- a requerente intentou no Tribunal de Trabalho do Porto – Juízo Único – 4.ª Secção (extinto) acção emergente de contrato de trabalho a qual correu aí correu os seus termos sob o n.º 874/12.2TTPRT e para a qual foi concedido à requerente apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação de patrono em 30.04.2012, tendo em 28.01.2013 sido concedida extensão desse apoio na modalidade de atribuição de agente de execução.
A referida acção foi julgada procedente por sentença proferida em 05.11.2012 tendo sido intentada a competente execução que sob o n.º 874/12.2TTPRT-A correu termos pelo referido Tribunal.
No âmbito da execução 874/12.2TTPRT-A foram penhorados bens móveis, penhora essa sustada porquanto sobre os mesmos bens incidia penhora anterior efectuada nos presentes autos de execução.
Nessa sequência veio a requerente, na qualidade de credora reclamante reclamar espontaneamente o seu crédito emergente de contrato de trabalho, tendo o mesmo sido reconhecido e graduado em primeiro lugar, por sentença proferida em 12.02.2014 no apenso A (vd fls. 93 a 98).
O produto da venda de tais bens foi destinado na sua globalidade ao pagamento do crédito da requerente, graduado como se disse em primeiro lugar, sendo certo que as custas saíram precípuas de tal produto.
À requerente nunca foi concedido apoio judiciário para a sua intervenção nos presentes autos, sendo que o benefício que lhe foi concedido no âmbito do processo 874/12.2TTPRT (principal e execução), com a extensão na modalidade de agente de execução destinou-se apenas à sua intervenção nesses autos e não para os presentes, daí que o valor relativo às despesas e honorários com o agente de execução nestes autos tem necessariamente de ser pago por força do produto da venda dos bens penhorados, o que foi feito, conforme aliás decidido na sentença de verificação e graduação de créditos, não assistindo razão à requerente no pedido de “devolução” da quantia em causa àquela que tem direito a receber pelo produto da venda.
Nestes termos, indefere-se o requerido.»

5. O MÉRITO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art. 608º nº 2, ex vi do art. 663º nº 2, do Código de Processo Civil (de futuro, apenas CPC).
A apelação suscita a abordagem das seguintes QUESTÕES:
• a decisão é nula, por constituir decisão surpresa?
• a interpretação dada na decisão ao art. 18º nº 5 da lei do apoio judiciário (de futuro, apenas LAJ) viola os arts. 2º e 20º da CRP?
• deve considerar-se que os nº 4 e 5 do art. 18º da LAJ abarcam o processo de reclamação de créditos a que o beneficiário de apoio judiciário teve de recorrer noutra ação executiva, por força de a sua execução ter sido sustada (art. 794º nº 1 do CPC)?
• Numa tal situação, o benefício do apoio judiciário concedido inibe o funcionamento do art. 541º do CPC?

5.1. A DECISÃO SURPRESA
A proibição de decisão surpresa é um corolário do princípio do contraditório.
O processo civil é um processo de partes e é na esfera jurídica dos pleiteantes que se irão repercutir as consequências ou efeitos das decisões judiciais.
Essa realidade constitui uma das razões de ser da necessidade de observância do princípio do contraditório, considerado um dos princípios basilares do processo civil. (1)
Pretende-se com o contraditório que as partes sejam ouvidas antes da tomada de qualquer decisão, que lhes seja conferida a possibilidade de explicitarem as suas razões, os argumentos de facto e de direito em defesa da tese que sustentam no processo ou que possam influenciar a tomada de qualquer decisão, ainda que intercalar.
É também hoje consensual que o princípio do dispositivo não vigora em termos absolutos; ao juiz impõe-se, designadamente em termos de oficiosidade, o conhecimento de questões não suscitadas pelas partes.
É nestes casos, e sempre que o juiz perspetiva a existência de um obstáculo não tido em conta pelas partes, que a necessidade de audição das partes ganha maior acuidade.
Isso mesmo vinha sendo entendido jurisprudencialmente (2) e mostra-se plasmado no art. 3º nº 3 do atual CPC, “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito e de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
«No plano das questões de direito, é expressamente proibida, (…), a decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes.
Esta vertente do princípio tem fundamentalmente aplicação às questões de conhecimento oficioso que as partes não tenham suscitado, (…).». (3)
Vejamos então se tal ocorreu no caso em apreço.
Segundo o que consta dos autos, confrontada com a conta de custas e da nota discriminativa de despesas e honorários do agente de execução, a Recorrente reclamou para o Juiz (fls. 44/45) a pedir a “ordene a reforma da nota de custas ao Sr. Agente de execução (…)”; a fim de poder decidir tal reclamação, a M.mª Juíza emitiu despacho (fls. 49) a ordenar ao agente de execução a junção da nota justificativa e discriminativa de despesas e honorários e, bem assim, a notificação da Reclamante para juntar comprovativo da extensão concessão apoio judiciário na modalidade de atribuição de agente de execução; cumprido tal despacho, juntas as informações pertinentes, agora do conhecimento de todas as partes interessadas, só haveria de proferir decisão, como foi feito.
Se o que se pretendia era a reforma da nota de custas, havia que exercer o contraditório relativamente ao agente de execução, o que foi cumprido.
Para além disso, considerou-se necessária a junção de elementos de prova (nota discriminativa e o ofício do ISS com a decisão do pedido de apoio judiciário); quanto a estes, havia que deles dar nota às partes para exercício do contraditório, no plano da prova, o que também foi feito.
Reunidos todos os elementos, só se impunha decisão sobre a questão suscitada. Não havia que advertir a Recorrente sobre o sentido em que se estava a pensar decidir a reclamação, pois ela já tinha tido oportunidade de se pronunciar sobre todos os elementos (de direito e de facto) necessários à decisão.

Mas, se bem o entendemos, a Recorrente situa a decisão surpresa no facto de se dever entender que o Tribunal, pelo menos implicitamente, tinha aceite como bom que ela beneficiava de apoio judiciário: refere que apresentou a sua reclamação de créditos sem lhe ter sido exigido pagamento da taxa de justiça, pelo que se deve interpretar que se teve por boa a extensão do apoio judiciário concedido na outra ação e, “Se não considerava extensível devia ter informado à aqui exequente de tal decisão e concedido um prazo razoável para que pudesse fazer um pedido concreto a este processo junto dos serviços da Segurança Social. Mas não concretizou tal pronúncia”.
A ser assim, estaria mais em causa o princípio da confiança do que a decisão surpresa, pois o que a Recorrente faz apelo é a que, a não lhe ter sido exigido o pagamento de taxa de justiça inicial, se lhe criou legítimas expetativas de que lhe tinha sido considerado o apoio judiciário anterior.
Porém, também não ocorre a violação de tal princípio.
Em primeiro lugar, porque uma falha ou a deficiência de funcionamento do Tribunal nunca pode ser de molde a criar “legítimas expetativas” às partes que já beneficiaram dessa deficiência. Uma falha/erro do sistema de justiça não concede direitos que antes não existiam nem pode servir de argumento para “branquear” a inexistência de apoio judiciário nos casos em que ele for tido por necessário.
Em segundo lugar, a omissão de um pressuposto de admissão da reclamação de créditos (a falta de taxa de justiça) em nada contende com a tomada de decisão sobre uma reclamação da conta de custas.
Em terceiro lugar, não havia que convidar a Reclamante a ir fazer novo pedido ao ISS, seja porque o pedido de apoio judiciário constitui um direito potestativo, de iniciativa própria, seja porque, e principalmente, o pedido de apoio judiciário tem de ser prévio e só opera para os atos praticados após ter sido requerido: cf. art. 18º nº 2 do apoio judiciário.
Ou seja, mesmo que se concedesse “um prazo razoável para que pudesse fazer um pedido concreto a este processo junto dos serviços da Segurança Social”, ele nunca relevaria para os atos já praticados e, nessa medida, nunca poderia ser atendido.
Tudo visto, não ocorre a nulidade invocada.

5.2. VIOLAÇÃO DOS ART. 2º e 20º nº 1 DA CONSTITUIÇÃO REPÚBLICA PORTUGUESA (de futuro, apenas CRP)
Termina a Recorrente as suas conclusões imputando à decisão recorrida a violação dos referidos preceitos da CRP, “quando interpretada no sentido de não considerar extensível o apoio judiciário na atribuição de agente de execução e dispensa de pagamento da sua compensação ao mesmo do processo de origem - n.º 874/12.2TTPRT, aos presentes autos, não concedendo um prazo razoável à exequente para requerer um pedido especifico”.
A inconstitucionalidade é um vício suscetível de ser imputado a normas, preceitos jurídicos que tenham sido aplicados (ou cuja aplicação tenha sido recusada) na decisão, bem como à interpretação normativa que delas tenha sido feita.
O art. 2º da CRP, princípio diretivo e não normativo, só é chamado à colação na medida em que se apela ao direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (art. 20º) e o respeito e garantia de efetivação dos direitos fundamentais serem um dos postulados dum Estado de Direito democrático, reconhecido nesse art. 2º.
Na dimensão em que é invocado o art. 20º da CRP, trata-se de garantir e vincular o Estado a que, por via legislativa crie os meios necessários a que os cidadãos economicamente carenciados possam aceder aos Tribunais apesar de não terem meios económicos para suportar os custos do serviço público de justiça.
Sabido que o art. 20º da CRP não postula a gratuitidade do serviço público de justiça, é entendimento corrente que «(…), a Constituição, pressupondo um sistema não gratuito, limita-se a estabelecer que a justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios económicos, impondo tão somente que sejam asseguradas às pessoas economicamente carenciadas formas de apoio que viabilizem a tutela dos seus direitos e interesses (Acórdãos nº 467/91, 161/93 e 409/94).» (4)
Tal mecanismo jurídico existe, a Lei n.º 34/2004, que regula o regime de acesso ao direito e aos tribunais.
A Recorrente beneficiou de tal apoio nas duas ações (declarativa e executiva) em que o peticionou.
Uma vez que o requerimento de apoio judiciário não implica custos para o cidadão, o facto de uma lei impor (ou a interpretação de que impõe) que se efetue um pedido para cada processo não belisca a tutela dos direitos.
O apoio judiciário visa apenas proporcionar que as pessoas economicamente carenciadas possam ir a Tribunal discutir/defender os seus direitos, mas não garante, nem poderia, que o Tribunal fique vinculado a dar acolhimento à pretensão ou à tese que esse cidadão preconize.
Nesta perspetiva, manifestamente que o acesso ao direito e aos tribunais da Recorrente não se mostra de modo algum postergado, sendo disso manifestação o facto de ter ela visto a sua pretensão — e, atente-se, no caso a sua pretensão era a de lhe ser facultado o direito a poder vir reclamar o seu crédito no âmbito destes autos — apreciada pelo Tribunal, em 1ª instância e, agora, em 2ª instância.
Improcede, portanto, a questão suscitada.

5.3. DA “EXTENSÃO” DO APOIO JUDICIÁRIO
Em primeiro lugar, dir-se-á que não há que trazer à colação o disposto na Diretiva 2003/8/CE, de 27.01.2003, uma vez que a mesma visa apenas “promover a aplicação do princípio da concessão de apoio judiciário em litígios transfronteiriços” (considerando 5), “em matéria civil e comercial” (considerando 9), entendendo-se por “litígio transfronteiriço o litígio em que a parte que requer apoio judiciário na aceção da presente diretiva tem domicílio ou reside habitualmente num Estado-Membro diferente do Estado-Membro do foro ou em que a decisão deve ser executada” (art. 2º nº 1).
O litígio em causa nos autos não é, manifestamente, um litígio transfronteiriço.
Acresce que, ao contrário dos Regulamentos (diretamente aplicáveis nos Estados Membros, por incorporação no seu ordenamento jurídico) as Diretivas não são dirigidas aos cidadãos, vinculando apenas os Estados Membros quanto ao resultado a alcançar, significando que estes terão de emitir posteriormente os diplomas legais internos para lhes dar execução: art. 288º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e art. 8º nº 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
O invocado considerando (20) da Diretiva não alude a “todos os processos executivos”, mas sim a “todo o processo”.
Por fim, diga-se que não foi desrespeitado o processo de transcrição da Diretiva, mormente o seu considerando (20), pois que o art. 18º da LAJ refere expressamente que, uma vez concedido o apoio, ele mantém-se ao longo de todo o processo, designadamente em sede de recurso, e abrange todos os seus apensos, bem como a execução de sentença.

Relembrando a situação de facto: a Recorrente beneficiou de apoio judiciário (dispensa de taxa de justiça e demais encargos, bem como nomeação e pagamento da compensação de patrono) na ação declarativa nº 874/12.2TTPRT, do Tribunal de Trabalho do Porto, por ela instaurada contra Maxigui, Sociedade Unipessoal, bem como na posterior ação executiva nº 874/12.2TTPRT-A, que lhe correu por apenso (agora com o aditamento de “atribuição de agente de execução”).
Quando aí se procedeu à penhora dos bens móveis constatou-se que os mesmos já se mostravam penhorados à ordem deste processo, nº 1208/12.1TBBGC, pelo que foi sustada aquela execução (art. 794º nº 1 do CPC), tendo a Recorrente vindo então aqui reclamar o seu crédito.

Pode o apoio judiciário concedido no processo nº 874/12.2TTPRT ser considerado extensível aos presentes autos nº 1208/12.1TBBGC?
A decisão recorrida respondeu negativamente à questão, considerando que que teremos de estar perante um mesmo processo, pelo que se depreende que efetuou uma interpretação literal do preceito.
A situação remete-nos para o domínio da teoria da interpretação das leis — “interpretar uma lei é definir-lhe o conteúdo normativo, quer no seu núcleo essencial, quer nos seus desenvolvimentos marginais. É desvendar-lhe a significação e alcance, para o efeito da sua aplicação” (5)— pelo que há que nos socorrermos das regras da interpretação da lei, por recurso aos seus elementos literal, sistemático, histórico e teleológico: art. 9º do Código Civil (CC).
Iniciando a abordagem pelo elemento literal-gramatical (6), é do seguinte teor o art. 18º da Lei de acesso ao direito e aos tribunais (LAJ), dita de apoio judiciário (Lei nº 34/2004, de 29.07, com as alterações introduzidas pela Lei nº 47/2007, de 28.08):
1 - O apoio judiciário é concedido independentemente da posição processual que o requerente ocupe na causa e do facto de ter sido já concedido à parte contrária.
2 - O apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica.
3 - Se se verificar insuficiência económica superveniente, suspende-se o prazo para pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo até à decisão definitiva do pedido de apoio judiciário, aplicando-se o disposto nos n.os 4 e 5 do artigo 24.º
4 - O apoio judiciário mantém-se para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre a causa, e é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar, sendo-o também ao processo principal, quando concedido em qualquer apenso.
5 - O apoio judiciário mantém-se ainda para as execuções fundadas em sentença proferida em processo em que essa concessão se tenha verificado.
6 - Declarada a incompetência do tribunal, mantém-se, todavia, a concessão do apoio judiciário, devendo a decisão definitiva ser notificada ao patrono para este se pronunciar sobre a manutenção ou escusa do patrocínio.
7 - No caso de o processo ser desapensado por decisão com trânsito em julgado, o apoio concedido manter-se-á, juntando-se oficiosamente ao processo desapensado certidão da decisão que o concedeu, sem prejuízo do disposto na parte final do número anterior.
Pretender-se que no preceito se alude a um mesmo processo é interpretação que não tem, na letra da lei, um mínimo de correspondência verbal.
Ao contrário, previne-se a possibilidade da existência de vários processos (7) quando se referem todos os processos que sigam por apenso (nº 4), a hipótese de incompetência do tribunal (nº 6) e da desapensação (nº 7).
Trata-se do princípio da estabilidade da concessão do apoio judiciário, pelo que, «a expressão causa está utilizada em sentido amplo, abrangente da ação, do processo, do procedimento, do incidente e do recurso.» (8)
Em termos teleológicos, trata-se de fazer apelo ao fim visado pelo legislador, ao bem jurídico protegido e aos valores que se pretendem defender.
O apoio judiciário só ganha sentido enquanto instrumento para almejar um fim. E esse fim só pode ser a tutela do direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva plasmado no art. 20º da CRP.
O fim visado pelo apoio judiciário, não é propriamente o “direito a um processo”, mas antes assegurar “o exercício ou a defesa dos seus direitos” (art. 1º nº 1 da LAJ), sendo concedido “para questões ou causas judiciais concretas” (art. 6º nº 2 LAJ).
Nessa medida, se por vicissitudes das regras processuais impostas, houver necessidade de recorrer a vários meios legais para se efetivar o direito pretendido, revelar-se-ia desproporcionado, contrário ao espírito do sistema do apoio judiciário, à economia processual e de meios, obrigar o requerente a efetuar um pedido para cada um desses meios processuais.
O elemento relevante a ter em conta é que seja o mesmo o direito que se pretende acautelar, independentemente dos meios processuais necessários para o efeito.
No mesmo sentido vai o elemento sistemático de interpretação, postulando que os preceitos legais não podem ser encarados isoladamente, quer desgarrados do contexto da lei em que se inserem, quer dos diplomas ou institutos que dispõem sobre a mesma ou idêntica realidade social.
Ora, resulta dos diversos números do art. 18º da LAJ que o objetivo é assegurar que o cidadão possa exercer um determinado direito, resultando indiferente para o legislador a natureza da ação/diligência necessária (ação declarativa/executiva/procedimento cautelar), se o processo é principal ou apenso ou que a questão tenha de passar por vários tribunais por vicissitudes como a da incompetência.
Como refere Salvador da Costa, anotando o nº 5 do preceito, «A inserção deste normativo tem a ver com a nova regra processual de que a execução corre termos no traslado da sentença condenatória proferida na ação declarativa.
Com efeito, a ação executiva corre termos por apenso, exceto quando, em comarca com competência executiva específica cível ou com competência genérica e quando o processo tenha entretanto subido em recurso, caso em que a execução corre no traslado, sem prejuízo da possibilidade de o juiz da execução poder, se o entender conveniente, apensar à execução o processo já findo da ação declarativa (…).» (9)
Por identidade de situações, o mesmo deve acontecer num caso de apoio judiciário concedido numa determinada execução e em que, por imposição legal, o beneficiário do apoio é remetido para outro tribunal e para outro processo para reclamar o mesmo crédito exequendo.
Deve, pois, efetuar-se uma interpretação extensiva (10) dos números 4 e 5 do art. 18º da LAJ no sentido de considerar abrangida pelo apoio judiciário concedido em prévia ação executiva, a posterior reclamação de créditos que haja de se efetuar noutro processo executivo em razão da sustação daquela primeira execução por força do art. 794º nº 1 do CPC.
No caso, o direito que a Recorrente pretendia acautelar era o mesmo, quer na ação executiva nº 874/12.2TTPRT-A, quer na reclamação de créditos que veio exercer neste processo nº 1208/12.1TBBGC, por via do art. 794º nº 1 do CPC.
Assiste-lhe, pois, inteira razão neste particular.

5.4. DA SOLUÇÃO EM CONCRETO
Pese embora o que acabou de se concluir, a pretensão da Recorrente — de que os honorários e despesas do Sr. Agente de execução sejam pagos pelo IGFEJ ou que este instituto devolva diretamente o valor de €1.500,00 à aqui exequente —, não poderá ter provimento, por outra ordem de razões que passamos a expor.
Como atrás já se deixou referido, o sistema de justiça não é um serviço público gratuito, antes importando custos diversos.
Assim, como contrapartida da prestação desse serviço, o Estado exige, para si próprio, taxas de justiça a qualquer dos pleiteantes, bem como o pagamento dos encargos que o processo venha a originar.
Depois, há ainda que ter em conta que as mais das vezes as partes terão de recorrer a advogado, solicitador ou agente de execução, aos quais terão de pagar honorários.
No final do processo, na sentença, o juiz tem de referir qual das partes é condenada em custas, ou a sua proporção (art. 607º nº 6 CPC).
Ora, de acordo com o nosso regime de custas processuais (abrangendo a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte), é condenado quem tiver decaído na ação ou quem do processo tirou proveito (art. 527º nº 1 e 2 do CPC).
Uma das componentes dessas custas processuais são as custas de parte, compreendendo estas as taxas de justiça pagas, os encargos suportados, bem como os honorários e despesas do advogado e do agente de execução (art. 533º nº 2 CPC).
Significa isto que a parte vencedora irá depois reaver aquilo que pagou (mais rigorosamente, a proporção indicada no art. 26º do RCP) ou os custos suportados com esses itens, de acordo com o princípio da justiça gratuita para o vencedor.
Ora, é perspetivando que a carência de meios económicos para suportar todos estes custos coartasse às pessoas a possibilidade de efetivarem ou discutirem os seus direitos nos tribunais, que existe o mecanismo do apoio judiciário.
Assim, e uma vez que lhe foi concedido, a Recorrente pôde logo recorrer ao tribunal sem pagar as taxas de justiça necessárias para que o tribunal pudesse apreciar a sua pretensão; foi-lhe nomeado advogado e agente de execução, sendo o Estado a suportar os respetivos honorários.
O apoio judiciário que lhe foi concedido, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, nomeação e pagamento de honorários e despesas de advogado e de agente de execução, significou apenas que, na hipótese de ficar vencida em qualquer das ações, ainda assim a Recorrente nada iria pagar (art. 607º nº 4 e 527º nº 1 e 2 do CPC), pois seria o Estado a suportar tais custos.

Sendo estas as regras gerais em matéria de custas, temos agora que atender ao caso específico do art. 541º do CPC, em que o Estado estabeleceu, a seu favor, uma garantia de pagamento: “as custas da execução, incluindo os honorários e despesas suportadas pelo agente de execução, apensos e respetiva ação declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados”, precipuidade essa que se deixou consignada na sentença de reclamação de créditos. (11)
Esta regra não deixa, porém, de estar em coerência com as regras gerais.
Na verdade, chegado a este ponto do processo executivo, já se sabe que o executado é a parte vencida pelo que, ao retirar-se do produto da venda os valores necessários a pagar as custas, incluindo os honorários e despesas suportadas pelo agente de execução, é o Executado, parte vencida, quem está a suportar os custos da ação, através do seu património.
Tanto assim que, não sendo esse produto suficiente, a execução pode e deve continuar, com a penhora e posterior venda de outros bens.
As custas e os honorários do agente de execução de que a Recorrente ficou dispensada (por efeito do apoio judiciário) foram apenas aqueles que viessem a ser reputados da sua responsabilidade. Já não os que forem da responsabilidade de outrem, designadamente do Executado.
Nesta medida, os honorários do Sr. agente de execução estão a ser pagos à custa do património do Executado.
Convém também ainda esclarecer que o produto conseguido com a venda do património do Executado não fica desde logo pertença do Exequente ou dos Credores Reclamantes.
Daí que não possa a Recorrente considerar que “é ela que está a pagar os honorários” do Sr. agente de execução. (12)
Adiante-se que o preceito equivalente do anterior CPC, ex art. 455º, era bem mais gravoso pois mandava que pelo produto dos bens penhorados fossem ainda cobradas as custas da execução sustada.
Nesta medida, a penalização da Recorrente (se assim se pudesse considerar), resulta do facto de os bens penhorados não terem sido suficientes para pagamento integral das custas da execução e do seu crédito.
Pelo exposto, há que concluir que o problema não resulta da interpretação do art. 18º da LAJ, mas simplesmente da aplicação do art. 541º do CPC.
Razão por que não ocorreu nenhum desvirtuamento do apoio judiciário concedido à Recorrente e, nessa medida, não possa ser acolhida a sua pretensão de que seja o IGFEJ a suportar o valor devido ao agente de execução a título de honorários e despesas.

6. SUMARIANDO (art. 663º nº 7 do CPC)
a) O elemento relevante a ter em conta no apoio judiciário é que seja o mesmo o direito que se pretende acautelar, independentemente dos meios processuais necessários para o efeito.
b) Ao efetuar-se uma reclamação de créditos numa ação executiva em curso, devido a aí terem já sido penhorados os mesmos bens (art. 794º nº 1 do CPC), está a acautelar-se o mesmo direito que na ação executiva em que a penhora de bens foi posterior.
c) Assim, por interpretação extensiva dos números 4 e 5 do art. 18º da LAJ, deve considerar-se que o benefício do apoio judiciário concedido a uma Exequente é extensivo ao processo de reclamação de créditos que ela haja de efetuar noutro processo executivo, em razão da sustação da sua execução por força do art. 794º nº 1 do CPC.
d) Porém, as custas e os honorários do agente de execução de que essa Exequente ficou dispensada (por efeito do apoio judiciário) foram apenas aqueles que viessem a ser reputados da sua responsabilidade.
e) Por força do art. 541º do CPC, os honorários do agente de execução estão a ser pagos à custa do património do Executado, razão por que, numa tal situação, o benefício do apoio judiciário concedido não inibe o funcionamento do preceito, devendo tais honorários ser pagos pelo produto da venda, e não pelo IGFEJ.

III. DECISÃO
7. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, mantendo-se o decidido, ainda que por outra fundamentação.
Custas a cargo da Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.
Guimarães, 02.05.2016

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(Relatora, Isabel Silva)

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(1ª Adjunto, Heitor Gonçalves)

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(2º Adjunto, Carlos Carvalho Guerra)

(1)E, até, de consagração constitucional, enquanto corolário dos princípios do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, plasmados no art. 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
(2) Cf., a título de exemplo, os acórdãos do STJ, de 15.10.2002 (processo 02A2478, Relator Ferreira Ramos), de 16.05.2000 (processo 00B354, Relator Sousa Inês), de 14.05.2002 (processo 02A1353, Relator Lopes Pinto) e de 13.01.2005 (processo 04B4031, Relator Araújo Barros).
(3) José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 3ª edição, 2014, Coimbra Editora, pág. 9.
(4) Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, pág. 180.
(5) Manuel de Andrade, “Sentido e Valor da Jurisprudência”, separata do vol. XLVIII do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1973, pág. 20.
(6) De acordo com a técnica hermenêutica, o primeiro elemento a considerar deve ser o lógico-gramatical: não pode ser considerado pelo intérprete um pensamento legislativo que não tenha na letra e no espírito da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
E, como refere João Baptista Machado, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, 13ª reimpressão, pág. 182: «(…) o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento».

(7) Os processos “apensos”, pese embora a conexão que têm com o “processo principal”, não deixam de ser autónomos em termos processuais.
(8) Salvador da Costa, “Lei do Apoio Judiciário, Acesso ao Direito e aos Tribunais”, pág. 119 e 123.
(9) Salvador da Costa, obra citada, pág. 125.
(10) Na «interpretação extensiva o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. Alarga ou estende então o texto, dando-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo, isto é, fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei. (…). Da própria ratio legis decorre, p. ex., que o legislador se quer referir a um género; mas, porventura fechado numa perspetiva casuística, apenas se referiu a uma espécie desse género». – João Baptista Machado, obra citada, pág. 185.
(11) Como refere Salvador da Costa, “Regulamento das Custas Processuais, Anotado”, 5ª edição, 2013, Almedina, pág. 108, «O princípio da precipuidade significa que, penhorados bens ao executado, sairá do seu produto, em primeiro lugar, o valor necessário ao pagamento das custas relativas à execução.».
(12) Os custos dos honorários e despesas do agente de execução de que ela ficou dispensada, porque “cobertos” pelo apoio judiciário que lhe foi concedido, foram os do agente de execução nomeado no processo nº 874/12.2TTPRT-A, ao qual ela nada pagou e que foram suportados pelo Estado.