Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2732/17.5T8VCT.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
DANO DA PERDA DE ALIMENTOS
DANO MORTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. É jurisprudência dominante do STJ. que o exercício do direito a alimentos ao abrigo do disposto no artigo 495º n.º 3 do C. Civil se basta com a “qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício do direito a alimentos”, cujo montante indemnizatório deve ser calculado nos termos do artigo 566º n.º 2 e 3 do C. Civil.

2. O montante indemnizatório pelo dano da morte, segundo jurisprudência dominante do STJ, deve ser fixado entre os 50.000€ e 80.000€ conforme as circunstâncias do caso concreto, só muito excecionalmente até aos 100.000€, considerando-se no caso em apreço que 70.000€ era o adequado para compensar este dano.
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães

M. L. instaurou a presente ação declarativa de condenação contra X Portugal - Companhia de Seguros, SA, e requereu a intervenção principal provocada, como sua associada, de E. L., pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia líquida de € 549.595,82, acrescida de juros de mora, no dobro da taxa legal, desde a data da citação e até ao integral pagamento e a indemnização a liquidar posteriormente relativa a todos os gastos e prejuízos que eventualmente a autora venha a incorrer no futuro com tratamentos médicos e medicamentosos ou intervenções cirúrgicas e que derivem do acidente dos autos.

Alegou, em síntese, os danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do sinistro que descreve, do qual resultou a morte do seu marido, Eduardo e lesões corporais e prejuízos materiais para a autora e cuja ocorrência imputa à conduta ilícita e culposa do condutor do veículo seguro na ré.
Mais alegou que a ré não apresentou qualquer proposta indemnizatória.

A ré seguradora apresentou-se a contestar, assumindo a responsabilidade pela liquidação dos danos emergentes do sinistro, mas impugnando, por desconhecimento, parte da factualidade atinente à dinâmica do acidente, os danos e os montantes alegados.

Alegou ainda ter suportado as despesas hospitalares da autora e que a mesma não reclamou qualquer indemnização, nem forneceu à companhia seguradora os elementos solicitados pela ré para o efeito.

Terminou pedindo que a ação seja julgada em conformidade com a prova a produzir.

A convite do tribunal, a autora juntou aos presentes autos certidão, com nota do trânsito em julgado, da sentença condenatória proferida no processo penal que teve por objeto o acidente dos autos.

Dispensada a realização da audiência prévia e elaborado o despacho saneador, foi proferido despacho a fixar o objeto do litígio e a enunciar os temas de prova.

Apreciados todos os requerimentos probatórios e produzida a prova pericial, designou-se dia para a audiência final, à qual se veio a proceder com inteira observância das formalidades legais, como consta das respetivas atas.

Foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:

“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção intentada pela autora M. L. e, em consequência, condeno a ré X Portugal - Companhia de Seguros, SA a pagar-lhe:

- a quantia de € 167.620,15 (cento e sessenta e sete mil, seiscentos e vinte euros e quinze cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora a contar da citação e até efectivo pagamento;
- a quantia de € 152.500,00 (cento e cinquenta e dois mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora a contar da data desta sentença até integral pagamento; e
- a quantia que se vier a liquidar relativa aos danos aludidos nos pontos 38, 39, 43 e 44 do elenco dos factos provados;
- absolvendo-a do restante pedido;”

Inconformada com o decidido a ré interpôs recurso de apelação formulando as seguintes conclusões:

“I.
1. Pelo presente recurso, a recorrente impugna as seguintes decisões e omissões da douta sentença recorrida:

a) Não ter considerado nem julgado provado que o défice funcional e permanente da integridade físico-psíquica e o grau de dano estético, decorrentes das sequelas do estrabismo do olho direito, será minimizado com o tratamento cirúrgico referido no artigo 39 dos factos provados.
b) Não ter considerado nem julgado provado que à data do embate a autora não exercia a sua profissão porque foi opção da autora e do marido que não procurasse trabalho e tomasse conta da lide doméstica e ajudasse na organização do trabalho do falecido marido.
c) Ter julgado provado que o vencimento do falecido marido da autora era a única fonte de rendimento do casal (artigo 59 dos factos provados).
d) A condenação da recorrente a pagar à autora a quantia de € 2.700,00 pela necessidade de auxílio de terceira pessoa durante cerca de seis meses.
e) A condenação da recorrente a pagar à autora a quantia de € 130.000,00, por perda de alimentos, a cargo do falecido marido.
f) A condenação da recorrente a pagar à autora a quantia de € 70.000,00 por danos não patrimoniais decorrentes do quantum doloris e do dano estético por ela sofridos.
g) A fixação em € 15.000,00 como indemnização pelo dano não patrimonial sofrido pela vítima marido entre o momento do embate e a sua morte, e consequente condenação da recorrente a pagar à autora a quantia de € 7.500,00 a esse título.
h) A fixação em € 80.000,00 como indemnização pelo dano da perda do direito à vida do marido da autora, e consequente condenação da recorrente a pagar à autora a quantia de € 40.000,00 a esse título.
i) A condenação da recorrente a pagar à autora a quantia de € 35.000,00 por danos não patrimoniais por ela sofridos pela morte do marido.

II.
2. O relatório pericial de folhas 198 a 203 refere que o défice funcional e permanente da integridade físico-psíquica de que a autora padece atualmente “deverá ser alterado no que concerne às sequelas do estrabismo do olho direito o qual poderá ser minimizado com tratamento cirúrgico”. Este facto não foi tido em consideração nos factos provados pela sentença e não consta dos factos provados.
3. Esse facto, provado por documento emitido por organismo oficial e não impugnado, complementa e concretiza a factualidade alegada na petição inicial no que se refere ao défice funcional e ao grau de dano estético decorrentes do estrabismo que sofre de momento a autora, sendo, por isso, de atender no momento da quantificação dos danos não patrimoniais sofridos pela autora em função do dano estético e do dano biológico, tanto mais que o dano estético foi fixado pelo senhor perito no grau 4 numa escala de 7 teve em conta, precisamente, o estrabismo, dano estético esse que será minimizado após a realização da cirurgia.
4. Por imposição dos artigos 5º, nº 2, al b) e 607º, nº 4 do Código de Processo Civil, aquela factualidade, deveria ter sido atendido pela senhora juíza a quo e dada como provada. Não o tendo sido, deve o tribunal de 2ª instância ampliar a matéria de facto (artigo 662º do Código de Processo Civil), e aditar aos factos provados o seguinte: “O défice funcional e permanente da integridade físico-psíquica e o grau do dano estético, decorrentes das sequelas do estrabismo do olho direito, serão minimizados com tratamento cirúrgico referido no artigo 39 dos factos provados.”

III.
5. A autora confessa no artigo 186º, nº 11 da douta petição inicial que “foi opção da autora e do falecido marido que ela não procurasse trabalho e tomasse conta da lide doméstica e ajudasse na organização do trabalho do de cujus”. Esse facto deve ser considerado pelo julgador, já que se mostra de particular importância para quantificação do eventual dano relativo à perda de alimentos, designadamente, quanto ao requisito específico da necessidade da prestação alimentícia e da possibilidade de a autora provir pelo seu sustento.
6. Sendo esse facto instrumental, e estando provado por confissão reduzida a escrito, deveria ter sido julgado provado pela 1ª instância (artigos 5º, nº 2, al. a) e 607º, nº 4 do Código de Processo Civil). Não o tendo sido, deve este tribunal de recurso fazê-lo, ampliando a matéria de facto provada (artigo 662º do CPC), e proceder à alteração do teor do artigo 57º dos factos provados, que deve passar a ter a redação seguinte: “À data do embate, a autora tratava das lides domésticas do casal, procedendo à limpeza, confeção dos alimentos, tratamento de roupa, etc, e não exercia a sua profissão porque foi opção da autora e do falecido marido que ela não procurasse trabalho e tomasse conta da lide doméstica e o ajudasse na organização do trabalho deste.”

IV.
7. Ouvidas as declarações prestadas em audiência de julgamento, constata-se que em momento algum, quer a autora, quer as testemunhas P. F. e A. F., confirmaram ou sequer mencionaram, que o vencimento do falecido marido da autora era a única fonte de rendimento que suportava as despesas do casal. Essa ausência de prova contraria o que consta na motivação da sentença quanto ao julgamento dos factos constantes no artigo 59 dos factos provados.
8. Por outro lado, e quanto às declarações do IRS, que a sentença invoca para julgar provado esse mesmo facto, esses documentos provam apenas que a autora e seu falecido marido participaram à Autoridade Tributária o que neles consta, não sendo lícito delas retirar outros factos senão esses, designadamente, que os rendimentos ali declarados eram os únicos auferidos pelo casal.
9. A realidade é que a autora não esboçou tão pouco em cumprir com o ónus que recaía sobre si, de provar que o vencimento do seu marido era a única fonte de rendimentos do casal, não o fazendo por si, nem por intermédio das testemunhas por si arroladas, e que lhe eram próximas, porquanto sua irmã e sobrinha/afilhada.
10. Não tendo a autora cumprindo com esse ónus, os factos vertidos no artigo 59 dos “factos provados” (o vencimento do falecido marido da autora era a única fonte de rendimento que suportava as despesas do casal com alimentação, vestuário, higiene, saúde, eletricidade, água, gás, telefone, veículos automóveis férias e lazer) devem ser julgados não provados.

V.
11. Apesar de referir expressamente que a autora não provou ter despendido qualquer quantia por ter vivido em casa da irmã durante cerca de seis meses (artigo 29 dos factos provados), a Meritíssima Juíza a quo entendeu que lhe assistia o direito “a ser indemnizada a esse título enquanto dano decorrente do acidente”, arbitrando uma indemnização de € 2.700,00, o que não é admissível. Com efeito,
12. No âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos, o artigo 483º do Código Civil exige que “para haver obrigação de indemnizar, é condição essencial que haja um dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4ª ed., pág. 523). Não tendo sido provado que a autora tenha suportado qualquer prejuízo em resultado do auxílio prestado pela sua irmã (que seguramente agiu apenas no cumprimento de um dever ético, natural e de solidariedade familiar), não se verifica um dos requisitos essenciais do dever de indemnizar, pelo que não é lícito condenar a ré ao pagamento de qualquer quantia a esse título.

VI.
13. Não obstante entender que a indemnização prevista no artigo 495º, nº 3 do Código Civil se destina a “compensar as pessoas carecidas de alimentos do prejuízo que para elas advém da falta da pessoa lesada”, a douta sentença acabou por atribuir à autora uma indemnização a esse título, sem que estivessem alegados e provados factos donde decorra uma situação de necessidade de alimentos por parte da autora, pressuposto da atribuição de tal indemnização.
14. Com efeito, em sede de responsabilidade aquiliana vigora a regra prevista no artigo 483º do Código Civil, segundo a qual “a indemnização pelos danos causados cabe apenas ao titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado com a violação de disposição legal destinada a protege-lo, não a terceiro, que só reflexamente ou indiretamente, seja prejudicado” (Ac. do STJ de 08/03/2012, in www.dgsi.pt, Processo 26/09.9PTEVR.E1.S1), prevendo-se no seu artigo 495º algumas exceções, como é o caso da indemnização de terceiros em caso de morte ou lesão corporal do lesado a quem podiam exigir alimentos (nº 3).
15. Na aplicação daquelas disposições, a jurisprudência tem entendido que, em caso de morte, os terceiros (não lesados) ali mencionados gozam de direito a serem indemnizados, mas apenas com fundamento na obrigação legal de alimentos, não lhes reconhecendo a lei qualquer direito a indemnização pela perda futura de rendimentos por morte do lesado, pelo que os seus titulares têm de provar os respetivos requisitos, nomeadamente, a situação de necessidade de alimentos (Ac. STJ de11/02/2015 e de 28/11/201, in www.dgsi.pt, Proc. 6301/13.0TBMTS.S1).
16. O entendimento de que é suficiente invocar a titularidade do direito para aceder à indemnização prevista no nº 3, do artigo 495º do Código Civil é afastado, desde logo, pela letra desse preceito, conjugado com o artigo 2004º daquele Código. Com efeito, prevendo-se naquela regra que têm direito a indemnização “os que podiam exigir alimentos ao lesado ou àqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”, e prevendo-se nesta que na fixação ou na determinação da medida dos alimentos deve ter-se em conta que “os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los”, devendo ainda atender-se “à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência”, isso significa que só pode exigir alimentos ao lesado aquele que se encontre numa situação de necessidade (que justifique precisamente a exigência a terceiro da atribuição de uma prestação alimentícia, e na medida dessa sua necessidade), e se encontre numa situação de dificuldade ou de impossibilidade de auferir ou deter meios de subsistência. Esta é a posição da lei, decorrente da conjugação entre os artigos 495º, nº 3 e 2004º, ambos do Código Civil.
16. A não ser assim, cai-se na situação intolerável e até ridícula de o cônjuge, juntamente com os ascendentes e irmãos da vítima gozarem sempre do direito de exigirem do lesante uma indemnização por perda de alimentos, já que o artigo 2009º do Código Civil os coloca numa posição de, teoricamente, os poderem exigir.
17. Além da letra da lei, também a razão de ser da exceção consagrada no nº 3, do referido artigo 495 obriga ao entendimento alegado na conclusão 15ª, pois que a motivação da exceção é obstar que terceiros, ligados por vínculos familiares à vítima, fiquem em condições de carência dos meios básicos de subsistência, que não suportariam caso aquele estivesse vivo ou em condições de angariar rendimentos suficientes para com eles partilhar.
18. Assim, a única interpretação que tem em conta a letra da lei, a unidade do sistema jurídico, e a natureza e função da norma do referido artigo 495º, nº 3, é aquela que conclui que para gozar da indemnização ali prevista, o terceiro não lesado deve alegar e provar a concreta e efetiva necessidade da prestação de alimentos, e ainda que não tem possibilidade de prover à sua subsistência, ou, dito pelo STJ, “o segmento normativo podiam exigir alimentos ao lesado, constante do nº 3 do artigo 495º do Código Civil, pretende significar pessoas envolvidas da necessidade dessa prestação alimentar” (Ac. STJ de 21/05/2009, Proc. 213/09.YFLSB, in dgsi.pt), devendo esse dispositivo ser interpretado “no sentido de que os titulares do direito devam provar a sua necessidade de alimentos ou a sua previsibilidade”, sendo insuficiente a alegação da simples “qualidade de que a lei faz depender a possibilidade legal do exercício do direito a alimentos para que se deva atribuir indemnização por danos patrimoniais, independentemente da sua situação económica (Ac. STJ de 21/05/2009, Proc. 201/09.OYFLSB).
19. Regressando ao caso dos autos, a autora não configura a sua causa de pedir como uma verdadeira situação de necessidade de alimentos, mas apenas como perda de rendimentos futuros auferíveis pelo seu marido falecido, direito que, nos termos do acima disposto, não lhe é legalmente reconhecido.
20. É que a autora nada alegou nem nada provou quanto às suas eventuais necessidades de sustento, vestuário e alimentação, justificativas da prestação alimentar por parte do falecido marido, não alegou nem provou que despesas tem de suportar; não fez qualquer referência aos seus rendimentos e bens possui; não alegou nem provou que está impossibilitada de obter os proveitos necessários à sua subsistência (sendo certo que, conforme reconhece na petição inicial, não está a exercer a sua profissão apenas por vontade própria), tudo de forma a aquilatar se ficou ou não numa situação de carência, justificativa da indemnização reclamada
21. Falta, pois, a verificação de dois dos pressupostos exigidos nos artigos 495º, nº 3 e 2004º do Código Civil: a prova da necessidade de alimentos e a prova da impossibilidade da autora prover à sua subsistência, pelo que deve ser julgado improcedente o pedido de condenação da ré a pagar à autora uma indemnização por pretensa perda de alimentos, com a consequente revogação da sentença nessa parte.

VII.
22. Sem prescindir, e mesmo partindo de um hipotético entendimento da desnecessidade da alegação e prova da situação de carência justificativa do recebimento de alimentos para efeitos de aplicação do artigo 495º, nº 3 do Código Civil, o que não se aceita, o valor atribuído pela virtual perda de alimentos mostra-se excessivo.
23. O artigo 564º, nº 2 do Código Civil estabelece que podem ser atendidos os danos futuros, desde que previsíveis, dispondo o seu artigo 563º, nº 3 que, caso não seja possível averiguar o valor exato dos danos, o tribunal deve servir-se da equidade para determinar o valor indemnizatório, tomando em conta o que se lhe apresenta como provado ao momento do julgamento.
24. Por seu turno, em obediência ao princípio da teoria da diferença consagrado no artigo 566º, nº 2 do Código Civil, há que atender apenas aos danos efetivos resultantes da cessação de prestação de alimentos, pelo que o prejuízo a indemnizar deve ser “somente o da perda de alimentos decorrente da falta da vítima, não podendo o lesante ser condenado em prestação superior, quer no valor, quer na duração, à que o lesado suportaria se fosse vivo” (Ac. do STJ de 31-01-2012, Proc. 875/05.7TBILH.C1.S1, www.dgsi.pt).
25. Isso significa, tal como foi decidido no acórdão do STJ de 31-01-2012, que "o cálculo desta indemnização, no caso de morte de um dos cônjuges não pode obedecer "legalmente" aos parâmetros que em geral são seguidos na respetiva determinação quando está em causa uma incapacidade parcial permanente para o trabalho, até porque os alimentos prestados a terceiro não participam no mesmo grau de previsibilidade que o ganho potencial da própria vítima".
26. Ora, a sentença ora impugnada afirma expressamente que se socorreu dos critérios e “do método de cálculo indemnizatório utilizado … para o cálculo da perda da incapacidade aquisitiva do lesado direto”, como se de uma pura incapacidade permanente para o trabalho se tratasse com repercussão direta no património da autora, sem que tivesse em consideração factos e que devia ter atendido, o que provocou a inflação do montante indemnizatório. Concretamente:
27. O tribunal a quo fixou a indemnização sem que sejam conhecidas as reais necessidades da autora, pois esta não alegou nem provou quais as carências concretas que a perda do rendimento auferido pelo falecido marido lhe provocou, nem os valores necessários para as colmatar, sabendo-se apenas que não tem ninguém a seu cargo e que não tem despesas com a sua habitação.
28. O tribunal a quo fixou a indemnização sem atender que a autora está capacitada para exercer a sua profissão, e apenas não a exerce por decisão e vontade própria, tendo, pois, capacidade para prover pelo seu sustento. Não atendeu, assim, ao disposto na parte final do nº 2, artigo 2004º onde se determina que na fixação dos alimentos deve atender-se à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
29. O tribunal a quo fixou a indemnização sem atender que o período temporal durante o qual seria suscetível a autora beneficiar dos alimentos do lesado ou da participação deste nos encargos da vida comum seria os 12 anos da sua vida ativa (tinha 53 anos à data da morte), pois a partir desse momento o mais provável é que o lesado ficasse a gozar da sua reforma, auferindo assim um rendimento mais baixo do que o proveniente do seu trabalho e que tivesse necessidade de despender mais recursos com a sua pessoa, nomeadamente, em despesas com a sua saúde.
30. O tribunal a quo fixou a indemnização sem atender que não é aceitável, nem provável, que a autora continuasse a viver exclusivamente à custa dos rendimentos do trabalho do marido, pelo que seria de esperar que em algum momento voltasse a exercer uma profissão remunerada, provendo pela sua subsistência, assim acabando com a sua eventual dependência do marido.
31. O tribunal a quo fixou a indemnização presumindo como certo, definitivo e seguro que a autora e seu falecido marido permaneceriam casados pelo menos mais 24 anos, não tomando em consideração que no ano de 2017 a taxa de divórcios em Portugal superou os 64%, pelo que contar como certos, vitalícios, definitivos e seguros os rendimentos provenientes de um dos cônjuges, e considerar como verdade indiscutível que o falecido marido da autora permaneceria casado com ela pelo menos mais 24 anos, é uma presunção inconcebível para efeito de determinar o valor da indemnização por danos futuros, porque altamente improvável
32. O tribunal a quo fixou a indemnização no pressuposto de que o lesado auferia um rendimento líquido anual de € 12.000,00, e que 50% desse valor reverteria para a autora. Porém, sendo certo que de acordo com a declaração de rendimentos apresentada pelo E. L. para efeitos de IRS referentes ao ano anterior ao acidente (2011), a totalidade do rendimento declarado, € 21.147,76, foi proveniente de trabalho independente, no exercício da sua atividade de comerciante, a esse rendimento há que subtrair os seguintes montantes: as despesas inerentes a essa atividade comercial, que, e contabilística e fiscalmente se presume serem de 25% sobre a faturação, ou seja, € 5.286,94, (pelo que se obtém um rendimento livre de despesas de € 15.860,82); a este valor terá de se deduzir € 2.357,00 de pagamentos à Segurança Social e o mínimo de € 300,00 de IRS (o que perfaz o rendimento líquido anual de€ 13.203,82); deverá ser descontada ainda a quantia de € 3.852,00, pensão anual paga pelo falecido E. L., como consta da mencionada declaração do IRS. Destas operações resulta que o rendimento disponível para o lesado seria de € 9.351,82. Beneficiando a autora de cerca de 50% desse valor, a morte do E. L. acarretará para esta um dano não superior a € 4.675,91 anuais.
33. Atento o exposto, e sem prescindir do que foi alegado quanto à falta de verificação do requisito legal da necessidade de alimentos, o montante da indemnização que teoricamente caberia à autora caso essa pressuposto se verificasse, não deveria exceder os € 30.000,00, quantia que se mostra justa e equitativa.

VIII.
34. Relativamente aos danos não patrimoniais, de acordo com o artigo 496º do Código Civil, na fixação da indemnização que seja arbitrada no âmbito da responsabilidade fixada por atos ilícitos, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, atento a sua gravidade, mereçam a tutela do direito, ali concedendo a lei ao cônjuge não separado e aos filhos da vítima o direito a serem ressarcidos pelos danos não patrimoniais por eles sofridos em virtude da morte do cônjuge e pai.
35. Relativamente ao critério para determinação do montante destinado a essa compensação, a lei prevê o recurso à equidade, não podendo, todavia, afastar-se os princípios gerais e constitucionais da unidade do sistema jurídico e da necessidade de coerência e tratamento igualitário de situações similares, os quais vinculam o juiz a atender à praxis jurisprudencial, tal como decidiu o STJ: "o recurso à equidade não afasta o juiz de … procurar uma uniformização de critérios" (Ac. do STJ do 07-02-2013Proc. 3557/07.1TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt).
36. Assentes estes princípios, as indemnizações arbitradas pela primeira instância para ressarcimento dos danos não patrimoniais apresentam-se manifestamente excessivos. Assim,
36.1. A quantia de € 70.000,00 concedida pelas dores e dano estético sofridos pela autora supera o que vem sendo atribuído pelos tribunais pelo dano morte. Ora, a jurisprudência vem entendendo que deve ser considerado como correto o princípio de que não se deve “afastar a ideia de que, constituindo o direito à vida o bem supremo, a compensação por danos não patrimoniais relativos a alguém que continua vivo” tenha de ser em quantia inferior ao quantum indemnizatório que vem sendo fixado pela perda do direito à vida (AC. STJ de 16/01/2014, Proc. 6430/07.0TBBRG,S1). De acordo com as decisões da jurisprudência dos tribunais superiores para casos análogos, o valor indemnizatório desses danos não patrimoniais não deve ser superior a € 30.00,00, não podendo deixar de se atender que o dano estético será minimizado com a intervenção aos olhos que a autora irá fazer.
36.2. O mesmo se diga em relação ao montante de € 15.000,00 fixado pelo dano não patrimonial sofrido pela vítima entre o momento do embate e a sua morte. O STJ, por acórdão de 03/11/2016 (Proc.nº 6/15.5T8VRF.P1.S1), arbitrou a quantia de € 20.000,00 para sua indemnização perante os seguintes factos: vítima sofreu dores intensas e graves lesões; suportou cerca de 23 dias de clausura hospitalar; sofreu dolorosos tratamentos; perspetivou a sua morte, o que lhe causou angústia e medo.
Nestes autos, vem provado que o lesado permaneceu consciente durante cerca de 15 minutos, em sofrimento, tendo tido a perceção de que a sua morte estava iminente. O valor de compensação desse seu dano não patrimonial não deve ser superior a € 2.500,00, cabendo € 1.250,00 à autora, já que mesma quantia cabe à filha do falecido marido.
36.3. No que concerne à indemnização pelo dano da perda do direito à vida do marido da autora, os €80.000,00 fixados pecam por excesso. Na avaliação desse dano a jurisprudência tem atendido que a vida humana, não obstante ter igual valor do ponto de vista puramente individual e naturalístico, tem ainda um valor social, sendo que, em face da necessidade de valorar a sua perda, esta dimensão social da pessoa tem de ser atendida pelo julgador. O STJ tem consolidado jurisprudência de que a indemnização pelo dano morte se deve situar, em regra, entre os € 50.000,00 e os € 80.000,00, sendo que a idade e dimensão social do indivíduo são fatores determinantes no momento da valorização do dano. Vem provado que o lesado E. L. tinha 53 anos, mas desconhecem-se as suas condições físicas bem como a sua dimensão social, pelo que o montante de € 60.000,00 se mostra equitativo para indemnização de perda da sua vida (veja-se, nesse sentido, o Ac. do STJ de 03/11/2016, onde se decidiu que “ponderadas a idade da vítima (52 anos) e as circunstâncias em que ocorreu o acidente … considera-se ajustada, equilibrada e adequada a indemnização de e 60.000,00, a título do dano morte”), cabendo à autora a quantia de €30.000,00, e igual valor à filha do lesado.
36.4. A condenação da recorrente a pagar à autora a quantia de € 35.000,00 por danos não patrimoniais por ela sofridos pela morte do marido, deve também ser revogada, por tal valor se mostrar também excessivo. Esses danos têm sido compensados pelas decisões do STJ em € 20.000,00, como é exemplo o seu acórdão de 18/06/2015, que julgou “adequada a indemnização de e 20.000,00, atribuída pela Relação a cada um dos pais da vítima, para os ressarcir do sofrimento causado pela morte de um filho com apenas 20 anos”. Ora, a dor e o sofrimento de um pai pela morte de um filho jovem, é seguramente muito mais intensa e de muito mais difícil recuperação da de qualquer cônjuge. A decisão da 1ª instância deve ser alterada, e em substituição, atribuir-se a quantia não superior a € 20.000,00 para ressarcimento desse dano.
37. A douta sentença recorrida violou, por omissão de aplicação e por erro de interpretação, as normas previstas nos artigos 483º, 495º, nº 3, 563º, 564º,566º, nº 2 e 3 e 2004º, todas do Código Civil.

Termos em que, deve o recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, revogar-se e alterar-se a douta sentença recorrida nos termos das alegações e das conclusões supra….”

Houve contra-alegações que pugnaram pelo decidido.

Das conclusões do recurso ressaltam as seguintes questões:

1. Aditamento à matéria de facto provada do seguinte:

“O défice funcional e permanente da integridade físico-psíquica e o grau do dano estético, decorrentes das sequelas do estrabismo do olho direito, serão minimizados com tratamento cirúrgico referido no artigo 39 dos factos provados.”
2. Alteração da resposta positiva ao ponto de facto 57 da matéria de facto provada nos seguintes termos:

“À data do embate, a autora tratava das lides domésticas do casal, procedendo à limpeza, confeção dos alimentos, tratamento de roupa, etc, e não exercia a sua profissão porque foi opção da autora e do falecido marido que ela não procurasse trabalho e tomasse conta da lide doméstica e o ajudasse na organização do trabalho deste.”
3. Alteração da resposta positiva para negativa ao ponto de facto 59 da matéria de facto provada.
4. Se é devida a indemnização fixada no montante de 2.700€ a favor da autora por ajuda de terceira pessoa.
5. Se é devida a quantia de 130.000€ fixada a título de alimentos a favor da autora, por morte do seu marido.
6. Alteração do montante de 70.000€ fixada à autora, para 30.000€, pelo dano não patrimonial próprio.
7. Alteração do montante de 15.000€ para 2.500€ emergente do dano não patrimonial da própria vítima antes da morte.
8. Alteração do montante de 80.000€ para 60.000€ pelo dano da morte do marido.
9. Alteração do montante de 35.000€ para 20.000€ fixado à autora pelo dano não patrimonial pela morte de seu marido.

Vamos conhecer das questões enunciadas

1. Aditamento à matéria de facto provada do seguinte:

“O défice funcional e permanente da integridade físico-psíquica e o grau do dano estético, decorrentes das sequelas do estrabismo do olho direito, serão minimizados com tratamento cirúrgico referido no artigo 39 dos factos provados.”

A apelante pretende este aditamento à matéria de facto provada com vista a confrontar com o ponto de facto provado n.º 39 da decisão recorrida, baseando-se no relatório e conclusões da perícia de avaliação do dano corporal junto a fls. 199 a 203. De acordo com as conclusões desta perícia a realização da cirurgia ao estrabismo do olho direito poderá minimizar os efeitos deste no déficite funcional permanente da integridade físico-psíquica fixada à autora e isto refletir-se-á também a nível estético. O certo é que as conclusões são de natureza probabilística e não de certeza como consta da redação do ponto de facto indicado pela apelante, como se infere da expressão “ serão minimizados …”. Estamos perante uma cirurgia, que sendo comum e com resultados geralmente positivos, não deixa de revelar riscos típicos de qualquer cirurgia, e em particular ao nível dos olhos. Poderá ser eficaz ou não. Daí a prudência do perito médico ao colocar a eficácia ao nível da probabilidade e não da certeza. Daí que a redação deste ponto de facto terá de verter a probabilidade da eficácia e não a certeza, pelo que será redigido o desta forma e assim aditado à matéria de facto provada : “O défice funcional e permanente da integridade físico-psíquica e o grau do dano estético, decorrentes das sequelas do estrabismo do olho direito, poderão ser minimizados com tratamento cirúrgico referido no artigo 39 dos factos provados.”

2. Alteração da resposta positiva ao ponto de facto 57 da matéria de facto provada nos seguintes termos:

“À data do embate, a autora tratava das lides domésticas do casal, procedendo à limpeza, confeção dos alimentos, tratamento de roupa, etc, e não exercia a sua profissão porque foi opção da autora e do falecido marido que ela não procurasse trabalho e tomasse conta da lide doméstica e o ajudasse na organização do trabalho deste.”

A apelante, ao abrigo do disposto no artigo 662 do CPC, conjugado com o disposto nos artigos 607 n.º 4 e 5º n.º 2 al. a) do mesmo diploma, pretende a ampliação da matéria de facto com a modificação da redação do ponto de facto 57 da matéria de facto provada da decisão impugnada, uma vez que o aditamento indicado consta de confissão no artigo 186 n.º 11 da petição e assume relevância na ponderação da determinação da necessidade do direito a alimentos, na medida em que está capacitada para exercer a sua profissão habitual, o que não faz por opção pessoal.

Julgamos que o facto a aditar está devidamente provado por confissão como consta do artigo 186 n.º 11 da petição inicial, e sendo instrumental, e podendo influenciar na determinação do direito a alimentos nos termos do artigo 495 n.º 3 do C.Civil, segundo as várias soluções plausíveis do direito, deve constar da matéria de facto provada, podendo ser inserido no ponto de facto 57 da matéria de facto provada com a redação proposta pela apelante, ao abrigo dos disposto no artigo 662 n.º 1, 5.º n.º 2 al a) e 607 n.º 4 do CPC.

3. Alteração da resposta positiva para negativa ao ponto de facto 59 da matéria de facto provada.

A apelante defende que o artigo 59 da matéria de facto provada deve ter uma resposta negativa porque não se provou que o vencimento do marido da autora era a única fonte de rendimento que suportava as despesas do casal. Este ponto de facto não foi abordado pela autora nas suas declarações de parte, pela testemunha P. F. e a testemunha M. F. apenas se referiu, no seu depoimento, que o falecido marido sustentava a casa. E, dos boletins do IRS juntos aos autos não se pode concluir tal facto, porque são documentos que traduzem aquilo que neles consta e nada mais.

A resposta positiva dada ao ponto de facto questionado, assenta, essencialmente, na conjugação dos depoimentos das pessoas indicadas, dos boletins de IRS e da petição inicial. Destes elementos de prova se pode inferir que o marido da autora, através da sua atividade profissional, ajudado por si, angariava dinheiro que era aplicado no sustento do casal. A autora e o seu marido viviam do que a atividade profissional deste proporcionava em termos económicos. Consta dos autos que a autora, já há algum tempo, que não exercia a sua atividade profissional, dedicando-se às lides domésticas e ajudava o marido na execução da sua atividade profissional. Daqui se pode concluir que a fonte de rendimento do casal assentava nos proventos emergentes da atividade do marido da autora. Assim, julgamos que a resposta ao ponto de facto questionado está de acordo com a prova produzida em audiência de julgamento numa perspetiva de prova relativa e não absoluta em que predomina a livre apreciação da prova, para formar a convicção do julgador, pelo que é de manter.

Vamos fixar a matéria de facto provada

“1. E. L. faleceu no dia -.-.2012, com a idade de 53 anos e no estado de casado com a autora M. L., conforme assento de óbito de constante de fls. 30 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. À data do óbito, o referido E. L. deixou como descendente a interveniente E. L., conforme certidão constante de fls. 46v a 47v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3. No dia -.-.2012, pelas 16h45m, na Estrada Nacional nº …, ao km 5,350, na localidade de ..., do concelho da Ponte da Barca, ocorreu um embate no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, marca Honda, com matrícula ..., pertencente a J. P. e conduzido pelo próprio e o motociclo de matrícula LU, conduzido por E. L. e pertencente ao mesmo.
4. No motociclo de matrícula LU seguia como passageira a autora.
5. No referido dia, hora e localidade, o referido J. P. conduzia o seu veículo de matrícula ..., pela hemi-faixa direita da EN 203, no sentido Lindoso/Ponte da Barca.
6. Na mesma ocasião, circulava à frente da referida viatura, o motociclo conduzido por E. L., o qual circulava pela metade da faixa de rodagem, atento o mesmo sentido de marcha, aproximadamente a meio da referida hemifaixa de rodagem e a cerca de 40 km/hora.
7. Era dia, o tempo estava bom e o piso da via estava seco e em bom estado de conservação.
8. A faixa de rodagem tem 6,10 metros de largura e comporta uma fila de trânsito em cada um dos sentidos de marcha.
9. A faixa de rodagem é alcatroada e é ladeada por uma berma.
10. Em perfil longitudinal, entre os Km 43,350 e 43,300 a faixa de rodagem descreve uma curva para a direita, atento o sentido de marcha do referido veículo, seguida de uma recta.
11. A dado momento, o condutor do veículo automóvel de matrícula ... iniciou uma manobra de ultrapassagem ao dito motociclo que seguia à sua frente.
12. Tendo para o efeito invadido a hemi-faixa esquerda, atento o seu sentido de marcha, num momento em que, em sentido contrário, se aproximava uma outra viatura automóvel, conduzida por J. S..
13. O referido J. S. comutou alternadamente os órgãos de iluminação, de forma a alertar o condutor do veículo de matrícula ..., da sua aproximação e assim evitar um embate.
14. Tendo o condutor do veículo de matrícula ... guinado o veículo que conduzia para a direita, sem se certificar que a ultrapassagem que iniciara estava ou não concluída e se poderia retomar a hemi-faixa direita sem perigo para quem estava a ser ultrapassado, indo embater com a parte lateral posterior direita do seu veículo no motociclo de matrícula LU, conduzido por E. L., atingindo-o no seu lado esquerdo.
15. Em consequência do embate, o motociclo entrou em desequilíbrio, atravessou a faixa de rodagem na diagonal, indo embater no muro de uma residência que ladeia a via do lado esquerdo, atento o sentido de marcha em que seguia.
16. Tendo o condutor do motociclo e a autora sido projectados para o solo, imobilizando-se numa valeta em terra existente entre o muro da residência e o pavimento da via.
17. No processo crime nº 287/12.6GAPTB, que correu termos no extinto Tribunal Judicial de Ponte da Barca, foi proferida sentença, já transitada em julgado, a condenar o dito condutor do veículo de matrícula ... pela prática de um crime de homicídio negligente, previsto e punido pelo art.º 137º, nº 1, do Código Penal, conforme documentos de fls. 33 a 46 e 183 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
18. Em consequência do embate, a autora sofreu traumatismo crâneo-encefálico com perda de consciência, traumatismo toráxico com fractura de quatro arcos costais anteriores à direita com ligeiro desalinhamento dos topos, traumatismo do membro superior esquerdo, com fractura exposta de grau III A da diáfise distal do rádio e cúbito e lesão parcial do nervo mediano.
19. Na sequência, a autora foi conduzida ao Hospital de Braga, onde foi assistida e internada no serviço de Neurocirurgia com o apoio das Especialidades da Ortopedia, Cirurgia Geral e Oftalmologia.
20. Tendo sido submetida a TAC cerebral, do tórax e abdómen, e a raio-x, que revelaram as lesões acima descritas.
21. Em 20.09.2012, a autora foi submetida a uma intervenção cirúrgica ao antebraço e submetida a limpeza cirúrgica e osteotaxia com fixador externo.
22. Durante o internamento, a autora foi ainda submetida a tratamento conservador e a vigilância, nomeadamente no que se referia ao status pós traumatismo crâneo-encefálico, e manteve-se consciente, colaborante e orientada, apresentando uma parésia do III par craniano direito.
23. A autora teve alta do internamento hospitalar a 13.09.2012, tendo transitado para a consulta externa naquele Hospital de Braga e sido acompanhada nas especialidades de ortopedia, neurocirurgia, oftalmologia e ainda por psiquiatria e fisiatria.
24. Em 9.10.2012, foi novamente internada e submetida a nova cirurgia para extracção de fixadores externos e ostessíntese do rádio com placa DVR+OOS do cúbito com hauban.
25. Após a alta hospitalar, ocorrida em 26.10.2012, foi novamente orientada para consulta externa de ortopedia.
26. Entre 22 e 26.08.2013, a autora foi sujeita a novo internamento hospitalar e sujeita a outra cirurgia para extracção de material de ostoesíntese dos ossos do antebraço esquerdo, após o que se manteve em consulta externa de ortopedia.
27. Entretanto, a autora foi observada em consulta externa de psiquiatria em 01.10.2012, apresentando nessa data ter efectuado o luto com adequação e assertividade; humor eutímico, com flutuações emocionais de acordo com a sua situação vivencial e queixas de insónias e sono fragmentado, mesmo medicada, tendo tido alta da referida especialidade em 9.08.2013.
28. A autora foi sujeita ainda a tratamentos de fisioterapia até finais de Janeiro de 2014.
29. Após a primeira alta hospitalar, a autora foi viver para a casa de uma irmã, onde permaneceu durante cerca de seis meses.
30. Período de tempo durante o qual a referida irmã e a sobrinha lhe prestaram todos os cuidados necessários, nomeadamente, ajuda para se alimentar, tratar da higiene pessoal, vestir, realizar pequenas deambular pela habitação e transporte para as consultas e tratamentos.
31. A data da consolidação das sequelas sofridas pela autora ocorreu em 9.01.2014.
32. Em consequência das lesões sofridas, a autora apresenta as seguintes queixas: manipulação e preensão condicionadas à esquerda pelas limitações funcionais do punho e mão e menor força muscular, com dor associada; alterações de memória, fatigabilidade maior quando está concentrada nalguma tarefa; dores do membro superior esquerdo agravadas pelos esforços; cefaleias de localização frontal direita; perturbações da visão, ocasionalmente com diplopia que tenta corrigir com desvio da cabeça para a direita. 33. E as seguintes sequelas: sequelas de traumatismo crânio-encefálico, traduzidas por queixas de cefaleias de localização fronto-orbitária direita com queixas de diplopia com estrabismo convergente do olho direito; na face: ligeira midríase do olho direito o qual apresenta ocasionalmente em adução, com correspondente queixa de diplopia, nos planos superiores e no campo lateral corrigida por espontâneo torcicolo; no membro superior esquerdo: cicatriz linear, normocrómica, de tipo cirúrgico, medindo 5 cm e localizada na face dorsal do punho, rebordo cubital; cicatriz de configuração irregular, localizada no espaço interdigital entre polegar e indicador, normocrómica, medindo 3x2 cm; cicatriz linear de 16 cm, de orientação longitudinal à face anterior do antebraço, de tipo cirúrgico, de localização predominante no terço médio e distal do antebraço, junto ao punho de dimensão e características inespecíficas, provavelmente resultantes de acção de esfacelo; rigidez do punho na dorsificação que não ultrapassa os 30º, na flexão que não ultrapassa os 70º; rigidez na supinação que chega aos 70º; proganação normal; desvio radial zero; rigidez de todos dedos, de todas as articulações, não conseguindo fazer enrolamento dos mesmos nem oponência do polegar aos restantes dedos.
34. O que lhe provoca tristeza, desgosto e angústia.
35. As lesões sofridas pela autora determinaram um período de défice funcional temporário total fixável em 60 dias e um período de défice funcional temporário parcial fixável em 435 dias.
36. E um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 31 pontos, sendo as sequelas compatíveis com a actividade profissional habitual, mas acarretam esforços acrescidos. 37. Ainda em consequência do embate e das lesões sofridas, a autora sofreu um “quantum doloris” no grau 4 e um dano estético no grau 4, numa escala de 1/7.
38. Em consequência das lesões e sequelas sofridas, a autora necessita e vai continuar a precisar de tomar diariamente medicação (ansiolítico) para dormir.
39. E necessita realizar novo tratamento cirúrgico para tratamento das sequelas do olho direito.
40. No momento do embate e nos instantes que o precederam, a autora sofreu um enorme susto e temeu pela própria vida.
41. A autora nasceu no dia -.-.1960, conforme documento de fls. 48 e cujo teor se dá por reproduzido.
42. À data do embate, a autora era pessoa sadia, saudável, robusta, alegre e sem qualquer maleita anterior.
43. Em resultado do embate, o motociclo de matrícula LU sofreu danos, cuja reparação ascendia a valor não concretamente apurado.
44. Em consequência do embate, o motociclo de matrícula LU foi recolhido numa oficina, o que implicou um custo pelo respectivo aparcamento em montante não concretamente apurado.
45. Ainda em consequência do embate e das lesões sofridas, a autora gastou numa consulta no centro de saúde a quantia de € 5,00.
46. Em farmácia, gastou a quantia de € 230,27.
47. Em transporte em ambulância para se deslocar da sua habitação ao local dos tratamentos prescritos e regresso à mesma, a quantia de € 777,24.
48. A autora teve necessidade de se deslocar ao Hospital de Braga, onde realizou consultas, exames médicos, tratamentos e sessões de fisioterapia, fazendo-o quando necessário em viatura própria, no que despendeu a quantia de € 867,38 em combustível e a quantia de € 269,22 em parque de estacionamento.
49. Em secções de fisioterapia despendeu a quantia de € 879,00.
50. Por sua vez, em consequência do embate, o aludido E. L. sofreu fractura no 1/3 superior do esterno, fractura de todos os arcos costais laterais, com esquirolas ósseas e intenso infiltrado sanguíneo, laceração do fígado e baço, tendo estas lesões traumáticas toracoabdominais sido a causa directa e necessária da sua morte.
51. Entre o embate e o falecimento decorreu cerca de meia hora, tendo o aludido E. L. permanecido consciente durante cerca de 15 minutos, em sofrimento físico e psíquico, tendo tido percepção de que sua morte estava iminente.
52. Com o funeral do marido, a autora despendeu a quantia de € 2.311,26, tendo recebido da Segurança Social a quantia de € 419,22.
53. O falecido E. L. era um marido e pai dedicado, nomeadamente, dedicava afecto, amor e carinho à autora.
54. A autora e o falecido constituíam uma família harmoniosa, passeando aos fins-de-semana e passando férias juntos.
55. Em consequência da morte do marido, a autora ficou abatida e triste, raramente saindo de casa, sentindo de forma contínua a ausência do marido.
56. O marido da autora, engenheiro químico de formação, dedicava-se à comercialização, por conta própria, de caixas e dossiers para documentação em papel, no que auferia mensalmente, em média, um rendimento ilíquido não inferior a € 1.000,00.
57. “À data do embate, a autora tratava das lides domésticas do casal, procedendo à limpeza, confeção dos alimentos, tratamento de roupa, etc, e não exercia a sua profissão porque foi opção da autora e do falecido marido que ela não procurasse trabalho e tomasse conta da lide doméstica e o ajudasse na organização do trabalho deste.”
58. O falecido contribuía com o seu vencimento para o pagamento das despesas domésticas da autora.
59. Sendo o vencimento daquele a única fonte de rendimento que suportava as despesas do casal com alimentação, vestuário, higiene, saúde, electricidade, água, gás, telefone, veículos automóveis, férias e lazer.
60. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº …, o proprietário do veículo de matrícula ... transferiu para a ré a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da sua circulação.
61. A ré pagou à filha do falecido E. L. a quantia de € 40.000,00, a título de indemnização pelos danos sofridos em consequência do aludido sinistro, conforme documentos de fls. 210 e 210v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
62. E pagou a assistência recebida pela autora no Hospital de Braga no valor de € 2597,70.”
63. “O défice funcional e permanente da integridade físico-psíquica e o grau do dano estético, decorrentes das sequelas do estrabismo do olho direito, poderão ser minimizados com tratamento cirúrgico referido no artigo 39 dos factos provados.”

4. Se é devida a indemnização fixada no montante de 2.700€ a favor da autora por ajuda de terceira pessoa.

O tribunal recorrido fundamentou esta condenação no facto de a autora, durante o período de convalescença, precisar de uma terceira pessoa para a ajudar a vestir-se, fazer a sua higiene pessoal e alimentar-se, o que foi feito pela sua irmã, em sua casa, onde permaneceu cerca de 6 meses. Apesar de não ter provado que lhe pagou a estadia, o tribunal entendeu que se impunha uma indemnização calculada segundo critérios de equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566 n.º 2 e 3 do C. Civil, ponderando o valor de 450€ mensais durante 6 meses.

A apelante insurge-se contra o decidido porque não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, nomeadamente o dano, na medida em que a autora não provou que tivesse feito despesas e diminuísse o seu património, contrariando, inclusive, o alegado no artigo 123 a 126 da petição inicial.

A autora, nos artigos 123 a 126, alegou que esteve em casa da sua irmã, em convalescença, durante 11 meses, e pagou-lhe o correspondente a 557€ mensais, o que monta a 12.254€.

Desta matéria de facto alegada apenas provou que esteve em casa da irmã cerca de 6 meses, após a primeira alta hospitalar, onde recebeu todo o apoio necessário para a situação em que se encontrava (pontos de facto provados 29 e 30).

Daqui resulta que a autora não provou o contrato de prestação de serviços celebrado com terceira pessoa, a quem lhe teria pago a quantia de 12.254€, fundamento do pedido.

A irmã, enquanto terceira no acidente, tem direito a ser indemnizada pelos serviços prestados à autora, ao abrigo do disposto no artigo 495 n.º 2 do C. Civil. Mas como é um direito próprio, e excecional, nascido pela assistência prestada no período de convalescença, terá de ser exercido por si e não pela autora.

Assim é de concluir que a autora não tem direito a receber a quantia fixada uma vez que não provou o dano, fundamento ou causa de pedir do pedido formulado para este efeito, pelo que a decisão recorrida terá de ser revogada nesta parte.

5. Se é devida a quantia de 130.000€ fixada a título de alimentos a favor da autora, por morte do seu marido.

O tribunal recorrido considerou que a autora, como esposa do falecido marido, tem direito a exigir alimentos ao abrigo do disposto no artigo 495 n.º 3 conjugado com o artigo 2009 nº 1 al. a), 1672 e 1675 todos do C. Civil. E calculou a indemnização pelo dano da perda de alimentos socorrendo-se da equidade, ao abrigo dos disposto no artigo 566 n.º 2 e 3 do C. Civil, partindo do montante de 1.000€ que o falecida marido auferia mensalmente, retirando-lhe 50% para os seus gastos pessoais e do seu sustento em vida comum, sendo o restante para a economia do casal, de que a autora beneficiava, para o seu sustento, que teve em conta ( 6000€) para o cálculo da indemnização que fixou (130.000€), socorrendo-se da probabilidade de 77 anos de vida do falecido e da autora.

A apelante discorda do decidido defendendo que a autora não alegou factos demonstrativos de que necessitava de alimentos, e que não tinha possibilidades de angariar o seu sustento pelo que não lhe deveriam ser fixados, o que implica a violação do disposto no artigo 495 n.º 3 do C.Civil, como norma excecional, que prevê a atribuição de alimentos a terceiros se provarem que deles têm necessidade nos termos do artigo 2004 do C.Civil.

E, subsidiariamente, defende que o montante da indemnização pelo dano da perda de alimento pela morte do marido deverá confinar-se a 30.000€ partindo da análise da participação dos rendimentos para efeitos de IRS do ano de 2011 que rondam os 21.147,76€, a que lhe devem ser subtraídas as despesas inerentes à atividade (25%), no montante, de 5.286,94€, as despesas com a segurança social e o do IRS, o que ficaria com um montante líquido de 13.203,82€, que sendo abatida a quantia de 3.852€ a título de pensão a que o falecido estava obrigado, ficaria a quantia de 4.675,91€ para a autora (50% do rendimento líquido). E tendo em conta que este montante seria devido durante 12 anos, (até aos 65 anos do falecido) e como o capital é entregue de uma só vez, não deveria ultrapassar os 30.000€.

A questão da indemnização pelo dano da perda de alimentos ao abrigo do disposto no artigo 495 n.º 3 do C.Civil vem sendo discutida na doutrina e jurisprudência há longos anos, tendo-se formado duas correntes, uma que exige que, para ser exercido o respetivo direito, tem, o seu titular, de alegar e provar os factos inerentes à necessidade de alimentos (conjugando o artigo 495 n.º 3 com o artigo 2004 do C.Civil) e a outra basta-se com a “qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício do direito a alimentos” (conjugando o artigo 495 n.º3 com o artigo 2009 do C.Civil), em que esta é dominante, como se pode concluir da leitura dos Acórdãos do STJ de 2/12/2010 e 8/03/2012, relatados pelo Conselheiro Raúl Borges, onde é feita uma resenha histórica da sua evolução e consolidação e publicados em www.dgsi.pt .

E julgamos que esta última corrente jurisprudencial é a que melhor se coaduna com a letra e o espírito do artigo 495 n.º 3 do C.Civil, na medida em que o normativo apenas indica quem são os titulares do direito à indemnização, que se resumem às pessoas que podem exigir alimentos ao lesado, sendo suficiente a qualidade que os legitima para o exercício desse direito, não se compreendendo que o direito à indemnização implicasse um reconhecimento prévio do direito a alimentos.

No caso em apreço a autora estava casada com o falecido à data do acidente, vivia dos rendimentos produzidos na empresa do marido, a quem ajudava e desenvolvia todas as atividades ligadas às lides domésticas (pontos de facto provados 1, 56, 57, 58 e 59). Pelo simples facto de ser esposa do falecido, ao abrigo do disposto no artigo 1672, 1675 e 1676 do C. Civil tinha o direito à assistência do marido para a contribuição para os encargos da vida em comum. E este direito, conjugado com previsto no artigo 495 n. º3 do C. Civil, legitima a autora a pedir uma indemnização pelo dano da perda de alimentos, na medida em que perdeu o rendimento emergente da atividade do seu marido com que contribuía para as despesas do lar e da autora, traduzindo-se na única fonte de rendimento do casal.

Determinado o direito de exigir alimentos pela autora, resta-nos determinar o seu montante o que se fará nos termos do artigo 566 n.º 2 e 3 do C. Civil com incidência na equidade.

Parte-se do montante do rendimento do marido da autora, - 12.000€ anuais (ponto 56 da matéria de facto provada) – tendo-se em conta que precisaria de 50% para os seus gastos e com a sua vivência, ficando o restante para a economia comum do casal de que a autora beneficiava, sendo o seu sustento, o que se traduziria em 6.000€. Seria este montante que a autora poderia contar se o seu falecido marido não tivesse falecido. Havendo uma perspetiva de vida até aos 77 anos, o marido da autora ainda poderia viver mais 24, sendo provável que esta ainda ultrapassaria esta idade. Perante tudo isto, e tendo em conta que o rendimento diminuirá com a idade, a partir, pelo menos, dos 70 anos, julgamos que a indemnização pelo dano da perda de alimentos se deve fixar em 100.000€.

6. Alteração do montante de 70.000€ fixada à autora, para 30.000€, pelo dano não patrimonial próprio.

O tribunal recorrido fixou o montante de 70.000€ para compensar a autora por todo o sofrimento que teve e irá continuar a ter por causa do acidente que lhe provocou graves lesões físicas que se refletem na sua via pessoal e profissional e mesmo na sua longevidade, tendo em consideração a cada vez maior valorização dos direitos de personalidade, pela sociedade em geral, nacional e europeia, de que fazemos parte.

A apelante defende que o montante de 70.000€ é excessivo, porque ultrapassa o que é normalmente fixado pelo dano da morte (50.000€), não se justificando todo o circunstancialismo que envolveu as consequências do acidente para a autora, apontando como equilibrado o montante de 30.000€.

Com interesse para a determinação do montante compensatório pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora é relevante a matéria fáctica dos pontos 18 a 42 da matéria de facto provada.

Deles se retira que a autora teve um sofrimento físico e psíquico acima da média no período de convalescença e ficou com sequelas limitativas da sua capacidade de ganho e refletidas na sua imagem, sendo-lhe fixado um “quantum doloris” de nível 4 e dano estético de igual valor, numa escala de 1 a 7. Isto afeta-lhe a sua vivência pessoal, social e de desempenho acima da média, pelo que se justifica que o montante compensatório seja pelo menos idêntico ao que normalmente se fixa para o dano da morte. Daí que julgamos que o montante de 50.000€ seja o adequado para compensar a autora pelos danos não patrimoniais próprio sofridos por causa do acidente.

7. Alteração do montante de 15.000€ para 2.500€ emergente do dano não patrimonial da própria vítima antes da morte.

A decisão recorrida fixou em 15.000€ o montante compensatório pelo sofrimento pessoal da vítima do acidente, antes da morte, contrapondo a apelante o montante de 2.500€, por considerar aquele exagerado, face ao decidido num Ac. do STJ de 16/11/2016.

Com destaque para a decisão do diferendo sobre o montante aplicável temos o disposto nos pontos 50 e 51 da matéria de facto provada em que estão descritas as lesões que determinaram a morte do marido da autora e o período de tempo decorrido entre o embate e a sua morte, que foi de 30 minutos com 15 minutos em estado de consciência, percecionando o seu sofrimento físico e psíquico e a iminência da morte.

Os ferimentos foram muito graves, causando-lhe um sofrimento físico-psíquico muito elevado, em que apesar de ter estado consciente apenas 15 minutos foi o suficiente para perceber que a morte estava iminente, o que gera um estado de angústia profundo e de desespero face à impotência pela luta pela sobrevivência. Daí que este momento vivido tão tragicamente deva ser compensado com o montante fixado pelo tribunal recorrido.

8. Alteração do montante de 80.000€ para 60.000€ pelo dano da morte do marido.

Estamos perante o valor supremo da sociedade e da ordem jurídica portuguesa que valoriza o direito à vida. A jurisprudência do STJ vem compensando o dano da morte com o montante compreendido entre 50.000€ e os 80.000€, excecionalmente até aos 100.000€, conforme cada caso. Apesar de estarmos perante um bem absoluto, que em princípio é igual para todo o ser humano, o certo é que a convivência social implica um tratamento relativo face a cada situação.

No caso em apreço, o marido da autora tinha 53 anos aquando do seu falecimento, teve lesões graves que lhe causaram a morte, e era um marido carinhoso, e dedicado à família. Perante estes factos é de concluir que o dano da morte do marido e pai das autoras não justifica que seja fixado o montante mais elevado dentro da moldura traçada pela jurisprudência do STJ. Julgamos que a quantia de 70.000€ é a que melhor se adequa à situação, pelo que deve substituir a de 80.000€ fixada pelo tribunal recorrido.

9. Alteração do montante de 35.000€ para 20.000€ fixado à autora pelo dano não patrimonial pela morte do seu marido.

Para a resolução deste diferendo temos a destacar a matéria fáctica dos pontos de facto provados 53 a 55, em que se constata que o falecido marido era afetuoso para a autora, partilhavam os momentos de laser e viviam harmoniosamente, cuja morte a deixou triste, sentindo a sua falta, refugiando-se em casa, raramente saindo.

Tudo isto envolve um sofrimento permanente, desgastante o que justifica o montante de 35.000€ para o compensar, como foi fixado pelo tribunal recorrido.

Concluindo: 1. Considerou-se que a autora não provou o dano que alegou no que tange à sua assistência no período de convalescença, em casa da sua irmã, pelo que foi revogada a decisão recorrida na parte que lhe fixou a quantia de 2.700€.
2. É jurisprudência dominante do STJ. que o exercício do direito a alimentos ao abrigo do disposto no artigo 495 n.º 3 do C. Civil se basta com a “qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício do direito a alimentos”, cujo montante indemnizatório deve ser calculado nos termos do artigo 566 n.º 2 e 3 do C. Civil.
3.O montante indemnizatório pelo dano da morte, segundo jurisprudência dominante do STJ, deve ser fixado entre os 50.000€ e 80.000€ conforme as circunstâncias do caso concreto, só muito excecionalmente até aos 100.000€, considerando-se no caso em apreço que 70.000€ era o adequado para compensar este dano.

Decisão

Pelo exposto acordam os juízes da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revogam, em parte, a decisão recorrida e fixam os seguintes montantes:

1. Reduzem o montante de 130.000€ para 100.000€ a título de indemnização pelo dano da perda de alimentos;
2. Reduzem o montante de 70.000€ para 50.000€ a título de compensação pelo dano não patrimonial emergente das lesões sofridas pela autora;
3. Reduzem o montante de 80.000€ para 70.000€ a título de compensação da perda do direito à vida do marido da autora e pai da interveniente.
4. Revogam o segmento da decisão recorrida que fixou em 2.700€ o montante indemnizatório a favor da autora pela assistência da irmã na sua convalescença.
5. No resto mantêm o decidido.

Custas a cargo da apelante e apelada na proporção de decaimento.
Guimarães,

Relator Des. Espinheira Baltar
Adjuntos Des. Eva Almeida e Maria Santos