Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
327/14.4TBAVV-A.G1
Relator: JOSÉ FLORES
Descritores: ALTERAÇÃO DO PEDIDO
PROVA SUPLEMENTAR
NOVA PERÍCIA
CASO JULGADO FORMAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
- A alteração do pedido que vai além da simples redução ou ampliação decorrente ou consequência do seu objecto original, constitui modificação que extravasa o dispositivo do art. 265º, nº 2, do Código de Processo Civil;

- Nessas circunstâncias é indiscutível a possibilidade de as partes indicarem novas provas, em concretização do princípio estabelecido no art. 3º, do Código de Processo Civil, de que é exemplo o dispositivo do art. 588º, nº 5, do mesmo Código;

- Não viola o caso julgado formal a decisão que rejeita, por razões que vão além da simples admissibilidade formal, uma prova pericial colegial, depois de ter deferido genericamente a possibilidade de as partes indicarem prova suplementar em face do que se entendeu ser uma alteração do pedido inicial.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES NA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

I – Relatório

Recorrente(s): R. D. e marido A. B.,

Recorrido/a(s):
- Maria E MARIDO José;
- M. P. e marido João.
*
Na presente acção declarativa comum, os aqui Recorridos formularam contra os Recorrentes os seguintes pedidos:

1 - Declarar-se que:

a) Que a autora Maria é legítima e exclusiva dona e possuidora da raiz ou nua propriedade dos prédios descritos acima no artigo 8.°;
b) Que os autores M. P. e marido João são legítimos e exclusivos donos e possuidores do prédio descrito acima no artigo 4.°;
c) Que os Réus são legítimos e exclusivos donos e possuidores dos prédios descritos acima no artigo 33.";
d)Que sobre estes prédios dos Réus e a favor dos referidos prédios dos Autores, está constituída uma servidão de passagem livre e permanente durante todo o ano, de pessoas a pé, animais, carros de gado, tractores e outras máquinas agrícolas e outros veículos automóveis e motorizados, através do caminho descrito acima no artigo 34.°;
e) Que esse caminho, na parte em que se acha implantado nos prédios dos réus constitui um meio insuficiente de ligação de e para a via pública por ser reduzida a sua largura devendo a mesma ser alargada para 3,90 metros;
f)Que assiste aos Autores o direito a pavimentar ou calcetar a expensas suas, esse troço do caminho;
g) Que esse troço do caminho deve manter-se permanentemente livre e desocupado e limpo de lixo de modo a não afectar a circulação e passagem através do mesmo;

2 - Condenar-se os Réus:

a)A verem, reconhecerem e respeitarem esses direitos dos Autores e o direito de servidão de passagem constituído sobre os seus prédios a favor dos prédios daqueles;
b) A desanexar dos seus prédios, para passar a integrar o caminho de servidão, uma faixa de terreno com a largura necessária para que aquele fique com a largura de 3,90 metros, mediante o pagamento pelos Autores da justa indemnização que vier a ser fixada como compensação pelo valor do terreno afectado e ficando a cargo dos Autores o trabalho e despesa com esse alargamento;
c) A acatarem que os Autores procedam, a expensas suas à pavimentação ou calcetamento do troço do caminho que atravessa os prédios deles Réus;
d) A absterem-se da prática de quaisquer actos que provoquem o conspurcamento do caminho, com qualquer tipo de lixo e de outros actos que também afectem a livre passagem e circulação e o livre exercício da servidão através dos seus prédios, designadamente em resultado da utilização da sua corte referida acima no artigo 59.°; (…)”

Neste articulado inicial os Autores requereram a produção de prova real, por inspecção judicial, e pessoal, por declarações de parte e depoimentos das testemunhas indicadas.

Os Réus/Recorrentes culminaram a sua contestação nos seguintes termos:

1. Deve ser julgada procedente a excepção de nulidade de todo o processado fundada na ineptidão da petição inicial, com absolvição dos RR da instância;
2. Subsidiariamente, deve a acção ser julgada parcialmente procedente, declarando-se o direito de propriedade dos RR sobre os prédios identificados em 33.0 (o pedido numerado como 1 c)), absolvendo os RR dos restantes pedidos, com as legais consequências;
3. Deve ser julgada procedente e provada a reconvenção e, em consequência:

a. Ser declarada extinta, por desnecessidade, a servidão que onerava o prédio dos RR, a favor dos prédios indicados em 8 B, C e D da PI
b. Subsidiariamente, na eventualidade de se vir a constituir servidão de passagem a onerar o prédio dos RR a favor do prédio indicado em 8A, devem os AA MARIA e marido serem condenados numa indemnização calculada nos termos do artigo 1552 n." 2, em quantia a fixar em valor não inferior a € 10000.”

Os Recorrentes requereram então a produção de prova por inspecção, por perícia, por depoimento de parte e por testemunhas.

Em audiência prévia foi determinado o aperfeiçoamento da p.i., ao que os Autores responderam com o articulado agora junto a fls. 74 e ss., que mantém os pedidos inicialmente formulados.

Reaberta a audiência prévia, foi fixado o objecto do litígio e enumerados os temas da prova, fixando-se o valor da causa em 25500 euros (fls. 91).

Foi então liminarmente deferida toda a prova requerida.

Após no devido contraditório, foi fixado o objecto da perícia (fls. 97).
Foi nomeado perito que emitiu o respectivo relatório pericial (fls. 98 e ss.), relativamente foram deferidos esclarecimentos vários (cf. fls. 107;110; 112; 115; 148).

Entretanto, em articulado anómalo (cf. fls. 116 v. e ss.), já no decurso da audiência de julgamento, os Autores vieram, dixit, “reduzir o pedido” nos seguintes termos:

(…)
Esse estudo aponta como melhor solução o caminho que está assinalado na planta que o instrui, com a mesma implantação do caminho actualmente existente, mas passando a ficar - como naquela se pode ver - no troço inicial com a largura de 2,80m, na zona da curva com a largura de 3,50m, no troço que deriva para o prédio dos Autores M. P. e Marido com a largura de 2,71m e no troço que deriva para o prédio dos autores Maria e Marido com a largura de 2,72m.
4.° Os Autores aceitam que o caminho que pretendem com a presente acção passe a ter precisamente essa implantação e tais dimensões.
5.° O que representa uma redução relativamente ao pedido inicial da construção de um caminho com a largura de 3,90m e, consequentemente, também uma redução do valor de indemnização a pagar aos Réus, correspondente ao preço do terreno necessário para a ampliação do caminho actual.
6.° Por outro lado, em relação à pavimentação do caminho, o mesmo estudo aponta para o calcetamento previsto na Proposta 2, com material ecológico octogonal da ficha técnica PD, cujo modelo está retratado no respectivo folheto, que também instrui o estudo e aí descrito como um pavimento de alta permeabilidade, que mantém níveis freáticos, reduz a emissividade superficial do pavimento, reduz a formação de poças de água e entupimento dos sistemas de drenagem e que apresenta boa interligação entre peças.
Conforme é referido no estudo trata-se de uma solução que deixa drenar, é resistente, fácil de remover e tem um impacto ambiental reduzido,”
(…)
Assim, pelo presente, os Autores vêm reduzir o pedido formulado no ponto 1, alíneas e) e f) e no ponto 2, alíneas b) e c), no sentido do caminho aqui reivindicado ser implantado, alargado e pavimentado nos termos e condições que constam acima dos arts. 3º e 6º, baseado e conforme a planta e estudo – Proposta 2 – que ora se junta e aceitam.”

Os Réus opuseram-se a esse pedido, sublinhando que entendiam tratar-se de uma alteração do pedido original (fls. 134 v.).

Em audiência de 27.4.2018, o Tribunal a quo entendeu, invocando o disposto no art. 265º, nº 2, do Código de Processo Civil, no caso em apreço a alteração do pedido formulada pelos Autores é, “por isso”, admissível, até porque implicará a diminuição do alargamento do caminho que se encontra peticionado, decisão que não foi questionado pelas partes.

Na sequência decidiu ainda, conceder às partes, sic, “prazo para, querendo, requerer prova suplementar, advertindo-se ainda os ilustres mandatários que o prazo de reacção ao despacho apenas se iniciará quanto a acta se converter em versão definitiva.”

Em 16.5.2018, os Réus apresentaram o requerimento probatório de fls. 152 e ss., pedindo a inquirição de uma testemunha e a realização de prova pericial colegial, tendo por objecto a matéria que aí indica.

Os Autores pediram a rejeição dessa perícia.

O Tribunal recorrido proferiu então decisão em que indeferiu a realização dessa perícia colegial, admitindo no entanto a testemunha indicada, sustentando que: os réus não fundaram a necessidade de realização de “nova perícia”; que a forma como deve ser executada a pavimentação do pretenso caminho pode ser relegada para execução de sentença, e que tendo em conta os elementos carreados para os autos é desnecessária essa prova, podendo recorrer aos elementos já disponibilizados pelas partes ou a esclarecimentos adicionais do perito nomeado.

Inconformada com tal despacho, dele interpuseram os designados Réus o presente recurso de apelação, em cujas alegações formulam as seguintes conclusões:

1. O douto despacho recorrido contraria frontalmente o despacho constante da acta de 27 de Abril de 2018 (com a referência 2456795), mas só disponibilizado no dia 7 de maio de 2018 e que concedeu, expressamente, prazo às partes para, querendo, requerer prova suplementar.
2. Ao conceder prazo às partes para requerer prova suplementar, o Tribunal a quo criou expectativas legítimas nos RR de que teriam possibilidade de produzirem prova destinada a provar que a nova solução apresentada e pretendida pelos AA continuaria a causar-lhes prejuízos, expectativa essa que levou os RR a não recorrer desse mesmo despacho.
3. No despacho com a referência 2456795, durante a audiência de discussão e julgamento, o Tribunal a quo, admitiu a junção aos autos de um documento/projecto/estudo e admitiu uma alteração do pedido formulado pelos AA.
4. Como os próprios AA confessaram quando alteraram os seus pedidos (vide requerimento com a referência 1870649), até então as partes discutiram e produziram prova acerca de “um pedido inicial de calcetamento do caminho com cubo de granito e juntas em cimento, idêntica ao troço calcetado, já existente no troço inicial exterior aos prédios dois Réus”.
5. Até então, foi sobre essa solução pretendida pelos AA que foi produzida/requerida prova e foi sobre essa forma de calcetamento que foi produzida prova pericial.
6. Com a admitida alteração do pedido, feita durante a realização do julgamento, os AA passaram a pretender que o caminho passasse a ter nova configuração – aquela que consta do documento admitido no despacho com a referência 2456795 – e com uma nova solução de pavimentação: calcetamento do caminho com material ecológico octogonal da ficha técnica PD.
7. De acordo com o documento/estudo junto pelos AA. o material ecológico octogonal da ficha técnica PD material constitui “um pavimento de alta permeabilidade, que mantém níveis freáticos, reduz a emissividade superficial do pavimento, reduz a formação de poças de água e entupimento dos sistemas de drenagem e que apresenta boa interligação entre peças. Conforme é referido no estudo trata-se de uma solução que deixa drenar, é resistente, fácil de remover e tem um impacto ambiental reduzido.”
8. A admissão daquele documento e daquela alteração do pedido alterou as premissas da acção e da prova requerida pelas partes, até então. Só esse facto permite justificar que o Tribunal tenha atribuído às partes prazo para requerer prova suplementar.
9. Foi a atribuição dessa possibilidade de requerer a produção de prova suplementar que levou os RR a não recorrer, por considerarem que dessa forma estaria garantida a realização de um julgamento justo que tivesse em conta a nova realidade processual.
10. O despacho com a referência 2456795, através do qual o tribunal a quo deu possibilidade às partes de produzir novas provas transitou em julgado, formando caso julgado formal e impedindo que posteriormente venha o tribunal a proferir novo despacho de sentido contrário.
11. O despacho agora recorrido ao recusar, injustificadamente, a realização de perícia colegial, acaba por contradizer um despacho anterior transitado em julgado, quanto à mesma matéria.
12. O caso julgado formal que se constituiu e que é vinculativo dentro do processo impede a subsistência desta última decisão, impondo a sua revogação.
13. A prova produzida pelas partes incidiu recaiu sobre o pedido primitivo dos AA: calcetar o caminho “com cubo de granito e juntas em cimento, idêntica ao troço calcetado, já existente no troço inicial exterior aos prédios dois Réus”
14. Até a alteração do pedido, nenhuma prova foi requerida ou produzida pelas partes acerca do calcetamento do caminho com material ecológico octogonal da ficha técnica PD ou acerca de qualquer outro tipo de material, porquanto nenhum outro material estava, até então, em discussão.
15. O perito já nomeado pelo Tribunal pronunciou-se apenas acerca dos quesitos formulados pelas partes e só tinha de prestar esclarecimentos acerca do relatório que apresentou que não incidiu, nem podia incidir, acerca de uma solução só pretendida pelos AA depois da apresentação do relatório pericial
16. Na data da sessão de Julgamento em que o perito prestou esclarecimentos, o despacho de admissão do documento e da alteração do pedido não havia sido ainda dado a conhecer às partes na sua integralidade, o que só veio a suceder no dia 7 de maio de 2018 (data em que o despacho foi assinado).
17. O Sr. perito deslocou-se ao local para prestar esclarecimentos acerca do Relatório de perícia que o próprio havia já apresentado.
18. Nem o perito, nem os RR, estavam preparados – nem a isso estavam obrigados - para se pronunciar acerca de um estudo que aquele nunca tinha visto e, muito menos lido.
19. O Sr. perito não respondeu aos quesitos constantes da perícia colegial agora requerida, nomeadamente:

- Utilização actual e normal que a proprietária está a fazer do terreno como espaço de exploração agrícola e pecuária e de apoio á actividade agrícola e pecuária dos RR, bem como a carga e descarga por báscula de lenha e troncos, de estrumes, fenos e gado vivo, corte e transporte por arrasto de troncos, circulação de tractor?
- Se a área de pasto actualmente existente ao longo do caminho vai ficar prejudicada com a solução proposta?
- Se solução proposta tem desníveis de quotas?
- Qual é altura do desnível criado e com que extensão, na proposta/projecto/estudo elaborada pela arquitecta A. C., no que diz respeito ao pormenor C- lancil planta contendo a proposta 2.
- Qual a altura prevista na solução proposta para a caixa de pavimento? Quais os materiais com que será constituída? Que tipo de veículos e equipamentos são previstos poder circular na mesma?
- O revestimento superficial previsto resiste a impactos de descargas por báscula e arrastamento de troncos?
- Se a grelha de escorrência de águas está implantada e encaminhada para a rede de águas pluviais da rede pública ou para o terreno os RR?
- Se a solução proposta de prefabricado de cimento, com uma área prevista de 94 m2 impermeabiliza ou não ou terreno? Reduz ou não a permeabilidade do mesmo?
- Se a solução proposta prevê a condução das águas sobrantes dos logradouros dos prédios dos AA pelo sistema de escoamento (grelha de escorrência de águas ao longo do caminho proposto e encaminhamento para o prédio do RR?
- Se a implantação proposta reduz o aproveitamento potencial (qualidade de utilização do espaço) do terreno para construção, já que a implantação proposta prevê que o terreno seja interceptado em 3 parcelas?
- Qual o custo de remoção da solução proposta e reposição da solução actual e ou reimplantação da mesma com outro traçado?
20. A perícia colegial pretendida tem um objecto e quesitos diferentes daquela que já havia sido feita.
21. A perícia colegial pretendida pelos RR não pode ser considerada como 2ª perícia requerida por discordância do relatório pericial apresentado, nos termos previstos no artigo 487.º.
22. Os réus não tinham de fundamentar as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado, uma vez que a necessidade da perícia não advém dessa discordância, mas sim do facto do pedido dos AA ter sido alterado e da solução agora pretendia por estes não ser aquela sobre a qual a perícia inicial se debruçou.
23. A exigência de fundamentação da necessidade da realização da perícia, agora requerida pelo tribunal a quo, não foi exigida às partes quando foi admitida a audição de novas testemunhas.
24. O Tribunal a quo não podia indeferir a produção de meios de prova com o fundamento na sua não necessidade ou não essencialidade, uma vez que o que importava saber é se a prova requerida pelos RR é relevante para a decisão da causa.
25. A perícia requerida e os quesitos formulados são relevantes para a decisão da causa.
26. O que agora se discute, face á admitida alteração do pedido, não é saber se os AA podem, ou não, pavimentar ou calcetar o caminho, mas:

1. Se os AA podem calcetar o caminho com material ecológico octogonal da ficha técnica PD;
2. Se os AA podem calcetar o caminho nas condições previstas no estudo por si junto aos autos aquando da alteração do pedido;
3. Se o calcetamento com esse material e nas condições previstas naquele estudo é vantajoso para os AA e se não prejudica os interesses dos RR.
27. O Tribunal não pode relegar para a execução de sentença a verificação dos pressupostos da concessão do direito da mudança de servidão.
28. Um desses pressupostos é que a mudança não prejudique o proprietário do prédio serviente - artigo 1568 n.º 3 do CC.
29. A perícia colegial requerida visa precisamente permitir ao Tribunal aferir se esse pressuposto se verifica e tal averiguação está dependente de conhecimentos específicos e técnicos – do domínio da engenharia civil - que o julgador não domina.
30. A Perícia colegial requerida não é, assim, desnecessária ou impertinente, nem tem carácter dilatório e a sua não realização é susceptível de influenciar a boa decisão da causa e constitui nulidade (art. 195.º do Código de Processo Civil) que poderá inquinar os ulteriores termos do processo;
31. O douto despacho recorrido violou os artºs 388.º e seguintes e 1568 n.º 3 do Código Civil e 195.º e 467.º, 468º, 487.º e seguintes e 620.º do Código de Processo Civil, devendo, por isso, ser substituído por outro que determine a realização da perícia colegial requerida.

TERMOS EM QUE DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE O DOUTO DESPACHO RECORRIDO, ORDENANDO-SE A SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRO QUE ADMITA E ORDENE A REALIZAÇÃO DA PERÍCIA COLEGIAL REQUERIDA.

Os Recorridos não apresentaram contra-alegações.

II – Delimitação do objeto do recurso a apreciar:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do artº. 639º, do Código de Processo Civil (doravante C.P.C.).

- Se a decisão em crise violou o caso julgado formal;
- Se, se é admissível ou pertinente a prova pericial requerida pelos Recorrentes, na pendência da audiência de julgamento do processo em curso.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos

1. Factos

Os acima relatados, que os autos documentam.

2. Direito

Em face dos factos apurados, o que se nos apraz salientar desde logo é que, por um lado, o pedido superveniente formulado pelo Autor constitui uma verdadeira alteração do inicialmente feito e de “redução (1)” do inicial só tem mesmo o título que esse convenientemente lhe conferiu. Por outro, essa alteração não configura, em nosso entender uma simples ampliação (um simples acrescentar ao que já fora pedido) que decorra ou seja consequência do inicialmente proposto, antes uma verdadeira alteração ou modificação do trajecto inicialmente proposto e do pavimento sugerido.

Assim, sendo certo que o despacho que admitiu tal alteração é um dado adquirido (transitou) e tal é inquestionável, não é aqui despiciendo ter em mente essa substancial alteração do objecto do processo, que vai além dos espartilhos do citado art. 265º, nº 2, do Código de Processo Civil, e alimenta os direitos de contraditório da parte a quem se dirige.

2. Do caso julgado formal

Dizem os Recorrentes que a decisão impugnada contradiz ou viola o julgado anterior.
Como já dizia o Código Civil de Seabra de 1867, no seu art. 2502º (Do Caso Julgado), caso julgado é o facto ou o direito, tornado certo por sentença de que não há recurso.

O actual Código de Processo Civil, dita nessa linha, no seu art. 619º, que (1) Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.

Esse art. 580º, esclarece que (1) as excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado. (2) Tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

Concretiza-se nesse art. 581º (1) repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. (2) Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. (3) - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. (4) Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.

Por sua vez, o seu artigo 621.º, reportando-se ao seu alcance, estipula que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.

O antecedente art. 620º, estabelece no seu nº 1, que as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.
Trata-se de um instituto com raízes no direito fundamental, constitucional. O caso julgado está intimamente ligado ao princípio do Estado de Direito Democrático e uma garantia basilar dos cidadãos onde deve imperar a segurança e a certeza. Não obstante, o respeito pelas decisões no poder judicial, já anteriores à república, e que se encontram presentes na actualidade consubstanciam ao valor máximo de justiça aliado ao princípio da separação de poderes (2).

O fundamento do caso julgado reside, por um lado, no prestígio dos tribunais, o qual «seria comprometido em alto grau se mesma situação concreta uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente» e, por outro lado, numa razão de certeza ou segurança jurídica, pois «sem o caso julgado estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica verdadeiramente desastrosa. (…) Seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu.“. (3)

“Se assim não fosse, os tribunais falhariam clamorosamente na sua função de órgãos de pacificação jurídica, de instrumentos de paz social”. (4)

No caso, embora não seja inteiramente despropositada a alegação de contradição feita pelos Recorrentes, entendemos que inexiste na decisão em crise violação do caso julgado formal, por referência ao citado despacho de 27.4.2018.

Com efeito, tal decisão limitou-se a deferir às partes aquilo que já resultaria da lei processual vigente, maxime no fundamental art. 3º, do Código de Processo Civil, e se concretiza, além de mais, na possibilidade, avulso concretizada no mesmo Código, de as partes demonstrarem os factos que alegam ou contraditarem os alegados pelas partes contrárias, através da pertinente prova.

Se se concede aos Autores a possibilidade de alterar, seja por que forma for, o objecto do processo, introduzindo novos factos e pedidos, sem prejuízo da devida ponderação, a norma impõe que se conceda aos oponentes a possibilidade de produzir prova que permita o julgamento daqueles conforme o princípio fundamental inscrito naquele art. 3º.

Se tal alteração consubstancia uma verdadeira e completa modificação do processo, tal como sucede no caso presente e acima adiantámos, por maioria de razão deve ser concedida às partes, nomeadamente aos aqui oponente/Réus, a possibilidade, ab initio, tão lata quanto a inicial, de demonstrar a sua posição. É o que resulta, v.g., do art. 588º, nº 5, do Código de Processo Civil, em situação similar e que, aliás, na tese da decisão recorrida, deveria ter enquadrado a sua admissão e apreciação.

É por isso que julgamos que a decisão genérica em apreço não se pronuncia, nem preclude, o conhecimento de questões atinentes à concreta admissão de determinados meios de prova, no caso a dita perícia colegial, pelo que, não se verifica aqui, qualquer violação do caso julgado formal.

Dizê-lo, seria admitir, que o Tribunal estava, em consequência daquele primeiro despacho, impedido de apreciar, v.g., a tempestividade, a pertinência ou a concreta viabilidade de qualquer meio de prova indicada pelas partes, o que, convenhamos, não pode ser a leitura de tal decisão que, repete-se, mais não faz do que lembrar às partes aquilo que a lei processual lhes conferia genericamente, sem, em lado nenhum, abdicar das demais regras que permitem o recurso às concretas provas a produzir.
Deve, portanto, improceder esta excepção, invocada pelos Recorrentes.

2. Da concreta admissibilidade da prova pericial em apreço

Sem prejuízo do acima exposto, não podemos aqui deixar de concordar com os Recorrentes quanto invocam o seu direito de produzir prova sobre o novo objecto do processo introduzido pelos Recorridos e, nesse âmbito, é despropositado e contraditório com o anteriormente afirmado, dizer que, como afirma o Tribunal Recorrido, os Recorrentes “não fundamentaram a necessidade de realização de nova perícia”.

Ora, se o mesmo Tribunal havia admitido antes essa alteração e verbalizado genericamente essa possibilidade de produzir prova suplementar, não vemos em que medida seria exigível aos Recorrentes que indicassem outra, específica, fundamentação, tal é a clareza com que tal possibilidade se coloca, desde logo, perante a sua decisão formal.

Repetindo aquilo que já acima defendemos, perante novo articulado, que altera o objecto da lide, sem prejuízo de concretas e/ou excepcionais razões, às partes é deferida a possibilidade de, de novo, indicarem prova pertinente, tal como fizeram aqui os Réus com a prova pessoal que o Tribunal, com menos dados, não discutiu e admitiu tabelarmente.

No que respeita à discutida perícia, o mesmo Tribunal, com elementos que permitiam confrontar o seu objecto, com o que já havia no processo, remeteu-se a afirmações algo genéricas.

No entanto, não é isso que transparece do objecto adiantado pelos requerentes, que visa uma nova factualidade, maxime uma nova configuração do trajecto serviente em litígio e do seu potencial pavimento, um factualidade aliás complexa, que os Autores remetem para itens do seu articulado e um documento/relatório junto, que unilateralmente introduziram na discussão da lide e que ao Tribunal cumpre apreciar e julgar de forma oportuna, com os dados de que disponha ou possa dispor, ou seja, neste momento e não em futura liquidação de sentença, como parece adiantar.

Nesse caso, sem prejuízo de as partes consensualmente admitirem a continuação da anteriormente realizada, não estamos perante uma hipótese de segunda perícia sobre o mesmo objecto, tal como prevê o disposto no art. 487º, do Código de Processo Civil, mas sim perante um exame que incide sobre matéria diversa, supervenientemente introduzida nos autos e que nada, ab initio, impede que seja formulada ex novo.

Nesse contexto, nada obsta (nem a decisão impugnada sustenta devidamente), a que os Autores formulem novo pedido de perícia e que a mesma, tal como admite o dispositivo do art. 468º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil, seja colegial, a simples pedido, livre, dos requerentes, tendo em conta a matéria em causa (5), assim como nada os impediu de indicar nova prova testemunhal, em relação ao qual nem indicarem qualquer razão especial.

De acordo com estas razões de facto e de direito, com prejuízo para as restantes aduzidas pelos Recorrentes (cf. art. 608º, nº 2, do Código de Processo Civil), deve julgar-se procedente a sua apelação.

IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida.
Em consequência, decide-se admitir e determinar a prova pericial colegial requerida pelos Réus, que terá por objecto a matéria indicada pelos requerentes e, como peritos a indicar pelas partes, aqueles que já identificaram, respectivamente, nos autos.
O perito a nomear pelo Tribunal (cf. art. 468º, nº 3, do C.P.C.) e o local e prazo da realização do exame, deverão ser precisados pelo Tribunal a quo, que melhor dispõe dos dados pertinentes para o efeito.

Custas da apelação pelos Recorridos, em partes iguais (cf. art. 527º, do Código de Processo Civil).
*
Guimarães, 15.11.2018

José Flores
Sandra Melo
Maria Sampaio


1. Tornar menor, diminuir…
2. MIGUEL PIMENTA DE ALMEIDA, in A INTANGIBILIDADE DO CASO JULGADO NA CONSTITUIÇÃO (BREVÍSSIMA ANÁLISE), p. 18 AUTOR:
3. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, p. 306.
4. Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 2ª Ed., p. 705
5. I.é, uma vez que não se trata de perícia médico-legal, abrangida pela regime especial da Lei nº 45/04, nem de acção de valor igual ou inferior a metade da alçada deste Tribunal da Relação – cf. nº 5 do art. 468º.