Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
535/18.9T9GMR.G1
Relator: CÂNDIDA MARTINHO
Descritores: APENSAÇÃO
EFECTIVAÇÃO DO ARTº 16º
DO CPP
NÃO NOTIFICAÇÃO AO MP
IRREGULARIDADE DO ARTº 123º
DO CPP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) Não resultando dos autos que após o termo de apensação o Ministério Público tenha tido qualquer intervenção pontual no processado, não vemos como poderia ter tido conhecimento de que a apensação já se mostrava efectivamente realizada, sendo inaceitável exigir-se que tivesse que consultar diariamente o processo (manual ou informaticamente) com vista a apurar se a apensação já se encontrava efectuada e ponderar o uso do mecanismo a que alude o artigo 16º,nº3, do C.P.P..
II) A efectivação da apensação e o conhecimento desta por parte do Ministério Público tornam-se indispensáveis para o cabal exercício do mecanismo a que alude o artigo 16º,nº3, dispondo do prazo de 10 dias, contados da notificação da apensação ou da primeira vista posterior que lhe for aberta, para fazer uso do mecanismo previsto no artº 16º nº3 do CPP.
III) Não tendo sido dada oportunidade ao MP de exercer a faculdade prevista no artº 16º n3 do CPP, foi praticada uma omissão de um acto processual, a qual não estando tipificada como nulidade (artº 118º do CPP), configura uma mera irregularidade nos termos do artº 123ºdo CPP.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

1.
No processo comum singular 535/18.9T9GMR que corre termos no Juízo Local Criminal de Fafe, por despacho proferido em 26/6/2020 foi julgada não verificada a irregularidade invocada pelo Ministério Público por não lhe ter sido dada a oportunidade de se pronunciar sobre a possibilidade de usar da faculdade prevista no art.16,nº3, do Código de Processo Penal.

2.
Não se conformando com tal decisão veio o Ministério Público recorrer da mesma, extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem:

1) O Ministério Público deve ser formalmente notificado da efectiva apensação de processos decorrente da decisão de apensação com base nos critérios estabelecidos nos artigos 24º a 31º do Código de Processo Penal;
2) Isto porque só após a concretização da apensação o Ministério Público tem uma visão global dos factos imputados e dos crimes alegadamente cometidos, de forma a ponderar se o caso concreto cumpre com os pressupostos materiais ínsitos ao mecanismo previsto no artigo 16º, n.º 3, do Código de Processo Penal, designadamente o grau de ilicitude dos factos e de culpa do agente, a gravidade das suas consequências e se aos ilícitos em apreço é aplicável a pena de multa em alternativa à pena de prisão e as necessidades de prevenção que no caso se fazem sentir;
3) A avaliação da apensação funda-se apenas nos critérios de competência por conexão previstos nos artigos 24º a 31º do Código de Processo Penal, sem qualquer relação com a competência material e funcional decorrente do mecanismo do artigo 16º, n.º 3, do mesmo diploma legal, cuja ponderação, necessariamente, terá que ser efectuada ulteriormente;
4) O Ministério Público, enquanto titular da acção penal, função constitucionalmente consagrada, tem intervenção principal nos processos de natureza criminal, competindo-lhe pronunciar-se, através de vista nos autos, sobre todas as questões essenciais à administração da justiça penal, nomeadamente quanto à competência material e funcional do Tribunal e recurso ao regime excepcional previsto no artigo 16º, n.º 3, do Código de Processo Penal;
5) Por despacho proferido nos presentes autos, datado de 04 de Dezembro de 2019 e já devidamente transitado em julgado, determinou-se a apensação dos autos n.º 582/18.0T9GMR a este processo por se verificar a situação de conexão prevista nos artigos 24º, n.º 2, 25º e 28º, alínea c), do Código de Processo Penal;
6) O Ministério Público foi notificado de tal decisão no próprio dia 04 de Dezembro de 2019;
7) Tal apensação veio a efectivar-se em 24 de Janeiro de 2020, sem que os sujeitos processuais dela tenham sido notificados;
8) Por despacho datado de 13 de Fevereiro de 2020 foi determinada a remessa dos presentes autos ao Juízo Central Criminal de Guimarães para a realização do julgamento sob a forma de processo comum colectivo, por se entender «(…) que após a verificada apensação a soma das penas máximas abstractamente aplicáveis excede os 5 anos de prisão, pelo que é competente para a audiência de julgamento o Tribunal colectivo, nos termos do disposto no artigo 14º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal, julgando-se o presente Tribunal singular incompetente para a realização do julgamento»;
9) O Ministério Público foi notificado de tal despacho no dia 14 de Fevereiro de 2020;
10) Dispõe o artigo 16º, n.º 3, do Código de Processo Penal, que «compete ainda ao Tribunal singular julgar os processos por crimes previstos na alínea b), do n.º 2, do artigo 14º, mesmo em caso de concurso de infracções, quando o Ministério Público, na acusação, ou, em requerimento, quando seja superveniente o conhecimento do concurso, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a 5 anos»;
11) Assim, imediatamente após a apensação efectiva de processos de que resulte, pelos crimes em concurso, eventual alteração da competência do Tribunal – de singular para colectivo – antes de se decidir sobre essa competência, deve ser dada oportunidade ao Ministério Público para se pronunciar sobre a possibilidade de usar da faculdade do artigo 16º, n.º 3, do Código de Processo Penal;
12) Sucede que, no caso dos presentes autos, não foi dada ao Ministério Público a possibilidade de se pronunciar quanto à competência do Tribunal, nomeadamente quanto à possibilidade de usar da faculdade prevista no artigo 16º, n.º 3, do Código de Processo Penal;
13) Desta forma, o Tribunal incorreu na omissão de um acto necessário ao cumprimento efectivo do artigo 16º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
14) A omissão dessa formalidade constitui irregularidade que, atempadamente o Ministério Público invocou e arguiu, nos termos do disposto no artigo 123º, n.º 1, do Código de Processo Penal;
15) Esta irregularidade implica a invalidade dos termos subsequentes do processo por ela afectados e inquina o despacho que conheceu da competência e todos os termos que se lhe seguirem.
16) Por despacho datado de 31 de Julho de 2020 o Tribunal recorrido julgou não verificada a irregularidade invocada, indeferindo o requerido pelo Ministério Público;
17) Ao decidir como decidiu o referido despacho, ora recorrido, violou a norma do artigo 16º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

Termos em que, dando provimento ao presente recurso, deve julgar-se verificada a irregularidade ora arguida e, consequentemente, ser dado sem efeito o despacho proferido a 13 de Fevereiro de 2020 (constante de fls. 529) que conheceu da competência do Tribunal, o qual deve ser substituído por outro que ordene a notificação do Ministério Público para se pronunciar quanto à possibilidade de usar da faculdade prevista no artigo 16º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

3.
Não foi apresentada qualquer resposta ao recurso.

4.
Neste tribunal da Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

5.
Cumprido o art. 417º,nº2, do C.P.P. não foi apresentada qualquer resposta.

6.
Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser ai julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º,nº3,al.c), do diploma citado.

II. Fundamentação

Dispõe o art. 412º,nº1, do Código de Processo Penal, que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
O objeto do processo define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - arts. 402º,403º e 412º, todos do mesmo diploma legal - naturalmente sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso (Cf.Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, VolIII, 1994,pág.340, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição,2009,pág.1027 a 1122, Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 7ªEd, 2008, pág.103).
No caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente, a única questão a decidir prende-se em saber se a Mma Juiz, antes de se pronunciar a respeito da competência para julgar o processo na sequência da apensação resultante da conexão de processos, deveria ter dado oportunidade ao Ministério Público de usar a faculdade conferida pelo artigo 16º,nº3, do C.P.P. sob pena de não o fazendo incorrer na omissão de um acto necessário ao cumprimento efectivo desse normativo legal.

B) Despacho Recorrido

«A fls.534 e ss veio o MP arguir irregularidade consistente na omissão de um acto necessário ao cumprimento efectivo do art.16.º, n.º3 do CPP, alegando que lhe deveria ser dada a oportunidade de se pronunciar sobre a possibilidade de usar da faculdade prevista no art.16.º, n.º3 do CPP, o que alega não ter sucedido, e que, em consequência se dê sem efeito o despacho de flas.529 que atribuiu competência ao Tribunal Colectivo para julgamento dos autos.
Dado o contraditório, nada foi dito.
Cumpre apreciar e decidir

Estabelece o Artigo 16.º do CPP:
(Competência do tribunal singular)
1 - Compete ao tribunal singular, em matéria penal, julgar os processos que por lei não couberem na competência dos tribunais de outra espécie.
2 - Compete também ao tribunal singular, em matéria penal, julgar os processos que respeitarem a crimes:
a) Previstos no capítulo ii do título v do livro ii do Código Penal; ou
b) Cuja pena máxima, abstractamente aplicável, seja igual ou inferior a 5 anos de prisão.
c) (Revogado.)
3 - Compete ainda ao tribunal singular julgar os processos por crimes previstos na alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º, mesmo em caso de concurso de infracções, quando o Ministério Público, na acusação, ou, em requerimento, quando seja superveniente o conhecimento do concurso, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a 5 anos.
4 - No caso previsto no número anterior, o tribunal não pode aplicar pena de prisão superior a 5 anos.
Quanto ao art.123.º do CPP, o mesmo determina que:

Artigo 123.º
Irregularidades
1 - Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.
2 - Pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado.
Vejamos.
Alega o MP que lhe deveria ser dada a oportunidade de se pronunciar sobre a possibilidade de usar da faculdade prevista no art.16.º, n.º3 do CPP, o que diz não ter sucedido.
Salvo devido respeito por opinião diversa, não se afigura existir a irregularidade invocada.
Com efeito, não se divisa do corpo do art.16.º, n.º3 do CPP, que o Juiz ficando logo evidenciado nos autos a existência de concurso de infracções que devam ser julgadas em conjunto, e dando a oportunidade prévia ao MP de se pronunciar sobre a matéria para efeitos de apensação de processos, como foi o caso, nada tendo o mesmo a opor à dita apensação mas aí não manifestando qualquer intenção de lançar mão da mera faculdade prevista no art.16.º, n.º3 do CPP, o que continuou a não fazer depois de notificado do despacho de apensação, continuando a nada requerer em 10 dias após o trânsito em julgado do despacho que determinou a apensação, tenha ainda assim de forma “paternalista” que convidar o MP a pronunciar-se para esse efeito antes de ser declarada a já adivinhada incompetência do Tribunal singular para proceder ao julgamento.
No nosso entender, não tendo sido ordenada a apensação na fase de inquérito dos dois processos em causa, atento o seu objecto, quanto a nós, fazia todo o sentido ordená-lo agora que ambos os processos se encontravam na fase de julgamento.
Aliás, o MP concordou com a dita apensação.
Discordamos contudo do MP quando afirma que não lhe foi dada oportunidade de fazer uso do disposto no art.16.º, n.º3 do CPP, pois nada o impedia de na promoção de fls.517, aquando do contraditório prévio à apensação ter desde logo manifestado tal desiderato.
É certo que na promoção de fls.517 nada se refere quanto ao uso ou não uso do disposto no art.16.º, n.º3 do CPP, mas considerando que o mecanismo em causa é facultativo, e que nada impede o MP de apresentar requerimento motu próprio nesse sentido, não se divisa que tal mecanismo necessite de “convite” prévio do Tribunal para esse efeito, quando o MP sempre acompanhou o processado nos autos, sendo notificado de todos os despachos.

Ora, o MP não fez uso dessa faculdade:
- aquando do contraditório prévio à apensação-fls.517;
-aquando da notificação do despacho de apensação-fls. 525;
-nem no prazo de 10 dias seguintes ao trânsito em julgado do despacho de apensação

Aguardando pela decisão de incompetência do Tribunal Singular a fls. 529 para-continuando a não fazer uso do disposto no art.16.º, n.º3 do CPP, vir invocar uma irregularidade por omissão que lhe permita agora, nesta fase dos autos, fazer uso de tal mecanismo legal.
Na verdade, não se afigura ter ocorrido qualquer omissão de um acto necessário ao cumprimento efectivo do art.16.º, n.º3 do CPP, como invoca o MP: por um lado, a lei não impõe despacho nesse sentido, não prevendo a notificação do MP para o efeito e, ainda que assim não se entendesse, não foi a inexistência desse acto que impossibilitou o MP de motu próprio fazer uso, como podia ter feito, da aludida faculdade.
Assim sendo, entende-se que o MP teve a oportunidade, por diversas vezes, de fazer uso nos autos de tal mecanismo legal (art.16.º, n.º3 do CPP)- se não o fez sibi imputet.
Por outro lado, o uso da prerrogativa a que alude aquele normativo tem de se verificar antes de o juiz do tribunal singular declarar a sua incompetência, o que não ocorreu.
Pelo exposto, julga-se não verificada a irregularidade invocada, indeferindo-se o requerido pelo MP a fls. 534».

C) Apreciação do Recurso

Nos presentes autos, após ter sido notificado do despacho que declarou a incompetência do tribunal singular, veio o Ministério Público arguir a irregularidade decorrente do facto de não lhe ter sido dada a oportuna possibilidade de se pronunciar quanto à competência do Tribunal, nomeadamente, quanto à possibilidade de usar da faculdade prevista no artigo 16º,nº3, do Código de Processo Penal, omissão esta que deverá ter como consequência a invalidade do despacho que conheceu da competência do tribunal e de todos os termos subsequentes.

Antes de entrar na apreciação da questão supra enunciada, importa ter presentes os seguintes elementos constantes dos autos:
- Através de vista aberta nos autos em 18/11/2019 para se pronunciar a respeito da apensação do processo comum singular nº582/18.0T9GMR aos presentes autos, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da apensação, invocando o disposto nos artigos 24º,nº2,25º e 28º,alínea c), do C.P.P.
- Por despacho proferido em 4/12/2019, a Mma Juiz considerou verificada a situação de conexão prevista nos artigos 24º,nº1,a), 25º e 28º, nº1, alínea c), do C.P.Penal, tendo, em conformidade, determinado que, após trânsito, se procedesse à apensação do mencionado processo aos presentes autos.
- O Ministério Público foi notificado deste despacho no próprio dia 4 de dezembro de 2019.
- Tal apensação veio a efectivar-se em 24 de janeiro de 2020, tendo sido lavrado o respectivo Termo de Apensação nos presentes autos (referência 166917962).
- Desta efectivação material da apensação não foi dado conhecimento aos sujeitos processuais.
- Por despacho datado de 13 de fevereiro de 2020, uma vez constatada, na sequência da apensação, que a soma das penas máximas abstractamente aplicáveis excedia os cinco anos de prisão, foi determinada a remessa dos presentes autos ao Juízo Central Criminal de Guimarães para a realização do julgamento em tribunal colectivo, nos termos do artigo 14º,nº2, tendo o Ministério Público sido notificado deste despacho em 14 de fevereiro de 2020.
- Entre a data do Termo de Apensação (24/1/2020) e a prolação deste último despacho em 13/2/2020, nunca foi aberta vista ao Ministério Público.
Vejamos então se foi cometida a invocada irregularidade.
De acordo com o despacho recorrido inexiste qualquer irregularidade que urja reparar.
Desde logo, porque a lei não impõe a notificação do Ministério Público para os efeitos do mecanismo a que alude o artigo 16º,nº3 do C.P.P..
Para além disso, nada impedia o Ministério Público de ter usado a faculdade a que alude o citado artigo aquando do contraditório prévio à apensação, pelo que não tendo ai manifestado tal desiderato, nem aquando da notificação do despacho de apensação, nem tampouco no prazo de 10 dias seguintes ao trânsito em julgado do despacho de apensação, sibi imputet.
Salvo o devido respeito, não podemos concordar com o decidido.
Dispõe o artº 16º nº3 do CPP que «Compete ainda ao tribunal singular julgar os processos por crimes previstos na alínea b) do nº2 do artº 14º, mesmo em caso de concurso de infracções, quando o Ministério Público, na acusação, ou em requerimento, quando seja superveniente o conhecimento do concurso, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a 5 anos».
Refere Henriques Gaspar, in Código de Processo Penal Penal, Comentado, Ed. Almedina, pág. 77, a respeito do citado preceito legal, que “o nº3 constitui uma norma de determinação concreta de competência, com base em critérios que são próprios do Ministério Público como titular da ação penal e órgão da acusação, compreendida ainda como manifestação direta do princípio acusatório: o MP no uso dos poderes, processuais e estatutários, de sujeito processual na conformação material da acusação, determina a fixação de um máximo para a medida da pena aplicável perante as circunstâncias do caso.»
A atribuição de competência ao tribunal singular para julgamento nos casos e condicionalismos previstos nos números 3 e 4, visou descongestionar os tribunais colectivos dos julgamentos de processos que em abstracto cairiam na sua esfera de competência - neste sentido, Simas Santos e Leal Henriques, in C.P.P. Anotado, 1ºvolume, 2ª ed., pág. 143.
Acrescentam os mesmos autores que “a opção do M.P, uma vez tomada, é vinculativa para o tribunal, não apenas no que toca à competência daí decorrente (o juiz não pode rejeitar o requerido), como ainda no que respeita ao tecto sancionatório a cumprir pelo tribunal (em julgamento não poderá ser aplicada pena superior aos limites fixados na lei – cfr.nº4 do artigo)”.
Tal faculdade prevista no citado número 3, “trata-se de um poder-dever do Ministério Público, e não de uma faculdade arbitrária, que deve ser usada quando “… entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a cinco anos».
Ora, resultando claro do normativo em apreço que o uso da prerrogativa ai prevista tem de verificar-se antes do juiz do tribunal singular declarar a sua incompetência, importa saber quando é que o Ministério Público, uma vez decidida a apensação de processos conexos, está em condições de tomar posição sobre qual o concreto tribunal (singular ou colectivo) é competente para a realização do julgamento
Não podemos concordar com a decisão recorrida quando refere que o Ministério Público poderia ter requerido a intervenção do tribunal singular no momento em que teve vista nos autos para tomar posição sobre a apensação de processos ou mesmo após a notificação da respectiva decisão de apensação.
Desde logo, para além da formulação de tal requerimento poder vir a traduzir-se num ato inútil, pois dessa decisão poderia ser interposto recurso, a verdade é que a ponderação de tal mecanismo exige que o Ministério Público tenha uma visão global dos factos em causa nos dois processos, o que só poderá advir posteriormente à efectivação material da apensação ao processo principal.
E dai que o Ministério Público dela tenha que ter conhecimento, pois até ai desconhece processualmente a existência do concurso, ou seja, os tipos de crimes em concurso e a moldura legal que a este corresponde.
No caso vertente, não resultando dos autos que após o termo de apensação, ocorrido em 24/01/2020 (referência 166917962), o Ministério Público tenha tido qualquer intervenção pontual no processado, não vemos como poderia ter tido conhecimento de que a apensação já se mostrava efectivamente realizada, sendo inaceitável exigir-se que tivesse que consultar diariamente o processo (manual ou informaticamente) com vista a apurar se a apensação já se encontrava efectuada e ponderar o uso do mecanismo a que alude o citado artigo 16º,nº3.
A efectivação da apensação deve assim ser comunicada ao Ministério Público, sendo manifestamente insuficiente a notificação do despacho que decidiu a apensação.
Tendo em atenção todas as regras e critérios que enformam o uso de tal faculdade por parte do Ministério Público, só com um efectivo conhecimento do processo apenso na sua integralidade e do seu confronto com o principal poderia o Ministério Público estar em condições de tomar posição sobre o uso ou não da prerrogativa a que alude o citado preceito legal.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da Republica e da Convenção europeia dos Direitos do Homem, 3ªedição actualizada, Universidade Católica Editora, 3ª edição actualizada, pág.89,
O juízo de determinação da competência do tribunal singular é um juízo objectivo do Ministério Público, fundamentado na apreciação de todas as circunstâncias relativas à ilicitude, à culpa e à punibilidade dos agentes. Não se trata de uma decisão discricionária, mas antes de uma concretização da relevância constitucional do princípio da oportunidade”.
A efectivação da apensação e o conhecimento desta por parte do Ministério Público tornam-se indispensáveis para o cabal exercício do mecanismo a que alude o artigo 16º,nº3.
Parece-nos pois lógico e razoável que, nestes casos, se considere que o Ministério Público só tem processualmente conhecimento (superveniente) do concurso num processo (principal) quando o outro processo de que resulta o concurso é ao mesmo efectiva (materialmente) apensado e disso lhe é dado conhecimento, momento a partir do qual dispõe do prazo de 10 dias, nos termos do artº 105º nº1 do CPP, contados da notificação da apensação ou da primeira vista posterior que lhe for aberta para fazer uso do mecanismo previsto no artº 16º nº3 do CPP.
Ora, não tendo sido dada oportunidade ao MP de exercer a faculdade prevista no artº 16º n3 do CPP, foi praticada uma omissão de um acto processual, a qual não estando tipificada como nulidade (artº 118º do CPP), configura uma mera irregularidade nos termos do artº 123ºdo CPP.
De acordo com o disposto no nº1 deste último preceito legal «Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar quando tiver sido arguida nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado».
No caso vertente, ao ter sido notificado em 14 de fevereiro de 2020 do despacho que atribui competência ao tribunal colectivo para julgamento (proferido em 13 de fevereiro de 2020), o Ministério Público tomou efectivo conhecimento que tal decisão havia sido proferida, sem que tenha tido a oportunidade de usar a faculdade conferida no artº 16º nº3 do CPP.
Ora, dispondo do prazo de três dias a contar da notificação de tal despacho para arguir esta irregularidade e tendo a mesma ocorrido através de requerimento apresentado no dia 19 desse mesmo mês, foi a mesma tempestiva, o que torna inválidos os termos subsequentes do processo por ela afectados, designadamente o despacho que conheceu da competência e todos os termos que se lhe seguiram.

III. Dispositivo

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar procedente o presente recurso interposto pelo Ministério Público, anulando-se o despacho que conheceu da competência do tribunal, o qual deve ser substituído por outro que ordene a notificação do Ministério Público para se pronunciar sobre a aplicação do artigo 16º,nº3, do C.P.P.

Sem custas.
Guimarães, 7 de junho de 2021

A Juiz Desembargadora Relatora
Cândida Martinho
O Juiz Desembargador Adjunto
António Teixeira