Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6967/18.5T8GMR.G1
Relator: FERNANDA PROENÇA FERNANDES
Descritores: REQUERIMENTO EXECUTIVO
INDEFERIMENTO LIMINAR DE EXECUÇÃO
LIVRANÇA PRESCRITA
TÍTULO EXECUTIVO
QUIRÓGRAFO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Para que a obrigação cambiária do avalista possa servir de título executivo como quirógrafo, é necessário que do requerimento executivo resulte que o avalista/executado se quis obrigar como fiador pelo pagamento da obrigação fundamental, sendo que a obrigação de prestar fiança tem de ser expressamente declarada.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório.

Foi intentada execução sumária, que sob o nº 6967/18.5T8GMR corre termos no Juízo de Execução de Guimarães - Juiz 1 do Tribunal Judicial da Comarca de Braga em que é exequente X, S.A. e executados Y – Investimentos Imobiliários, S.A, A. J. e M. J..

No requerimento executivo a exequente alega o seguinte:

1.º - Por Escritura Pública de Cessão de Créditos, celebrada em 30 de Dezembro de 2010, exarada a fls. 32 a 33-V, do Livro de Notas para escrituras diversas n.º 152 do Cartório Notarial de L. G., o Banco ... – Banco …, S.A. (doravante, Banco ...) cedeu à sociedade X, S.A. diversos créditos, identificados no documento complementar à referida escritura, incluindo todas as garantias e acessórios dos mesmos.
2.º - Por meio dessa escritura, a Exequente X, S.A., tornou-se legítima detentora dos créditos que o Banco... detinha sobre os Executados, que aqui se executam.

Posto isto,

3.º - Deste modo, a Exequente é portadora e legítima titular da seguinte Livrança: - Livrança n.º 500227114035765992, com o capital inscrito de 1.409.690,32 €, com data de vencimento em 15/09/2009.
4.º - A referida livrança foi subscrita pela sociedade “Y – Investimentos Imobiliários, S.A.” e avalizada por a. J., M. J., J. C. e S. M..
5.º - A referida sociedade subscritora foi declarada insolvente no âmbito do Processo n.º 2799/11.0TBGMR, no Juiz 1 do Juízo do Comércio de Guimarães do Tribunal Judicial de Braga, ao passo que os avalistas J. C. e S. M. foram igualmente declarados insolventes, respectivamente, ele nos autos que correm termos sob o n.º 4345/12.9TBGMR no Juiz 4 do Juízo Local Cível de Guimarães do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, ela nos autos que correm termos sob o n.º 3329/10.6TBGMR no Juiz 1 do Juízo Local Cível de Guimarães do Tribunal Judicial de Braga.
6.º - A solicitação da sociedade insolvente, o Banco ... celebrou com esta, em 14/01/2005 um contrato de mútuo - alterado em 13/02/2007, 30/01/2008, 28/05/2008 e 14/09/2008.
7.º - De acordo com o referido contrato, o Banco ... emprestou a quantia de 1.200.000,00 € (um milhão e duzentos mil euros), tendo-se aquela sociedade confessado devedora daquela quantia.
8.º - Este empréstimo teria a duração de 36 meses, devendo ser reembolsada em 12 prestações mensais e sucessivas, acrescidas do valor dos juros compensatórios convencionados e demais encargos legais.
9.º - Inicialmente a quantia mutuada venceria juros compensatórios, contados dia-a-dia, cobrados trimestral e postecipadamente, e seria reembolsado em prestações trimestrais, constantes e sucessivas de juros, sendo o capital reembolsado nos últimos 12 meses do contrato, de acordo com o plano do conhecimento dos mutuários, com taxa Euribor a três meses, acrescida de um “spread” de 2,5%, que na data de outorga do contrato correspondia à taxa anual nominal (TAN) de 5%, e, por sua vez, à taxa anual nominal (TAN) referida correspondia a taxa anual efectiva (TAE) de 5,0946, que seria acrescida da taxa de juro de 4% a título de cláusula penal em caso de mora; os juros seriam liquidados, contados e pagos trimestral e postecipadamente.
10.º - As condições inicialmente contratadas foram alteradas, tendo os executados expressamente prestado o seu conhecimento e consentimento, assumindo-se como principais pagadores.
11.º - Para garantia do reembolso da quantia mutuada e do pagamento dos juros compensatórios, dos juros de mora, das despesas judiciais ou extrajudiciais que o Banco ... tivesse que fazer para defesa e, ou, cobrança dos seus créditos recebeu este uma livrança em branco, subscrita pela sociedade subscritora e avalizada pelos ora executados, destinada a garantir o pagamento de todas as responsabilidades, assumidas ou a assumir perante o Banco, por crédito concedido ou a conceder e valores descontados e/ou adiantados, até ao limite global de capital de 1.440.000,00 € (um milhão, quatrocentos e quarenta mil euros), acrescidas dos respectivos juros, despesas e encargos, tendo autorizado o Banco a preencher tal título – livrança – apondo-lhe a data de vencimento, o local de pagamento e valor a pagar.
12.º - Igualmente para garantia de quaisquer obrigações e/ou responsabilidades assumidas e/ou a assumir pela mutuária, por crédito concedido e/ou a conceder, por valores descontados e/ou adiantados por garantias bancárias prestadas e/ou a prestar em nome e a solicitação da sociedade executada, designadamente para garantia de responsabilidades emergentes do desconto de letras e/ou livranças, de aberturas de créditos simples e/ou em conta corrente, de descobertos na conta de depósitos à ordem, da subscrição de cheques, prestação de fianças, avales e/ou quaisquer outras garantias até ao limite global de capital de 1.200.000,00 €, num montante máximo garantido de 1.563.000,00 €, a sociedade executada constitui hipoteca voluntária sobre o seguinte bem: - Prédio Urbano descrito na CRPredial de … sob o n.º …, freguesia do …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, levada a registo pela AP. 12 de 2004/11/26.
13.º - Em 01/09/2008 foi constituída a propriedade horizontal sobre o referido bem estendendo-se a hipoteca voluntária às 25 fracções autónomas daí decorrentes.
14.º Sucede que a sociedade utilizou a totalidade do crédito que lhe foi concedido, mas não cumpriu pontualmente com as obrigações contratuais que assumira, pelo que os executados foram notificados da resolução do contrato em causa e do imediato vencimento de todas as obrigações decorrentes do mesmo, e interpelados para proceder ao pagamento do valor em dívida até 15/09/2009.
15.º - Com efeito, apresentada a pagamento na respectiva data de vencimento, o mesmo não foi efectuado pela subscritora nem pelos avalistas, nem nessa data, nem posteriormente.
16.º - A sociedade foi, inclusivamente, declarada insolvente em 21/12/2011, tendo visto aprovado e homologado um Plano de Insolvência, transitado em julgado em 16/07/2013.
17.º - Sem prejuízo do encerramento do processo de insolvência em 23/10/2015, a sociedade mutuária incumpriu absolutamente com o Plano, não tendo efectuada nenhuma amortização ao crédito que se peticiona, o que determinou a interpelação de banda da exequente.
18.º - Ademais, os avalistas são responsáveis nas mesmas condições que a pessoa por ele afiançada, na medida em que garantiram, pessoalmente, o pagamento integral da livrança que serve de título executivo, pelo que são partes legítimas na presente execução.
19.º - Embora a livrança, dada à execução pela Exequente, não possa valer como título cambiário, por virtude da prescrição, subsiste como título executivo, porquanto, configura o conceito de documento quirógrafo a que alude a alínea c) do n.º 1 do artigo 703.º do Código de Processo Civil.
20.º - Encontrando-se a referida livrança dotada de força executiva, é susceptível de basear a presente acção executiva, pois traduz o reconhecimento de uma obrigação pecuniária e de montante determinado.
21.º - Sem prejuízo das demais garantias de que beneficia, mormente as hipotecas registadas e inscritas a seu favor, a ora exequente ainda não recebeu qualquer quantia ou conseguiu operar qualquer amortização nos processos de insolvência ainda em curso.
22.º - Assim, a Exequente tem o direito de exigir solidariamente dos Executados, quer o capital inscrito na livrança, quer os juros vencidos e vincendos, devidamente calculados à taxa legal de 4%, desde a data do vencimento até à efectivo e integral pagamento.
23.º - Deste modo, é a Exequente credora dos Executados do montante global de 1.929.074,30 €, acrescida de juros até integral efectivo e pagamento.
24.º - O crédito da Exequente sobre os Executados é certo, líquido e exigível, sendo exequível o título que serve de fundamento à presente execução (art. 703.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil).
Conclusos os autos, foi proferida a seguinte decisão:
“…
Cumpre decidir:

Nos termos do disposto no artigo 70.º, da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças (aplicável às livranças, ex vi do art. 77º, LULL), "todas as ações contra o aceitante relativas a letras e livranças prescrevem em três anos a contar do seu vencimento" (§1º), e "as ações do portador contra os endossantes e contra o sacador prescrevem num ano, a contar da data do protesto feito em tempo útil, ou da data do vencimento, se se trata de letra contendo a cláusula 'sem despesas'"(§2º) .
Por sua vez, nos termos do art. 298.º, C.C., ficam sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
Assim, como regra, todos os direitos disponíveis estão sujeitos a prescrição.
A prescrição tem por fundamento específico a recusa de proteção a um comportamento contrário ao direito, a negligência do titular e ainda a necessidade de obviar, em face do decurso do tempo, à dificuldade de prova por parte do sujeito passivo da relação jurídica.
Conforme decorre do disposto no artigo 304.º, C.C., completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.
A prescrição pode ter natureza extintiva ou presuntiva.
A prescrição extintiva ou liberatória extingue o exercício do direito e, decorrido o respetivo prazo, o devedor pode opor ao credor a correspondente exceção.
Assim, se entretanto cumprir, fá-lo não por que a tal esteja juridicamente vinculado, mas apenas no cumprimento de uma obrigação natural.
Já a prescrição presuntiva se baseia numa presunção de que as dívidas visadas foram pagas, dispensando o devedor da prova de tal pagamento, e assim, por isso que, em vista da natureza daquelas, qualquer discussão a seu respeito ou ocorre imediatamente, ou é impossível de dirimir com consciência.
Enquanto a prescrição extintiva opera mesmo que o devedor confesse que não pagou, na presuntiva se o devedor confessa que deve, é condenado a satisfazer a obrigação.
O fundamento dominante deste instituto jurídico, assenta, portanto, na "negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei; negligência que faz presumir ter ele querido renunciado ao direito, ou pelo menos o torna (o titular), indigno de proteção jurídica (dormientibus non sucurrit ius)" .- cfr. Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 7ª reimpressão, Almedina, 1987, pag. 445.
Este prazo prescricional, nos termos do art. 323.º, do C.C., interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente (n.º 1).
Não obstante isso, a prescrição tem-se por interrompida decorridos cinco dias após a entrada da petição, na Secretaria do Tribunal, se a citação se não fizer no decurso desse prazo, por motivos não imputáveis ao Autor (cfr. artigo 323.º, n.º 2, do C.C., e Acs. RL. de 22.07.1980, CJ, T4, pág. 102; de 19.05.1981, CJ, T. 3, pág. 44 e STJ de 30.11.1972 in BMJ n.º 221 pág. 222, e Ac. STJ de 22-09-1992, disponível in dgci.pt).

No caso vertente, é pacífico para a exequente que a obrigação cambiária esta prescrita, porquanto a livrança junta com o requerimento executivo foi apresentada à execução após esgotado o citado prazo de 3 anos.
Porém, como muito bem realça a exequente, apesar da obrigação cambiária fundada na “livrança” dada à execução estar prescrita, não invalida que esse mesmo documento “livrança” possa subsistir como título executivo, desde que desse documento conste a causa da obrigação subjacente ou então essa mesma causa seja invocada no requerimento inicial da execução.
Com efeito, desde a alteração do Código de Processo Civil (decorrente do DL n.º 329-A/95, de 12.12), que o nosso legislador entendeu ampliar o elenco dos títulos executivos, por forma a decisivamente contribuir para a diminuição do número das ações declarativas condenatórias, assim se evitando a desnecessária propositura de ações que tivessem por alcance o reconhecimento de um direito do credor sobre o qual não havia verdadeira controvérsia, apenas tendo como finalidade facultar ao mesmo um título executivo.
E no seguimento desse propósito, alargou o espectro dos títulos com força executiva aos documentos particulares que contenham a assinatura do devedor e importem a constituição ou o reconhecimento de obrigações (cfr. artigo 703.º, n.º 1, al. c), do C.P.C.).
Desta forma, face à atual redação da al. c), do n.º 1, do artigo 703.º, do C.P.C., é manifesto que o legislador deixou, propositadamente, de fazer expressa referência ao que na legislação anterior fazia relativamente às letras, livranças, cheques e outros documentos, substituindo-os pela alusão a documentos particulares nas condições e com os requisitos naquela alínea mencionados – v., a propósito, Ac. da RC, de 3.12.98, in CJ/98, tomo 5, pág. 33.
Assim, é hoje pacífico na nossa doutrina e jurisprudência que, em face da redação dada à citada al. c), do n.º 1, do art. 703.º, do C.P.C., é admissível que a livrança mesmo não constituindo título cambiário, possa servir de título executivo.
E, no caso, não podemos, deixar de registar que a exequente até invocou a relação subjacente à emissão dessa livrança.
Acontece que, o endosso ou o aval é uma figura exclusiva das relações cartulares que apenas transfere os direitos cambiários e não os direitos fundados na relação causal (cfr. nesse sentido ACTRP de 24-10-2011, no processo n.º JTR000, in www.dgsi.pt).
Neste sentido, decidiu igualmente o V.T.R. do Porto no Ac. datado de 20-03-2012, no processo n.º 2590/09.3TBVLG-A, in www.dgsi.pt, nos termos do qual “o avalista não é, por conseguinte, sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o aceitante de uma letra. O avalista é apenas sujeito da relação subjacente ou fundamental à obrigação cambiária do aval, relação essa constituída entre ele e o avalizado e que só é invocável no confronto entre ambos”; o V.T.R.L., no Ac. datado de 29-09-2011, no proc. 2161/06.6TCSNT-A.L1-8, disponível in www.dgsi.pt, nos termos do qual entendeu-se que” [o aval] negócio jurídico cambiário, enquanto a fiança é um negócio jurídico extra cambiário, aquele, doutrinariamente, podendo ser definido como “o negócio cambiário unilateral e abstrato que tem por conteúdo uma promessa de pagar a letra e por função a garantia desse pagamento”. O aval é, nos termos do art. 30º da LULL, o ato pelo qual um terceiro ou um signatário da letra (ou livrança) garante o pagamento desse título, por parte de um dos respetivos obrigados. No caso da fiança, garantia pessoal, a mera descrição exemplificada de algumas fontes das obrigações garantidas e a remissão genérica para todas as operações permitidas em direito pode vir a traduzir-se numa obrigação ilimitada deixando o fiador à inteira mercê do afiançado e do beneficiário da fiança, já o mesmo se não passa certamente no aval, garantia cambiária, cuja responsabilidade é determinada, antes de mais, pelo próprio título e, se tal for o caso, pelo pacto de preenchimento acordado pelas partes”.
Também o V.T.R. de Coimbra, no Ac. datado de 21-05-2013, no proc. 4052/10.7TJCBR-B.C1, in www.dgsi.pt, se decidiu que “o aval é um tipo de vinculação que se esgota no título cambiário, não sobrevivendo a este se a obrigação do avalista estiver ferida de morte, como é o caso de ter sido declarada prescrita nos termos dos art.ºs 71 e 77 da LULL.Com efeito, o aval é uma forma de obrigação única ou específica do título cambiário, a ele não se sobrepondo uma qualquer fiança do respetivo dador, como relação jurídica subjacente.[…], não há nenhuma relação fundamental ou causal do aval. Este tem a sua razão de ser no título cambiário e cessa quando este título desaparece do mundo jurídico”.
A este respeito, defende OLIVEIRA ASCENSÃO, in Direito Comercial- Títulos de Crédito, pag. 175, que “se a obrigação cambiária do avalista prescrever, não subsiste automaticamente como fiança extracartular. Como são figuras de natureza distinta, não se pode presumir que na base do aval está um negócio extracambiário de fiança. Será ainda necessário demonstrar que o avalista se pretendia obrigar como fiador pelo pagamento da obrigação principal”.
Neste contexto, considerando que os executados A. J. e M. J. eram avalistas da dita livrança e que agora esta vale apenas como um mero documento quirógrafo, na sequência da sua confessada prescrição, é manifesto que estes executados nunca poderiam ser demandados pela exequente nessa qualidade de avalistas.
Pelo exposto, é indiscutível que o título apresentado à execução é manifestamente insuficiente para que a exequente possa demandar estes dois executados A. J. e M. J., enquanto “avalistas” do documento quirógrafo apresentado à execução.
Rejeita-se, assim, o requerimento executivo na parte em que demanda os executados A. J. e M. J. enquanto avalistas do título executivo apresentado à execução.
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Notifique-se, sendo a exequente para apresentar novo requerimento executivo que reflita o supra decidido, de modo a evitar a renovação da discussão sobre esta matéria em especial por parte destes dois executados “avalistas”.
Prazo: 10 dias.
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Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a exequente, a qual, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões, que se transcrevem:
Conclusões

1. Versa o presente recurso sobre o despacho liminar que rejeitou parcialmente o requerimento executivo relativamente a dois dos executados, com fundamento na prescrição do aval por eles prestado, concluindo pela falta ou insuficiência do título quanto a estes.
2. Entendeu o Tribunal a quo que, em função dos documentos juntos aos autos, perante a prescrição da livrança, estaria igualmente afastada a possibilidade da ora recorrente se socorrer daquele título enquanto quirógrafo.
3. Não pode a recorrente aceder a esta conclusão, pelo menos neste momentum, isto é, substituindo-se o Tribunal recorrido a uma putativa defesa a esgrimir por parte dos executados.
4. Desde logo porque a prescrição de que se socorre não pode ser por ele despoletada, tendo, ao invés, que ser expressamente invocada por quem aproveita, nos termos do preceituado no art. 303.º do CC.
5. Depois, porque conforme resulta do requerimento executivo e dos documentos que o acompanham, pelo menos indiciariamente, resulta a concreta alegação e evidenciação de que os executados quiseram assumir as obrigações enquanto suas.
6. O que, seguindo de perto do Ac. da Relação do Porto, de 26/05/2015, é o bastante para legitimar o recurso à presente acção executiva contra os executados, ainda que com recurso a uma livrança prescrita.
7. Por similar remetemos para o decidido no Ac. do STJ, de 10/11/2011, de onde consta: “Em suma, não se vislumbra óbice, mormente de carácter formal que inviabilize a força executiva da livrança em apreço, tida como documento particular que reúne os pressupostos do já referenciado artº 46º, al c).”
8. Entendemos, pois, que o Tribunal a quo ao recusar liminarmente o requerimento executivo violou o preceituado na al. a) do n.º 2 do art. 726.º do CPC (afigurando-se como plausível a suficiência do título), cometendo uma verdadeira nulidade, nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, ao socorrer-se de uma prescrição que lhe estava vedada e que, inclusivamente, foi evidenciada pela requerente.
9. Resultando dos autos, no mínimo indiciariamente, que os embargantes tomaram conhecimento directo e pessoal com o contrato de mútuo, e sucessivos aditamentos, determinantes da relação causal, sempre deveria persistir algum tipo de dúvida na formação da convicção do julgador.
10. A este respeito – ainda que num momento processual distinto, mas igualmente antecipatório – trazemos à colação o Ac. da Relação de Guimarães, de 11/07/2017, de onde se extrai que “Com efeito, tendo em conta o aludido critério de atender às várias soluções plausíveis de Direito, impõe-se, no caso concreto, que a decisão a proferir, em sede de mérito, deva aguardar a produção dos meios de prova oferecidos ou que venham a ser produzidos pelas partes, seja em sede da fase instrutória do processo, seja em sede da Audiência Final, no que concerne à aludida factualidade alegada pela Autora e que ainda se mostra controvertida
11. Quer isto dizer que, no entendimento da recorrente, não poderia o douto Tribunal recorrido substituir-se aos executados, reconhecendo efeitos cominatórios plenos a uma prescrição que não foi alegada, desconsiderando igualmente a exequibilidade do título executivo oferecido enquanto quirógrafo, em virtude da alegação subjacente, prova documental existente e – eventualmente – coarctando a possibilidade de oferecimento de prova testemunhal que se viesse a revelar necessária, no caso dos executados deduzirem embargos.
12. Com a actuação em crise o Tribunal recorrido violou o disposto na a) do n.º 2 do art. 726.º do CPC e al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.

Nestes termos e nos melhores de direito que V.as Ex.as. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se o despacho proferido, substituindo-o por despacho liminar determinante do prosseguimento dos autos para ulteriores
Termos, assim se fazendo a habitual Justiça”.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.
Posteriormente, foi conhecida pelo Mmo Sr. Juiz a invocada nulidade da decisão, sendo seu entendimento a mesma não ocorrer.
Foi igualmente determinada a citação dos executados nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 641º, nº 7 do CPC.
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Os executados pessoas singulares, apresentaram contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
Conclusões:

I – A Douta Sentença, ao rejeitar o requerimento na parte em que demanda os apelados, enquanto avalistas do titulo dado à execução, pelo facto do titulo ser manifestamente insuficiente, enquanto avalistas do documento quirografo, fez uma correcta interpretação da matéria de facto e de Direito.
II – Foi a própria Recorrente quem reconheceu/confessou que o titulo dado à execução, leia-se livrança, se encontrava prescrito.
III - Extinta a obrigação cambiária pela prescrição, e perdida a sua eficácia como tal, a obrigação cambiária desaparece, e não pode subsistir algum tipo de obrigação causal.
IV - O aval apresenta-se como uma garantia da obrigação cambiária cujo pagamento visa garantir.
V - O aval é por si só um verdadeiro acto cambiário que dá origem a uma obrigação autónoma e independente da relação subjacente.
VI - Esgotando-se esse tipo de vinculação no título cambiário, não sobrevivendo a este se a obrigação do avalista estiver ferida de morte, como é o caso de ter sido declarada prescrita nos termos do art. 71 da LULL.
VII - Deste modo, é manifesta a inexistência de titulo contra os executados/embargantes, para estribar a presente demanda, que apenas e tão só assumiram uma obrigação cambiaria.
VIII - Foi partindo destas premissas que o Tribunal decidiu da insuficiência do titulo para demandar os apelados.
IX - O que o Tribunal fez, não foi decidir oficiosamente da prescrição.
X - O que o Tribunal fez, foi partindo da confissão da Recorrente, de que o titulo estava prescrito, e da alegação que eram demandavas os apelados como avalistas da operação, extrair a única decisão que se impunha por aplicação do Direito.
XI - A Recorrente reconheceu, confessando, que apenas dispunha de um mero quirografo, mas continuou a pretender demandar os apelados como avalistas, o que obviamente, não é possível.
XII - Assim, o Tribunal “a quo” não se substituiu aos apelados, mas antes sim, aplicou o Direito.
XIII - Bem andou o Tribunal ao decidir como decidiu, nenhuma censura merecendo a Douta Sentença.
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Pelo exposto e pelo que doutamente for suprido, a decisão proferida por douta sentença de fls. e ora recorrida deve ser mantida, porque está elaborada em harmonia com os preceitos legais e em estrito cumprimento da Lei, não tendo qualquer vicio que a
invalide, negando-se por isso provimento ao recurso para se fazer, inteira e sã Justiça”.
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Entretanto, por sentença proferida a 6 de Dezembro de 2019, e já transitada em julgado, foi declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto à executada Y – Investimentos Imobiliários.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam a este Tribunal consistem em saber:

1. Da invocada nulidade da decisão.
2. Do conhecimento oficioso da excepção de prescrição.
3. Da possibilidade de a livrança ser considerada título executivo, como mero documento particular em relação aos executados avalistas.
*
III. Fundamentação de facto.

Os factos materiais relevantes para a decisão da causa são os que decorrem do relatório supra.
*
IV. Fundamentação de direito.

1. Delimitadas que estão, sob o n.º II, as questões essenciais a decidir, é o momento de apreciá-las.
1.1. Da nulidade da decisão.

Invoca a apelante a nulidade da decisão, prevista pela al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.
Para tal alega que, não poderia o Tribunal recorrido substituir-se aos executados, reconhecendo efeitos cominatórios plenos a uma prescrição que não foi alegada, desconsiderando igualmente a exequibilidade do título executivo oferecido enquanto quirógrafo, em virtude da alegação subjacente, prova documental existente e – eventualmente – coarctando a possibilidade de oferecimento de prova testemunhal que se viesse a revelar necessária, no caso dos executados deduzirem embargos.
O Tribunal recorrido pronunciou-se no sentido de tal nulidade se não verificar.

Vejamos.

Dispõe o artigo 615º, nº1, alínea d), do Código de Processo Civil que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta nulidade está directamente relacionada com o artigo 608º, nº2, do Código de Processo Civil, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Tal norma reporta-se à falta de apreciação de questões que o tribunal devesse apreciar e não de argumentações, razões ou juízos de valor aduzidos pelas partes, aos quais não tem de dar resposta especificada ou individualizada, conforme tem vindo a decidir uniformemente a nossa jurisprudência.
Daí que possa afirmar-se que a nulidade da sentença com fundamento na omissão de pronúncia só ocorre quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão (e cuja resolução não foi prejudicada pela solução dada a outras).
Com efeito, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes.
Como já ensinava Alberto dos Reis, ob. cit., p. 143, “ São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.”
Ou seja, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado (cfr. nomeadamente Acs. da Relação de Lisboa de 10.2.2004, e de 6.3.2012, acessíveis em www.dgsi.pt).
No que tange ao excesso de pronúncia (segunda parte da alínea d) do artigo 615º), o mesmo ocorre quando o juiz se ocupa de questões que as partes não tenham suscitado, sendo estas questões os pontos de facto ou de direito relativos à causa de pedir e ao pedido, que centram o objecto do litígio.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.12.2012, disponível em www.dgsi.pt, à luz do princípio do dispositivo, há excesso de pronúncia sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido, não podendo o julgador condenar, além do pedido, nem considerar a causa de pedir que não tenha sido invocada.
Contudo, quando o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, usar de razões ou fundamentos não invocados pelas mesmas, não está a conhecer de questão de que não deve conhecer ou a usar de excesso de pronúncia susceptível de integrar nulidade (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.2011, disponível em www.dgsi.pt).
A não concordância da parte com a subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou com a decisão sobre a matéria de facto, de modo algum configuram causa de nulidade da sentença.
Ora, no caso dos autos, salvo o devido respeito, não cabe razão à apelante.
É que, resulta claramente da decisão posta em crise, que a excepção da prescrição da obrigação cambiária não foi suscitada oficiosamente pelo tribunal.
A prescrição do título foi antes expressamente invocada pela exequente/apelante, que desde logo afirmou no seu requerimento executivo que a livrança dada à execução estava prescrita, razão pela qual subsistia como título executivo, enquanto documento quirógrafo a que alude a alínea c) do n.º 1 do artigo 703.º do Código de Processo Civil, pois traduz o reconhecimento de uma obrigação pecuniária e de montante determinado (cfr. arts. 19º e 20º do requerimento executivo).
Assim sendo, como efectivamente é, não houve qualquer excesso de pronúncia por parte do Tribunal a quo, que se limitou, perante a alegação da própria exequente/apelante, a conhecer se o documento dado à execução podia valer ou não como título executivo.
Improcede, pois, a invocada nulidade.
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1.2. Do conhecimento oficioso da excepção de prescrição.

Como se referiu já no ponto anterior, no requerimento executivo a livrança foi apresentada pela exequente enquanto documento quirógrafo e não enquanto título cambiário.
De facto, a exequente/apelante afirmou no seu requerimento executivo que a livrança dada à execução estava prescrita, razão pela qual subsistia como título executivo, enquanto documento quirógrafo a que alude a alínea c) do n.º 1 do artigo 703.º do Código de Processo Civil, pois traduz o reconhecimento de uma obrigação pecuniária e de montante determinado (cfr. arts. 19º e 20º do requerimento executivo).
A ser assim, contrariamente ao invocado pela exequente/apelante, o Tribunal a quo não conheceu oficiosamente da prescrição (conhecimento esse que de facto lhe não incumbia), limitando-se, face a tal constatação trazida aos autos pela própria exequente, a conhecer, se o documento dado à execução podia valer ou não como título executivo, enquanto documento quirógrafo (pois que foi assim que o mesmo foi apresentado pela exequente).
Improcede assim, nesta parte a apelação.
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1.3. Da possibilidade de a livrança ser considerada título executivo, como mero documento particular em relação aos executados avalistas.

Na decisão sob recurso, foi entendido que não se encontravam reunidos os requisitos para que a livrança pudesse ser invocada como quirógrafo relativamente aos executados pessoas singulares, na qualidade de avalistas da mesma.
Entende a exequente/apelante que a decisão em causa é prematura, pois que resulta do requerimento executivo e dos documentos que o acompanham, pelo menos indiciariamente, a concreta alegação e evidenciação de que os executados quiseram assumir as obrigações enquanto suas.
Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (artigo 10º, nº 5, do Código de Processo Civil).
Por outro lado, temos que a falta ou insuficiência manifesta do título executivo é fundamento de indeferimento liminar da acção executiva (artigo 726º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil).
Diz-nos Lebre de Freitas in “A Ação Executiva Depois da Reforma da Reforma, 5ª edição, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, pag. 29” que o título executivo constitui um pressuposto de ordem formal, que extrinsecamente condiciona a exequibilidade do direito, na medida em que lhe confere o grau de certeza que o sistema reputa suficiente para a admissibilidade da acção executiva.
E mais à frente, a fls. 71, afirma que o título executivo constitui condição necessária e suficiente da acção executiva, na medida em que não há execução sem título, o qual tem de acompanhar o requerimento de execução e a obrigação exequenda tem de constar do título e a sua existência é por ele presumida.
Nos termos dispostos pelo art. 703º nº 1 al c) do CPC, um título cambiário pode valer como título executivo (no caso por a obrigação cambiária se mostrar prescrita), podendo ter validade como quirógrafo, “desde que neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo”.
Como se afirma no acórdão do STJ 7.5.2014 (relator Lopes do Rego, disponível in www.dgsi.pt) citado no acórdão da Relação do Porto de 14/01/2020, (relatora Alexandra Pelayo), disponível no mesmo sítio da internet: “Vale isto dizer que, os títulos de crédito, desprovidos dos requisitos que permitiriam a aplicação do regime de abstração substantiva previsto na respetiva Lei Uniforme, podem ser usados como quirógrafos da relação causal subjacente à respetiva emissão – beneficiando do regime de presunção de causa afirmado pelo art. 458º do CC quando, atenta a sua natureza material, se consubstanciarem em atos de reconhecimento de um débito ou de promessa unilateral de prestação, sem indicação da respetiva causa.
Apenas com uma imposição que resulta hoje de consagração expressa na lei adjetiva: a parte que quer prevalecer-se do título, invocado como quirógrafo da obrigação causal subjacente à sua emissão tem o ónus de alegar, na petição inicial ou no requerimento executivo, os factos essenciais constitutivos da relação causal subjacente à emissão do título, desprovido de valor nos termos da respetiva LU, identificando adequadamente essa relação subjacente, de modo a possibilitar, em termos proporcionais, ao demandado/executado, o cumprimento do acrescido ónus probatório que sobre ele recai, (como consequência da dispensa de prova concedida ao credor pelo art. 458º do CC).”.

Contudo, na situação dos autos, se existir uma obrigação causal subjacente às declarações de aval, ela não decorre do título em execução, pois que a obrigação cartular dos executados/apelados, era constituída por dois avales.
É costume definir-se o aval como o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra ou livrança garante o pagamento dela por parte de um dos subscritores (art.º s 30º e 77º da LULL).
O emitente da livrança é o obrigado principal e é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra (cfr. art. 78º da LULL).
O aval caracteriza-se por ser um terceiro - avalista - a facilitar a circulação da letra caucionando ao seu portador o pagamento de uma determinada operação cambiária (saque, endosso), ou o seu reconhecimento pelo aceite (art. 31, § 4º da LULL).
Como ensina Pereira Coelho, (citado a pag. 147, LULL anotada, 6ª ed., de Abel Delgado): “O aceitante assume com o aceite uma obrigação abstrata que nasce exclusivamente do ato formal da sua assinatura”.
E a sua responsabilidade não se confunde com a do fiador, pois que a responsabilidade do avalista é solidária, e não subsidiária da do avalizado, pelo que o avalista não goza do benefício de excussão prévia; a nulidade intrínseca da obrigação avalizada não se comunica à do avalista; e este tem direito de regresso contra os signatários anteriores ao avalizado (cfr. Acórdãos do STJ de 27 de Maio de 2004 e de 24 de Outubro de 2002 disponíveis in www.dgsi.pt).

O aval, enquanto obrigação cambiária, tem por finalidade garantir o pagamento da letra ou livrança – cfr artº 30º da LULL - sendo por isso sustentado que a vinculação típica do aval se esgota no título cambiário (ver Ac. Rel. Coimbra 21 de Maio de 2013, disponível in www.dgsi.pt).
Como se refere no acórdão da Relação do Porto de 14/01/2020, já acima citado, e que vimos seguindo de perto, o avalista (não sendo sujeito da relação jurídica entre o portador e o subscritor da livrança, mas apenas de uma relação subjacente à obrigação cambiária entre si e o seu avalizado) presta uma garantia de natureza pessoal geradora de uma obrigação autónoma.
Daí que se responsabilize pela pessoa que avalizou assumindo uma responsabilidade, objectiva e abstracta, pelo pagamento do título, já que acaba por ser responsável nos mesmos termos em que o é a pessoa que garante por qualquer acordo de preenchimento concluído entre este e o portador.
A obrigação cambiária é de natureza formal e abstracta e portanto independente de qualquer causa debendi, válida por si e pelas estipulações nela expressas, ficando o signatário vinculado pelo simples facto da aposição da sua assinatura no título (cfr. Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, 2º, fascículo II, As Letras, pg 45).

No caso dos autos, os executados ao darem o seu aval à sociedade subscritora da livrança, garantiram a confiança do crédito que esta lhes merecia e que a mesma honraria o cumprimento pontual do crédito cambiário na data do vencimento.

Contudo, como se afirma no acórdão desta Relação de Guimarães, de 04.04.2017, disponível in www.dgsi.pt, a prestação de um aval ao aceitante de uma letra pode ter subjacente uma fiança que visa garantir o cumprimento da obrigação que emerge para o aceitante da letra do negócio jurídico subjacente ao aceite.
Nos termos do art. 627º CC o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor.
A fiança implica que haja um segundo património, o património de um terceiro (fiador), que vai, cumulativamente com o património do devedor, responder pelo pagamento da dívida. Deste modo, acresce à garantia patrimonial que incide sobre os bens do devedor uma outra garantia patrimonial sobre os bens do fiador; o credor passa a ter como garantia de cumprimento dois patrimónios: o do devedor e o do fiador.
Todavia para assim se entender (que prestação de um aval ao aceitante de uma livrança pode ter subjacente uma fiança que visa garantir o cumprimento da obrigação que emerge para o aceitante da livrança do negócio jurídico subjacente ao aceite), necessário se torna a alegação e prova, por parte da exequente, de que o avalista/executado se queria obrigar como fiador pelo pagamento da obrigação fundamental, i.e., que a relação subjacente ao aval era uma fiança relativamente à obrigação que advinha para o avalizado da relação subjacente ou fundamental (cfr. neste sentido Acs. da Relação do Porto de 28.05.2009, de 10.05.2010 e de 20.03.2012 e da Relação de Lisboa 29.09.2011, todos acessíveis no mencionado sítio da Internet).

De facto, o aval, como os demais actos cambiários, tem subjacente uma determinada relação material ou fundamental estabelecida entre o avalista e o avalizado, que está na origem do mesmo, e que normalmente se reconduz à intenção de garantir o cumprimento da obrigação por parte do avalizado.
Só que, como se salienta no Acórdão da Relação do Porto de 8 de Novembro de 2018, disponível in www.dgsi.pt, essa relação material subjacente não é confundível com a relação material subjacente à do avalizado e que possa estar na origem da emissão da letra ou livrança. Desde logo porque, a não ser nos casos em que o aval é dado por quem já está obrigado na letra ou livrança, o avalista não é sujeito da relação jurídica entre o portador e o subscritor da livrança. E assim, não sendo o aval por si reconduzível à fiança, para que a livrança, prescrita a obrigação cambiária do avalista, possa servir de título executivo como quirógrafo, necessário será que do requerimento executivo resulte que o avalista/executado se quis obrigar como fiador pelo pagamento da obrigação fundamental.
Sendo que, como decorre do artº 628º, nº 1 do CC, a vontade de prestar fiança tem de ser expressamente declarada.

Neste sentido vai a jurisprudência maioritária, de que são exemplos os seguintes acórdãos, todos disponíveis in www.dgsi.pt, cujos sumários passamos a transcrever:

- Acórdão da Relação do Porto de 26/05/2015:
“…
IV - Para poder ser exigido coercivamente aos avalistas o pagamento do valor titulado em letras de câmbio prescritas, necessário se torna a alegação e prova, por parte do exequente, que a relação subjacente ao aval era uma fiança relativamente à obrigação que advinha para o avalizado, ou seja, a vontade dos executados de se obrigarem como fiadores.”

- Acórdão desta Relação de Guimarães, de 04/04/2017:

“O fim próprio, a função específica do aval é garantir ou caucionar a obrigação de certo subscritor cambiário.
O avalista não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança, mas apenas sujeito da relação subjacente ou fundamental à obrigação cambiária do aval, relação essa constituída entre ele e o avalizado e que só é invocável no confronto entre ambos.
Este tem a sua razão de ser no título cambiário e cessa quando este título desaparece do mundo jurídico o que acontece quando prescrita a obrigação cartular o titulo cambiário é dado à execução como mero quirografo.
A prestação de um aval ao aceitante de uma letra pode ter subjacente uma fiança que visa garantir o cumprimento da obrigação que emerge para o aceitante da letra do negócio jurídico subjacente ao aceite.
Todavia para assim se entender, necessário se torna a alegação e prova, por parte da exequente, de que o avalista/executado se queria obrigar como fiador pelo pagamento da obrigação fundamental, i.e., que a relação subjacente ao aval era uma fiança relativamente à obrigação que advinha para o avalizado da relação subjacente ou fundamental.”

- Acórdão da Relação de Lisboa de 07/03/2019:

“I - No atual Código de Processo Civil, não obstante a forte limitação do elenco dos títulos executivos não judiciais, a alínea c) do n.º 1 do artigo 703.º consagrou expressamente que podem valer como títulos executivos os títulos de crédito que, embora desprovidos dos requisitos legais para incorporarem uma obrigação cartular, literal e abstrata, funcionem como meros quirógrafos da obrigação exequenda, desde que os factos constitutivos da relação subjacente, se não constarem do próprio documento, sejam alegados no requerimento executivo.
II - O exequente está onerado com a alegação dos factos constitutivos essenciais da relação causal à subscrição da livrança, de modo a identificar adequadamente essa relação causal subjacente, facultando sobre ela o contraditório, cabendo ao executado, por força da dispensa de prova prevista no artigo 458.º do Código Civil, o ónus probatório relativamente à inexistência ou irrelevância dos factos constitutivos alegados pelo exequente.
III - Uma vez extinta por prescrição a obrigação cambiária, o aval não pode subsistir automaticamente como fiança, atendendo desde logo à natureza jurídica diversa de ambas as figuras.
IV - Só assim não será se o exequente alegar (e provar) que o avalista/executado se queria obrigar como fiador pelo pagamento da obrigação fundamental, ou seja, que a relação subjacente ao aval era uma fiança relativamente à obrigação que advinha para o avalizado da relação subjacente ou fundamental.”

- Acórdão da Relação do Porto de 14/01/2020:

“I - O aval é um ato cambiário que origina uma obrigação autónoma independente, cujos limites são aferidos pelo próprio título.
II - Extinta a obrigação cambiária por prescrição, apenas poderá ser reconhecida a exequibilidade do título de crédito como quirógrafo da obrigação extra - cartular.
III - Estando em causa o aval – figura típica do direito cambiário – este não se mostra transmutável fora desse enquadramento cambiário, pois que, para que a obrigação cambiária do avalista, possa servir de título executivo como quirógrafo, necessário seria que do requerimento executivo resultasse que o avalista/executado se quis obrigar como fiador pelo pagamento da obrigação fundamental, sendo que a obrigação de prestar fiança tem de ser expressamente declarada”.

Ora, no caso dos autos tal não ocorre.

Com efeito, lido o requerimento executivo, temos que do mesmo não resulta que os avalistas/executados se quiseram obrigar como fiadores pelo pagamento da obrigação fundamental. Nem qualquer vontade de prestar fiança foi expressamente declarada.
Assim sendo, era de indeferir liminarmente, como foi, a execução, no que aos executados pessoas singulares diz respeito.
E não se alegue, como fez a exequente/apelante que a decisão é prematura, devendo antes, tendo em conta o critério de atender às várias soluções plausíveis de Direito, fazer aguardar a decisão a proferir, em sede de mérito, a produção dos meios de prova oferecidos ou que venham a ser produzidos pelas partes.
É que, tendo o Sr. Juiz de primeira instância a firme convicção que a posição que seguirá tem franca possibilidade de transitar, apesar da existência de outras soluções plausíveis de direito, para as quais ainda há matéria de facto controvertida, pode proferir decisão, sem prejuízo de o Tribunal da Relação, caso não concorde com os fundamentos seguidos na primeira instância, ter que revogar tal decisão e determinar o prosseguimento da causa, para a averiguação dos factos que entende que sejam necessários para a apreciação da causa.
Considerando todo o exposto, a presente apelação terá de improceder.
*
*
V. Decisão.

Perante o exposto, acordam as Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas do recurso, pela recorrente.
*
Guimarães, 5 de Março de 2020

Assinado electronicamente por:

Fernanda Proença Fernandes
Alexandra Viana Lopes
Anizabel Pereira

(O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico com excepção das “citações” efectuadas que o sigam)