Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1524/21.1T8VCT.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANO NÃO PATRIMONIAL
INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO PRINCIPAL E SUBORDINADA
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE; SUBORDINADA PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. O dano biológico (toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal) é indemnizável, quer autonomamente, quer no âmbito dos danos patrimoniais ou dos danos não patrimoniais (consoante determine, ou não, perda ou diminuição dos proventos profissionais), sendo porém impedida a sua dupla valoração.

II. Na indemnização pela perda, ou diminuição, da capacidade laboral, a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extinguirá no final do período provável de vida, sendo o mesmo calculado de acordo com a equidade, mas em que as tabelas financeiras disponíveis para apurar a indemnização têm carácter auxiliar ou indicativo; e ponderando-se ainda o facto de a indemnização ser paga de uma só vez (o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros), bem como a esperança média de vida da vítima (e não a sua esperança média de vida activa).

III. Quando não se esteja perante uma perda, ou diminuição, da capacidade laboral (nomeadamente, por reporte à profissão ou actividade que já então era exercida ou daquela que previsivelmente o seria ou será), mas sim perante a mera necessidade de realização de esforços suplementares, no cumprimento das prévias ou futuras profissão ou actividade (em que não se pode afirmar que este dano de acréscimo de esforço se repercuta da mesma forma na futura perda de rendimento, por equivalência aritmética numa indemonstrada diminuição da capacidade laboral), a reparação deve ser fixada exclusivamente segundo juízos de equidade: este é o único critério legalmente previsto e não um plus que apenas tempere ou complete o resultado obtido pela aplicação das fórmulas financeiras criadas em função da verificação de situação de incapacidade parcial permanente para o exercício da profissão habitual.

IV. No cálculo desta indemnização pelo dano de acréscimo de esforços para o exercício de profissão, o juízo equitativo pondera, essencialmente, os seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho (antes da lesão), tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividade económica alternativas (aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências); e a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (tendo sempre em conta as suas qualificações e competências).

V. Na indemnização de danos não patrimoniais deverá privilegiar-se a gravidade dos mesmos e o recurso à equidade, ponderando-se ainda o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso, sem esquecer os critérios jurisprudenciais vigentes, bem como a nossa inserção no espaço da União Europeia.
Decisão Texto Integral:
I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA, residente na Rua ..., ..., ... (aqui Recorrido e Recorrente), propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra L..., S.A. - Sucursal em Portugal, com sede na Avenida ..., ..., em ... (aqui Recorrente e Recorrida), pedindo que

· se condenasse a Ré a pagar-lhe a quantia de € 183.386,50, a título de indemnização de danos patrimoniais e não patrimoniais (sendo € 120.000,00 a título de indemnização por dano biológico, € 3.386,50 a título de despesas suportadas com propinas, arrendamento de quarto de estudante e transportes e € 60.000,00 a título de indemnização de danos não patrimoniais), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a citação ate integral pagamento;

· se condenasse a Ré a pagar-lhe uma indemnização por danos futuros, a liquidar em momento ulterior.

Alegou para o efeito, em síntese, que, no dia 05 de Outubro de 2019, pelas 07.10 horas, na Estrada Nacional n.º ...04, na freguesia ..., concelho ..., o veículo automóvel ligeiro de passageiros que o transportava foi embatido por um outro, que circulava em sentido contrário, por este ter invadido a sua faixa de rodagem, devido à velocidade excessiva de que ia animado e à desatenção do respectivo condutor.
Mais alegou que, tendo sofrido diversas lesões físicas, dores e dano estético, de que derivaram sequelas definitivas (nomeadamente, instabilidade posterior e dor no joelho direito, determinando limitação na corrida e na actividade desportiva, e dor no pulso direito, determinando limitação no suportar cargas), ficou com uma incapacidade permanente parcial de 10%, tendo à data 18 anos, sendo saudável e praticante de desporto com regularidade.
Alegou ainda que as suas lesões tenderiam a agravar-se no futuro, exigindo tratamentos médicos e medicação regulares, bem como eventuais intervenções cirúrgicas; e, por isso, de montante no momento ainda incerto.
Por fim, alegou demandar a Ré (L..., S.A. - Sucursal em Portugal) como seguradora do veículo automóvel que embateu naquele que o transportava.

1.1.2. Regularmente citada, a L..., S.A. - Sucursal em Portugal) contestou, pedindo que a acção fosse julgada totalmente improcedente, sendo ela própria absolvida dos pedidos.
Alegou para o efeito, em síntese, que, aceitando embora a responsabilidade do condutor do veículo automóvel por si seguro na produção do acidente de viação em causa, impugnava os danos invocados pelo Autor (AA), defendendo ter o mesmo ficado curado com uma desvalorização de 3%, e sem qualquer repercussão no exercício da sua futura actividade profissional, ou qualquer dano futuro ou dependências futuras.
Mais alegou serem sempre os montantes indemnizatórios peticionados excessivos, face à jurisprudência vigente.

1.1.3. Foi proferido despacho: dispensando a realização de uma audiência prévia; fixando o valor da causa em € 183.286,50; saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); definindo o objecto do litígio e enunciando os temas da prova; e apreciando os requerimentos probatórios das partes (nomeadamente, deferindo a realização de uma perícia médico-legal na pessoa do Autor).

1.1.4. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
III - Decisão
Em face do exposto, julgo a acção proposta por AA contra L..., Companhia de Seguros y Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal, parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia global líquida de € 90.979,48, acrescida de juros contados desde data da citação sobre a quantia de € 63.479,48, e desde a data da prolação da presente decisão sobre a quantia de € 27.500,00, à taxa legal de 4%, até integral e efectivo pagamento, e, ainda, a quantia cuja fixação se remete para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 564º, nº 2, do Código Civil, e que corresponder às despesas que o Autor comprovar ter despendido com tratamentos médicos regulares para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas, incluindo-se nestes tratamentos a intervenção da Medicina Física e de Reabilitação para eventuais períodos de agudização das queixas álgicas, de tipologia e frequência a definir em consultas da especialidade a realizar duas vezes por ano.
Custas na proporção do decaimento.
(…)»
*
1.2. Recursos

1.2.1. Recurso independente da Ré
1.2.1.1. Fundamentos

Inconformada com a sentença proferida, a (L..., S.A. - Sucursal em Portugal) interpôs recurso independente de apelação, pedindo que o mesmo fosse provido, e se substituísse a sentença recorrida por decisão que arbitrasse ao Autor (AA) uma indemnização por dano patrimonial futuro e danos não patrimoniais em caso algum superior a € 50.000,00.
 
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

1 - A ora Recorrente não se conforma com os montantes arbitrados na douta sentença a título de dano patrimonial futuro e danos não patrimoniais a pagar ao Recorrido, uma vez que os mesmos, segundo o entendimento da ora Recorrente, são manifestamente excessivos e severos, não correspondendo, salvo o devido respeito, a critérios equitativos, reais e objetivos.

2 - De facto, o Tribunal a quo partiu, salvo o devido respeito, erradamente, do princípio que o Autor teria limitações permanentes que influenciariam nas suas opções profissionais; que seria difícil para o Autor, em face das lesões sofridas, prosseguir a profissão por si pretendida, de Professor de Português; e que, a conseguir prosseguir com a referida profissão, tal sempre implicaria esforços suplementares.

3 - Efetivamente, apenas se definiu que os esforços acrescidos no exercício da actividade formativa de estudante, tal não significando que o exercício da profissão de Professor de Português vá implicar, sempre e necessariamente, esforços suplementares.

4 - Posto isto, não será possível concluir que o Autor, devido às lesões decorrentes do acidente dos autos, verá limitadas as suas opções profissionais e sempre terá esforços acrescidos no exercício de uma profissão que eventualmente poderá (ou não) vir a ter.

5 - Salvo melhor entendimento, a douta Sentença proferida incorreu em errada interpretação e/ou aplicação do disposto nos artigos 483.º, n.º 1, 494.º, 496.º, n.ºs 1 e 4, 562.º, 563.º, 564.º, e 566.º, n.º 3, todos do Código Civil, na medida em que a indemnização total arbitrada se tem por excessiva ou desrazoável.

6 - De facto, entendeu a sentença recorrida condenar a Ré, ora Recorrente, a indemnizar o Autor, ora Recorrido, no montante de € 60.192,98, a título de dano patrimonial futuro, e no montante de € 27.500,00, a título de danos não patrimoniais, com os quais não poderá concordar.

7 - Quanto ao montante fixado a título de danos patrimoniais futuros, entendeu o douto Tribunal a quo fixar a indemnização devida pelos prejuízos decorrentes do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica em € 60.192,98.

8 - Sucede porém que o Autor, à data do acidente, era estudante e não exercia qualquer atividade profissional, motivo pelo qual, no entendimento da ora Recorrente, não há lugar à atribuição de qualquer parâmetro de dano Repercussão Permanente na Atividade Profissional.

9 - Assim sendo, o défice atribuído ao Autor diz única e exclusivamente respeito à incapacidade geral (fisiológica ou funcional), ou seja, às tarefas comuns e indiferenciadas da vida corrente e que interessa a todos os indivíduos, independentemente da sua idade ou profissão, dado que o Autor não logrou demonstrar que tivesse ficado impossibilitado de trabalhar ou mesmo que as lesões decorrentes do acidente tivessem alguma repercussão na sua atividade profissional futura.

10 - Motivo pelo qual, no entendimento da ora Recorrente, o valor a atribuir ao Autor a título de dano patrimonial futuro deve ter por base apenas e só a repercussão das lesões na sua vida quotidiana e já não na sua vida profissional.

11 - Com efeito, o ressarcimento dos danos futuros depende da sua previsibilidade e determinabilidade - artigo 564, n.º 2 do Código Civil.

12 - Os danos futuros previsíveis, a que a lei se reporta, são essencialmente os certos ou suficientemente previsíveis como é o caso, por exemplo, da perda ou diminuição da capacidade produtiva de quem trabalha e, consequentemente, de auferir o rendimento inerente por virtude de lesão corporal.

13 - É verdade que o STJ tem entendido que, “Consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou dano biológico), ainda que esta incapacidade não tenha tido repercussão direta no exercício da profissão habitual. Considera-se ainda que o aumento da penosidade e esforço pode ser atendido nesse mesmo âmbito (danos patrimoniais) - e não apenas no âmbito dos danos não patrimoniais -, desde que seja provado que tal aumento de penosidade e esforço tem como consequência provável a redução da capacidade genérica de obtenção de proventos, no exercício de atividade profissional ou de outras atividades económicas.” - cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 2028/12.9TBVCT.G1.S1 de 25-05-2017.

14 - Posto isto, e não obstante o tribunal no momento de definir o montante da indemnização possa ser orientado por juízos de equidade, tal ponderação deve ser casuística, verificando as circunstâncias do caso, com alguma margem de discricionariedade do julgador, mas sem colidir com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adotados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.

15 - Ora, no caso dos autos, resultou provado que o Autor, ora Recorrido, ficou a padecer de uma incapacidade permanente de 6 pontos, que tinha 18 anos à data do acidente, e que as sequelas do acidente são compatíveis com a atividade formativa de estudante que desempenhava à data do acidente.

16 - Assim, este défice de que padece o Autor, ora Recorrido, diz única e exclusivamente respeito à incapacidade geral (fisiológica ou funcional), ou seja, às tarefas comuns e indiferenciadas da vida corrente e que interessa a todos os indivíduos, independentemente da sua idade ou profissão.

17 - Acresce que, deve ainda atender-se também a valores jurisprudenciais que têm vindo a ser estabelecidos - nesse sentido, veja-se a título de exemplo os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça:

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 184/04...., de 29/03/2012 - em que foi atribuída uma indemnização de € 40.000,00 a título de dano biológico, a uma lesada com 35 anos e com um grau de desvalorização de 30%;

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 1364/06.8TBBCL.G1.S2, de 16/06/2016 - em que foi atribuída uma indemnização de € 25.000,00 a título de dano biológico, a uma lesada com 40 anos e com uma incapacidade de 6%;

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 7614/15....., de 29/10/2019 - em que ao lesado, com 34 anos, foi atribuído uma indemnização no valor de € 36.000,00, para compensar o défice funcional de 16 pontos que ficou a padecer na sequência das lesões sofridas, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional; 

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 203/14....., de 07/03/2019 - no qual foi atribuída uma indemnização por dano biológico no valor de € 40.000,00, a uma lesada com 35 anos, com uma incapacidade avaliável em 19 pontos, compatíveis com o exercício da sua atividade profissional mas implicando esforços suplementares.

18 - Ora, considerando ainda o que dispõe o artigo 8.º do CC, a justiça do caso concreto há de procurar-se também recorrendo a casos de natureza semelhante que já tenham sido apreciados pelos Tribunais.

19 - Pelo exposto, deverá o valor atribuído a título de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica do Autor, ora Recorrido, ser reduzido para um montante consentâneo com o quadro fáctico apurado, nunca superior a € 30.000,00.

20 - Relativamente, aos danos não patrimoniais, fixou a douta Sentença tal compensação na quantia de € 27.500,00.

21 - A ora Recorrente não pode deixar de se insurgir contra a compensação arbitrada a título de danos não patrimoniais, porquanto a mesma é manifestamente excessiva e extravasa os padrões comuns da nossa jurisprudência.

22 - A indemnização do dano não patrimonial não é uma verdadeira indemnização, pois não coloca o lesado na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse tido lugar, mediante a concessão de bens com valor equivalente ao dos ofendidos em consequência do facto.

23 - Trata-se, apenas de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que este, sendo não patrimonial, não é suscetível de equivalente, e, por isso, possível é apenas uma espécie de reparação, na forma de uma indemnização pecuniária, a determinar, por indicação expressa da lei, segundo juízos de equidade.

24 - De facto, julgar segundo a equidade significa que o Tribunal deve atender à necessidade de adequada compensação da vítima sem, com isso, violar o princípio constitucional e legalmente acolhido da proporcionalidade, à luz do qual a restrição, indemnização ou sanção operada deve ser a estritamente necessária (e apenas essa) à salvaguarda dos direitos e/ou interesses ofendidos.

25 - O montante da indemnização deve ser fixado equitativamente pelo tribunal (nº 3 do referido artigo 496º), através de adequado e equilibrado critério de justiça material e concreta.

26 - Vem sendo sustentado pelo STJ, em matéria de danos não patrimoniais, que a indemnização, ou a compensação, deverá constituir um “lenitivo” para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista; deve ser significativa e equilibrada, sem cair nos extremos, não podendo constituir um enriquecimento abusivo e imoral.

27 - Assim, o montante fixado pelo tribunal a quo não se coaduna com tais critérios para ter em consideração aquando da fixação do montante indemnizatório, aliás, como é bom de ver quanto aos montantes arbitrados em situações com características semelhantes, e até mais graves, à presente ação, nos Acórdãos elencados nas presentes alegações de recurso, designadamente:

- Acórdão do STJ de 30/09/2010 (processo 935/06....): relativamente a uma jovem de 17 anos, que foi atropelada, ficando afetada de uma IPP de 20% sofreu dores quantificáveis em grau 4 numa escala de 1 a 7, ficou com cicatrizes que consubstanciam um dano estético de grau 3, numa escala de 1 a 7, ficou totalmente impedida de continuar a praticar desporto, o que lhe causou tristeza, desgosto e frustração, sofreu prejuízo no plano da afirmação pessoal (de grau 2, numa escala de 1 a 5), considerou-se adequado, a título de indemnização por danos não patrimoniais, o montante de € 25.000,00;

- Acórdão da Relação de Coimbra, de 06/03/2012 (processo 1679/04....): relativo a um lesado de 44 anos de idade, que em 2002 foi vítima de um acidente o atingiu na perna esquerda, a qual ficou permanentemente afetado com sequelas que determinam ao lesado uma incapacidade geral de 30%, sofreu quantum doloris de grau 6 e dano estético de grau 5, fixou-se uma indemnização, por danos não patrimoniais, no valor de € 25 000,00;

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05/02/2004: em que foi atribuída uma indemnização de € 24.939,89 a um lesado que, tendo 52 anos à data do acidente, ficou afetado de um IPP de 35% e sofreu lesões muito graves que o obrigaram a diversas intervenções cirúrgicas e implicaram limitações muito sérias à sua mobilidade;

- Acórdão de 15/03/2012, proc. 4730/08....: no qual foi arbitrado o montante de € 15.000,00 por danos não patrimoniais a um lesado de 57 anos de idade à data do acidente que (ponto IV do sumário) “(i) (…) foi assistido no Hospital, onde regressou tempos depois, por dificuldade de locomoção, tendo realizado exames complementares de diagnóstico, após o que lhe deram novamente alta para o domicílio; (ii) por se manterem as dores e as dificuldades na marcha, o autor foi submetido a diversos tratamentos medicamentosos e de fisioterapia; (iii) a 30.11.2006, (iv) o autor foi operado ao ombro esquerdo por ruptura da coifa dos rotadores, e fez acromioplastia com sutura do supra espinhoso; (v) em 2008, foi operado ao joelho; (vi) sofreu dores logo após o embate, durante as 2 operações e restantes tratamentos, dores essas que continua a sentir e continuará a sentir para o resto da sua vida; (vii) ficou com a marcha claudicante, o que o envergonha; (viii) não pode fazer caminhadas, pois fica com dores; (ix) não pode pegar em pesos, e tem dificuldades em se baixar; (x) era uma pessoa afável e bem disposta; (xi) é agora ríspido e agressivo com amigos e familiares; sente-se um inválido e que (xii) o acidente foi provocado por culpa exclusiva do condutor do veículo seguro, é equitativa a quantia de € 15.000,00 arbitrada pelas instâncias, a título de dano não patrimonial”;

- Acórdão do STJ de 14/10/2014 - Revista 28/10.... - 1ª secção: atribuiu € 15.000,00 a lesado que ficou com IPP de 20% por ter sofrido traumatismo dos joelhos e do tórax, teve internamento hospitalar, tratamento dos traumatismos e fraturas e tem perturbações do sono;

- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 08/04/2019, proc. 344/12....: refere-se que “considerando que o dano estético foi fixado no grau 5 numa escala de 7 graus de gravidade crescente, a claudicação da marcha, a utilização de ajudas técnicas (que vai ter de continuar a usar), a desfiguração e encurtamento do membro inferior esquerdo e a dimensão, localização e características das cicatrizes descritas, cremos que perante tal quadro, a idade do demandante (45 anos) e o demais circunstancialismo previsto nos arts. 496.º, n.º 3 e 494.º, ambos do CC, a equidade foi respeitada ao fixar-se a compensação nesta matéria nos € 20.000,00.

28 - Pelo exposto, motiva a alteração da decisão recorrida, por manifesta desadequação face aos danos comprovados e à prática jurisprudencial corrente, devendo a quantia fixada para indemnização por danos não patrimoniais do Autor ser corrigida, e ser, assim, reduzida para um valor mais justo e equitativo, e compatível com os montantes que vêm sendo arbitrados pela jurisprudência (supra elencada) em situações equivalentes, entendendo a ora Recorrente que a condenação da ora Recorrente a este título deve ser reduzida para o montante máximo de € 20.000,00.

29 - Face ao supra exposto, o montante total fixado pelo douto Tribunal a quo é desadequado, por excessivo, para ressarcir o Autor tendo em conta a matéria dada como provada, mostrando-se equilibrado e ajustado de acordo com um juízo de equidade, fixar uma indemnização que em caso algum, exceda o montante total de € 50.000,00, devendo ser revogado a sentença proferida e substituída por outra que lhe atribua tal montante, o que desde já se alega e requer para todos os efeitos legais.

30 - Dado que incorre a sentença ora recorrida em errada interpretação e/ou aplicação do disposto nos artigos 483.º, n.º 1, 494.º, 496.º, n.ºs 1 e 4, 562.º, 563.º, 564.º, e 566.º, n.º 3, todos do Código Civil na medida em que a indemnização arbitrada se tem por excessiva ou desrazoável.
*
1.2.1.2. Contra-alegações

O Autor (AA) contra-alegou, pedindo que se negasse provimento ao recurso independente interposto pela Ré (L..., S.A. - Sucursal em Portugal).

Concluiu as suas contra-alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

1 - Quanto aos danos patrimoniais futuros subscrevemos na íntegra as considerações tecidas na douta sentença recorrida, por bem fundamentadas e ancoradas na matéria de facto provada.

2 - No montante da indemnização a atribuir a título de danos patrimoniais futuros há ainda a considerar, face à idade do Autor (18 anos à data do acidente e actualmente 22), a previsível e certa progressão e ascensão na carreira e dos aumentos salariais.

3 - O montante fixado na douta sentença recorrida a título de danos patrimoniais futuros é justo e adequado, não devendo ser alterado.

4 - A indemnização por danos morais deve ter em conta os danos realmente sofridos, não podendo ser balizada ou limitada por indemnizações fixadas noutros processos, ainda que quase similares.

5 - Face à extensão e gravidade dos danos sofridos, entende o Autor que o montante proposto pela Ré Seguradora não deve ter acolhimento.

6 - De resto, atendendo à gravidade, importância, dimensão, extensão, natureza e repercussão dos danos por toda a vida do Autor, este, considerando modesta a indemnização atribuída na douta sentença recorrida a título de danos morais, interpôs recurso subordinado pedindo a sua elevação para 50.000,00 €, a fim de compensar de forma digna os danos morais por si sofridos e que sofrerá por toda a sua vida.

7 - Deve, pois, ser negado provimento ao recurso interposto pela Ré Seguradora.
*
1.2.2. Recurso subordinado do Autor
1.2.2.1. Fundamentos

Inconformado com a sentença proferida, o Autor (AA) interpôs recurso subordinado de apelação, pedindo que se alterasse a sentença recorrida, elevando-se para € 50.000,00 a indemnização arbitrada para compensação de danos morais.
 
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

1 - Discorda o Autor da douta decisão recorrida apenas no tocante ao montante atribuído a título de danos morais, que entende dever ser alterado de 27.500,00 € para 50.000,00 €.

2 - Entende modestamente o A. que face à gravidade, extensão, dimensão e repercussão dos danos e sequelas, a indemnização atribuída peca por defeito, bastando atentar na extensa matéria de facto provada para se aquilatar da real dimensão dos danos sofridos pelo A. que, à data do acidente, tinha 18 anos de idade e era saudável e sem qualquer mazela, defeito ou limitação física ou corporal.

3 - Tendo ficado provado que o A. sente dificuldade em caminhar longas distâncias, não consegue praticar actividades desportivas tais como futebol, bicicleta e artes marciais (jiu-jitsu) que praticava antes do acidente, bem como todos os desportos que impliquem mudanças repentinas de direcção ou esforço prolongado do joelho, o que o deixa triste, frustrado e revoltado, ficou o mesmo arredado de uma vida normal e do exercício de actividades desportivas, componente essencial para uma vida sã e equilibrada.

4 - Entende o A. que neste caso em concreto, o prejuízo nas actividades desportivas, de lazer e de afirmação pessoal, profissional e social deve ser autonomizado e ter uma valorização específica, sobretudo, tratando-se de um jovem com 18 anos à data do acidente e actualmente com 22 anos, em plena força da vida e no início de toda a sua vida social, profissional e familiar.

5 - Todos sabemos a importância do exercício e da actividade desportiva a nível de satisfação pessoal, equilíbrio psicossomático, a nível da saúde e da qualidade de vida sendo a actividade física e o desporto essenciais para a nossa saúde e bem-estar, constituindo, aliás, um dos pilares para um estilo de vida saudável e equilibrado.

6 - Está suficientemente provado e é do conhecimento geral e público que o sedentarismo e a inactividade física propiciam o excesso de peso e a obesidade, abrindo portas às doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes e depressões, entre muitas outras patologias associadas e daí a especial atenção e importância que as novas gerações, onde se inclui o Autor, dão ao desporto e à actividade física.

7 - Em consequência das lesões e sequelas de que o Autor ficou portador, este viu afectada a sua capacidade física e viu-se arredado da prática dos desportos e actividades físicas regulares que fazia antes do acidente, bem como de todos aqueles que impliquem mudanças repentinas de direcção ou esforço prolongado do joelho, o que abrange quase tudo, limitações que para além de lhe causarem desgosto, frustração e revolta, e com reflexos nas suas relações sociais, nomeadamente amigos e grupos desportivos, afectaram e afectam a sua saúde, o seu bem-estar, o seu equilíbrio e a sua qualidade de vida.

8 - Tendo em conta que o Autor à data do acidente tinha 18 anos, e actualmente 22 anos, e era saudável e sem qualquer limitação corporal, praticava desporto e tendo deixado de correr, de jogar futebol, de praticar artes marciais (designadamente jiu-jitsu), de andar de bicicleta e de praticar todos os desportos que impliquem mudanças repentinas de direcção ou esforço prolongado do joelho (o que abarca quase todas as actividades desportivas), sofrendo tristeza, frustração e revolta, passou a ter dificuldade em carregar objectos com mais de 10 kgs com a mão direita, tem dificuldade em escrever muito tempo seguido, necessita de tratamentos médicos regulares, ficou crivado de cicatrizes, teve de repetir a frequência de aulas, sofrendo o atraso de 1 ano na sua formação académica e percurso profissional, tendo ainda em conta as lesões e as demais sequelas, intervenções cirúrgicas, tratamentos, tempo de doença e incapacidade de que ficou afectado, transformando-o num jovem limitado, frustrado e revoltado, face à extensão e gravidade das sequelas e nomeadamente do grave prejuízo no exercício da actividade desportiva e de afirmação pessoal, profissional e social, entende que o montante dos danos morais deve ser alterado para 50.000,00 €.

9 - Na parte impugnada da douta decisão recorrida, entende o Autor que não se procedeu a correcta aplicação e interpretação do disposto nos artigos 496º e 562º do CC.
*
1.2.2.2. Contra-alegações
A (L..., S.A. - Sucursal em Portugal) contra-alegou, pedindo que se negasse provimento ao recurso subordinado interposto pelo Autor (AA).

Concluiu as suas contra-alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

1 - Vem agora o A. insurgir-se, com a interposição de recurso subordinado, contra o montante que lhe foi arbitrado pelo douto Tribunal a quo a título de danos morais, alegando que tal indemnização deveria ter sido fixada no valor de € 50.000,00, em vez do valor € 27.500,00 fixado.

2 - Posição com a qual a ora Recorrida, evidentemente, não concorda, conforme já deixou explícito nas suas Alegações de recurso, para as quais se remete, por razões de economia processual.

3 - Pois que, considera a Recorrida que a quantia de € 27.500,00 sufragada pelo Tribunal recorrido já é por si desadequada, por excessiva.

4 - Na verdade, o montante da indemnização a título de danos morais deve ser fixado equitativamente pelo Tribunal (nº 3 do referido artigo 496.º), através de adequado e equilibrado critério de justiça material e concreta.

5 - Os Tribunais, em razão da extrema dificuldade e delicadeza da operação de “quantificação” dos danos não patrimoniais e não obstante a infinita diversidade das situações, deverão ter presentes os padrões usuais de indemnização estabelecidos pela jurisprudência.

6 - Posto isto, o julgador deve ter em conta todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.

7 - Tem entendido a jurisprudência dos tribunais superiores que a indemnização por danos não patrimoniais tem de constituir uma efetiva possibilidade compensatória, mas também tem de ser justificada e equilibrada, não podendo constituir um enriquecimento abusivo e imoral.

8 - Salvo o devido respeito, que é muito, a aumentar-se ou a manter-se a indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo estamos claramente perante um enriquecimento abusivo por parte do Autor, ora Recorrente, o que não se poderá, de todo, conceder.

9 - Neste sentido, veja-se, a título meramente exemplificativo, os seguintes Acórdãos: - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 21.10.2021, disponível em www.dgsi.pt, donde: “V – Mostra-se equitativa a fixação da indemnização dos danos não patrimoniais no valor de € 22.000,00 perante o seguinte “quadro” factual: o lesado que tinha 21 anos de idade: sofreu fractura distal do úmero esquerdo; teve 8 dias de internamento hospitalar, durante os quais foi submetido a uma intervenção cirúrgica; realizou tratamentos durante cerca de 6 meses e meio; sofreu um défice funcional temporário total de 9 dias; sofreu um período de défice funcional temporário parcial de 88 dias; sofreu um período de repercussão temporária na actividade profissional total de 286 dias; sofreu um quantum doloris de grau 4; sofre dano estético permanente de grau 3; sofre de repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 2; teve dores físicas intensas, tanto no momento do acidente, como no decurso dos tratamentos; as sequelas de que ficou a padecer definitivamente, continuam a provocar-lhe incómodo e mal-estar, que o vão acompanhar durante toda a vida.”/ - Acórdão da Relação de Guimarães de 04/03/2021 nos termos do qual foi fixada a quantia de € 17.500,00 de indemnização a título de danos não patrimoniais - «lesado de 27 anos e saudável, que, em virtude do acidente, esteve em repouso 56 dias com impossibilidade absoluta de trabalho, foi sujeito a uma cirurgia, teve um quantum doloris de 4/7, ficou com um dano estético de 3/7, uma repercussão na actividade desportiva de 2/7, um défice funcional de 6%»; / - Acórdão da Relação de Guimarães de 18/06/2020 que fixou a quantia de € 25.000,00 de indemnização a título de danos não patrimoniais - «lesada com 32 anos que foi vítima de um acidente quando se encontrava de férias em Portugal, o qual implicou a necessidade de realização de exames e cirurgia, tendo ficado afetada numa perna com uma incapacidade de 9 pontos, que lhe condiciona o caminhar, agachar, sentar e levantar, sofreu um quantum doloris de 5 numa escala de 1 a 7, esteve condicionada a uma cama durante 4 meses, ficou em situação de incapacidade funcional durante 366 dias, período durante o qual deixou de poder realizar as suas actividades pessoais e domésticas, tendo de socorrer-se do auxílio de terceiro inclusivamente para se lavar e vestir, continua a ter necessidade de tratamentos no futuro, continua a ter dores, ficou abatida e frustrada por não poder desempenhar as suas actividades e acompanhar os seus filhos, situação que afetou o seu seio familiar».

10 - Mais, não poderá a aqui Recorrida conceder a argumentação do Recorrente ao defender que o prejuízo nas actividades desportivas, de lazer e de afirmação pessoal, profissional e social deve ser autonomizado e ter uma valorização específica.

11 - Não poderá deixar de se entender que tal representaria nada mais do que uma duplicação de indemnizações pelo mesmo dano, o que não se poderá aceitar, pois que os referidos danos já pertencem ao núcleo dos danos morais, motivo pelo qual terá, igualmente, a pretensão do Recorrente naufragar nesta sede.

12 - Em face do exposto, entende-se que, ainda que se julgue improcedente o Recurso interposto pela aqui Recorrida, o que não se admite e apenas por cautela se equaciona, não deverá, de forma alguma, o valor atribuído ao ora Recorrente a título de danos morais ser aumentado, devendo sim, no limite, manter-se o valor de € 27.500,00 arbitrado, sob pena de clara violação do disposto nos artigos 483.º e 496.º do CC.

13 - Por fim, entende a ora Recorrida que o Recorrente não tem qualquer razão para se insurgir contra a decisão proferida no que diz respeito ao quantum indemnizatório que lhe foi arbitrado quer a título de danos morais, reiterando tudo o quanto foi por si dito em sede de Alegações de Recurso apresentadas.
*
II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [1].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [2], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, do recurso independente de apelação interposto pela Ré (L..., S.A. - Sucursal em Portugal) e do recurso subordinado interposto pelo Autor (AA), uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:

· QUESTÃO ÚNICA-  Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do Direito, devendo ser alterada a decisão de mérito proferida, por forma a serem alterados os montantes indemnizatórios arbitrados a título de dano biológico (nomeadamente, reduzindo os € 60.192,98 concedidos para quantia nunca superior a € 30.000,00, conforme defende a Ré no recurso independente que interpôs) e a título de danos não patrimoniais (nomeadamente, reduzindo os € 27.500,00 concedidos para quantia nunca superior a € 20.000,00, conforme defende a Ré no recurso independente que interpôs, ou elevando-os para a quantia de € 50.000,00, conforme defende o Autor no recurso subordinado que interpôs) ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1. Factos Provados
Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1.ª Instância, resultaram provados os seguintes factos:

a) No dia 05 de Outubro de 2019, pelas 07h10m, ao ..., da Estrada Nacional n.º ...04, na freguesia ..., concelho ..., ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-..-HP, propriedade e conduzido por BB, e o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-EH, propriedade e conduzido por CC.

b) AA (aqui Autor) seguia como passageiro transportado no veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-..-HP, sentado no banco da frente, do lado direito.

c) O veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-..-HP circulava pela Estrada Nacional n.º ...04, no sentido de marcha ... - ..., isto é, Sul - Norte, atentamente, pela sua metade direita da faixa de rodagem.

d) O veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-EH, circulava em sentido contrário (ou seja, circulava pela metade direita da faixa de rodagem da referida Estrada Nacional n.º ...04, mas no sentido de marcha ... - ..., isto é, Norte - Sul), a velocidade superior a 50 e a 70 km/hora.

e) Sensivelmente ao ... da referida Estrada Nacional n.º ...04, quando se encontrava prestes a entrar numa curva aí existente à sua direita, atento o seu sentido de marcha, o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-..-HP, viu súbita e inesperadamente cortada a sua linha de trânsito pelo veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-EH.

f) Devido à velocidade de que ia animado e porque conduzia completamente distraído e sem atenção ao trânsito que se processava na via, o condutor do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-EH, não descreveu correctamente a curva por onde circulava, que se apresentava para a sua esquerda, atento o seu sentido de marcha.

g) Na parte final da curva, atento o seu sentido de marcha, o condutor do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-EH, não controlou o veículo que conduzia, fazendo com que este se despistasse e “cortasse” a curva por dentro, pisando e transpondo a linha longitudinal contínua (marca M1) ali existente (a separar o trânsito que se processava nos dois sentidos de marcha) e invadindo a metade esquerda da faixa de rodagem (atento o seu sentido de marcha), por onde passou a circular na diagonal em direcção à berma desse lado esquerdo.

h) No preciso momento em que o veículo automóvel, em que o Autor (AA) seguia como passageiro transportado, com a matrícula ..-..-HP, estava prestes a entrar na referida curva e a cruzar-se com o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-EH.

i) Perante a aparição brusca e repentina do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-EH na sua frente e a ocupar toda a sua hemifaixa de rodagem, o condutor do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-HP, nada pôde fazer para evitar o embate.

j) O veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-EH, acabou por embater com a frente do lado direito na frente do lado direito do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-HP.

k) O embate deu-se a meio da metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-EH.

l) No local do acidente, a via configura uma curva para a esquerda, atento o sentido de marcha do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-EH (ou seja, Norte - Sul).

m) O acidente deu-se no interior da localidade de ..., concelho ..., sendo a via ladeada de várias habitações e dotada de grande circulação de veículos e trânsito de pessoas.

n) A velocidade máxima permitida aos veículos automóveis, ligeiros de passageiros, para circular no local onde ocorreu o acidente era, como ainda é, de 50 Km/hora, por se tratar de uma localidade.

o) O veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-EH circulava numa curva à sua esquerda, que não permitia ao seu condutor avistar a faixa de rodagem em toda a sua largura numa extensão de, pelo menos, 50 metros.

p) No local onde ocorreu o acidente, a via (Estrada Nacional n.º ...04) permite a circulação de trânsito nos dois sentidos de marcha, existindo uma linha longitudinal contínua (marca M1) a separar o trânsito que se processa em cada um dos sentidos de marcha.

q) A faixa de rodagem tem a largura de 5,50 metros.

r) O veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-EH despistou-se e, em derrapagem, invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem da Estrada Nacional n.º ...04, atento o seu sentido de marcha (Norte – Sul), indo aí embater no veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-HP.

s) O condutor do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-EH pisou e transpôs a linha longitudinal contínua (marca M1) ali existente a separar o trânsito que se processa nos dois sentidos de marcha e invadiu e circulou pela metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha (Norte - Sul).

t) O veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-EH imobilizou-se na berma do lado esquerdo da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha (ou seja, Norte - Sul), tendo ficado com a frente virada para Poente.

u) Antes de embater, o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-EH deixou marcas dos pneus (que não são marcas de travagem) impressos no pavimento, que se estendiam desde o local do embate até à entrada da residência com o n.º de porta ...56, numa extensão de cerca de 8 metros.

v) As referidas marcas dos pneus foram feitas na diagonal, atento o sentido de marcha que o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-EH levava, iniciando-se na metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha Norte-Sul, e terminando para além da linha delimitadora da berma do lado esquerdo da via, atento o mesmo sentido de marcha.

w) Ambos os veículos automóveis ficaram com as frentes totalmente destruídas.

x) Em consequência do acidente, o Autor (AA) sofreu várias lesões corporais, nomeadamente: traumatismo da região frontal, com perda de consciência; traumatismo abdominal; contusão renal esquerda (hematoma de 3 cm no rim); traumatismo torácico com fractura do 8.º arco direito; entorse do joelho direito, com rotura do ligamento cruzado posterior e colateral; fractura do punho direito (fractura avulsão 2 MT e 3º MT); escoriações dispersas na perna direita e na face; e hematomas por diversas partes do corpo.

y) O Autor (AA) foi socorrido no local pelos Bombeiros Voluntários ..., que lhe prestaram os primeiros socorros.

z) O Autor (AA) foi transportado de ambulância para a urgência do Hospital ..., onde foi observado, recebeu tratamento às lesões sofridas (nomeadamente, às escoriações que apresentava na cabeça - testa, orelhas e couro cabeludo -, tendo sido suturado na orelha direita e com 2 pontos no couro cabeludo, bem como com 7 pontos na perna direita), e realizou exames (nomeadamente, rx’s e tac’s).

aa) O Autor (AA) ficou internado no serviço de ortopedia do Hospital ..., desde o dia do embate (05 de Outubro de 2019) até ao dia 11 de Outubro de 2019, data em que lhe foi data alta clínica, com indicação de repouso absoluto e prescrição de medicamentos para as dores.

bb) Regressado ao seu domicílio, o Autor (AA) esteve de cama, em repouso absoluto, durante cerca de 2 semanas, período durante o qual não se conseguia movimentar (devido às dores que sentia por todo o corpo) e apenas conseguia realizar os actos básicos do seu dia a dia (nomeadamente, ir à casa de banho, tratar da sua higiene pessoal e tomar banho) com a ajuda de terceiros (concretamente, da mãe).

cc) Em 29 de Outubro de 2019, o Autor (AA) foi sujeito a exames no Hospital ..., por conta de L..., S.A. - Sucursal em Portugal (aqui Ré), concretamente a RMN ao joelho direito, a TAC ao punho direito e a TAC tórax (que revelaram rotura do ligamento cruzado posterior e colateral do joelho direito, fractura avulsão 2 MT 3º MT do punho direito e fractura do 8º arco direito).

dd) O Autor (AA) passou a ser seguido e observado de forma regular pelos serviços clínicos da Ré (L..., S.A. - Sucursal em Portugal), no ..., T..., S.A. (Clínica ...), que recomendou tratamentos de fisioterapia, que fez na Clínica ..., para fortalecimento pré-operatório do joelho.

ee) Em 13 de Fevereiro de 2020, o Autor (AA) foi submetido a uma intervenção cirúrgica para reconstrução artroscópica do ligamento cruzado posterior do joelho direito, no Hospital ..., no ..., por conta da Ré (L..., S.A. - Sucursal em Portugal), onde ficou internado até 14 de Fevereiro de 2020.

ff) Regressado ao seu domicílio, o Autor (AA) esteve de cama, em repouso absoluto, durante cerca de 2 semanas, período durante o qual não se conseguia locomover.

gg) Até Novembro de 2020, o Autor (AA) passou a ir, mensalmente e por conta da Ré (L..., S.A. - Sucursal em Portugal), às consultas médicas na Clínica ..., no ....

hh) Em consequência do traumatismo da região frontal, com perda de consciência, que sofreu, o Autor (AA) passou a sofrer de cefaleias de localização frontal esquerda constantes, tendo, por via disso, sido observado em consulta da especialidade de neurologia no Hospital ..., no ..., também por conta da Ré (L..., S.A. - Sucursal em Portugal), em 04 de Dezembro de 2019.

ii) De 03 de Março de 2020 a 27 de Novembro de 2020, e por conta da Ré (L..., S.A. - Sucursal em Portugal), o Autor (AA) efectuou tratamentos de fisioterapia em ..., Saúde e Bem Estar, Ldª, em ..., ..., tendo efectuado 137 sessões.

jj) Por via da lesão que sofreu ao nível do joelho direito, o Autor (AA) esteve impedido de subir escadas por um período de 5 meses.

kk) Em consequência das lesões sofridas, o Autor (AA) sente dificuldade em caminhar longas distâncias ou em permanecer longos períodos de tempo em posição ortostática, e tem dificuldade em caminhar na areia ou em terrenos irregulares, em face da instabilidade e dor ao nível do joelho direito.

ll) Em consequência das lesões sofridas, o Autor (AA) passou a ter dificuldade em elevar-se da posição de cócoras.

mm) O Autor (AA) deixou de correr por causa daquelas instabilidade e dor ao nível do joelho direito e, por via disso, deixou de jogar futebol com os amigos e colegas, actividade física a que se dedicava com regularidade.

nn) Por causa daquelas instabilidade e dor ao nível do joelho direito, o Autor (AA) deixou de praticar artes marciais (designadamente, jiu-jitsu), actividade física a que se dedicava antes do acidente.

oo) Por causa daquelas instabilidade e dor ao nível do joelho direito, o Autor (AA) deixou de andar de bicicleta com os amigos aos domingos de manhã.

pp) O facto de não poder praticar os desportos que praticava, e todos aqueles que impliquem mudanças repentinas de direcção ou esforço prolongado no joelho, deixam o Autor (AA) triste, frustrado e revoltado.

qq) Em consequência das lesões sofridas, o Autor (AA) passou a ter dificuldade em carregar objectos com mais de 10 kg com a mão direita; e passou a ter dificuldade em escrever muito tempo seguido;

rr) Nos actos da vida diária, o Autor (AA) passou a ter dificuldade em transportar lenha para casa, dificuldade em tratar dos animais, dificuldade em carregar as compras.

ss) O Autor (AA) ficou: no crânio, na região retroauricular direita, com uma cicatriz hipocrómica com 1 cm de comprimento, que, pela sua localização, é imperceptível a distância íntima e social; e, na região frontal direita, junto à linha de implantação capilar, ficou com 3 cicatrizes eucrómicas com 0,3 a 0,5 cm de diâmetro, que, pelo seu pequeno tamanho, são imperceptíveis a uma distância íntima e social.

tt) O Autor (AA) ficou, no membro inferior direito: (i) na face lateral do joelho, com uma cicatriz rosada horizontal com 6,5 por 1,5 cm de maiores dimensões; (ii) na face anterior do terço superior da perna, com uma cicatriz rosada vertical com 4 cm de comprimento; (iii) na face anterior do joelho, com duas cicatrizes hipocrómicas com 1 cm de comprimento cada; (iv) na face lateral do joelho, com uma cicatriz hipocrómica com 1 cm de comprimento; (v) na face medial do terço inferior da coxa, com uma cicatriz hipocrómica com 1 cm de comprimento.

uu) Ainda no membro inferior direito, o Autor (AA) preservou os arcos de movimento, mas com dor nos últimos graus de flexão.

vv) As lesões sofridas pelo Autor (AA) determinaram-lhe:
• um Período de Défice Funcional Temporário Total de 9 dias;
• um Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 416 dias;
• um período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 91 dias;
• um Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial de 334 dias;
• um quantum doloris fixável no grau 4, numa escala de 1 a 7;
• um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 6 pontos;
• um Dano Estético Permanente fixável no grau 1, numa escala de 1 a 7;
• uma repercussão permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 3, numa escala de 1 a 7;

ww) As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercício da actividade formativa de estudante de Estudos Portugueses (e profissional de professor de Português), mas implicam esforços suplementares, no sentido de compensar as queixas álgicas.

xx) O Autor (AA) vai necessitar, até ao fim da sua vida, de tratamentos médicos regulares para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas, incluindo-se nestes tratamentos a intervenção da Medicina Física e de Reabilitação para eventuais períodos de agudização das queixas álgicas, de tipologia e frequência a definir em consultas da especialidade a realizar duas vezes por ano;

yy) O Autor (AA) obteve a consolidação médico-legal definitiva no dia 02 de Dezembro de 2020.

zz) À data do acidente, o Autor (AA) era, como ainda é, estudante universitário; e frequentava o 1º ano do curso de Estudos Portugueses, na Universidade ..., em ....

aaa) Por via das lesões sofridas, o Autor (AA) teve de deixar de ir às aulas do curso que frequentava, desde a data do acidente (05 de Outubro de 2019) até Março de 2020, uma vez que, atentas as limitações físicas de que padecia, não se podia deslocar a pé desde o prédio onde reside durante o tempo de aulas, em ..., até à instituição e respectivo regresso, nem subir e descer as escadas existentes no prédio em causa e na faculdade onde o citado curso era, como é lecionado.

bbb) Ao não ter podido frequentar as aulas, o Autor (AA) viu-se impossibilitado de realizar os exames às disciplinas do curso que frequentava, tendo, em consequência, deixado de obter aproveitamento em 4 das 10 disciplinas do 1.º ano do curso.

ccc) Consequentemente, o Autor (AA) terá de repetir a frequência disciplinas que não pôde concluir no ano lectivo de 2019/2020 e realizar os respectivos exames, o que lhe acarretou um atraso de, pelo menos, 1 ano na sua formação académica e consequentemente no seu percurso profissional.

ddd) O Autor (AA) paga de propinas, anualmente, a quantia de € 871,50.

eee) Pelo quarto que teve de arrendar em ... para ir às aulas do curso que frequentava, como ainda frequenta, o Autor (AA) pagava, como ainda paga, mensalmente a quantia de € 170,00.

fff) Em despesas com o transporte de táxi que teve de realizar para ir às consultas nos serviços clínicos da Ré (L..., S.A. - Sucursal em Portugal), no ..., o Autor (AA) despendeu a quantia de € 375,00.

ggg) O Autor (AA) nasceu no dia .../.../2000 (conforme se retira de fls. 23, verso, dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

hhh) Para a Ré (L..., S.A. - Sucursal em Portugal) estava transferida, à data do embate, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-EH, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...80.
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3.2. Factos não provados

Na mesma decisão, o Tribunal de 1.ª Instância considerou como não provados os seguintes factos (precisando fazê-lo «com exclusão dos enunciados fácticos já provados por acordo, dos enunciados fácticos que apenas podem ser provados por documentos, dos enunciados de carácter conclusivo, dos enunciados fácticos irrelevantes e dos enunciados descritores de matéria de direito»):

· da petição inicial - artigos 47º a 72º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas x) a yy).

· da contestação - inexiste, neste âmbito, factualidade a que cumpra responder.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO  

4.1. Danos - Natureza
4.1.1.1. Danos patrimoniais

O dano é a perda in natura que o lesado sofre, em consequência de um certo facto, nos interesses - materiais, espirituais ou morais - que o direito violado ou a norma jurídica infringida visam tutelar. É a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a forma de uma destruição, subtracção ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea (v.g. é a morte ou são os ferimentos causados à vítima; é a perda ou a afectação do seu bom nome ou reputação; são os estragos causados no veículo; as fendas abertas num edifício por uma explosão; a destruição de coisa alheia).
Assim, e ao lado do dano real, poderá existir o seu reflexo na situação patrimonial do lesado, falando-se por isso em danos patrimoniais e danos não patrimoniais.

Lê-se no art. 564.º, n.º 1, do CC, que o «dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão».
Logo, nos danos patrimoniais a lei contempla quer os danos emergentes (isto é, a perda ou diminuição de valores já existentes no património do lesado), quer os lucros cessantes (isto é, os benefícios que este deixou de obter em consequência da lesão, o acréscimo patrimonial frustrado).
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4.1.1.2. Danos patrimoniais futuros
Lê-se no art. 564.º, n.º 2, do CC, que, na «fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis».
Precisa-se, antes de mais, que nestes «danos futuros» tanto se contêm os danos emergentes, como os lucros cessantes. 
Precisa-se, ainda, que, tal como resulta expressamente da letra da lei, a indemnização respectiva depende de duas condições cumulativas: a respectiva previsibilidade e determinabilidade [3].
Como exemplo frequente de dano patrimonial futuro encontramos a perda da capacidade de ganho, resultante de dano biológico, entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, aqui por dele decorrer precisamente perda ou diminuição de proventos laborais [4].
Contudo, a jurisprudência vem entendendo que esta perda da capacidade de ganho que se pretende valorar, nem mesmo depende da efectiva perda ou diminuição de remuneração por parte do lesado (v.g. por ser menor, ou por se encontrar desempregado, ou por não exercer qualquer profissão remunerada), compreendendo antes este dano patrimonial uma ideia de frustração de utilidades futuras e de frustração de expectativas de aquisição de bens [5].
Daí que mesmo que não haja retracção salarial, a incapacidade permanente parcial dá lugar a indemnização pelos danos sofridos, pois o dano físico determinante da incapacidade exige do lesado um esforço suplementar (físico e psíquico) para obter o mesmo resultado do trabalho. Ora, é precisamente neste agravamento da penosidade (de carácter fisiológico) para a execução, com regularidade e normalidade, das tarefas próprias e habituais de quaisquer funções que impliquem a utilização do corpo, que deve radicar-se o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros.
Estes lucros cessantes - correspondendo à perda da capacidade aquisitiva de ganho -, é um dano do lesado directo, que reverterá para o próprio, em caso de sobrevivência por mera incapacidade para o trabalho.
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4.1.1.3. Danos não patrimoniais

Já os danos não patrimoniais são os não susceptíveis de avaliação pecuniária (numa definição negativa), porque se reportam a valores ou interesses da personalidade física, moral, espiritual ou ideal.
Por outras palavras, danos não patrimoniais «são os que afectam bens não patrimoniais (bens da personalidade), insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, de que resultam o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente» (Ac. do STJ de 25.11.2009, Raúl Borges, Processo n.º 397/03...., reiterado depois no Ac. da RC, de 03.02.2010, Brízida Martins, Processo n.º 276/03....).
Logo, o dano não patrimonial assume vários modos de expressão: o chamado quantum doloris, que se reporta às dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos (nele se considerando a extensão e a gravidade das lesões, e a complexidade do seu tratamento clínico); o dano estético, prejuízo anátomo-funcional e que se refere às deformidades e aleijões que perduraram para além do processo de tratamento e recuperação da vítima; o prejuízo de distracção ou passatempo, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, como a renúncia a actividades extra-profissionais, desportivas ou artísticas; o prejuízo de afirmação social, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra da «alegria de viver»; o prejuízo da saúde geral e da longevidade, em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida; os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; o prejuízo juvenil, que afecta os sinistrados muito jovens que ficam privados das alegrias próprias da sua idade; o prejuízo sexual, consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais; e o prejuízo da auto-suficiência, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os actos correntes da vida diária (tudo conforme Ac. do STJ, de 25.11.2009, Raúl Borges, Processo n.º 397/03...., reiterado depois no Ac. da RG, de 10.10.2013, Helena Melo, Processo n.º 5981/12....) [6].
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4.1.1.4. Dano biológico

Conforme já aflorado, o dano corporal «constitui um “tertium genus”, ao lado do dano patrimonial e do dano moral, distinguindo-se o dano biológico e o dano moral subjetivo, assentes na estrutura do facto gerador da diminuição da integridade bio-psíquica, constituindo o dano biológico o evento do facto lesivo da saúde, e o dano moral subjetivo, tal como o dano patrimonial, o dano consequência, em sentido estrito» (Ac. do STJ, de 12.1.2017, Hélder Roque, Processo n.º 1292/15....).
Compreende-se, por isso, que se afirme que o «dano biológico, sendo um dano real ou dano-evento, não deve, em princípio, ser qualificado como dano patrimonial ou não patrimonial, mas antes como tendo consequências de um e/ou outro tipo; e também por isso, em nosso entender, o dano biológico não deve ser tido como um dano autónomo em relação à dicotomia danos patrimoniais/ danos não patrimoniais» (Maria da Graça Trigo, «Adoção do Conceito de “Dano Biológico” pelo Direito Português», Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Volume VI, Coimbra Editora, 2012, pág. 653).
Logo, o «dano biológico, tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado a título de dano moral, devendo a situação ser apreciada, casuisticamente, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período ativo do lesado ou da sua vida, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade» (Ac. do STJ, de 12.01.2017, Hélder Roque, Processo n.º 1292/15...., com bold apócrifo). 

Quando o dano biológico não determine perda ou diminuição dos proventos profissionais (isto é, a lesão traduz apenas uma afectação da potencialidade física, psíquica ou intelectual da vítima, para além do agravamento natural resultante da idade, mas que não originará no futuro - durante o período activo do lesado ou da sua vida -, e só por si, uma perda da capacidade de ganho), o mesmo será indemnizável autonomamente em sede de danos não patrimoniais.
 Quando, pelo contrário, o dano corporal se repercuta na capacidade de produzir rendimentos (existindo um nexo de causalidade entre a afectação da integridade físico-psíquica e a redução da capacidade laboral), a indemnização a arbitrar deverá ter «como base e fundamento»: «quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego do lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afetar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem uma sequela irreversível das lesões sofridas».
Com efeito, a «perda relevante de capacidades funcionais - mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado - constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades exercício profissional e de escolha e evolução na profissão , eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, - erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais».
Ora, nesta segunda perspectiva (de repercussão do dano corporal na capacidade de produzir rendimentos), «deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer [o lesado], bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal» (Ac. do STJ, de 10.12.2012, Lopes do Rego, Processo n.º 632/20..., com bold apócrifo) [7].
Contudo, «esta outra vertente do dano biológico, enquanto privação de outras oportunidades pessoais ou profissionais decorrentes do défice físico-psíquico, não pode deixar de ser considerado no âmbito do ressarcimento a título de danos patrimoniais futuros, influenciando e majorando, portanto, no cálculo equitativo do seu quantum, mas não constituindo, um dano a valorar em uma outra quantia, autónoma ou separada do quantum indemnizatório a fixar em sede de danos patrimoniais futuros, sob pena de constituir, como bem se adverte, entre outros, no Ac. STJ de 17.12.2009, uma duplicação indemnizatória (…) violadora da lei e dos princípios da equidade que presidem à fixação do montante indemnizatório em causa”» (Ac. da RG, de 02.11.2017, António Barroca Penha, Processo n.º 1315/14.6TJVNF.G1).
No cálculo da indemnização do dano biológico enquanto perda, ou diminuição da futura capacidade de ganho, podem (outros dirão, devem) ter-se em conta, como instrumentos auxiliares para este efeito, as tabelas financeiras ou as fórmulas matemáticas que veem sendo consideradas na jurisprudência [8].
Contudo, também aqui se entende que esta indemnização não se destina a repor o «status quo ante» (inviável, em casos de danos que atingem a saúde e a integridade física do lesado), mas antes a consubstanciar uma compensação susceptível de minorar ou atenuar os efeitos da lesão sofrida [9].
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4.1.2. Caso concreto (subsunção do Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, atenta a matéria definitivamente assente nos autos, está agora submetido à apreciação deste Tribunal da Relação o concreto montante da indemnização a arbitrar ao Autor (AA): pelo défice físico-psíquico, com inegável repercussão na sua futura capacidade de ganho, já que, sendo aquele consentâneo com o exercício da actividade profissional de professor de português (para a qual, enquanto estudante, se prepara), implicará esforços suplementares, no sentido de compensar as queixas álgicas; pelo sofrimento físico e psicológico; pelo défice estético; e pela repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer.
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4.2. Critérios de determinação da indemnização por danos patrimoniais futuros -  Rebate patrimonial do dano biológico
4.2.1.1. Perda ou diminuição de capacidade laboral (fórmulas matemáticas)
Em sede de reparação do dano patrimonial, a forma de cálculo pertinente ao dano patrimonial futuro tem sido feita sobretudo em relação à perda, ou diminuição, de capacidade de ganho.
Com efeito, um dos «casos mais frequentes em que o tribunal tem de atender aos danos futuros é aquele em que o lesado perde ou vê diminuída, em consequência do facto lesivo, a sua capacidade laboral». Entende-se, então, que «a indemnização a pagar ao lesado deve, neste caso, representar um capital que se extinga no fim da sua vida activa e seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganhos» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 580, com bold apócrifo).
Contudo, torna-se necessário proceder ao cálculo de redução do benefício que normalmente advém do facto de se receber de uma só vez o capital correspondente a prestações mensais que se iria recebendo, proteladas no tempo, sabida a remuneração paga hoje por aquele capital (o que se traduziria num enriquecimento injustificado).
Nessas situações, defende-se a atribuição de «uma quantia em dinheiro que produza o rendimento [fixo] mensal mas que, ao mesmo tempo, lhe [ao lesado] não proporcione um enriquecimento injustificado à custa do lesante, isto é, é necessário que, na data final do período considerado, se ache esgotada a quantia atribuída. Conseguir-se-á isso se as prestações mensais - que serão sempre iguais - forem constituídas quer pelos rendimentos produzidos pela quantia atribuída (juros), quer pela sucessiva e progressiva amortização desta. Assim, no início - no ano 1 - a maior parte do montante da prestação será constituída por juros e a menor parte dela pela parcela de amortização; esta aumentará progressivamente na medida em que sucessivamente vai diminuindo a parcela relativa aos juros de tal modo que, no fim do período - no último ano - a realização da prestação esgotará o capital atribuído» (Ac. do STJ, de 02.02.1993, CJSTJ, Ano I, Tomo I, pág. 130) [10].
Para isto, e a acrescer às condicionantes da vida activa - ou da esperança de vida à nascença - da vítima e da maioridade dos filhos (quanto os mesmos reclamem alimentos), haverá ainda que considerar uma outra: a taxa de juro líquida e inalterável que deverá ser tida em conta (normalmente feita coincidir com a taxa de aplicações financeiras de um particular, por exemplo para depósitos a prazo de três a seis meses, ou para aplicações em Fundos de Investimento Mobiliário com baixo grau de risco, compostos, essencialmente, por títulos de Dívida Pública).
Depois, na determinação do capital necessário para, nos termos referidos, produzir as diferentes rendas periódicas utilizou-se inicialmente a seguinte fórmula
                                                   
C = P   x  [ 1 / t  -  1+t / (1+t)^n x t]  + P x (1 + t) ^-n
                                               
em que
. C - Representa o capital (total) a depositar no ano 1
. P - Representa o valor da prestação mensal a pagar ao lesado
. t - Representa a taxa de juro mensal considerada
. n - Representa o número de meses em que as prestações se manterão

Contudo, a mesma pressupunha que o valor da remuneração mensal perdida se manteria, ao longo de todo o período de tempo a considerar, inalterável. Defendeu-se, por isso, que importaria introduzir naquele cálculo uma taxa do crescimento previsível da prestação no período considerado, sendo preferível adoptar a seguinte fórmula : (proposta como «Anexo III – Método de cálculo do dano patrimonial futuro», na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio - depois actualizada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho -, diploma previsto desde logo no art. 39.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, que transpôs para o ordenamento jurídico nacional a 5.ª Directiva Automóvel - Directiva 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio).

DPF = {[(1 – ((1 + k)/(1 + r))^n)/(r -k)] × (1+r)} × p

em que

. p - Representa o valor das prestações (rendimentos anuais) da vítima
. r - Representa a taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras, de 5% ao ano
. k - Representa a taxa anual de crescimento da prestação, de 2%
. n - Representa o número de meses em que as prestações se manterão

A mesma Portaria fornece depois um quadro listagem de factores multiplicativos, que nos dão o resultado do cálculo da fórmula para diferentes horizontes temporais, sempre baseados numa taxa de juro de 5%, e numa taxa de inflação de 2%, que - à data da sua publicação - eram pressupostos razoáveis.
Precisa-se o funcionamento da taxa de desconto - correspondente à taxa de juro que se irá aplicar à indemnização a arbitrar -, para produzir o rendimento pretendido: se a taxa for muito alta, não se torna necessário depositar um capital elevado; mas se a taxa for muito baixa, torna-se necessário depositar muito mais capital, para se vir a obter o rendimento desejado. Portanto, quanto mais baixa for a taxa de desconto, maior será de facto o valor da indemnização a arbitrar.
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Dir-se-á, porém, que os pressupostos referidos na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, se vieram a encontrar desactualizados: (i) por um lado, a taxa de inflação foi-se mantendo, duradoura e claramente, abaixo do referido valor de 2% (embora no último ano e no presente tenha subido bem acima dele, e sem que neste momento se possa antecipar - de forma segura - os termos do seu futuro comportamento); e (ii) durante muito tempo tornou-se impossível colocar dinheiro a render, sem risco, a 5% ao ano (conforme é considerado na fórmula de cálculo da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio), funcionando então como termo de comparação mais adequado as Obrigações do Tesouro, que apresentaram rentabilidade que variava entre os 0,7% (a 5 anos) e cerca de 3% (a 30 anos) (o que igualmente se alterou em 2022/2023).

Dir-se-á, ainda, que hoje se encontra estabilizado o entendimento de que a dita Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, não é vinculativa para os tribunais, devendo «os valores propostos (…) ser entendidos como o são os resultantes das tabelas financeiras disponíveis para a quantificação da indemnização por danos futuros, ou seja, como meios auxiliares de determinação do valor mais adequado, como padrões, referências, factores pré-ordenados, fórmulas em forma abstracta e mecânica, meros instrumentos de trabalho, critérios de orientação, mas não decisivos, supondo sempre o confronto com as circunstâncias do caso concreto e, tal como acontece com qualquer outro método que seja a expressão de um critério abstracto, supondo igualmente a intervenção temperadora da equidade, conducente à razoabilidade já não da proposta, mas da solução, como forma de superar a relatividade dos demais critérios. Os valores indicados, sendo necessariamente objecto de discussão acerca da sua razoabilidade entre o lesado e a entidade que deverá pagar, servirão apenas como uma referência, um valor tendencial a ter em conta, mas não decisivo», assumindo um carácter instrumental (Ac. do STJ, de 25.02.2009, Raul Borges, Processo n.º ...8, com bold apócrifo) [11].
Contesta-se, sobretudo, que se visse ali a imposição aos tribunais de limites máximos coincidentes com os resultantes da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, reafirmando-se que o único critério legal a observar, pela instância judicial, é o resultante do Código Civil: entendimento contrário «traduziria um insustentável retrocesso na protecção devida aos lesados, voltando-se a um “miserabilismo” indemnizatório há muito justificadamente derrogado pelos critérios jurisprudenciais dominantes, de modo a afastar decididamente o arbitramento de montantes indemnizatórios irrisórios, desproporcionadamente exíguos perante a gravidade das lesões sofridas» (Ac. do STJ, de 01.07.2010, CJ, Tomo II, pág. 139) [12].
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Compreende-se, assim, que a Jurisprudência tenha vindo a estabelecer de forma autónoma «critérios de apreciação e de cálculo do dano biológico (quer ele se reconduza, no concreto, a um dano patrimonial - quando há perda/diminuição dos rendimentos profissionais -, ou a um dano não patrimonial - quando não ocorra essa perda/diminuição) com o objectivo de reduzir o mais possível a margem de arbítrio e de subjectivismo dos julgadores e por forma a que haja uma maior uniformidade na sua quantificação» (Ac. da RP, de 20.03.2012, M. Pinto dos Santos, Processo n.º 571/10...., com bold apócrifo).
Os ditos critérios são os seguintes: «(i) a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida; (ii) no cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável; (iii) os métodos matemáticos e/ou as tabelas financeiras utilizados para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial fundada na equidade; (iv) deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio lesado gastaria consigo próprio ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos), consideração esta que, contudo, vale unicamente para os casos de morte do lesado; (v) deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, pelo que há que considerar esses proveitos introduzindo um desconto no valor encontrado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa do infractor ou da sua seguradora; (vi) deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida activa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma» (Ac. do STJ, de 05.07.2007, Nuno Cameira, Processo n.º 07...) [13].
Com efeito, defende-se que o «número de anos que importa ter em conta não é o número de anos que falta atingir para a idade da reforma, mas sim para a idade correspondente à esperança média de vida da vítima» (Ac. da RP, de 03.02.2014, Carlos Gil, Processo nº 2138/10...., com bold apócrifo) [14].
Em Portugal, neste momento - e segundo dados publicados pela Pordata -, a esperança média de vida é, com tendência para aumentar: dos homens, de 77,7 anos [15]; e das mulheres, de 83 anos [16].

Por fim, tem-se ainda presente que sempre será «tarefa melindrosa calcular o valor indemnizatório deste dano, já que, tirando a idade das vítimas e a incapacidade que as afecta, tudo o mais é aleatório. Com efeito é inapreensível, agora, qual vai a ser a evolução do mercado laboral, o nível remuneratório do emprego, a evolução dos níveis dos preços, dos juros, da inflação, a evolução tecnológica, além de outros elementos que influem no nível remuneratório, como por exemplo, os impostos. Daí que, nos termos do n° 3 do art. 566° do Código Civil, a equidade deverá funcionar “com maior peso” ante a dificuldade de averiguar com exactidão a extensão dos danos» (Ac. da RC, de 28.05.2013, José Avelino Gonçalves, Processo nº 1721/08...., com bold apócrifo) [17].
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4.2.1.2. Exigência de esforços suplementares (equidade)
Contudo, quando não se esteja perante uma perda, ou diminuição, da capacidade laboral (nomeadamente, por reporte à profissão ou actividade que já então era exercida ou daquela que previsivelmente o seria), em que a consequente perda de rendimentos é, razoável e compreensivelmente, estabelecida da forma enunciada antes, mas sim perante a mera necessidade de realização de esforços suplementares, no cumprimento das prévias ou futuras profissão ou actividade, não se pode afirmar que este dano de acréscimo de esforço se repercuta da mesma forma na futura perda de rendimento, por equivalência aritmética numa indemonstrada diminuição da capacidade laboral.
Defende-se estar-se aqui no «domínio dos danos patrimoniais indetermináveis», devendo então a reparação ser fixada exclusivamente segundo juízos de equidade: «a equidade é o único critério legalmente previsto e não um plus que apenas viria temperar ou completar o resultado obtido pela aplicação de fórmula financeira criada em função da verificação de situação de incapacidade parcial permanente para o exercício da profissão habitual que aqui não tem aplicação (no mesmo sentido, cfr. os acórdãos deste Supremo Tribunal de 14/12/2016, proc. nº 37/13.0TBMTR.G1.S1, e de 16/03/2017, proc. nº 294/07.0TBPCV.C1.S1, in www.dgsi.pt)» (Ac. do STJ, de 25.09.2017, Maria da Graça Trigo, Processo n.º 2028/12.9TBVCT.G1.S1).

Precisando, o julgamento que tenha por base a equidade «é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas; distingue-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição» (António Menezes Cordeiro, O Direito, 122º, pág. 272, com bold apócrifo). Opera, por isso, como um mecanismo de adaptação da lei geral às circunstâncias do caso concreto (só o juiz - e não a lei abstracta - o podendo fazer). Fala-se, por isso, na expressão da justiça num dado caso concreto.
 Assim, ao «fixar o valor em dívida com base na equidade, o Tribunal deixa de aplicar as normas jurídicas em sentido estrito, para lançar mão de um critério casuístico que aquela situação demanda, em termos de ponderação das particularidades do caso, tendo em conta a decisão justa e adequada à hipótese em julgamento, pelo que o critério é consentidamente deixado ao prudente arbítrio do julgador, com a carga de subjectividade que isso implica, mas sempre com o limite da solução mais justa, equitativa e objectiva» (Ac. do STJ, de 13.04.2010, Fonseca Ramos, Processo n.º 109/20...).
Contudo, «não deve confundir-se a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, devendo a mesma traduzir a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, impondo-se que o julgador tenha em conta as regras da prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida» (Ac. do STJ, Álvaro Rodrigues, Processo n.º 2025/..., com bold apócrifo).
Com efeito, o recurso à equidade, «não afasta (…) a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso» (Ac. do STJ, de 22.01.2009, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 07..., com bold apócrifo). Deste modo, os «Tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição» (Ac. do STJ, de 31.01.2012, Nuno Cameira, Processo n.º 875/05....) [18].

Ora, a «atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho - antes da lesão -, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências. A que acresce um outro factor: a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (tendo em conta as qualificações e competências do lesado)» (Ac. do STJ, de 25.09.2017, Maria da Graça Trigo, Processo n.º 2028/12.9TBVCT.G1.S1) [19].
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4.2.2. Caso concreto (subsunção do Direito aplicável)
4.2.2.1. Juízo do Tribunal a quo

Concretizando, e relativamente à determinação do montante de indemnização pelo esforços suplementares exigidos doravante ao Autor (AA) - hoje ainda estudante universitário de estudos portugueses mas no futuro previsível professor dessa disciplina -, verifica-se que o Tribunal a quo a fixou em € 60.192,98.
Ponderou nomeadamente para o efeito:
«(…)
Qual o valor do rendimento anual médio do Autor a considerar para este efeito?
É sabido que deve ser fixada indemnização pelo dano patrimonial futuro ainda que o lesado não exerça, à data do acidente, uma actividade profissional remunerada e que o montante do salário mínimo nacional não é adequado para avaliar o valor patrimonial da redução da capacidade de ganho do Autor que é, actualmente, um bem sucedido estudante universitário 3.
Estudando Estudos Portugueses, a profissão mais óbvia e natural que se deve ponderar para este efeito é a de professor de português.
O rendimento médio anual líquido de um professor de português é, em 2022, de € 22.879,08 4. Deve, pois, ser este o valor a considerar-se para o cálculo da prestação anual.
Tomando, assim, como base esse rendimento, ter-se-á que calcular uma indemnização que assuma o tempo provável da sua vida activa, de forma a obter-se um capital produtor desse mesmo rendimento perdido, de tal modo que, no fim dessa vida activa, esse capital se esgote. Tendo em conta que o Autor nasceu em .../.../2000, calcular-se-á tal perda de rendimento desde 02.12.2020 (consolidação médico-legal), na altura já com 20 anos, até 2078 (58 anos), uma vez que a esperança média de vida situa-se, actualmente, para os homens, nos 78 anos.
Além do rendimento anual exposto consideraremos uma taxa de juro de remuneração do capital de 3% ao ano, uma taxa inflação de 1% ao ano, uma taxa de 1% para os ganhos de produtividade e uma taxa de 1% ao ano para a progressão profissional 5.
Assim, a fórmula a utilizar traduzir-se-á no seguinte enunciado:
C = (1+i)n – 1 x P
(1+i)n x i
Sendo
P = a prestação anual = € 22.879,08;
C = capital a depositar no primeiro ano;
n = anos de expectativa de vida activa (58 anos);
i = taxa de juro nominal (actualizada nos 58 anos seguintes) que se obtém com o desenvolvimento da seguinte fórmula: i = (1+r) : (1+K); em que r é a taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras e k a taxa anual de crescimento da prestação.
Défice permanente da integridade físico-psíquica: 6 pontos (6%).
Deste modo, o valor da indemnização por danos futuros pela perda da capacidade de ganho é, no caso, de € 60.192,98, quantia que, em face dos contornos de caso se julga adequada depois de ponderados os resultados obtidos com a fórmula matemática utilizada, atendendo ao período de tempo que vai ser exigido ao Autor (58 anos), ao nível dos esforços suplementares, para manter a sua actividade profissional.

3 Cfr., neste sentido e por todos, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17.12.2019, relatado por Alcides Rodrigues, in www.dgsi.pt.
4 Cfr. Despacho nº 11943-A de de 2 de Dezembro (02.012.2021), e tabelas anexas, consultável no Diário da República n.º 233/2021, 1º Suplemento, Série II de 2021-12-02, páginas 2-12, e spn.pt/vencimentos.
5 Cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04.04.95, in CJ, Ano XX, T. II, pp. 23 e seguintes e que representa um desenvolvimento e ajustamento do critério que vinha sendo utilizado pelo Supremo Tribunal de Justiça em alguns arestos – cfr. a título de exemplo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.02.93, in CJ-STJ, Ano II, T. II, pp. 86 e ss.
(…)»
*
Contudo, e salvo o devido respeito pela sua opinião contrária (que é sempre muito, pelo cuidado e rigor invariavelmente postos nas respectivas decisões), a indemnização arbitrada a este título foi-o considerando que o défice permanente de integridade físico-psíquica (no caso sub judice, fixado em 6 pontos) equivaleria a idêntica diminuição de capacidade profissional [20].
Ora, e como se deixou exarado supra, não é esse o caso do dano de acréscimo de esforço, já que não se pode afirmar que essa penosidade suplementar (face a uma qualquer outra pessoa, não afectada na sua integridade físico-psíquica) se traduza em equivalente perda aritmética de capacidade profissional (e, consequentemente, de rendimento laboral). Reitera-se, está-se aqui no domínio dos danos patrimoniais indeterminados.
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4.2.2.2. Juízo do Tribunal ad quem
Dir-se-á, assim, que a indemnização a arbitrar, por previsíveis danos patrimoniais resultantes dessa acrescida penosidade para o exercício da futura actividade profissional (professor de português) do Autor (AA) terá de ser encontrada com recurso à equidade.

Ponderando então os critérios jurisprudenciais enunciados supra, e quanto à idade do lesado, dir-se-á que, tendo o Autor (AA) nascido em .../.../2000, tinha, à data do acidente (05 de Outubro de 2019) praticamente 19 anos de idade.

Quando ao grau de incapacidade geral permanente, dir-se-á ter sido o mesmo fixado em 6 pontos (6%).

Quanto às potencialidades de aumento de ganho (antes da lesão), tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividade económica alternativas (aferidas, em regra, pelas qualificações e competências do lesado), dir-se-á ser o Autor (AA), à data do evento lesivo, estudante universitário de Estudos Portugueses; e vir a ser, previsivelmente, um futuro professor desta disciplina.
Ora, em consequência das lesões sofridas, o Autor (AA): deixou de correr; passou a ter dificuldade em caminhar longas distâncias, e em caminhar na areia ou em terrenos irregulares; passou a ter dificuldade  em elevar-se da posição de cócoras; passou a ter dificuldade em permanecer longos períodos de tempo em posição ortostática (de pé); passou a ter dificuldade em carregar objectos com mais de 10 kg com a mão direita, em carregar compras, em transportar lenha para casa e em tratar dos animais; e passou a ter dificuldade em escrever muito tempo seguido.

Por fim, quanto à conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (tendo em conta as suas qualificações e competências), dir-se-á que a profissão de professor de português (ou outras permitidas com a habilitação de Estudos Portugueses) é de maior exigência intelectual do que física.
Assim, a necessidade de esforços suplementares para o seu exercício (ainda totalmente possível ao Autor) prender-se-á com a maior dificuldade em permanecer longos períodos de tempo de pé (já que cada vez mais se pretende uma lecionação dinâmica e activa, consentânea com a deambulação livre do professor pelo espaço lectivo, face à sua anterior posição de sentado, vista como mais passiva); e com a maior dificuldade em escrever muito tempo seguido.
Considera-se ainda que esta exigência de esforços suplementares se verificará desde o início da actividade profissional do Autor (AA) e o acompanhará até ao final dos seus dias; e que é simultânea com a necessidade que terá de tratamentos médicos regulares (incluindo de medicina física e de reabilitação, em eventuais períodos de agudização das queixas álgicas), a fim de evitar um retrocesso ou agravamento das respectivas sequelas.
Logo, o Autor (AA) sofrerá ao longo da sua vida, e para além do desgaste natural e progressivo que a idade lhe vai impondo (com as limitações e queixas álgicas que lhe são próprias), as limitações e queixas álgicas decorrentes do seu pré-défice permanente de integridade físico-psíquica. Ora, somados ambos, serão potencialmente cada vez mais comprometedores de normais progressões profissionais (v.g. pela menor carga horária lectiva permitida, ou pelas menores funções não lectivas autorizadas), ou da possibilidade de cumulação de plúrimas fontes de rendimento (v.g. lecionação em diferentes estabelecimentos de ensino, ministração de explicações em horário pós-laboral).
 
Por fim, atende-se ainda à jurisprudência que vem sendo publicada, embora lida com o cuidado exigido pela cada vez maior valorização social dos danos infligidos à integridade física e psíquica [21], e pelas especificidades de cada caso [22] (onde aqui avulta, sobremaneira, o facto do Autor ir iniciar a sua actividade profissional já com a exigência de esforços suplementares, face aos seus indiferenciados colegas), a saber:

. Ac. do STJ, de 16.06.2016, Tomé Gomes, Processo n.º 1364/06.8TBBCL.G1.S2 - «Tendo a A. a idade de 40 anos, à data da consolidação das sequelas, e permanecendo com uma incapacidade genérica de 6%, em termos de rebate profissional, compatível embora com a sua atividade profissional, mas não conseguindo realizar ou só executando com grande dificuldade tarefas que exigem maior esforço físico ou que requerem a sua posição de sentada por períodos mais ou menos prolongados, o que é de molde a influir negativamente e sobremaneira na sua produtividade como costureira, sendo ainda tais limitações suscetíveis de reduzir o leque de possibilidades de exercer outra atividade económica similar, alternativa ou complementar, e de se traduzir em maior onerosidade no desempenho das tarefas pessoais, mormente das lides domésticas, o que se prevê que perdure e até se agrave ao longo do período de vida expetável, mostra-se ajustada a indemnização de € 25.000,00 para compensar o dano biológico na sua vertente patrimonial».

. Ac. do STJ, de 07.03.2019, Tomé Gomes, Processo n.º 203/14.... -  Tendo a Autora 35 anos de idade à data do acidente, e 37 anos à data da consolidação das sequelas, e sendo empregada de mesa num estabelecimento de padaria/pastelaria, «considerando o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, fixado em 19 pontos percentuais, com repercussão permanente na atividade profissional da A., mas com ela compatível, implicando esforços suplementares, à luz dos padrões indemnizatórios seguidos pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, tem-se como razoável atribuir ao dito dano biológico, na respetiva vertente patrimonial, o valor de € 40.000,00».

. Ac. do STJ, de 29.10.2019, Henrique Araújo, Processo n.º 7614/15.... - «Numa situação em que ao lesado, com 34 anos, foi atribuído um défice funcional de 16 pontos por força das lesões sofridas, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional (vendedor e empresário de materiais de construção civil e produtos agrícolas), afigura-se ajustado o montante de € 36 000,00 para indemnizar tal dano futuro».   

Considera-se, assim, razoável indemnizar o Autor (AA), pelo dano resulta do acréscimo de esforços que terá de realizar para o exercício da sua futura actividade profissional, a quantia de € 50.000,00.
Altera-se, por isso, nesta parte a sentença recorrida, reduzindo-se a indemnização arbitrada pelo dano de acréscimo de esforços para o exercício de profissão, de € 60.192,98 para € 50.000,00 (pela procedência parcial, nesta parte, do recurso de apelação interposto pela Ré).
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4.3. Critérios de determinação da indemnização por danos não patrimoniais
4.3.1. Enunciação dos critérios (de determinação)
Lê-se no art. 496.º, n.º 1, do CC, que, «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito», aqui se incluindo aqueles que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral.
Compreende-se esta exigência de «gravidade», já que a reparação aqui em causa pretende «dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que, sendo esta uma ofensa moral, não é susceptível de equivalente» (Vaz Serra, BMJ, n.º 83, pág. 83).
Contudo, essa exigível gravidade do dano não patrimonial indemnizável deverá ser aferida por um padrão objectivo (embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto), e não por um padrão subjectivo, derivado de uma sensibilidade especialmente requintada ou exacerbada ou, pelo contrário, particularmente embotada (João de Matos Antunes Varela, Direito das Obrigações, Volume I, 7.ª edição, Livraria Almedina, pág. 576).

Lê-se ainda, no n.º 4, do art. 496.º citado, que «o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º», isto é, o «grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso» (mormente, o tipo de lesões registadas e o sofrimento daí resultante), sem esquecer os padrões adoptados pela jurisprudência e a flutuação da moeda.
Logo, o critério fundamental de fixação desta indemnização por danos não patrimoniais é a equidade.

Quanto à situação económica do autor do facto lesivo e da vítima, terão que ser ponderados «no contexto da situação económica do cidadão médio e do significado do bem jurídico afectado para a vida em sociedade» (Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, Volume II, Indemnização dos Danos Reflexos em Geral, 2.ª edição, Almedina, pág. 24).

Relativamente às demais circunstâncias do caso, atende-se aqui nomeadamente às lesões registadas e aos sofrimentos que provocaram, tendo necessariamente em conta a idade do lesado.

Por fim, ter-se-ão ainda «em consideração os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, face ao que dispõe o art. 8.º, n.º 3, do CC, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso sujeito» (Ac. do STJ, de 15.04.2009, Raul Borges, Processo n.º 08..., com bold apócrifo).
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Dir-se-á, por tudo, que não se trata aqui de uma verdadeira indemnização, mas sim da atribuição de certa soma pecuniária, que se julga adequada a compensar e a minorar dores e sofrimentos, mercê das alegrias e satisfações que a mesma pode proporcionar.
Por outras palavras, os «interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podem ser reintegrados por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas do dinheiro. Não se trata, portando, de atribuir ao lesado “um preço de dor” ou “um preço de sangue”, mas de lhe proporcionar uma satisfação, em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir interesses de ordem refinadamente ideal» (Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1991, pág. 115).
Tal reparação reveste mesmo uma natureza mista, visando, por um lado, compensar (mais até do que indemnizar) os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado; e, por outro, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico, com os meios adequados do direito civil, a conduta do agente (assim também se compreendendo o apelo, feito no art. 496.º, n.º 4 do CC, ao «grau de culpabilidade do agente»).

Reconhece-se, porém, que: da «conjugação do art. 496.º com o 494.º para que remete, verifica-se que a indemnização deve antes de mais ser ajustada à gravidade da ofensa (dentro do critério geral da restauração, quanto possível, da situação que existiria se não fosse a ofensa) e ao grau de culpa do agente», e «só depois a situação económica e outras circunstâncias do caso» (Ac. da RC, de 16.01.2008, Belmiro Andrade, Processo n.º 555/04....); todos estes elementos de ponderação implicam uma certa dificuldade de cálculo, com o inerente risco de nunca se estabelecer uma indemnização rigorosa e precisa (Ac. do STJ, de 16.04.1991, Cura Mariano, BMJ, n.º 406, pág. 618).
No entanto, há muito que se defende que deve ter um alcance real e não meramente simbólico, por forma a que se atinja um justo grau de “compensação”, sendo «mais que tempo, conforme jurisprudência que, hoje, vai prevalecendo, de se acabar com miserabilismos indemnizatórios. A indemnização por danos patrimoniais deve ser correcta, e a compensação por danos não patrimoniais deve tender, efectivamente, a viabilizar um lenitivo ao lesado, já que tirar-lhe o mal que lhe foi causado, isto, neste âmbito, já ninguém nem nada consegue ! Mas - et pour cause - a compensação por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo, e não meramente simbólico. Aliás, é nesta linha que se encontra, como é do conhecimento geral, o contínuo aumento dos seguros obrigatórios estradais e dos respectivos prémios» (Ac. do STJ, de 16.12.1993, Cardona Ferreira, CJ, 1993, Tomo III, pág. 182, com bold apócrifo) [23].
Este juízo sai reforçado se, conforme o «considerou o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 19 de Abril de 2012», destacarmos «a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico correspondente à União Europeia e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, e, bem assim, que a jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização em causa deve constituir um lenitivo para os danos suportados e não ser orientada por critérios hoje considerados miserabilistas, por forma a, respondendo actualizadamente ao comando do artigo 496º, traduzir uma efectiva possibilidade compensatória para os danos suportados e a suportar» (Ac do STJ, de 18.06.2015, Fernanda Isabel Pereira, Processo n.º 2567/09....) [24].
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4.3.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.3.2.1. Juízo do Tribunal a quo

Concretizando, e relativamente à determinação do montante de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor (AA), verifica-se que o Tribunal a quo a fixou em € 27.500,00.
Ponderou nomeadamente para o efeito:
«(…)
Assim, atendendo ao número de dias em que o Autor esteve com um défice funcional temporário total (9 dias), o número de dias com um défice funcional temporário parcial (416 dias), ao período de repercussão temporária na actividade profissional total (91 dias), ao défice permanente (6 pontos), às dores sofridas (4/7), ao dano estético permanente (1/7), à repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer (3/7), sendo de sublinhar a idade do Autor, a circunstância de ter sido submetido a dois internamentos e a uma cirurgia, ter visto a sua qualidade de vida, quer do ponto vista físico, quer do ponto de vista social, afectada, de ter ficado limitado funcionalmente em consequência de sequelas na mão e no joelho, limitando-o funcionalmente na vida activa, e, em qualquer juízo de prognose que fizer quanto ao seu futuro, se concluirá que nas actividades mais quotidianas e normais do dia-a-dia necessitará de desenvolver esforços suplementares e de se submeter a tratamentos regulares, consideramos justo, proporcional, adequado e equitativo fixar uma indemnização, para ressarcimento dos danos não patrimoniais decorrentes do evento, de € 27.500,00.
(…)»
*
Da mesma discordaram: quer o Autor (AA), pedindo a sua elevação para € 50.000,00 (enfatizando a pluralidade e gravidade das lesões sofridas, a pluralidade e duração dos vários tratamentos, intervenções cirúrgicas e internamentos a que foi sujeito, e a pluralidade e gravidade das sequelas que regista); quer a Ré (L..., Companhia de Seguros Y Reaseguros, S.A. - Sucursal em Portugal), pedindo a sua redução para quantia nunca superior a € 20.000,00 (enfatizando pretéritas decisões jurisprudenciais).
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4.3.2.2. Juízo do Tribunal ad quem
Concretizando, então, os critérios aqui enunciados, dir-se-á que o Autor (AA), então com 18 anos de idade, e em virtude do violento embate de um outro veículo automóvel naquele que o transportava: sofreu plúrimas lesões (v.g. fracturas, traumatismos, contusão renal, escoriações e hematomas); foi submetido a vários internamentos hospitalares, intervenções cirúrgicas, exames e tratamentos, ao longo de catorze meses; sofreu dores; ficou com várias sequelas (com repercussão na sua vida diária, que ficou definitivamente alterada); e terá de recorrer a tratamentos médicos regulares, para evitar o agravamento das mesmas.
Dir-se-á, assim, serem de indesmentível gravidade os danos não patrimoniais sofridos pelo Autor (AA), permitindo (impondo) a respectiva ressarcibilidade.
           
Atendendo, então, aos critérios legais de fixação da indemnização em causa, e quanto ao grau de culpabilidade do agente, verifica-se que tal dano adveio de um embate de veículos; e que o mesmo se deveu exclusivamente à conduta culposamente violadora do direito estradal do condutor daquele cuja responsabilidade civil se encontrava transferida para a Ré (L..., Companhia de Seguros y Reaseguros, S.A. - Sucursal em Portugal).
Logo, e não obstante a culpa do agente tenha sido a título de negligência (e não de dolo), certo é que o Autor (AA) em nada contribuiu para o evento danoso.

Quanto à situação económica da Ré (L..., Companhia de Seguros y Reaseguros, S.A. - Sucursal em Portugal), nada foi alegado em tempo oportuno pelo Autor (AA); e, por isso, nada se provou a propósito.
Sabe-se, porém, ser uma sociedade comercial, que se acredita de capacidade económico-financeira (a mesma que lhe permite e justifica que continue a operar no mercado, onde as sociedades comerciais só se deverão manter se tiverem os lucros que determinaram a sua constituição, e determinam a sua operação).
           
Relativamente à situação económica do Autor (AA), nada se apurou. Contudo, a sua condição de estudante do 1.º ano de Estudos Portugueses permite presumir que ainda não auferirá rendimentos laborais, nem terá património próprio.

 Quanto às demais circunstâncias do caso, não se pode deixar de atender: às plúrimas e graves lesões sofridas; aos múltiplos e prolongados internamentos, exames intervenções cirúrgicas e tratamentos a que o Autor (AA) foi sujeito; às sequelas delas resultantes, que exigem vitalícios tratamentos médicos regulares; e ao sofrimento (físico e psíquico), ao dano estético e à definitiva privação da prática desportiva até então habitual ao Autor (AA), que umas e outras (lesões e sequelas) importaram.
Com efeito, após o embate violento de outro veículo automóvel naquele que o transportava, o Autor (AA), à data com 18 anos de idade, saudável, praticante de vários desportos (v.g. futebol, artes marciais e bicicleta) e estudante universitário (do 1.º ano de Estudos Portugueses), sofreu as seguintes lesões:  traumatismo da região frontal, com perda de consciência; traumatismo abdominal; contusão renal esquerda (hematoma de 3 cm no rim); traumatismo torácico com fractura do oitavo arco direito; entorse do joelho direito, com rotura do ligamento cruzado posterior e colateral; fractura do punho direito (fractura avulsão 2 MT e 3º MT); escoriações dispersas na perna direita e na face; e hematomas por diversas partes do corpo.
Mercê das ditas lesões, e até à consolidação médico-legal respectiva, ocorrida catorze meses depois, o Autor (AA) teve que suportar: internamentos e tratamentos hospitalares (nomeadamente, exames radiológicos, tomografias computorizadas, ressonâncias magnéticas e suturas); uma intervenção cirúrgica; cefaleias de localização frontal esquerda constantes; tratamentos de fisioterapia por vários meses (que ultrapassaram uma centena de sessões); períodos de repouso absoluto e de dependência de terceira pessoa para os actos normais da vida diária; impedimento de subida de escadas por cinco meses; e impedimento de frequência de aulas e de realização de exames durante cinco meses, o que lhe acarretou um atraso de, pelo menos, um ano na sua formação académica (e, consequentemente, no seu percurso profissional).
As lesões e os tratamentos que as mesmas exigiram ocasionaram para o Autor (AA) um quantum doloris de grau 4, numa escala de 1 a 7.
Após a alta médica, o Autor (AA) registou as seguintes sequelas (ainda não valoradas em sede de dano biológico com repercussão patrimonial): no membro inferior direito, preservou os arcos de movimento, mas com dor nos últimos graus de flexão; mercê da instabilidade e dor ao nível do joelho direito, deixou de jogar futebol com os amigos e colegas (actividade física a que se dedicava com regularidade), de praticar artes marciais, designadamente, jiu-jitsu (actividade física a que se dedicava antes do acidente) e de andar de bicicleta com os amigos aos domingos de manhã; mercê do mesmo facto, deixou de poder praticar todos os deportos que impliquem mudanças repentinas de direcção ou esforço prolongado no joelho; esta repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é de grau 3, numa escala de 1 a 7; estas interdição e limitação da prática desportiva, deixam-no triste, frustrado e revoltado; e ficou com pequenas cicatrizes no crânio e na região frontal direita, junto à linha de implantação capilar, que pelo seu pequeno tamanho são imperceptíveis a uma distância íntima e social, e com várias cicatrizes no membro inferior direito, resultando num dano estético permanente de grau 1, numa escala de 1 a 7.
O Autor (AA) vai ainda necessitar, até ao fim da sua vida, de tratamentos médicos regulares para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas (incluindo-se nestes tratamentos a intervenção da medicina física e de reabilitação para eventuais períodos de agudização das queixas álgicas), de tipologia e frequência a definir em consultas da especialidade a realizar duas vezes por ano.
Ora, é indesmentível que, para um jovem de 18 anos, saudável, desportista, estudante universitário, que se vê subitamente (e sem que para isso tenha contribuído de forma alguma), sujeito a plúrimos internamentos e tratamentos hospitalares (incluindo uma cirurgia), com repetidos e prolongados períodos de repouso, dependências e impedimentos vários (que lhe interromperam por meses o percurso universitário que acabara de iniciar), e que ao fim de catorze meses fica a saber que não poderá retomar a vida exactamente como a conhecera antes (mercê de limitações que o acompanharão para o resto da vida e que lhe exigirão doravante tratamentos médicos regulares), os danos não patrimoniais são relevantíssimos.
Importa não esquecer que, nesta fase precoce da vida (e sobremaneira para os indivíduos do género masculino), o desporto não é só garantia de uma vida mais saudável, como uma forma de afirmação pessoal e de convívio social regular.
Recorda-se ainda que a passagem do ensino secundário para o ensino universitário não é isenta de dificuldades e adaptações (nomeadamente, pela maior autonomia que este último pressupõe e pela maior exigência que impõe). Assim, a interrupção abrupta e prolongada desse processo, logo ao fim do primeiro mês, não pode deixar de comportar adicionais receios (se não mesmo angústias) e acrescidas dificuldades (face a quem não haja sofrida essa interrupção), incluindo ao nível da vinculação precoce a novos colegas e amigos.
Por fim, dir-se-á que não é expectável que, em idades tão precoces e em indivíduos saudáveis, com uma noção reforçada da integridade e competência do próprio corpo (dada, nomeadamente, pela prática regular de desportos diversificados), a limitação do mesmo seja antecipada e aceite como algo natural, sobretudo numa época de crescente exigência de perfeição e eficiência físicas (social e generalizadamente associadas à juventude). Assim, este abrupto precipitar do Autor (AA) numa categoria de indivíduos afectados de limitações físicas e de queixas álgicas próprias de estratos etários mais velhos, com uma imposição vitalícia de vigilâncias, cuidados e tratamentos médicos regulares, não pode deixar de comportar a tristeza, a frustração e a revolta assentes nos autos.

Considerando agora o pendor das prévias decisões jurisprudenciais, e recordando que a indemnização pela perda do maior bem, a vida, vem sendo fixada entre € 50.000,00 e € 100.000,00 [25], dir-se-á que, embora se possam tomar estes valores como uma referência, serão apenas mais um dos factores de ponderação em causa.
Com efeito, o «montante pecuniário compensatório, a arbitrar genericamente a título de danos de carácter não patrimonial, não tem que obedecer a qualquer critério (obrigatório) de proporcionalidade relativamente ao específico dano morte (compensação pela perda do direito à vida)», «face à natureza, autonomia e especificidade inerentes às duas espécies de danosidade em equação» (Ac. do STJ, de 14.09.2010, Ferreira de Almeida, Processo n.º 797/05....).
Reitera-se que cada caso tem as suas particularidades; e a cada vez maior valorização social dos danos infligidos à integridade física e psíquica
Ora, os acórdãos citados pela Ré (L..., Companhia de Seguros y Reaseguros, S.A. - Sucursal em Portugal), nas suas contra-alegações ao recurso subordinado de apelação interposto pelo Autor (Ac. da RC, de 22.01.2019 [26], Ac. da RG, de 18.06.2020 [27], Ac. da RG, de 04.03.2021 [28]  e Ac. da RG, de 21.10.2021 [29]), reportam-se ora a lesados mais velhos que aquele, ora a lesados que viram a consolidação médico-legal das respectivas lesões ocorrer em períodos menores de catorze meses, ora a lesados com um défice permanente nas actividades desportivas e de lazer inferior ao registado por ele.

Considerando tudo o que antes se deixou já dito, crê-se mais ajustada à indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor (AA) a quantia de € 32.500,00, e não a quantia de € 27.500,00 que lhe foi arbitrada para o efeito pelo Tribunal a quo.
Altera-se, por isso, nesta parte a sentença recorrida, elevando-se a indemnização arbitrada pelos danos não patrimoniais, de € 27.500,00 para € 32.500,00 (pela procedência parcial, nesta parte, do recurso de apelação subordinado interposto pelo Autor, e pela improcedência total, nesta parte, do recurso de apelação independente interposto pela Ré).
*
Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela procedência parcial do recurso independente de apelação da Ré (L..., Companhia de Seguros Y Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal) e pela procedência parcial do recurso subordinado de apelação do Autor (AA).
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente improcedente, e parcialmente procedente, o recurso independente de apelação interposto pela Ré (L..., Companhia de Seguros Y Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal), e em julgar parcialmente improcedente, e parcialmente procedente, o recurso subordinado de apelação interposto pelo Autor (AA), e, em consequência, em

· Revogar parcialmente a sentença recorrida, condenando agora a Ré (L..., Companhia de Seguros Y Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal) a pagar ao Autor (AA) a quantia de € 50.000,00, a título de indemnização pelo dano de acréscimo de esforços para o exercício de profissão, acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal (actualmente de 4% ao ano), contados desde a citação até integral e efectivo pagamento.

· Revogar parcialmente a sentença recorrida, condenando agora a Ré (L..., Companhia de Seguros Y Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal) a pagar ao Autor (AA) a quantia de 32.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal (actualmente de 4% ao ano), contados desde o trânsito em julgado desta decisão.
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Custas das apelações por respectivos Recorrente e Recorrido(a), na proporção dos seus decaimentos próprios (art. 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).
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Guimarães, 27 de Abril de 2023.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.

 


[1] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
[2] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[3] Neste mesmo, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume I, 8.ª edição, Almedina, Abril de 2009, pág. 336.
[4] Neste sentido: Ac. do STJ, de 20.05.2010, Lopes do Rego, Processo n.º 103/20...; e Ac. do STJ, de 26.01.2012, João Bernardo, Processo n.º 220/20..., onde se faz uma resenha histórica do surgimento do conceito dano biológico e da sua construção.
[5] Neste sentido: Ac. do STJ, de 10.10.2012, Lopes do Rego, Processo n.º 632/20...; Ac. do STJ, de 16.06.2016, Tomé Gomes, Processo n.º 1364/06.8TBBCL.G1.S2; ou Ac. do STJ, de 08.01.2019, Catarina Serra, Processo n.º 4378/16.....
[6] Para uma maior definição destes vários modos de expressão do dano não patrimonial, veja-se o Ac. da RC, de 26.01.2016, Carlos Moreira, Processo n.º 309/11..... 
[7] No mesmo sentido:
. Ac. STJ de 07.06.2011, Granja da Fonseca, Processo n.º 160/20... - onde se lê  que «a incapacidade funcional, ainda que não impeça o lesado de continuar a trabalhar e ainda que dela não resulte perda de vencimento, reveste a natureza de um dano patrimonial, já que a força de trabalho do homem, porque lhe propicia fonte de rendimentos, é um bem patrimonial, sendo certo que essa incapacidade obriga o lesado a um maior esforço para manter o nível de rendimentos auferidos antes da lesão».
. Ac. do STJ, de 25.09.2017, Maria da Graça Trigo, Processo n.º 2028/12.9TBVCT.G1.S1, onde se lê que se consideram «reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou dano biológico), ainda que esta incapacidade não tenha tido repercussão direta no exercício da profissão habitual. Considera-se ainda que o aumento da penosidade e esforço pode ser atendido nesse mesmo âmbito (danos patrimoniais) - e não apenas no âmbito dos danos não patrimoniais -, desde que seja provado que tal aumento de penosidade e esforço tem como consequência provável a redução da capacidade genérica de obtenção de proventos, no exercício de atividade profissional ou de outras atividades económicas».
[8] Neste sentido, Ac. da RP, de 20.03.2012, M. Pinto dos Santos, Processo n.º 571/10.....
[9] Confirmando a ressarcibilidade do dano biológico, grosso modo nos termos expostos, e para além dos já citados: Ac. do STJ, de 19.05.2009, Fonseca Ramos, Processo n.º 298/06....; Ac. do STJ, de 23.11.2010, Hélder Roque, Processo n.º 456/06....; Ac. do STJ, de 21.03.2013, Salazar Casanova, Processo n.º 565/10....; Ac. do STJ, de 02.12.2013, Garcia Calejo, Processo n.º 1110/07....; Ac. do STJ, de 19.02.2015, Oliveira Vasconcelos, Processo n.º 99/12....; e Ac. do STJ, de 04.06.2015, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 1166/10.....
[10] No mesmo sentido: Ac. da RP, de 06.11.1990, CJ, Tomo V, págs. 185 e 186; ou Ac. do STJ, de 10.05.1994, CJSTJ, Ano II, Tomo II, pág. 86.
[11] No mesmo sentido: Ac. do STJ, de 07.07.2009, Pires da Graça, Processo n.º 205/07....; Ac. do STJ, de 18.03.2010, Santos Carvalho, Processo n.º 1786/02....; Ac. do STJ, de 14.09.2010, Ferreira de Almeida, Processo n.º 797/05....; Ac. do STJ, de 17.05.2012, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 48/20...; Ac. do STJ, de 07.02.2013, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 3557/07....; Ac. da RP, de 20.03.2012, Manuel Pinto dos Santos, Processo n.º 571/10....; Ac. da RP, de 15.01.2013, Vieira e Cunha, Processo n.º 1949/06....; e Ac. da RG, de 12.01.2012, Manuel Bargado, Processo nº 282/09.....
Com efeito, pondera-se nesse sentido:
. natureza do diploma - tratando-se de uma portaria (mero diploma regulamentar, publicado no exercício de competências administrativas do Governo), hierarquicamente inferior a uma lei ou a um decreto-lei, não os pode revogar, derrogar ou alterar (nomeadamente, restringindo direitos que a lei civil - tal como vem sendo jurisprudencialmente interpretada - confere aos lesados);
. âmbito de aplicação - a portaria tem um âmbito institucional específico de aplicação, relativo à fase pré ou extrajudicial, e às relações internas estabelecidas entre as vítimas e as empresas seguradoras, limitando-se a estabelecer critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente de viação de proposta razoável para indemnização (em ordem a prevenir, e limitar o mais possível, a pura discricionariedade em tal domínio, e a prevenir os litígios). Visa-se, tão só e apenas, o estabelecimento de regras/princípios que visam agilizar a apresentação de propostas razoáveis de indemnização, numa fase pré-judicial.
Compreende-se, por isso, que se afirme que parte «significativa das soluções adoptadas nesta portaria baseia-se em estudos sobre a sinistralidade automóvel do mercado segurador e do Fundo de Garantia Automóvel e na experiência partilhada por este e pelas seguradoras representadas pela Associação Portuguesa de Seguradores, no domínio da regularização de processos de sinistros» (6.º § do Preâmbulo da Portaria).
Mais se compreende que a proposta razoável, e a rapidez da sua apresentação, consubstanciem deveres gerais próprios das empresas de seguros (arts. 36.º e 38.º, ambos do Decreto-Lei n.º 291/07, de 21 de Agosto), e deveres particulares das mesmas na regularização de sinistros que envolvam danos corporais (arts. 37.º e 39.º do último diploma citado). Logo, os números propostos pelas seguradoras (que se impõem às mesmas como valores mínimos) valerão nesse específico quadro de procura de uma solução consensual do litígio.
Compreende-se, por fim, que se defenda que, passando-se para um quadro de resolução judicial de litígio sobre valores, os constantes da Portaria em análise deverão ser objecto de um agravamento de 20%, já que, «apesar dela, não se evitou o litígio nem as despesas, demoras e maçadas inerentes» (conforme Ac. do STJ, de 18.03.2010, Santos Carvalho, Processo n.º 1786/02...., com bold apócrifo);
. a letra da lei - o art. 1.º, n.º 2 desde logo afirma que as disposições constantes da portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos.
Por outro lado, resulta do 4.º § do preâmbulo da Portaria que, o regime que consagra, relativo aos prazos e às regras de proposta razoável, tem em vista facilitar a tarefa «de quem está obrigado a reparar o dano e sujeito a penalizações», retirando-se dessa passagem que o próprio diploma prevê que seja declarada judicialmente a falta de razoabilidade na proposta indemnizatória.
Por fim, do art. 38.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 291/07, de 21 de Agosto, resulta que possa ser considerado manifestamente insuficiente o montante proposto em termos da proposta razoável (caso em que são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial).
Resta apenas acrescentar que, se o facto lesivo de que emerge o dano pretendido indemnizar ocorreu em data anterior à da entrada em vigor da Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio - 27 de Maio de 2008, conforme o seu art. 14º -, nunca a mesma poderá ter aplicação, por força do disposto no art. 12º, nº 1 do C.C. (conforme, Ac. do STJ, de 15.04.2009, Raul Borges, Processo nº 08..., e Ac. da RG, de 12.01.2012, Manuel Bargado, Processo nº 282/09....); e se não tiver sido realizada a avaliação médico-legal do dano corporal, também não será a mesma passível de aplicação, já que a pressupõe (nomeadamente, pela valorização em pontos das sequelas, conforme «Instruções gerais» do «Anexo II – Tabela de avaliação de incapacidades permanentes em direito civil»).
[12] No mesmo sentido: Ac. do STJ, de 15.04.2009, Raul Borges, Processo n.º 08...; Ac. da RC, de 03.12.2008, Fernando Ventura, Processo n.º 33/07....; ou Ac. da RP, de 15.01.2013, Vieira e Cunha, Processo n.º 1949/06.....
[13] Estes critérios têm vindo a ser concretizados segundo duas fórmulas complementares (de modo, nomeadamente, a tomar em consideração o crescimento dos salários ao longo de toda a vida laboral, a acompanhar a inflação, e os ganhos de produtividade e as promoções profissionais), inicialmente adoptadas no Ac. da RC, de 04.04.1995, Silva Graça, CJ, Ano XX, Tomo II, págs. 23-26, e depois muito bem explicadas no Ac. da RC, de 12.02.2011, Pedro Martins, Processo n.º 291/07...., que se enunciam da seguinte forma:

1.ª Fórmula          
C =  (1+i)N -1  x P
(1+i)Nx i
 
em que
C = capital;
P = prestação a pagar no 1º ano;
i = taxa de juro; e
n = o nº. de anos de esperança de vida;

2.ª Fórmula                                         
i = 1 + r - 1,
1 + k
em que:
r = taxa de juro nominal líquida.
k = taxa anual de crescimento de P (inflação + ganhos da produtividade + promoções profissionais).
Isto para que a variável i não seja a taxa de juro nominal líquida da aplicação financeira, mas sim a taxa de juros real líquida.
[14] No mesmo sentido, considerando a esperança média de vida e não a esperança de vida activa: Ac. do STJ, de 31.03.2004, Ferreira Girão, Processo n.º 04...; Ac. do STJ, de 02.12.2008, Salazar Casanova, Processo n.º 07...; ou Ac. do STJ, de 07.02.2013, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 3557/07.....
[16] Os dados da Pordata relativos à esperança média de vida de pessoas nascidas em 2020, com última actualização em 09-08-2022, encontram-se in https://www.pordata.pt/portugal/esperanca+de+vida+a+nascenca+total+e+por+sexo+(base+trienio+a+partir+de+2001)-418-5193.
[17] No mesmo sentido, mas para o particular caso da redução do valor da indemnização em função do benefício resultante do recebimento antecipado, e de forma global, do que se receberia ao longo de um período de tempo, e de forma fraccionada (exigindo a consideração do quadro económico actual e das circunstâncias do caso concreto, que inclusivamente poderão justificar a sua eliminação, ou uma singela taxa de desconto de 1,5%):
. Ac. do STJ, de 25.05.2017, Lopes do Rego, Processo n.º 868/10.... - onde se lê que a «regra ou princípio geral segundo a qual o benefício da antecipação deve descontar-se na indemnização arbitrada pelo dano patrimonial futuro deve ser adequada às circunstâncias do caso concreto, podendo nomeadamente tal benefício ser eliminado ou apagado perante a existência provável de um particular agravamento ou especial onerosidade dos danos patrimoniais futuros expectáveis que importa compensar com recurso a critérios de equidade».
Assim, o «dito benefício nunca poderia actualmente corresponder – perante o quadro económico actual e face às perspectivas razoáveis de rentabilização do montante indemnizatório recebido – aos pretendidos 20% - sendo, quando muito, equitativa e ajustada a redução ao montante do capital a atribuir à autora a título de indemnização pela perda de rendimentos do correspondente a uma taxa na ordem de 1,5%».
. Ac. do STJ, de 12.11.2019, Acácio das Neves, Processo nº468/15.... - onde se propôs uma redução de 10% na contabilização da indemnização por danos futuros de auxílio de uma terceira pessoa.
[18] É, precisamente, mercê desta preocupação que alguma jurisprudência (onde se tem incluído a aqui 2.ª Desembargadora Adjunta), em casos análogos aos dos autos (em que não há perda de capacidade para o exercício da profissão habitual - ou daquela que o será -, mas apenas a exigência de esforços acrescidos para o seu cumprimento), opta pela utilização de critérios objectivos/matemáticos, como uma das referências nos vários elementos em ponderação, nomeadamente para estabelecer o limite máximo da indemnização a arbitrar.
[19] No mesmo sentido: Ac. do STJ, de 20.10.2011, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 428/07....; Ac. do STJ, de 10.10.2012, Lopes do Rego, Processo n.º 632/20...; Ac. do STJ, de 07.05.2014, João Bernardo, Processo n.º 436/11....; Ac. do STJ, de 19.02.2015, Oliveira Vasconcelos, Processo n.º 99/12....; Ac. do STJ, de 04.06.2015, , Processo n.º 1166/10....; Ac. do STJ, de 07.04.2016, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 237/13....; Ac. do STJ, de 14.12.2016, Maria da Graça Trigo, Processo n.º 37/13.0TBMTR.G1.S1; ou Ac. do STJ, de 16.03.2017, Maria da Graça Trigo, Processo n.º 294/07.0TBPCV.C1.S1.
[20] Crê-se ainda que, pese embora com toda a indeterminação que os conturbados tempo actuais impõem, dificilmente se poderá considerar agora uma taxa de juro de remuneração do capital de 3% ao ano e/ou uma taxa de inflação de 1% ao ano.
[21] No sentido da elevação progressiva dos montantes indemnizatórios do dano biológico: Ac. do STJ, de 21.03.2013, Salazar Casanova, Processo n.º 565/10....; Ac. do STJ, de 24.04.2013, Pereira da Silva, Processo n.º 198/06...; ..., de 16.01.2014, Ana de Azeredo Coelho, Processo n.º 9347/11....; Ac. da RG, de 10.04.2014, Ana Cristina Duarte, Processo n.º 320/12....; Ac. do STJ, de 24.11.2014, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 5572/05....; Ac. da RC, de 10.11.2015, Fonte Ramos, Processo n.º 55/12....; Ac. da RP., de 11.10.2016, Rui Moreira, Processo n.º 805/15....; Ac. do STJ, de 03.11.2016, Lopes do Rego, Processo n.º 1971/12....; Ac. da RL, de 22.11.2016, Luís Filipe Pires de Sousa, Processo n.º 1550/13....; ou Ac. da RC, de 14.03.2017, Vítor Amaral, Processo n.º 595/14.....
[22] No sentido do carácter particular de cada caso, Ac. do STJ, de 17.02.2022, Fátima Gomes, Processo n.º 2712/18...., onde se lê que, na «determinação do valor do dano biológico na vertente patrimonial relativa à perda da capacidade de ganho, o recurso à equidade implica a consideração da especificidade de cada caso concreto».
[23] No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 15.04.2009, Raul Borges, Processo n.º 08..., com extensa indicação de outros arrestos.
[24] No mesmo sentido, Ac. da RG, de 30.05.2019, Margarida Sousa, Processo n.º 1760/16...., onde expressamente se lê que, numa «interpretação atualista da lei, para efeito da fixação da compensação com recurso à equidade, merecem ser destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a progressiva melhoria da situação económica individual e global, a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente à União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, sem se esquecer que o contínuo aumento dos prémios de seguro se deve também repercutir no aumento das indemnizações».
[25] Documentando a evolução de valores indemnizatórios por dano morte, Ac. do STJ, de 10.07.2008, Fonseca Ramos, Processo n.º 08..., Ac. do STJ, de 13.09.2012, Lopes do Rego, Processo n.º 1026/07...., Ac. do STJ, de 31.01.2012, Nuno Cameira, Processo n.º 875/05...., Ac. do STJ, de 30.04.2015, Salazar Casanova, Processo n.º 1380/13...., Ac. do STJ, de 18.06.2015, Fernanda Isabel Pereira, Processo nº 2567/09...., e, mais recentemente, Ac. do STJ, de 08.06.2021, Maria João Vaz Tomé, Processo n.º 2261/17.....
Particularizando as indemnização por dano morte mais elevadas e actuais: de € 80.000,00, ATCAS, de 24.09.2020, Ana Celeste Carvalho, Processo n.º 38/10....; de € 85.000,00, Ac. da RP, de 17.06.2021, Filipe Caroço, Processo n.º 137/19.... e Ac. da RP, de 24.02.2022, Judite Pires, Processo n.º 2374/20....; de € 90.000,00, Ac. da RE, de, 24.09.2020, Albertina Pedroso, Processo n.º 3710/18.... e Ac. da RP, de 27.04.2021, Rodrigues Pires, Processo n.º 1123/19....; de € 100.000,00, Ac. do STJ, de 21.03.2019, Maria da Graça Trigo, Processo n.º 20121/16.... e Ac. do STJ, de 11.02.2021, Abrantes Geraldes, Processo n.º 625/18....; e de € 120.000,00, Ac. do STJ, de 22.02.2018, Manuel Braz, Processo n.º 33/12.... e Ac. da RL, de 16.11.2021, Agostinho Torres, Processo n.º 48/18.....
[26] O Ac. da RC, de 22.01.2019, arbitrou uma indemnização por danos não patrimoniais de € 20.000,00, ponderando a seguinte factualidade: «No que respeita ao dano moral, provando-se que a A. ficou curada em cerca de 400 dias, sendo de 35 dias o período de défice funcional temporário total, que a mesma sofreu um quantum doloris médio de grau 4/7 e dano estético de grau médio-baixo de 2/7, além do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável de 7 pontos, bem como repercussão permanente nas actividades de lazer de grau médio de 4/7, ponderando tais elementos, o disposto nos arts. 496º, nº 4, 1ª parte, e 494º do CC, sem esquecer o disposto no art. 8º, nº 3, do CC (que aponta para o julgador levar em conta o paralelismo de casos análogos, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito), considera-se justo e équo a indemnização» referida.
[27] O Ac. da RG, de 18.06.2020, arbitrou uma indemnização por danos não patrimoniais de € 25.000,00, ponderando a seguinte factualidade:  - «lesada com 32 anos que foi vítima de um acidente quando se encontrava de férias em Portugal, o qual implicou a necessidade de realização de exames e cirurgia, tendo ficado afetada numa perna com uma incapacidade de 9 pontos, que lhe condiciona o caminhar, agachar, sentar e levantar, sofreu um quantum doloris de 5 numa escala de 1 a 7, esteve condicionada a uma cama durante 4 meses, ficou em situação de incapacidade funcional durante 366 dias, período durante o qual deixou de poder realizar as suas actividades pessoais e domésticas, tendo de socorrer-se do auxílio de terceiro inclusivamente para se lavar e vestir, continua a ter necessidade de tratamentos no futuro, continua a ter dores, ficou abatida e frustrada por não poder desempenhar as suas actividades e acompanhar os seus filhos, situação que afetou o seu seio familiar»».
[28] O Ac. da RG, de 04.03.2021, arbitrou uma indemnização por danos não patrimoniais de € 17.500,00, ponderando a seguinte factualidade: «lesado de 27 anos e saudável, que, em virtude do acidente, esteve em repouso 56 dias com impossibilidade absoluta de trabalho, foi sujeito a uma cirurgia, teve um quantum doloris de 4/7, ficou com um dano estético de 3/7, uma repercussão na actividade desportiva de 2/7, um défice funcional de 6%».
[29] O Ac. da RG, de 21.10.2021, arbitrou uma indemnização por danos não patrimoniais de € 22.000,00, ponderando a seguinte factualidade:  «o lesado que tinha 21 anos de idade» «sofreu fractura distal do úmero esquerdo; teve 8 dias de internamento hospitalar, durante os quais foi submetido a uma intervenção cirúrgica; realizou tratamentos durante cerca de 6 meses e meio; sofreu um défice funcional temporário total de 9 dias; sofreu um período de défice funcional temporário parcial de 88 dias; sofreu um período de repercussão temporária na actividade profissional total de 286 dias; sofreu um quantum doloris de grau 4; sofre dano estético permanente de grau 3; sofre de repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 2; teve dores físicas intensas, tanto no momento do acidente, como no decurso dos tratamentos; as sequelas de que ficou a padecer definitivamente, continuam a provocar-lhe incómodo e mal-estar, que o vão acompanhar durante toda a vida».