Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
697/14.4GAVNF.G1
Relator: LUÍS COIMBRA
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
INDEMNIZAÇÃO À VÍTIMA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I) No caso da prática de crime de violência doméstica, a lei impõe o arbitramento de indemnização à vítima, presumindo a existência de particulares exigências da sua protecção, só assim não sendo quando a ele se oponha a vítima expressamente.
II) Se o tribunal a quo não conhecer do arbitramento de indemnização à ofendida, como sucede, in casu, mesmo que inexista pedido de indemnização enxertado nos autos, a sentença proferida enferma da nulidade de omissão de pronúncia, prevista no artº 379º, nº 1, c), do CPP.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

1. No âmbito presentes autos de Processo Comum (Singular), em que é arguido José s. (devidamente identificado nos autos), após realização da audiência de julgamento foi proferida sentença (constante de fls. 299 a 322) onde se decidiu nos seguintes termos (transcrição parcial):

“IV. - Decisão
Pelo exposto, (…) decido:
(…)
C) Condenar o arguido JOSÉ S. pela prática, como autor material e na forma consumada, na pessoa da ofendida Maria C., de um crime violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
D) Suspendo, pelo período de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses, a execução da pena de prisão aplicada nos termos da alínea que antecede, ao abrigo do disposto nos artigos 50.º, n.ºs 1 e 5, 51.º, n.º 1, al. c), 53.º e 54.º, todos do Código Penal, e artigo 494.º do Código de Processo Penal, subordinada ao cumprimento pelo arguido das seguintes condições cumulativas:
1. De um regime de prova assente num plano de reinserção social (que deve conter os objetivos de ressocialização a atingir pelo condenado, as atividades que este deve desenvolver, o respetivo faseamento e as medidas de apoio e vigilância a adotar pelos serviços de reinserção social) a elaborar pela DGRS e a ser homologado pelo Tribunal (com especial incidência para a consciencialização dos deveres do arguido perante a lei e seja motivador do arguido a manter-se afastado da prática do mesmo tipo de crime ou de outros), executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, pelos serviços de reinserção social;
2. - Proceder ao pagamento da quantia de € 500 (quinhentos euros) aos Bombeiros Voluntários de Vila Nova de Famalicão, o qual deverá ser entregue em prestações de 50,00€ em tal instituição, pelo período de 10 meses, comprovando documentalmente e mensalmente nos autos esse pagamento.
E) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (três unidades de conta), nos termos do artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao mesmo.
F) Declarar cessada, após trânsito, qualquer medida de coação imposta ao arguido, à exceção do termo de identidade e residência que só se extinguirá com a extinção da pena (artigo 214.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal).
*
Notifique e deposite (artigo 372.º, n.º 5 do Código de Processo Penal).
Após trânsito em julgado desta sentença:
a) remeta o competente boletim à Direcção de Serviços de Identificação Criminal - vide artigo 5.º, n.º 1, al. a) da Lei n.º 57/1998, de 18 de Agosto;
b) solicite à DGRS a elaboração de plano de reinserção social, ouvido o condenado, com o âmbito supra referido, para tal remetendo cópia da sentença e demais pertinentes elementos constantes no processo (artigos 53.º e 54.º do Código Penal e artigo 494.º do Código de Processo Penal);
c) após junção pela DGRS do peticionado relatório, com cópia do mesmo, dê conhecimento ao Ministério Público e ao(à) arguido(a) para, querendo, sobre o mesmo se pronunciar, no prazo de 5 (cinco) dias, sendo certo que ao silêncio se dará o valor de aceitação – cfr. artigo 54.º, n.º 2 do Código Penal;
d) a DGRS deverá acompanhar e fiscalizar o cumprimento pelo arguido(a) condenado(a) da(s) condição(ões) supra fixada(s), podendo fazer várias inspeções surpresa (caso julgue necessário) para controlo presencial, informando o Tribunal acerca dessas inspeções (caso ocorram) e de eventuais vicissitudes que eventualmente ocorram no decurso do período da suspensão da execução da pena de prisão em que o(a) arguido(a) foi condenado(a) – cfr. artigos 51.º, n.º 4, 52.º, n.º 4 e 53.º, n.º 2, todos do Código Penal.
e) dê cumprimento ao artigo 37.º, 1 da Lei n.º 112/2009, de 16/09, no sentido da presente decisão ser comunicada, sem dados nominativos, ao organismo da Administração Pública responsável pela área da cidadania e da igualdade de género, bem como à Direcção-Geral da Administração Interna, para efeitos de registo e tratamento de dados.
(…).”
2. Inconformada pelo facto de não lhe ter sido arbitrada qualquer indemnização, a vítima/assistente Maria C. interpôs recurso (constante de fls. 328 a 338, correio electrónico – o original consta a fls. 340 a 345), extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“1. A assistente, na presente motivação de recurso, insurge-se quanto ao facto do tribunal recorrido não ter arbitrado, na douta sentença proferida, uma indemnização a si, enquanto vítima, nos termos impostos no art. 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro.
2. Nos presentes autos, a assistente não deduziu pedido de indemnização civil mas expressamente declarou, como vimos, nos termos e para os efeitos previstos no art. 21.º da Lei n.º 112/2209, que não se opunha ao arbitramento da indemnização aí prevista.
3. Nos termos das normas supra citadas, impunha-se ao tribunal a quo conhecer do arbitramento de indemnização à assistente, o que não fez, deixando, portanto, de se pronunciar sobre questão que devia ter apreciado.
4. E assim, a sentença enferma da nulidade de omissão de pronúncia, prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c) do Cód. Proc. Penal.
5. Nulidade essa que, para todos os efeitos legais, aqui expressamente se invoca.
6. A declaração de nulidade da sentença importa a sua revogação e prolação de nova sentença que sane o vício, depois de reaberta a audiência para assegurar o contraditório, e produção de prova, se tal vier a ser necessário.
7. E, mesmo que seja doutamente entendido que não há, na douta sentença recorrida, nulidade por omissão de pronúncia (como supra exposto), sempre aquela padece de vício por manifesta violação da lei aplicável.
8. Ao determinar a aplicação deste regime em qualquer caso, apenas se ressalvando os casos de oposição expressa por parte da vítima, o legislador afastou o pressuposto previsto na parte final do n.º 1 do artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, quando esteja em causa uma vítima de violência doméstica.
9. Assim, o Tribunal, salvo oposição expressa da vítima, deverá sempre arbitrar uma quantia a título de reparação, ainda que não se verifiquem no caso particulares exigências de proteção.
10. Na verdade, perscrutando a matéria considerada provada dúvidas não existem de que o arguido praticou por ação factos voluntários, já que era passível de controlo por parte do mesmo, sendo antijurídicos ou contrários ao direito, porque violadores de direitos individuais de outrem e, assim, ilícitos.
11. Ora, uma vez que o arguido podia e devia ter agido de outra forma, a sua conduta é ético-juridicamente censurável e, assim, culposa, tendo atuado com dolo direto, tendo a sua conduta causado, face aos anos em causa e as várias ofensas e bens jurídicos atingidos, de forma grave, danos de natureza não patrimonial suficientemente graves para justificarem a fixação de uma compensação (cfr. art. 496.° do Cód. Civil).
12. Perante estes elementos, num juízo equitativo, o Tribunal deverá julgar a quantia que considerada ajustada.
13. Quantia essa que, no entender da assistente, não deverá ser inferior a € 5.000,00.
14. Foi violado o disposto no art. 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro.
15. Foi desrespeitado, na sentença recorrida, o entendimento dominante expresso na jurisprudência e constante, entre outros, dos seguintes acórdãos: - Acordão do Tribunal da Relação do Porto de 16/10/2013, Proc. n.º 670/11.4PDVNG.P1, in www.dgsi.pt; Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/01/2014, Proc. n.º 73/12.3PBCBR.C1, in www.dgsi.pt; Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28/05/2014, Proc. n.º 232/12.9GEACB.C1, in www.dgsi.pt; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 02/07/2014, Proc. n.º 245/13.3PBFIG.C1, in www.dgsi.pt; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29/04/2015, Proc. n.º 27/13.2GCLMG.C1, in www.dgsi.pt.
Nestes termos, e nos mais de direito aplicável, deve ser proferido, aliás douto, acórdão que, acolhendo as conclusões aqui plasmadas, revogue a douta sentença recorrida.”

3. O recurso foi admitido por despacho de fls. 346.
4. O magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância, a fls. 350 a 354, respondeu ao recurso, concluindo no sentido da respectiva improcedência e manutenção da sentença recorrida.
5. O arguido (a fls. 357 a 352 – fax, o original consta a fls. 363 a 368) respondeu ao recurso concluindo, igualmente, no sentido de que o mesmo deve ser julgado improcedente.
6. Nesta Relação, a Exma Procuradora-Geral Adjunta (a fls. 375 a 377) - não sem antes manifestar expressamente o entendimento “que a sentença é nula, nos termos do art. 379°, n.º 1, al. a), do CPP, em virtude de não conter todas as menções impostas pelo art. 374º nº 2, do mesmo Código, ou seja, os factos que resultaram da discussão da causa relevantes para o cálculo da indemnização a arbitrar oficiosamente à assistente (art. 368°, n.º 2, al. f), do CPP). Acresce que, conforme alega a recorrente, o arguido tem de ser notificado da possibilidade de ser obrigado a reparar a vítima, a fim de ser assegurado o contraditório (art. 82º- A do CPP)” - emitiu parecer no sentido de que “o recurso merece provimento”.
7. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, o arguido respondeu mantendo, no essencial, a posição que já havia veiculado na resposta que havia apresentado.
8. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
No caso vertente, e vistas as conclusões do recurso, a questão a decidir consiste em saber se a sentença é nula pelo facto do tribunal não ter arbitrado uma indemnização à assistente/vítima/recorrente na sequência da condenação do arguido pelo cometido (na pessoa daquela) crime de violência doméstica.

Desde já adiantando a nossa posição, consideramos assistir razão à recorrente e à Exma PGA.
É certo que, a dado passo da sentença, antes do respectivo dispositivo, o tribunal “a quo” fez constar o seguinte:
“5. Avaliação da necessidade de fixação oficiosa de indemnização a favor da vítima
A Lei n.º 61/1991, de 13 de Agosto, refere no seu artigo 14.º (Adiantamento da indemnização), que “Lei especial regulará o adiantamento pelo Estado da indemnização devida às mulheres vítimas de crimes de violência, suas condições e pressupostos, em conformidade com a Resolução n.º 31/77, e as Recomendações n.os 2/80 e 15/84 do Conselho da Europa.
Por seu turno, a Lei n.º 104/2009, de 14 de Setembro, aprovou o regime aplicável ao adiantamento pelo Estado das indemnizações devidas às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica. Nos termos do artigo 21.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro (que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro), à vítima é sempre reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma indemnização e tem sempre aplicação o disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, excepto nos casos a que a vítima expressamente se opuser.
Dispõe o artigo 82.º-A, do Código de Processo Penal, que:
1 - Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.
2 - No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.
3 - A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.”.
No caso concreto, a vítima não deduziu pedido de indemnização civil, mas em sede de audiência de julgamento declarou não se opor a que lhe fosse arbitrada tal indemnização.
Porém, não se vislumbra estar preenchido o pressuposto legal de particulares exigências de protecção da vítima o imponham, pelo que não se mostra necessário arbitrar oficiosamente qualquer indemnização.”

Apreciemos, pois, a questão suscitada.
A recorrente vem fundar a sua discordância em relação ao enveredado entendimento de que não se mostrava necessário o arbitramento oficioso de qualquer indemnização, concluindo que nessa medida a sentença é nula nos termos do artigo 379º nº 1 al. a) do CPP.
E essa posição surge sufragada pela Exma Procuradora-Geral Adjunta junto desta Relação, tal como resulta bem vincado no parecer que emitiu.
Assiste razão ao recorrente.
Vejamos, porquê, seguindo de perto o Acórdão da Relação de Lisboa de 16.09.2015 (Processo nº 67/14.4S2LSB.L1-3, Relatora Margarida Ramos de Almeida) acessível in www.dgsi.pt, o qual perante questão muito similar, disse o seguinte (transcreveremos algumas das sua passagens):
A Lei n.º 112/2009, de 16/9, que instituiu o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das vítimas destes crimes, estabelece no seu art. 21º o direito da vítima à indemnização, nos seguintes termos:
1 - À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnizaçãopor parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável.
2 - Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.
iii. Por seu turno, o art. 82º-A do C.P. Penal, determina o seguinte, no que se reporta à reparação da vítima em determinados casos:
1 – Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.
iv. O que decorre da mera leitura dos normativos acima transcritos é, segundo nos parece, a um tempo simples e taxativo:
a. A lei, por princípio, não prevê o arbitramento indemnizatório, isto é, para que possa haver lugar a determinação de uma indemnização, necessário se mostra que tenha oportunamente sido formulado pedido cível enxertado, pelo lesado.
b. Não obstante, essa regra comporta excepções.
- Desde logo, a prevista no nº1 do artº 82-A do C.P. Penal, de carácter genérico (isto é, potencialmente aplicável às vítimas de qualquer tipo de crime), sendo apenas requisito da sua aplicabilidade a existência de particulares exigências de protecção da vítima.
- Por seu turno, o disposto no artº 21 da Lei nº 112/09, vai um pouco mais além na excepção à regra geral acima referida, pois não se limita a facultar ao julgador a possibilidade de arbitrar uma indemnização, antes lhe impondo que o faça, excepto quando a vítima do crime expressamente a tal se opuser.
v. Efectivamente, o advérbio sempre que o legislador fez constar no nº2 do citado artº 21 (há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal) permite apenas e tão-somente um único entendimento – o de que a lei impõe que seja arbitrada indemnização (isto é, não se mostra necessária a formulação de pedido cível enxertado) a todas as vítimas que se mostrem abrangidas pela dita Lei nº112/09, o que, como decorre do seu nº1, serão todos os ofendidos pela prática de crime de violência doméstica (Artigo 1.º: Objecto. A presente lei estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à protecção e à assistência das suas vítimas.).
vi. Na verdade, sempre é SEMPRE – este advérbio é inequívoco. E, independentemente das razões que levaram o legislador a perfilhar esta solução jurídica (presume-se que terá entendido que todas as vítimas deste tipo de crimes se encontram numa situação de especial vulnerabilidade), a verdade é que as mesmas serão indiferentes para efeitos de aplicação do dispositivo legal, uma vez que compete ao julgador (quer concorde quer discorde das razões de política legislativa que levaram o legislador a optar por uma determinada solução jurídica) interpretar e aplicar a lei, não fazê-la.
No caso, salvo o devido respeito, cremos que a única interpretação possível é a acabada de enunciar, face aos termos em que a norma se mostra redigida (neste sentido, aliás, se pronunciaram já algumas decisões das Relações, nomeadamente, Ac. TRL de 15 de Abril de 2015, proc. nº 303/13.4PPLSB.L1, da 3ª secção, relatora Drª Ana Paramés – aqui Juíza-adjunta; bem como Ac. TRC de 28-05-2014, proc. 232/12.9GEACB.C1 e Ac. TRC de Coimbra de 02.07.2014, proc. 245/13.3PBFIG.C1).
4. Concluímos assim que no caso de condenação por crime de violência doméstica há sempre que arbitrar uma indemnização à vítima, excepto se esta expressamente se tiver oposto a tal.”
E no mesmo sentido de que deve ser sempre fixada uma indemnização, para além dos acórdãos citados no acórdão a que vemos fazendo referência, podem ver-se, entre outros, ainda o acórdão do TRC de 02/07/2014 (Proc 245/13.3PBFIG.C1) e o acórdão do TRE de 21.04.2015 (Proc. 65/11.0GEALR.E1), ambos acessíveis através do site www.dgsi.pt.
Também nesse sentido se pronuncia Paulo Pinto de Albuquerque, in ”Comentário do Código de Processo Penal”, 4ª edição, Universidade Católica, pág. 245, quando ai refere que “O direito à indemnização previsto no artigo 21º , n.º 2, da Lei n.º 112/2009, de 16.9, prejudica as regras do artigo 82.º-A do CPP, uma vez que consagra uma indemnização oficiosa “obrigatória “, mesmo no caso de não dedução do pedido de indemnização por culpa, negligência ou desinteresse da vítima ou de não existência das ‘’particulares’’ exigências de protecção da vítima que imponham a reparação oficiosa. As únicas condições da reparação oficiosa da vítima são a prova de danos causados à vítima, a condenação do arguido pelo crime imputado e ti mio oposição da vítima à reparação. “
Ora, no caso dos autos, o arguido foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.°, n.°s 1, al. a) e 2 do Código Penal, cometido sobre a pessoa da vítima/assistente/recorrente Maria C., na pena 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e subordinada ao cumprimento das condições fixadas no dispositivo da sentença e já supra transcritas.
Em lado algum dos autos resulta que a recorrente/vítima se tivesse oposto ao arbitramento de tal indemnização.
Antes, e muito pelo contrário, resulta bem expresso da acta da audiência de julgamento (aquando da sua segunda sessão ocorrida no dia 06.10.2015), pela voz do seu mandatário (e mandatário da outra assistente Sandra C. que segundo a acusação também fora vítima de crime de violência doméstica alegadamente também cometido pelo arguido, mas em relação ao qual o arguido veio a ser absolvido) que “As assistentes, nos termos e para os efeitos previstos no art. 21.º da Lei 112/2009, vêm expressamente declarar que não se opõem ao arbitramento da indemnização aí prevista.
Assim, e tal como referido no já mencionado Acórdão da Relação de Lisboa de 16.09.2015, a sentença teria de se pronunciar sobre a indemnização a atribuir à vítima, sendo que no dispositivo daquela sindicada peça processual nada é dito quanto ao arbitramento ou não arbitramento da fixação de indemnização à vítima. Efectivamente, embora na fundamentação, o tribunal “a quo” tenha superficialmente exposto as suas razões para entender que não deveria haver lugar a tal arbitramento, a verdade é que em sede de dispositivo nada fez constar a tal propósito, como lhe competia fazer, por ser questão sobre a qual se teria de pronunciar.
Decorre do nº 1, al. c), do art. 379º do C.P.P. que é nula a sentença “quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar …”.
Ora, perante tal legal cominação, face ao que se deixa dito, facilmente se conclui que o tribunal “a quo” não se pronunciou sobre uma questão que a lei impõe que conheça e decida (o que implica, obviamente, a sua inclusão na parte dispositiva da sentença).
E tal como é dito no acórdão da que vimos fazendo alusão, “o que daqui decorre é a nulidade da sentença nessa parte – isto é, no segmento relativo ao arbitramento de indemnização cível à vítima - pelo que os autos terão de regressar ao tribunal “a quo” para suprimento de tal vício, através da reformulação da sentença proferida, nesta parte (sem prejuízo de, caso tal se mostre necessário, poder haver previamente lugar a produção de prova relacionada com esta matéria).”
E face ao que também estabelece o nº 2 do artigo 82º-A do CPP, necessário se torna, antes de arbitrar a indemnização, que “seja assegurado o respeito pelo contraditório”.
Assim, e em resumo, cometido que foi o crime de violência doméstica, a lei impõe o arbitramento de indemnização à vítima, presumindo a existência de particulares exigências da sua protecção, só assim não sendo quando a ele se oponha a vítima expressamente. (neste sentido, cfr. ainda o Acórdão da Relação de Coimbra de 02.07.2014 (Proc nº 245/13.3PBFIG.C1) e da Relação de Évora de 21.04.2015 (Proc. 65/11.0GEALR.E1) ambos acessíveis in www.dgsi.pt.
Nos autos, tal como já supra deixámos bem expresso, a vítima/recorrente não deduziu pedido de indemnização civil, e deles não consta qualquer declaração de vontade sua, no sentido de se opor ao seu arbitramento oficioso. Antes, e pelo contrário, declarou não se opor a esse arbitramento oficioso; ou seja, mostrou-se receptiva a que fosse fixado.
Nos termos das normas supra citadas, impunha-se ao tribunal a quo conhecer do arbitramento de indemnização à ofendida, o que não fez, deixando, portanto, de se pronunciar sobre questão que devia ter apreciado. E assim, a sentença enferma da nulidade de omissão de pronúncia, prevista no art. 379º, nº 1, c) do C. Processo Penal (neste sentido, cfr. ainda o Ac. da Relação de Coimbra de 28 de Maio de 2014, proc. nº 232/12.9GEACB.C1, in www.dgsi.pt).
A declaração de nulidade da sentença importa a sua revogação e prolação de nova sentença que sane o vício, depois de reaberta a audiência para assegurar o contraditório a que alude o nº 2 do artigo 82º-A do CPP, e produção de prova, se tal vier a ser necessário.
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III. DISPOSITIVO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em, concedendo provimento ao recurso, declarar nula a sentença recorrida e, em consequência, determinam a sua substituição por outra sentença que supra a apontada nulidade, nos termos sobreditos.
Sem tributação.
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Guimarães, 7 de Março de 2016


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(Luís Coimbra)

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(Maria Manuela Paupério)