Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4805/16.2T8GMR.G2
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: CONTRATO PROMESSA
CONTRATO DE MÚTUO
CLÁUSULA PENAL
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Não se verifica a nulidade invocada e prevista no artigo 615 n.º 1 al. d) do CPC porque não está em causa uma questão relacionada com a ou causas de pedir e pedidos, mas antes uma nulidade secundária, não arguida tempestivamente, ficando sanada.

2. O contrato em discussão nos autos é de promessa e não de mútuo, porque dele resulta um compromisso de constituição de um contrato desportivo em que a autora iria participar em 49% do capital social, tendo adiantado 50.000€ para o efeito.

3. Considerou-se que a ativação da cláusula penal não traduz o exercício abusivo de um direito porque não fere o sentimento geral da comunidade jurídica.

4. O TRG manteve as respostas aos pontos de facto impugnados por considerar que correspondem à prova produzida em audiência de julgamento.

5. Da matéria de facto provada resulta que a ré não ilidiu a presunção de culpa no incumprimento do contrato.

6. A cláusula penal não é manifestamente excessiva, assemelhando-se à restituição em dobro do sinal, prevista no artigo 442 n.º 2 do C.Civil.

7. O tribunal condenou os réus nos juros moratórios e não convencionais, pelo que são devidos nos termos conjugados dos artigos 805 n.º 1 e 559 n. º1 do C.Civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães

X SPORTS, Sociedade Unipessoal Limitada, instaurou a presente ação declarativa comum de condenação contra:

1.Futebol Clube Y;
2- E. A.;
E pediu a condenação dos RR a pagarem-lhe a quantia de:

a) 53.310,96 €, (sendo 810,96 euros referentes a juros vencidos entre a data da entrega do capital e a data da sua restituição à autora) acrescida ainda dos juros de mora contados sobre a quantia de 50.000,00 €, referidos a cláusula penal, desde o dia 7 de Julho de 2016 até efetivo e integral pagamento, e os juros de mora contados sobre a quantia de 2.500,00 €, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, e
b) o montante a liquidar no respetivo incidente, relativo aos prejuízos sofridos pela Autora em consequência da não participação e detenção de 49% do capital social da sociedade anónima desportiva, designadamente decorrentes dos proveitos que resultariam para a Autora dessa mesma participação, quer em termos de distribuição de resultados, quer na valorização dessa sua participação.

Invocou, em síntese, que autora e ré acordaram na constituição de sociedade desportiva.

Que nesse acordo a autora entregou logo 50.000,00 euros como parte da sua participação futura fixada em 100.000,00€. O restante seria a entregar no ato de constituição da escritura.

Que foi fixada cláusula penal para o incumprimento no valor equivalente à entrega tendo a ré já restituído os 50.000,00 euros.

Que teve prejuízos de 2.500,00 euros e terá prejuízos futuros que devem ser ressarcidos pela ré.

Que a ré foi constituir a sociedade com terceiros.

Funda a demanda contra o segundo réu na prestação de fiança.

A ré contestou invocando que a autora se apresentou no clube como querendo ajudar financeiramente o mesmo e que um empresário da construção civil, emigrado no Luxemburgo, estaria interessado em investir no futebol através da autora.

Em maio de 2016 a autora, através dos seus interlocutores com a primeira ré, declarou que o tal empresário já não estava interessado em investir no clube.

E, através dos seus interlocutores, propôs um patrocínio à ré no valor de 120.000 euros dos quais 20.000,00 euros seriam “comissões”.

E um dos interlocutores propôs ainda procurar um investidor francês na ordem dos 1 ou 2 milhões de euros, com repartição de «comissões».

A autora, com estas propostas de «comissões», incorreu perante a ré em ofensa aos bons costumes, excecionando o abuso de direito

A ré verificou que a autora tem um capital social de 5.000,00 euros o que a seu ver é manifestamente insuficiente, assumindo assim que foi quebrada a confiança entre as partes, tendo devolvido, por tal razão, à autora, os 50.000,00 euros que recebera desta.

O segundo réu, por seu turno, vem invocar que o acordo dos autos constitui um mútuo nulo por falta de forma, que esta nulidade afeta a fiança que também é nula; que a cláusula penal é excessiva, reiterando o abuso de direito.

Foi proferido saneador sentença que julgou a ação parcialmente procedente.

O réu interpôs recurso para o TRG, que dando acolhimento à pretensão do recorrente, revogou a decisão proferida e ordenou o prosseguimento dos autos com vista ao apuramento da matéria alegada pelos réus configurada como matéria de exceção.

O autor requereu aclaração do acórdão, que não foi apreciada por falta do pagamento da competente taxa de justiça.

Volvidos os autos à primeira instância foi selecionada a matéria de facto, realizada a audiência final, com observância do formalismo legal que lhe é próprio.

Foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:

“Julgo a ação parcialmente procedente por provada e consequentemente condeno os RR no pagamento solidário à autora da quantia de 50.000,00 euros acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até efetivo pagamento.
Do mais vão os RR absolvidos.
Custas por A e RR na proporção do decaimento”.

Inconformados com o decidido os RR. interpuseram recurso de apelação formulando as seguintes conclusões:

- A sentença recorrida é nula, pois o tribunal a quo não se pronunciou sobre questões que devia apreciar (cfr. artigo 615º, 1, d) CPC).
– Desde logo, no caso concreto, o clube 1º Réu requereu na Contestação, apresentada em 03-10-2016, a fls. 36 V, ponto C, a notificação da Autora para juntar aos autos as Declarações fiscais de IRC e IES, relativas aos anos de 2015 e 2016, para prova dos factos alegados no seu articulado nos artigos 8º, 29º a 31º, 33º, 42º a 47º.
- Apesar de notificada para juntar tais documentos aos autos – e apenas em 26-02-2018 (cfr. folhas 239) - a Autora só os apresentou no processo após os Réus pedirem a sua condenação em multa pela falta e a inversão do ónus da prova (cfr. requerimento de folhas 242 V).
- Tais documentos, sendo as prestações de contas ou as “contas oficiais” da Autora, apresentadas à Autoridade Tributária (ao Estado), na perspetiva dos recorrentes, demonstram a falta de capacidade financeira da Autora para executar o Memorando de fls. 10, alegada pelos recorrentes como causa para a não concretização da parceria entre as partes e a consequente quebra de confiança que tal situação causou ao 1º Réu.
– Tais Declarações de IRS e IES da Autora, relativas aos anos de 2015 e 2016 só foram entregues na Autoridade Tributária em Março de 2018, isto é, após o início do presente julgamento, e após a prestação do depoimento de parte do legal representante da Autora.
- Fácil é concluir que, desde a sua constituição em Agosto de 2015 (cfr. fls. 57V e 58) e até Março de 2018, a sociedade Autora/ora recorrida vivia em clandestinidade ou secretismo fiscal, isto é, não existia fiscalmente, não apresentava contas nem movimentos ao Estado, a terceiros; vivia numa situação irregular.
- A sociedade Autora “não existia fiscalmente” e essa clandestinidade fiscal era o motivo pelo qual a Autora não pretendia concretizar o Memorando de fls.10, andando de reuniões em reuniões, com interlocutores e outros sujeitos que apareciam não se sabe de onde e com que propósitos e que gerou uma enorme falta de confiança na Autora.
- Tendo o Memorando de fls. 10 sido assinado em 8 de Março de 2016 (cfr. factos provados A) já a Autora estava em falta para com as suas obrigações fiscais perante o Estado e assim continuou até Março de 2018.
- Foi intenção óbvia da Autora não juntar as declarações fiscais aos autos, só o fez após intimada para o efeito, temendo a inversão do ónus da prova, conforme pedido dos RR. A Autora escondeu as prestações de contas dos RR e queria esconde-las do tribunal. Este comportamento da Autora não foi sequer apreciado pelo tribunal a quo e merece censura por isso.
10º - Da análise de tais declarações fiscais identificadas a fls 244 a 302, resulta que a Autora, constituída apenas em Agosto de 2015, não tem visivelmente qualquer atividade de algum significado desde a sua constituição, tendo o volume de negócios em 2015 sido nulo e em 2016 de apenas € 16.500,00, não sendo possível identificar o tipo de serviços prestados.
11ª - Da leitura das IES retira-se que a Autora possuía somente um trabalhador ao seu serviço em 2016, com remunerações e encargos pagos nesse ano de, apenas, € 7.420,00. Por sua vez, do Balanço resulta que a Autora apenas terá efetuado neste período (2015/2016) como facto patrimonial relevante, a obtenção de um empréstimo de € 40.000,00.
12ª - De tais documentos resulta ainda que, em 31 de Dezembro de 2016, o rácio de autonomia financeira da Autora era de apenas 15,6%. Ora, este Balanço e estas “Contas”, associada à falta de história da Autora, não são de molde a, só por si, dar conforto a compromissos relevantes de natureza financeira a assumir pela própria, nomeadamente àqueles a que se obrigou pelo referido “Memorando” de fls.10.
13ª - É assim notória em 2015/2016 a debilidade financeira da Autora e a consequente falta de capacidade financeira para concretizar a parceria com o 1º Réu, como este alegou na Contestação de fls. 30 e na carta de fls. 40.
14º - Como também o 1º Réu alegou na Contestação (cfr. artigos 8º, 31º, 42º a 47º) a não concretização da parceria entre a Autora e o 1º Réu ficou a dever-se à (1) falta de capacidade financeira da Autora e à (2) consequente quebra de confiança que tal situação causou.
15ª - Aliás, ainda antes da instauração da presente ação judicial, através da carta que o 1º Réu enviou à Autora (cfr. fls. 40) o 1º Réu já tinha dado a conhecer à Autora que o denominado “Memorando de Entendimento” de fls.10 não foi concretizado por única e exclusiva responsabilidade da Autora, invocando-se igualmente a falta de capacidade financeira da Autora e a consequente quebra de confiança que tal situação causou.
16ª - Incumbe ao 1º Réu a prova dos factos alegados nos artigos 26 a 48 da contestação, que aqui se reproduzem, pelo que os documentos apresentados nos autos pela Autora (em 06-04-2018 – ou seja, após o inicio do julgamento – cfr. fls. 244 a 302 ) são assim elementos de prova essenciais para a descoberta da verdade, pois a análise do teor dos mesmos permitiriam ao tribunal, além do mais, aferir se a Autora tinha ou não capacidade financeira para concretizar a parceria com o 1º Réu, facto que a este incumbe provar de modo a ilidir a presunção de culpa, tal como defende nos autos esta Relação de Guimarães no acórdão de fls. 175.
17º - Até porque o legal representante da Autora, em sede de depoimento, pronunciou-se, a instâncias da Sra. juiz a quo, sobre os negócios da sociedade autora e que não coincidem com as prestações de contas dos citados documentos fiscais referenciados a fls. 244 a 302 – cfr. declarações transcritas em anexo e sobretudo no corpo destas Alegações.
18ª - A prestação de contas identificadas no requerimento de fls. 244 a 302 não refletem minimamente as declarações por este prestadas, pelo contrário, nos anos a que se refere, 2015, 2016 e 2017, não regista fiscalmente qualquer movimento, daí a necessidade destas serem apuradas, conforme perícia requerida nos autos pelos RR a fls. 306 a 311, que permanece sem resposta.
19ª - Até pela posição irrelevante e singela que a Autora tomou quanto ao pedido da perícia (cfr. fls. 313), os mesmos obrigavam a uma análise detalhada e mais técnica que escapava ao tribunal. Tratam-se de documentos que são, nada mais nada menos, as “contas oficiais” da sociedade Autora, apresentadas perante as Finanças/Autoridade Tributária, que abrangem IES e IRC, cuja análise obriga sempre a conhecimentos técnicos mais especializados.
20º - Como não foi apresentada qualquer justificação pela Autora, não se entende a razão pela qual tais “contas”, sendo referentes a 2015 e 2016 só tenham sido apresentadas pela Autora nas Finanças/Autoridade Tributária em Março de 2018, após o início do julgamento nestes autos e após o depoimento de parte do legal representante da Autora.
21º - Por isso, justificava-se, face à junção tardia de tais documentos pela Autora (que só a ela se fica a dever) a produção de prova nos termos do disposto no artigo 445º e seguintes do CPC, nomeadamente a realização da perícia requerida a fls. 306 a 311, que permitisse esclarecer o tribunal se, considerando as “contas” tardiamente apresentadas pela Autora, esta tinha capacidade financeira para executar o citado Memorando de Entendimento entre as partes. O tribunal a quo violou assim o disposto nos artigos 444º e 445º do CPC.
22º - No caso, considerando a divergência das partes quanto à invocada falta de capacidade financeira para executar o Memorando em causa; considerando o teor do depoimento de parte do legal representante da Autora, em contradição com o teor das declarações fiscais; considerando que os factos alegados pelo 1º Réu, nos artigos 26 a 48 da contestação, traduzem-se numa exceção perentória, na medida em que a provarem-se justificam a recusa de cumprimento do contrato por parte do 1º réu, isto é, ilidem a presunção de culpa que sobre si impende; considerando que as Declarações de IRC e IES da Autora, relativas aos anos de 2015 e 2016 só foram apesentadas na Autoridade Tributária em Março de 2018, no decurso do julgamento, e entregues nos autos em 6 de Abril de 2018, e que a análise das mesmas necessita de conhecimentos científicos ou técnicos especiais, justificava-se o deferimento da perícia requerida pelo recorrente a fls. 306 a 311.
23ª - Não obstante o pedido da recorrente para a realização da perícia de fls. 306 a 311, o tribunal a quo, pura e simplesmente, nada disse, nem se pronuncia sobre tal pedido na sentença recorrida.
24º - Forçoso é concluir, pois, que tendo a juiz a quo omitido a pronúncia acerca do pedido de realização de perícia formulado pelo réu a fls. 306 a 311 violou o seu dever de pronúncia sobre uma questão que foi suscitada tempestiva e devidamente articulada.
25ª - A não ser assim, estaríamos perante uma flagrante denegação de justiça numa clara omissão de pronúncia absoluta acerca de uma questão com relevância para o desfecho dos autos, beneficiando ilegítima e ilegalmente a parte contra quem é deduzida a questão, no caso a Autora.
26ª – A sentença recorrida violou também o disposto no artigo 607º do CPC, pois olhada a fundamentação da sentença em recurso, vemos que a mesma é totalmente omissa - seja no elenco de factos provados, seja no dos não provados, bem como na motivação/análise crítica da prova - quanto ao pedido de realização da perícia requerida.
27ª - Nada se diz na motivação da decisão de facto, designadamente a razão por que não considerou relevante ou relevante a realização da perícia requerida, sendo que, no tocante à factualidade sujeita a julgamento, o julgador terá de ponderar e valorar todos os factos alegados e os meios de prova requeridos, dando nota de qual a relevância atribuída a cada um deles, quais os motivos, do “porquê” de ter julgado os factos num ou noutro sentido (análise crítica da prova).
28ª - Verifica-se que, no caso, a convicção do Tribunal se reduz a nada, pois que se fica pela mera indicação dos factos provados e pela conclusão, sem se explicarem as razões pelas quais o pedido de perícia da recorrente não foi atendido.
29ª - O momento da fundamentação é, pode dizer-se, o momento mais crucial do julgamento, pois deve evidenciar, para todos os efeitos, as razões que alicerçam a decisão, tomando-a transparente e reveladora da imparcialidade e independência de quem julga.
Por isso, uma sentença não fundamentada é o mesmo que uma sentença caprichosa, pois é segredo para os outros e apenas está (estará) fundamentada na mente do seu autor.
30ª - O tribunal a quo devia explicar os motivos de não ter atendido à realização da perícia pedida pela recorrente, pois incumbe-lhe lançar mão de todos os meios ao seu alcance para procurar assegurar a verdade. O pedido de perícia dos RR não é extemporâneo, pois os réus só tiveram conhecimento dos documentos de fls. 244 a 302 quando eles foram apresentados no decorrer do julgamento, e após muita insistência.
31ª - Mas mais que nula, tal sentença está afetada nesta parte de inconstitucionalidade, violando o artigo 20º da CRP e, porque nada fundamenta, viola também (como o exige) o artº 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, cujo princípio entronca naquele mais geral que é o direito de defesa previsto no artº 32º, nº 1, com a força jurídica estabelecida no artº 18º e cujo conhecimento se impõe ao Tribunal de recurso, ao abrigo do artº 204º do mesmo diploma.
32º - O acordo constante no denominado “Memorando de Entendimento”, de fls 10, celebrado entre Autora e 1º Réu, deve ser considerado como um contrato de mútuo, ao contrário do entendimento constante na sentença recorrida, tal como definido nos termos da noção legal do art. 1142.º do Código Civil.
33º - O mútuo resulta da confissão expressa da Autora no artigo 37º da PI, onde alega que: “a participação da Autora na sociedade desportiva seria valorizada, permitindo, inclusive, o recebimento de dividendos a curto prazo e até, se assim o pretendesse, a venda dessa participação com manifestos lucros”.
34ª - A entrega a título de empréstimo e a obrigação de restituição são pois os elementos essenciais do contrato de mútuo nos termos da definição legal do artº 1142º do Código Civil. Estes elementos constam expressamente do citado Memorando de Entendimento de fls. 10, tal como, nomeadamente, se alcança do acordado nas cláusulas terceira, quarta e quinta e como é confessado pela Autora no artigo 37º da PI.
35ª - A quantia de 100.000,00 (cem mil euros) correspondia pois ao empréstimo da Autora ao 1º Réu e a obrigação de restituição deste seria através da subscrição, por parte daquela, de 49% do valor total do capital social da futura sociedade anónima desportiva, podendo a Autora optar pela venda dessa participação e receber dividendos.
36ª - Estatui o artigo 1143º do Código Civil, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de Julho, que o contrato de mútuo de valor superior a € 25 000 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado (…).
37ª - Não tendo o denominado “Memorando de Entendimento” de fls. 10 sido celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado é nulo por vício de forma, nos termos exigidos pelo art. 1143º já citado, nulidade que é de conhecimento oficioso.
38ª- Consequentemente, é nula a fiança prestada pelo 2º Réu, também recorrente, pois que não foi prestada pela forma exigida para a obrigação principal, faltando-lhe, como se disse, a escritura pública ou o termo de autenticação exigido por lei ao tempo da celebração do contrato.
39º - Não tendo assim decidido, a sentença recorrida fez uma errada interpretação do disposto nos artigos 1142º, 1143º (na redação dada pelo decreto lei 116/2008 de 4 de julho), 289º, 1, 410º, 799º, 405º e 406º, todos do Código Civil.

SEM PRESCINDIR:

Se assim não se entender, o que não se concede, mas que apenas por hipótese de trabalho se acautela, sempre acresce dizer o seguinte:
40º - O “Memorando de Entendimento” de fls. 10 é um documento atípico, não previsto na lei, que se destinou a registar intenções dos seus subscritores, tem um conteúdo que não passa de um compromisso de proceder a uma determinada parceria ou projeto desportivo nele identificado, mas não mais que isso.
41º - Trata-se de uma declaração negocial, em que os subscritores se obrigariam a obrigações de meios, comprometendo-se a determinadas atuações tendentes a concretizar a citada parceria.
42º - Ao contrário do entendimento consagrado na sentença recorrida, o texto não comporta pois uma obrigação da natureza invocada pela Autora.
43ª - Neste contexto, a cláusula penal acionada pela Autora nos presentes autos não pode deixar de ser considerado o exercício de um abuso de direito (cfr. artº 334º do CC), excedendo a Autora, manifestamente, os limites impostos pelo fim social ou económico do direito invocado.
44ª - A Autora não agiu com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte, nem teve uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correção e probidade a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contraparte e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar.
45º - O instituto do abuso do direito, bem como os princípios da boa-fé e da lealdade negocial, são meios de que, os tribunais, devem lançar mão para obtemperar a situações em que alguém, a coberto da invocação duma norma tuteladora dos seus direitos, ou do exercício da ação, o faz de uma maneira que - objetivamente - e atenta a especificidade do caso, conduz a um resultado que viola o sentimento de Justiça, prevalecente na comunidade, que, por isso, repudia tal procedimento, que apenas formalmente respeita ao direito, mas que, em concreto, o atraiçoa.
46ª – Dos factos provados, é notória e evidente que a Autora, observando embora a estrutura formal do poder que a lei e o denominado Memorando de Entendimento lhe confere, excedeu manifestamente os limites que lhe cumpre observar, em função dos interesses que legitimam a concessão desse poder. Atuando com abuso de direito, nenhum montante é devido à Autora.
47ª - Não tendo assim decidido, a sentença recorrida fez uma errada interpretação do disposto no artigo 334º do Código Civil.
48ª – De qualquer modo, na nossa modesta opinião, a sentença recorrida enferma de erro, pois atendendo à prova documental junta aos autos e, bem assim, à prova testemunhal produzida, o Tribunal a quo devia ter dado como provados os factos constantes dos temas de prova referidos nos artigos 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 40º, 41º, 42º, 43º, 45º, da contestação, por referencia ao mesmo número da contestação. O Tribunal a quo respondeu negativamente a estes factos, deu-os como não provados, quando, a nosso ver, face à prova testemunhal ouvida e documental, a resposta devia ser positiva.
49ª - O tribunal a quo descurou, injustificadamente, as declarações de parte do réu E. A., transcritas na totalidade em anexo às presentes alegações, atestado com Declaração de Honra prestado pelo autor da transcrição, destacando-se as passagens acima referidas no corpo destas alegações.
50ª - Na verdade este inovador meio de prova, dirige-se, às situações de facto em que apenas tenham tido intervenção as próprias partes (como foi o caso), ou relativamente às quais as partes tenham tido uma perceção direta privilegiada em que são reduzidas as possibilidades de produção de prova (documental, testemunhal ou pericial), em virtude de terem ocorrido na presença circunscrita das partes. E, sujeitá-las a arrolar testemunhas sem conhecimento direto, que apenas reproduzam o que teriam ouvido dizer ou que expressem a sua opinião, tem reduzido interesse e muito limitado valor processual.
51ª - Atualmente é comumente aceite que as declarações de qualquer uma das partes, proferidas em depoimento de parte, ainda que não sejam suscetíveis de levarem à confissão, não impedem o Tribunal de se socorrer das mesmas para melhor esclarecer e apurar a verdade dos factos, estando sujeitas à livre apreciação do julgador, ao abrigo do disposto no artigo 361º do C.C., conjugadas com os demais meios probatórios.
52ª - No caso, as declarações de parte do Réu foram espontaneamente contextualizadas e coerentes, quer em termos temporais, espaciais e emocionais. Desde logo, o réu esteve presente nos preliminares, na celebração e na execução do Memorando de fls. 10.
53ª - Além do mais, tais declarações estão credenciadas por outros meios de prova, nomeadamente:

- O teor do documento de fls. 56;
- e designadamente pelas declarações (contraditórias) sobre os mesmos factos, prestadas pelo legal representante da Autora e pelas testemunhas William, P. C. e Paulo, e que, apesar de indiretamente, demonstram a veracidade das declarações de parte do 2º réu, conforme resulta das passagens acima transcritas no corpo destas alegações, sem prejuízo da análise da totalidade das declarações transcritas em anexo (cujo teor aqui se dá por reproduzido), devidamente autenticadas:
54ª - Dos depoimentos transcritos é evidente a confusão sobre quem realmente são os sujeitos titulares da sociedade Autora, o que mina qualquer confiança na execução de qualquer contrato e do Memorando de fls. 10 em especial.
55ª – Com efeito, o José, único sócio formal da Autora ou o William, que no e-mail de fls. 56 é referido como não fazendo parte formalmente da Autora, mas que “fará a curto prazo”, como ali se lê.
56ª - É notório o incómodo e a atrapalhação da testemunha William quando confrontado com o doc. de fls 56, pois tanto diz que iria fazer parte da sociedade Autora, como apenas estava ali para ajudar o clube réu; aliás, os atos e comportamentos da testemunha William vão em sentido contrário ao por ele declarado: a busca de patrocínios da Imobiliária A para o clube réu; a apresentação da autora ao clube réu para nele investir; as reuniões constantes com os réus e o José, não são condizentes com uma mera “ajuda” ao clube réu, sobretudo quando o filho da testemunha tinha sido dispensado do clube réu.
57ª - Mas se dúvidas houvessem, atente-se na carta da Autora de fls. 55v, na qual confessa a “parceria” entre José e William, apesar deste tentar nega-la em sede de declarações.
58ª - Mas as contradições são também notórias e evidentes com as declarações prestadas pela testemunha P. C. – citado P. C. – cfr. depoimento prestado no dia 26-02-2018, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com o seu início pelas 12h12m: 35s e o seu termo pelas 12h49m:12s.
59ª - Dos depoimentos transcritos em anexo e das passagens das mesmas nestas alegações, do José e do P. C. resultam flagrantes contradições quanto à intervenção do P. C. no negócio em causa. Note-se que o José afirma que chamou o P. C. como conselheiro financeiro e até para fazer uma parceria com o Banco B, para até financiar o negócio:
00:16:27 - Magistrada Judicial
Portanto, a sua intenção, se necessário fosse, seria financiar-se junto, na banca e no Banco B? Portanto, foi enquanto funcio(sic)?
00:16:35 - Magistrada Judicial
Enquanto parceiro?
00:16:39 - José
Se necessário.
60ª - Tal é negado pelo P. C. que se limita a dizer que queria apenas “ajudar”, mais nada, não viu contas da sociedade autora nem do clube réu, desconhecia a realidade de um e outro, levantando muitas dúvidas que tipo de aconselhamento financeiro se pode dar sem conhecer a realidade e as contas dos outorgantes do Memorando em causa.
00:23:14 – Advogado
Como é que estavam as contas do Futebol Clube Y?
00:23:16 – P. C.
Desconhecia.
00:23:18 – P. C.
Desconhecia. Tive várias conversas com o Sr. José no sentido do que eu acho que devia ser um clube, do que eu acho como é que devia ser gerido um clube, várias conversas com o Sr. José. Depois dessa primeira reunião, fiquei com uma perceção que a vontade não estava... a vontade não estava muito de acordo com aquilo que estaria escrito e que estaria... por isso mesmo é que se gerou esta situação.
00:26:32 – Advogado
Sim, mas estamos a falar de uma sociedade, é uma sociedade. Foi constituída em 2015 com um capital social de 5 mil euros, e queria investir 100 mil euros numa SAD? Seria isso? Sabia que a empresa tinha um capital social de 5 mil euros?
00:26:43 – P. C.
Não sei sobre isso.
00:28:09 – P. C.
Mais nada. Foi uma intervenção só no sentido de ajuda e mais nada.
61ª – Mas as declarações do P. C. sobre a participação ou intervenção da testemunha Paulo (cfr. transcrições e as passagens nestas alegações), não encontram suporte em mais nenhuma outra declaração, nomeadamente do próprio Paulo, cuja versão dos factos não mereceu qualquer “acolhimento” do tribunal a quo – cfr. sentença recorrida – pois como ali se disse “pessoas de trabalho não acompanham amigos a reuniões, muito menos sem saber o assunto, saindo sem perceber o assunto, sobretudo quando as reuniões versam assuntos ligados ao futebol, constituição de SADs e se procuram investidores para uma nova fase do clube – subida de escalão – sempre sem olvidar que a testemunha Paulo havia sido dirigente de futebol do Futebol Clube W, era pessoa abastada por ter sido afortunado com o prémio da lotaria.”
62ª - O episódio ou o modo como apareceu esta testemunha Paulo é revelador da confusão de sujeitos que surgiam diante dos réus na execução do Memorando de fls. 10 e que só podiam ter levado à sua não concretização, por única culpa da autora.
63ª - É a testemunha P. C. quem conduz a testemunha Paulo ao encontro do presidente do clube 1º réu; leva-o como um “trunfo” para seduzir os réus, pois é sabido e está dado como assente que o Paulo é um afortunado com o Euromilhões ou lotaria, pessoa endinheirada, com capacidade financeira acima da média e homem ligado ao futebol.
64ª - Como se disse na contestação do 1º réu, ora recorrente, face aos sucessivos acontecimentos depois da assinatura do Memorando de fls. 10, às circunstâncias supra expostas, em que apareciam novas individualidades (William; P. C.; Paulo) sistematicamente e não se sabia de onde e com que propósitos reais, usando o nome da sociedade Autora ou como pertencentes à mesma e à parceria ou projeto com o 1º Réu, sem esclarecerem quem eram, afinal, as pessoas que a representavam, a que titulo o faziam e com que propósitos, o clube 1º Réu não teve alternativa a não ser comunicar à Autora a falta de condições mínimas por levar por diante a parceria pretendida, transmitindo-lhe que o denominado Memorando de Entendimento de fls. 10 não podia ser concretizado por manifesta culpa da Autora – cfr. doc. de folhas 40.
65ª - As transcrições dos depoimentos das testemunhas e das partes, em anexo, justificam a recusa de cumprimento do contrato por parte do 1º réu, isto é, ilidem a presunção de culpa que sobre si impende. Sobretudo porque o Memorando de fls. 10 era um acordo duradouro, o que implica muita confiança entre os intervenientes no momento da sua celebração e execução.
66ª – Pelas declarações do 2º réu, pelo José, pelas testemunhas William, P. C. e Paulo, a Autora não agiu com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte, nem teve uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correção e probidade a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contraparte e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar.
67º - Pelas declarações das partes e das testemunhas, todas transcritas, os recorrentes não se conformam com o decidido na sentença recorrida, pois os meios de prova e os dados recolhidos ainda que alguns de forma indireta corroboram a versão dos Réus, ora recorrentes, podendo e devendo assim ser valoradas as declarações de parte do réu, atenta a espontaneidade, simplicidade, sinceridade e coerência com que foram prestadas.
68ª - Aliás, a matéria factual constante no artigo 45º devia ter sido dada por provada, com base na carta de fls. 40, que o 1º réu enviou à Autora e que esta confessou tê-la recebido a fls. 55V.
69ª - O tribunal a quo não teve pois em consideração as contradições e as divergências dos depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência, acima transcritos. Em suma, foi assim cometido pelo tribunal a quo erro na apreciação das provas, sendo por isso de alterar a factualidade respeitante à matéria dos artigos 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 40º, 41º, 42º, 43º, 45º (neste caso particular cfr. as cartas de fls. 40 e 55) dos temas de prova, por referência aos mesmos artigos da contestação do 1º réu.
70ª - Ainda assim, os factos dados como provados (na sequencia da audiência de julgamento) nos artigos 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 38º, 39º, 44º da Contestação (temas de prova) traduzem-se numa exceção perentória, na medida em que, tendo o tribunal a quo dado como provados, justificam a recusa de cumprimento do contrato por parte do 1º réu, isto é, ilidem a presunção de culpa que sobre si impende.
71ª - Na verdade, se se entender que, conforme Acórdão desta Relação de Guimarães de fls. 175, estamos perante um contrato-promessa que envolve a constituição de um contrato de sociedade, duradouro por natureza, tal implica muita confiança entre os intervenientes no momento da sua celebração e execução.
72ª - Os factos provados nos artigos 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 38º, 39º, 44º da Contestação permite-nos concluir pela inexistência da tal “muita confiança” que devia existir neste acordo e que não existiu por culpa exclusiva da Autora, o que levou os RR a não celebrar tal contrato.
73ª - Desde logo, no documento de fls. 56, surge a necessidade de “clarificar” a representação da Autora, o que significa que algo não estava esclarecido entre as partes, como bem demonstra a frase inicial desse e-mail enviado pelo ilustre mandatário da Autora: “No sentido de clarificar toda esta situação relacionada com a constituição da sociedade anónima desportiva…”
74ª- Depois, em tal documento de fls. 56, é confessado que, apesar de resultar da certidão comercial permanente da Autora (fls. 57v e 58), que esta é “detida exclusivamente por José” (…) “apenas faz parte da sociedade e deste projeto, tal como é do V/ conhecimento pessoal, William, apesar de não fazer parte formalmente da sociedade, mas que o fará a curto prazo, atendendo à posição que detém na mesma”.
75ª - Ora, a identificação dos sujeitos que representam uma sociedade comercial é o princípio que deve nortear qualquer relação contratual. A falta de identificação dos seus representantes mina qualquer confiança que deve existir. No caso, é referido no e-mail de fls. 56 que o William não faz parte formalmente da Autora mas que fará a curto prazo, dado que detém uma posição na mesma. Mas que posição é essa?
76ª – É legitima e justificada a recusa do 1º réu em cumprir o contrato prometido com a Autora, que tem um sócio identificado (José) e um terceiro (William) que detém uma posição informal na mesma sociedade, sem a Autora esclarecer esta posição, deixando a dúvida no ar;
77ª - Dos factos dados como provados nos artigos 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 38º, 39º, 44º da Contestação, o William aparece sempre nas reuniões com o sócio da Autora José, leva inclusive outra pessoa para as reuniões (P. C. – cfr. artigo 28º e 29º) e no artigo 38º é dado como provado que o William toma a iniciativa de agendar reunião com os RR para falar de patrocínios e publicidade.
78ª - Dos factos provados, é notória que a presença e as iniciativas do William neste acordo não é a de um mero observador, pelo contrário, denota interesse direto na parceria, só não se descortina qual é esse interesse e qual a posição que tem na Autora, omitindo esse facto aos RR.
79ª – Essa desconfiança é confirmada pela testemunha William, em sede de julgamento, quando afirma que não tinha interesse nenhum na parceria, e que a sua intervenção era apenas “para ajudar”, quando na carta de fls. 55v, a Autora confessa a parceria do José e William e o interesse deste na concretização do Memorando de fls. 10.
80ª- Mas a confiança que devia prevalecer entre os outorgantes do acordo em causa fica também ela destruída pois a Autora vivia em clandestinidade fiscal, pois as Declarações de IRS e IES da Autora, relativas aos anos de 2015 e 2016 só foram apresentadas na Autoridade Tributária em Março de 2018, isto é, após o início do presente julgamento, reproduzindo-se aqui tudo aquilo que se disse em I em sede de Alegações.
81ª - É legitima e justificada a recusa do 1º réu (clube de futebol, instituição de utilidade publica (cfr. folhas 37 v) em cumprir o contrato prometido com a Autora, que não tem as declarações fiscais dos anos da celebração do acordo, apresentadas ao Estado, e só o vai fazer em Março de 2018, quando é surpreendida pela Ré e notificada pelo tribunal para as apresentar.
82ª - A inexistência de tais declarações fiscais relativas ao ano da celebração do acordo (2016) e ano antecedente (2015) são elemento fundamental para saber se a Autora possuía capacidade financeira estável e duradoura, como sabia que tinha que ter para abraçar este projeto, tal como ficou provado no artigo 31º dos temas de prova/contestação.
83ª - A sentença recorrida fez pois uma errada interpretação do disposto nos artigos 236º, n.º 1 e artigo 237º do CC, na medida em que “os princípios que, em face do Direito Civil português, permitem detetar a presença de um facto gerador de confiança podem ser induzidos das regras referentes às declarações de vontade, com relevância para a normalidade – artigo 236º, n.º 1 – e o equilíbrio – artigo 237º. Significa isto que o “quantum” relevante de credibilidade para integrar uma previsão de confiança por parte do “factum proprium” é, assim, função do necessário para convencer uma pessoa normal, colocada na posição do confiante e razoável, tendo em conta o esforço realizado pelo mesmo confiante na obtenção do fator a que se entrega. Assim se obtém o enquadramento objetivo da situação da confiança” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Março de 1999, Colectânea de Jurisprudência, Ano VII, Tomo I, página 154.
84º - No caso, a clandestinidade fiscal da sociedade Autora, e a presença constante das testemunhas ouvidas William; P. C. e Paulo, sem saber ao certo das suas funções e interesse na Autora, minou a confiança dos intervenientes no momento da celebração e da execução do acordo.
85ª - A este propósito, atente-se nos “desabafos” da Meritíssima Juiz a quo teve no decurso da audiência, quando disse, em resposta ao legal representante da Autora, o seguinte:
00:08:40 - Magistrada Judicial
Porque é que aparece aqui nestes acontecimentos, aparece sempre o William, o William, o William, porque é que aparece? Porque tinha interesse? Havia algum interesse financeiro, da parte deste William, ou era só para lhe fazer companhia, era seu segurança, era o seu motorista, era?
00:13:00 - Magistrada Judicial
Nunca foi abordado pelo Sr. E. A. acerca destes senhores, destes “Paulos” andarem por lá?
00:13:06 - José
A mim não.
00:13:10 - Magistrada Judicial
Nem o William teve reuniões sem o Sr. estar presente?
00:13:32 - Magistrada Judicial
E o William pretendia fazer parte desta sociedade?
00:13:34 - José
Da sociedade não.
86ª - No caso, após a assinatura do Memorando de fls. 10 surgiram comportamentos e atitudes dos representantes da Autora que minaram a confiança que devia existir na relação contratual. Acreditaram também na boa-fé, que a Autora tinha a sua situação fiscal regularizada, pois o acordo efetuado a isso obrigava, nunca lhe ocorrendo que estavam em incumprimento fiscal pela falta de participação das suas “contas” ao Estado, através da entrega das declarações de IRC e IES.
87ª - Ainda que assim não se entenda, o que não se concede, mas apenas por hipótese de trabalho se acautela, sempre se diz que a cláusula penal de € 50.000,00 é manifestamente excessiva, devia ser reduzida pelo tribunal, nos termos fixados pelo artigo 812º do CC, evitando que aquela se transforme numa pena manifestamente excessiva ou injustificada.
88ª - É evidentemente manifesta a desproporção substancial, patente e evidente, entre o dano causado e a pena estipulada. Desde logo, os restantes pedidos da Autora improcederam, nomeadamente o que respeita aos alegados prejuízos sofridos pela não concretização da parceria com o 1º Réu (função indemnizatória), sendo que o valor da cláusula penal reclamado, dentro da normalidade conceptual da figura, transcende o dos “danos contratuais positivos”, reportado, no presente caso, ao seu momento genético.
89ª - O tribunal a quo descurou a intervenção moderadora prevista nos termos do artigo 812º do CC., que tem em vista controlar o montante quando este fere de forma clamorosa o sentimento de justiça e equidade, pode e deve socorrer-se dos elementos disponíveis.
90ª - Na decisão recorrida desatende-se ao pedido de redução do montante da cláusula penal apenas com o argumento de que:

1º - a ré é um clube de futebol;
2º - Violou deliberadamente o acordo a que se obrigou.
91ª - Com o devido respeito, esta argumentação não colhe. Primeiro, porque a sentença recorrida ignorou a situação económica e social do 1º réu, apesar de alegada nos artigos 9º a 18º da contestação e não impugnada, sendo um clube de futebol modesto, de fraca dimensão, andou sempre pelos escalões secundários, sem receitas ou proveitos como sucede nos escalões principais, nomeadamente na primeira divisão nacional, com receitas provenientes de altos patrocínios e das transmissões televisivas, que praticamente cobrem as despesas dos clubes. Se fosse um clube de grande dimensão, teria capitais próprios e certamente não andaria atrás de liquidez ou investidores, como foi dado como provado nos artigos 29º e 31º dos temas de prova.
92ª - Depois, a tribunal a quo ignorou por completo os argumentos deduzidos pelos RR para não levar por diante a parceria que resultaria do Memorando, constante na carta de fls. 40. Não se trata propriamente de violar deliberadamente o acordo em causa, pois o clube apresentou as causas explicativas ou justificativas do alegado não cumprimento, através de factos concretos e expressos na carta de fls. 40 que no seu entendimento impediam-no de prosseguir com aquele acordo. Portando, o réu prestou explicações à autora.
93ª - Pelo exposto, o valor da clausula penal foi estipulada em termos irrazoáveis, abusiva, porque contrário à boa-fé, por exigir o cumprimento integral de uma pena que as circunstâncias presentes mostram ser manifestamente excessiva, em termo de ofender a equidade.
94ª - Além do mais, o montante de 50 mil euros a titulo de cláusula penal é excessivamente desproporcional em relação ao dano e aos objetivos tidos em vista com a cláusula, considerando até que o pedido indemnizatório da Autora quanto aos danos alegados pela não concretização do acordo foi julgado improcedente e que o réu devolveu os 50 mil euros que lhe tinha sido entregues pela Autora – cfr. fls. 22v.
95ª - Nessa medida a Douta Sentença violou o disposto no artº 812º/2 do CCivil, por errada interpretação da sua previsão, ao entender que o excesso manifesto da cláusula penal consta dessa previsão como requisito de aplicação da norma e, concomitantemente, por indevida omissão de aplicação da sua estatuição, sendo que se impunha decisão diversa, a de aplicar a redução da cláusula penal de acordo com critérios de equidade, o que desde já expressamente se invoca. Nesta parte, a sentença recorrida violou também o disposto no artigo 812º, 405º, 1, 810º, 1 do Código Civil.
96ª - Não há lugar ao pagamento de juros, ao contrário do decidido pela sentença recorrida, pois a única cominação prevista no Memorando de fls. 10 para o incumprimento é a cláusula penal (como se disse excessiva).
97º - Os outorgantes deixaram de fora do Memorando qualquer outra pena para o não cumprimento, nomeadamente o pagamento de eventuais juros. Condenar os RR no pagamento da cláusula penal e em juros não é mais que uma dupla condenação, ofensiva dos princípios basilares de uma decisão justa e equilibrada.

Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida,
Assim se fará, serena, sã e objectiva JUSTIÇA.”

Houve contra-alegações que pugnaram pelo decidido e suscitaram a inadmissibilidade do recurso na vertente do facto porque não foram cumpridos todos os ónus previstos no artigo 640 do CPC, especificamente as partes das transcrições que fundamentam a reversão das respostas impugnadas, das quais não transparece qual a posição da recorrente.

Das conclusões do recurso ressaltam as seguintes questões:

1. Nulidade por omissão de pronúncia sobre elementos de prova requeridos na pendência do processo – artigo 615 n.º 1 al. d) do CPC.
2. Se o acordo celebrado entre a autora e a ré se configura num contrato de mútuo traduzido na entrega da quantia de 50.000€.
3. Se a invocação da cláusula penal se revela no exercício abusivo de um direito.
4. Alteração das respostas negativas para positivas aos pontos de facto 33, 34, 35, 36, 37, 40, 41, 42, 43 e 45 da matéria de facto não provada.
5. Se face à reversão das respostas à matéria de facto controvertida nos termos propostos ou apenas aos pontos de facto 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 38, 39 e 44 da matéria de facto provada leva à justificação para a recusa do cumprimento do acordo por parte da ré.
6. Se a cláusula penal é manifestamente excessiva, devendo ser reduzida nos termos do artigo 812 do C.Civil.
7. Se são devidos juros.

Vamos conhecer das questões enunciadas.

Começamos pela inadmissibilidade do recurso na vertente do facto suscitada nas contra-alegações.

Analisadas as transcrições e o comentário feito pelos apelantes, julgamos que tentam demonstrar que os pontos de facto questionados não foram devidamente julgados, devendo ter uma resposta positiva. Isto está de acordo com o ónus de justificação da alteração da resposta, no sentido proposto, que o artigo 640 do CPC exige nas alíneas b) e c) do n. º1 do referido normativo.

Assim julgamos que se verificam os pressupostos para ser admitido o recurso na vertente do facto.

1. Nulidade por omissão de pronúncia sobre elementos de prova requeridos na pendência do processo – artigo 615 n.º 1 al. d) do CPC.

Os réus ré apelantes suscitam a nulidade da sentença recorrida porque o tribunal não se pronunciou sobre um requerimento a solicitar uma perícia colegial a documentos juntos pela autora a fls. 245 a 301 relativos à informação empresarial e ao IRC, por tratar-se de matéria complexa que o tribunal não estaria preparado para perceber o seu alcance (fls. 306 a 311, de 16/4/2018).

Sobre este requerimento foi proferido um despacho a 1/04/2018 (fls. 312) no sentido de que se aguardasse a diligência em curso (audiência de discussão e julgamento). Esta continuou 10/05/2018, em que foram prestadas declarações de parte do réu E. A., e, no seu final, foi ordenada a abertura de conclusão para ser proferida decisão final, que ocorreu a 17 de maio de 2018, tendo sido notificadas todas as pessoas presentes, em que se inclui o mandatário dos réus.

A omissão de pronúncia fundamento da nulidade prevista no artigo 615 n.º 1 al. d) do CPC diz respeito a questões conexas com a causa ou causas de pedir e pedidos e ainda exceções e não omissão de atos processuais, que se podem traduzir em nulidades secundárias ou meras irregularidades, se não tiverem influência na decisão da causa (artigo 195 do CPC). E terão de ser reclamadas no tribunal que as praticou no prazo de 10 dias após o conhecimento da sua omissão (artigo 196 do CPC, última parte e 199 do CPC).

O mandatário dos réus teve conhecimento da omissão da prática do ato no final da audiência de julgamento quando foi notificado que a audiência tinha terminado e, seguir-se-ia, oportunamente, a decisão final. A partir daí sabia que o tribunal não iria realizar mais diligências probatórias, inclusive a que tinha sido requerida – perícia colegial. Daí que o prazo para reclamar ou arguir a nulidade começou a correr a 10/5/2018. Mas como o mandatário estava presente na audiência de julgamento, era nela que deveria ser arguida a respetiva nulidade nos termos do artigo 199 n.º 1 do CPC. Como não foi, ficou sanada.

Daí que não se verifique a nulidade suscitada pela apelante.

4. Alteração das respostas negativas para positivas aos pontos de facto 33, 34, 35, 36, 37, 40, 41, 42, 43 e 45 da matéria de facto não provada.

A ré/apelante pretende a reversão das respostas negativas para positivas aos pontos de facto impugnados da matéria de facto não provada. E indica, para reapreciação, excertos de depoimentos que transcreveu, como declarações de parte do réu, E. A., do representante legal da autora, José e das testemunhas P. C., Paulo e William.

E, na sua análise crítica, destaca as contradições existentes entre os depoimentos das testemunhas P. C. e William e o depoimento de parte do José, conjugado com as declarações de parte do réu E. A., que não foram valorizadas pelo tribunal recorrido, quando deviam, assim como os documentos juntos a fls. 40 e 56. Tenta sublinhar as declarações de parte do réu E. A. de molde a, só por si, conjugadas com os documentos de fls. 40 e 56, fundamentar a reversão das respostas negativas para positivas, contrariando a posição do tribunal recorrido.

O tribunal fundamentou as respostas negativas na falta de prova ou prova concludente, tendo feito uma análise crítica aos vários depoimentos testemunhais, depoimento de parte do representante da autora e declarações de parte do réu E. A. e concluir pela contraditoriedade dos depoimentos das testemunhas P. C., William e Paulo arroladas pelos réus, relativamente à posição destes e da autora. As declarações de parte do réu E. A. não foram suficientes para convencerem o tribunal a responderem positivamente aos pontos de facto dados como não provados.

Os pontos de facto questionados incidem, essencialmente, sobre as razões da recusa da ré em celebrar o contrato que se comprometera com a autora, no acordo que formalizaram a 8 de março de 2016. E elenca duas razões essenciais – falta de capacidade financeira da autora em suportar o projeto gizado no acordo e na desconfiança gerada pela confusão das pessoas que envolviam a autora, na forma como agiam, não se sabendo se pertenciam à sociedade autora ou não, e no facto de um interveniente influente ter apontado divisão de comissões num processo de angariação de patrocínios e num investidor francês, o que a ré não aceitava como forma de gestão da futura sociedade.

As declarações de parte são um meio de prova que vale por si, como se depreende do disposto no artigo 466 do CPC. É um elemento de prova novo, que foi introduzido pelo legislador, com a reforma do CPC em 2013, com vista a possibilitar a prova de factos cujo conhecimento é exclusivo das partes, ou de grande dificuldade de prova por outros meios. É valorizado, credibilizado pelo princípio da livre apreciação das provas. O tribunal, na análise das declarações, terá de usar da prudência e conhecimentos que tem sobre a realidade das coisas e formar a sua convicção. Não tem que ter outros meios de prova para se decidir pela valoração deste meio de prova, quando não existam. O que terá é que fazer um juízo prudencial adequado às circunstâncias.

As declarações de parte do réu E. A. terão de ser analisadas em confronto com o depoimento de parte do representante da autora José e das testemunhas William, P. C. e Paulo, porque tiveram intervenção nos factos questionados e posições divergentes, e com a sua posição na contestação.

Logo no início das suas declarações destacou que o “Memorando de Entendimento” foi outorgado porque lhes foi prometido que havia um investidor estrangeiro – Luxemburguês – interessado em investir no Futebol Clube Y. Foi uma condição que não passou para o papel porque estava de boa fé, confiou no William. Este documento foi elaborado pelas partes, assessoradas por advogados, em que tudo foi discutido, ponto por ponto. Tudo o que foi considerado essencial foi escrito. E vejamos que a autora, para assegurar o investimento que iria fazer, exigiu fiador e uma cláusula penal. E sobre a fiança, segundo afirmou o declarante, foram apontados três fiadores, o que considerou um exagero, e tentou negociar que não houvesse nenhum fiador. O certo é que a autora não aceitou e o declarante acabou por intervir, pessoalmente, como fiador.

Se o investidor estrangeiro fosse essencial para a outorga do contrato julgamos que o advogado da ré teria exigido que ficasse a constar do documento, como condição essencial para a execução do contrato, isto é, a outorga do contrato desportivo – SAD. Não lhe passaria este pormenor face à natureza do contrato, ao montante envolvido – 100.000€ - e à cláusula penal. Se o acordo foi discutido ao pormenor, como transpareceu das declarações do réu, este pormenor não passaria ao lado, porque estamos perante um profissional do foro, que sabe que as cláusulas negociais essenciais, que não fazem parte do documento, não são consideradas – artigo 221 e 222 do C.Civil.

E depois temos o depoimento de parte do José, em representação da autora, que negou que tivesse sido falado num investidor Luxemburguês aquando das negociações do Memorando de Entendimento. Posição idêntica tomada por William, amigo e compadre do José, ex-jogador de futebol e treinador, que assessorava o José na escolha de algum jogador. E caso o projeto fosse avante poderia vir a participar na parte desportiva e o apresentou ao segundo réu, vindo a ser arrolado como testemunha comum da autora e da ré.

Por outro lado, não é crível que o declarante, face aos conhecimentos de gestão financeira de empresas que possui, antes de assinar o documento, não se inteirasse da situação económica e financeira da autora. Tinha a obrigação de saber que estava perante uma sociedade unipessoal, bastando-lhe consultar o registo comercial e verificar o pacto social e a sua atividade. Não é crível que apenas se tenha apercebido que o capital social era apenas de 5.000€ depois da transferência do montante de 50.000€ para a conta da ré, no cumprimento do acordo. E, mesmo assim, é estranho que não pusesse em causa, logo nesse momento, a sua incapacidade financeira para suportar as despesas inerentes a uma equipa de futebol profissional da 2ª liga, como era aspiração do Futebol Clube Y.

As reuniões sucederam-se sem que nada fosse colocado em causa. Aquando da visita de pessoas ligadas à Imobiliária A para efeitos de patrocínio publicitário, por iniciativa do William, é estranho que o declarante, após a conversa que disse ter tido com aquele, antes do almoço, num restaurante, sobre a forma de pedir 120.000€, sendo 20.000€ para comissões a distribuir, tenha ido ao almoço e, por causa disto, não tenha acompanhado a comitiva às instalações do Futebol Clube Y. A resposta que deu ao mandatário da autora, que o instou sobre este ponto, “todos almoçamos” não é convincente.

Temos o depoimento do William, que, sobre este ponto, negou que tivesse falado ao declarante, 2º réu, no sentido de que os 20.000€ seriam para distribuir em comissões. Mais do que isso, referiu, com convicção, que a visita foi de estudo, análise das pessoas envolvidas e estruturas do Clube. Foi um primeiro passo para a abertura de negociações futuras, e aí falar-se em montantes, o que julgamos que se enquadra com as regras da experiência.

E que está em consonância com o depoimento de parte do José, que esteve presente e que vai neste sentido.

Quanto ao controverso encontro do William e o E. A., no hospital de Guimarães, em que aquele disse que foi lá a pedido do E. A. para ajudar o pai, que estava lá numa maca e este afirmou que foi o William que lhe telefonou por questões de negócios. O certo é que se encontraram. O E. A. disse que lhe perguntou se a X SPORT tinha capacidade financeira para suportar o Clube de Futebol Clube Y e ele confessou-lhe que não, mas arranjava um investidor francês para injetar um ou dois milhões, com divisão de comissões e que resolveria o assunto. Conversa que foi negada, perentoriamente pelo William.

Muito se discutiu, ao longo do julgamento sobre o interesse que o William e o P. C. tinham na X SPORT ou na futura SAD a constituir, no sentido de se descredibilizar os seus depoimentos e como elementos perturbadores das negociações para a organização da SAD.

Dos depoimentos prestados, julgamos que o William era um consultor do José, no plano desportivo, que poderia vir a fazer parte da SAD, no plano desportivo, se esta viesse a concretizar-se. Quanto ao P. C., julgamos que o se papel se cingia à consultadoria no plano de gestão financeira na organização do plano de formação da SAD. Era como um consultor financeiro do José, e nada mais. Daí que estas pessoas, em si, não representavam qualquer confusão na gestão do projeto de constituição da SAD, em que todos colaboravam. A intervenção do Paulo foi nula. Só apareceu uma vez com o P. C. perante o Presidente do Futebol Clube Y e nada disse de relevante sobre o projeto da SAD, limitando-se a conversa a incidir sobre questões de futebol recentes.

O documento de fls. 56 nem sequer tem valor probatório, porque se traduz numa comunicação entre advogados, aqui patrocinadores das partes, o que foi sublinhado pela ré no seu requerimento de fls. 63 e 64.Quanto ao documento de fls. 40 a 43, é uma carta dirigida pela ré à autora a comunicar-lhe as razões da desistência no cumprimento do contrato, mas enviada a 17/7/2016, muito depois da constituição da SAD à margem do Memorando de Entendimento, que ocorreu a 7/7/2016.

Revela que todo o processo de constituição foi elaborado em surdina, pelo Futebol Clube Y, à margem de tudo o que se ia passando nas reuniões com a X SPORT, em que intervinham o José, o William e o Presidente do Clube.

Ponderando todo o exposto, numa perspetiva de prova relativa, jugamos que os réus não fizeram a prova da matéria de facto controvertida, a quem lhes incumbia o ónus, uma vez que as testemunhas indicadas negaram os factos e as declarações de parte do 2º réu não foram suficientes para convenceram o tribunal que a autora não tinha capacidade financeira para integrar e cumprir o prometido, assim, como tivesse havido factos geradores de quebra de confiança na autora, pelo que é de manter as respostas questionadas.

Vamos fixar a matéria de facto provada:

A)
A autora e a ré por documento escrito de 8 de março de 2016 declararam ser intenção da ré constituir uma sociedade anónima desportiva na modalidade de personalização jurídica da equipa de futebol profissional sénior do clube,
B)
Obrigou-se a ré, para o efeito, a, no prazo máximo de um mês, convocar, através do seu presidente da Mesa da Assembleia Geral, uma assembleia geral extraordinária cuja ordem de trabalhos fosse a discussão e aprovação da constituição da pretendida sociedade anónima desportiva.
C)
Obrigou-se, ainda, a ré Futebol Clube Y a proceder à constituição da referida sociedade anónima desportiva, caso a mesma fosse deliberada pela Assembleia Geral do Clube, até ao dia 30 de Abril de 2016,
D)
No caso de se verificar a aprovação da constituição da sociedade anónima desportiva em sede da assembleia geral para o efeito convocada, ficou acordado que o seu capital social seria subscrito e realizado da seguinte forma:
a) 51% (cinquenta e um por cento) do valor total do capital social seria subscrito pelo Futebol Clube Y, seja mediante a entrega em espécie de bens e direitos desportivos de jogadores, seja em numerário, e
b) 49% (quarenta e nove por cento) do valor total do capital social seria subscrito pela Autora em numerário ou através de depósito bancário.
E)
Mais clausularam (cla 4ª ) que “Autora e Réus, de comum acordo e devidamente esclarecidas, avaliaram os 49 % do capital social que seria subscrito pela Autora no valor de 100.000,00 € (cem mil euros),
F)
cujo pagamento a Autora se obrigou a fazer em duas prestações, sendo a primeira, do montante de 50.000,00 €, com vencimento de imediato, através de transferência bancária, e a segunda, de igual valor, a ser entregue no ato da constituição da sociedade anónima desportiva.
G)
Ficou expressamente previsto que o incumprimento por parte do Futebol Clube Y de qualquer das obrigações assumidas no referido documento escrito, o obrigaria a restituir todas as quantias recebidas da Autora, (cla 8ª)
H)
bem como ao pagamento à Autora, a título de cláusula penal, do dobro das quantias recebidas, no caso de ter sido deliberada a constituição da sociedade anónima desportiva pela Assembleia Geral do Futebol Clube Y e este não a constituir dentro do prazo fixado ou no caso deste constituir a sociedade anónima desportiva sem que a Autora participasse no seu capital social,
I)
tendo ainda ficado ressalvado o direito da Autora ser indemnizada nos termos gerais do direito. (clª 8ª)
J)
O Réu E. A. declarou constituir-se fiador e principal pagador pelo cumprimento de todas as obrigações assumidas pelo co-Réu Futebol Clube Y, sem que possa invocar qualquer exceção, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia.
K)
A Autora, em 11 de Março de 2016, procedeu à transferência do montante de 50.000,00 € para a conta bancária de que o Réu Futebol Clube Futebol Clube Y era titular, valor este que o mesmo recebeu e integrou no seu património.
L)
Em cumprimento do mesmo acordo, foi convocada a assembleia geral do Futebol Clube Y, que aprovou a constituição da sociedade anónima desportiva.
M)
Os Réus procederam à constituição da sociedade anónima desportiva por escritura pública outorgada a 7 de Julho de 2016, no cartório notarial da Dra. M. S., sita em p., o 2º Réu, intervindo por si e na qualidade de presidente e em representação do 1º Réu, Futebol Clube Y, juntamente com M. R., residente na Rua …, freguesia de ..., do concelho de Guimarães, J. S., residente na Rua …, da freguesia de …, do concelho de …, e D. F., declararam constituir entre si uma sociedade anónima desportiva com a denominação "FUTEBOL CLUBE Y - FUTEBOL, SAD", na modalidade de personalização jurídica da equipa de futebol profissional sénior do clube, com o capital social de 200.000,00 €, integralmente realizado em espécie e dinheiro, representado por 40.000 ações do valor nominal de 5,00 € cada uma, sendo 39.920 ações da categoria A e 80 ações da categoria B, todas subscritas pelos acionistas fundadores da seguinte forma:

a) co-Réu Futebol Clube Y, com 39.920 ações;
b) co-Réu E. A., com 20 ações;
c) M. R., com 20 ações;
d) J. S., com 20 ações; e
e) D. F., com 20 ações.
N)
Sociedade essa que foi registada na Conservatória do Registo Comercial
O)
O Primeiro Réu efetuou a devolução da quantia de 50.000,00 € no dia 3 de Agosto de 2016, através de transferência bancária.

Da instrução da causa provaram-se os seguintes factos:

26º
Após a assinatura do memorando de entendimento e na concretização da parceria que se pretendia levar a feito, os William e José acompanharam alguns jogos da equipa sénior de futebol do clube 1º réu, tendo-se deslocado ao Estádio deste por várias vezes.
27º
As reuniões entre o 2º Réu, na qualidade de Presidente da Direção do 1º Réu os William e José foram-se desenrolando normalmente, tendo em vista a preparação da próxima época desportiva e a vontade de todos em que o clube 1º réu subisse de divisão.
28º
Tendo passado a participar nas mesmas P. C., levado pelos William e José, que o apresentaram como “gestor de conta” no Banco B, na agência de Guimarães, e que, segundo aqueles, poderia dar o seu contributo e aconselhamento financeiro à parceria entre o 1º réu e a Autora.
29º
Em tais reuniões o 2º Réu transmitiu sempre aos William, José e P. C., da necessidade do clube 1º Réu ter acesso a liquidez que teria que possuir no futuro se se concretizasse a subida de divisão da equipa de futebol sénior,
30º
O clube 1º Réu possuía uma estrutura amadora, alicerçada no recurso a capitais alheios de curto prazo, o que se traduzia em dificuldades financeiras várias que originavam até incumprimentos para com trabalhadores, fornecedores, instituições de crédito e Estado que os William e José sabiam.
31º
A participar na 2ª Liga de futebol profissional, o clube 1º Réu teria que possuir uma estrutura profissional alicerçada em capitais próprios, pelo que o futuro parceiro duma SAD a constituir seria fundamental que possuísse capacidade financeira estável e duradoura para o sucesso desportivo.
32º
Concretizada a subida de divisão da equipa sénior de futebol do 1º Réu, em Maio de 2016, as reuniões e os contactos entre os citados intervenientes intensificaram-se tendo em vista a constituição da SAD e a reunião de toda a documentação necessária para o efeito, até porque tinham que ser respeitados os prazos regulamentares para a inscrição da futura SAD na Liga de Futebol Profissional, pois, de outro modo, não poderia competir.
38º
Em meados de Junho de 2016, o citado William telefonou ao 2º Réu a pedir o agendamento de uma reunião/almoço com ele e com os responsáveis da empresa Imobiliária A de Lisboa, para se falar do possível patrocínio e publicidade desta empresa para o clube 1º Réu na época desportiva que se aproximava.
39º
Marcada a reunião/almoço, compareceram o 2º Réu, os citados William e José, acompanhados do ilustre mandatário da Autora, e os representantes da Imobiliária A, de nome Nuno e Carla.
44º
O 2º Réu acedeu à certidão comercial da Autora, constatando-se que a mesma tinha capital social de € 5.000,00 (cinco mil euros) tendo sido constituída em 12 de agosto de 2015.

2. Se o acordo celebrado entre a autora e a ré se configura num contrato de mútuo traduzido na entrega da quantia de 50.000€.

O tribunal recorrido qualificou o acordo expresso nas alíneas A) a J como um contrato promessa com vista aos seus subscritores outorgarem um contrato de sociedade anónima desportiva (SAD).

Os apelantes insurgem-se contra esta qualificação e defendem que se está em presença de um contrato de mútuo, em que a autor emprestou à ré a quantia de 50.000€.

Analisando as alíneas que corporizam o acordo constata-se que as partes que o subscreveram declaram que se comprometiam a celebrar um contrato de sociedade anónima desportiva, em que determinaram a forma da sua constituição, sendo o capital social distribuído por 51% e 49% a favor da ré e da autora, respetivamente, tendo a autora de entregar 100.000€, 50.000€ de imediato e o restante no ato da outorga do contrato prometido.

Daí que os 50.000€ que a autora transferiu para uma conta da ré se traduziu numa parcela do capital social que iria subscrever aquando do contrato prometido e não num empréstimo como o referem os apelantes. Assim julgamos que o contrato em causa é de promessa e não de mútuo, verificando-se os pressupostos do artigo 410 do C.Civil e não os do artigo 1142 do mesmo diploma, como já foi qualificado no acórdão de 11/7/2017 desta Relação.

3. Se a invocação da cláusula penal se revela no exercício abusivo de um direito.

Os apelantes suscitam o abuso do direito no que tange à ativação da cláusula penal formalizada no contrato promessa.

O instituto do abuso de direito, consagrado no artigo 334 do C.Civil, é uma cláusula geral, que tem por finalidade última temperar o exercício dos direitos subjetivos. Deve intervir em situações excecionais, quando, do exercício de qualquer direito, sejam ultrapassados, de forma intolerável, inadmissível, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito. Que seja ferida a consciência jurídica, os valores fundamentais da ordem jurídica, socialmente dominantes.

No caso em apreço a cláusula penal faz parte do acordo celebrado pela autora e pela ré e subscrito pelo 2º réu, como fiador. Esta cláusula teve como finalidade a reparação dos danos que as partes consideraram equilibrados em caso de incumprimento pela ré e também de persuasão ou pressão ao cumprimento.

O certo é que não cumpriu o objetivo do cumprimento do contrato. Mesmo sobre esta pressão, a ré desistiu do seu compromisso. A autora, face ao incumprimento do contrato pela ré tem o direito de ativar, em juízo, a cláusula penal. E o exercício deste direito não viola a consciência jurídica da comunidade. Não ultrapassa os limites do exercício de um direito emergente de um contrato incumprido, em que a cláusula penal estipulada visava pressionar o cumprimento e compensar o contraente não adimplente. Daí que julgamos que não se verificam os pressupostos do abuso de direito consagrado no artigo 344 do C.Civil.

5. Se face à reversão das respostas à matéria de facto controvertida nos termos propostos ou apenas aos pontos de facto 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 38, 39 e 44 da matéria de facto provada leva à justificação para a recusa do cumprimento do acordo por parte da ré.

Como não houve reversão das respostas negativas para positivas aos pontos de facto impugnados, vamos conhecer apenas a segunda questão que incide sobre os pontos de facto 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 38, 39 e 44, no sentido de se apurar se estes justificam a recusa do cumprimento do contrato promessa, por parte da ré apelante.

O tribunal recorrido, em face desta matéria de facto provada, considerou que a ré não ilidiu a presunção de culpa no incumprimento do contrato, ou seja, não provou factos justificativos do incumprimento do contrato.

Os apelantes insurgem-se contra o decidido alegando, em síntese, que esta matéria de facto era suficiente para ilidir a culpa, fundamentar a recusa do cumprimento do contrato, porque revela desconfiança na forma como a autora estava constituída, uma parte formal e outra informal (a posição do William e do P. C. na sociedade, doc. fls. 55) e a ausência de participação fiscal dos movimentos societários dos anos de 2015 e 2016, que foram apresentados apenas em 2018. Isto minou a confiança da ré relativamente à posição da autora perante a celebração e execução do contrato, o que justifica a recusa no cumprimento do contrato.

Da análise dos pontos de facto 26, 27, 28, 29, 31, 32, 38, 39 e 44 resulta que após a celebração do contrato promessa ou Memorando de Entendimento, as reuniões sucederam-se entre o 2º réu, em representação da ré, e o José acompanhado do William e o P. C. que foi apresentado como gestor de conta no Banco B, com vista a prepararem a futura SAD.

Nesse sentido, foi auscultada uma empresa (Imobiliária A) para angariação de patrocínios publicitários, por iniciativa do William, que se veio a concretizar, onde estiveram presentes o 2º réu, o José e o William, para além dos representantes da Imobiliária A. Isto é revelador do interesse da autora e da ré em colaborarem com o objetivo de organizarem, financeiramente, a futura SAD. E isto ocorreu em meados de junho de 2016.

Desta matéria de facto não se vislumbra qualquer violação do contrato, ou indícios que levem a minar a confiança existente, ou pelo menos aparente. Na verdade, a iniciativa da consulta à Imobiliária A foi aceite pela ré e já se estava em meados de junho de 2016, quando a SAD foi constituída pela ré, a 7 de julho, à revelia do Memorando de Entendimento. Não é compreensível como a ré atua num determinado sentido, fazendo transparecer boas relações de convivência, confiança, e, repentinamente, sem que nada o fizesse prever, constituiu a SAD. Pois, a formalização desta empresa leva algum tempo a organizar-se, pelo que nos permitimos concluir que a decisão já há algum tempo estaria tomada.

O documento de fls. 55v que os apelantes invocam para fundamentarem a descredibilização da autora é irrelevante, porque não tem qualquer valor probatório, uma vez que se traduz em comunicações entre os mandatários das partes, como o bem frisou a ré no seu requerimento de fls. 63v e 64. E nesse sentido o impugnou. Daí que não possa valer-se de tal documento.

Por outro lado, os documentos fiscais são elementos que apenas apareceram em 2018 e não estiveram presentes no momento da celebração do contrato e da sua execução. Não participaram na formação da vontade de incumprir o contrato, pelo que não podem ser fundamento, justificação do incumprimento do mesmo.

Daí que julgamos que a matéria de facto em causa não é suficiente para ilidir a presunção de culpa no incumprimento do contrato.

6. Se a cláusula penal é manifestamente excessiva, devendo ser reduzida nos termos do artigo 812 do C.Civil.

O tribunal recorrido considerou que a cláusula penal estipulada entre as partes não é excessiva porque não traduz a iniquidade ou manifesta onerosidade aludidas por Calvão da Silva e pela jurisprudência que citou ao conhecer desta questão, tendo em conta o incumprimento definitivo do contrato por parte da ré e a falta de alegação de factos que pudessem obstar à sua aplicação, pelo que reconheceu ser devido o montante de 50.000€ à autora, que corresponde ao seu pedido.

Os apelantes insurgem-se contra o decidido, defendendo a sua redução, porque o montante de 50.000€ fixado é excessivamente desproporcional ao dano e aos objetivos tidos com a cláusula penal, tendo sido improcedentes os danos alegados pela não concretização do acordo e o réu devolveu os 50.000€ que tinham sido adiantados pela autora. E, além disso, não atendeu à situação da ré, que é um clube modesto de fracos recursos.

A redução da cláusula penal assenta em juízos de equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por circunstâncias supervenientes, e nas mesmas circunstâncias, quando tiver sido cumprida parcialmente a prestação – artigo 812 do C. Civil.

Para que o tribunal possa reduzir a cláusula penal convencionada, segundo juízos de equidade, é necessário que a mesma seja manifestamente excessiva.

E é manifestamente excessiva quando seja desequilibrada, dentro do contexto da economia do contrato, em que foi convencionada, de molde a provocar desequilíbrios contratuais, que levem a abusos da situação periclitante do devedor. No fundo, que exceda os limites do razoável, que se torne chocante, intolerável no plano jurídico.

E isto, tanto no momento em que as partes convencionam a cláusula, como no momento do seu cumprimento. No primeiro caso, terá de ser analisada a situação em que a cláusula foi negociada, e no segundo, teremos de analisar as circunstâncias supervenientes que tenham alterado as bases da negociação da cláusula.

E a ponderação nestes dois momentos, terá de ter sempre em conta o pressuposto – “manifestamente excessiva”.

A cláusula penal visa, simultaneamente, determinar previamente o montante indemnizatório pelo incumprimento imputável ao devedor, e impulsionar o cumprimento, pela pressão exercida sobre o mesmo.

No caso em apreço a cláusula penal está inserida no Memorando de Entendimento subscrito a 8/3/2016, mais concretamente na cláusula oitava, que se traduz em obrigar o Futebol Clube Y a entregar à autora o dobro das quantias que tenha recebido, no caso de não cumprir o contrato.

De acordo com o contrato, a autora apenas tinha que adiantar a quantia de 50.000€ no momento da sua celebração. A restante quantia, 50.000€, seria entregue no momento da outorga do contrato constitutivo da SAD. A cláusula penal, face à economia do contrato, garantia o reembolso da quantia de 50.000€ adiantada no momento da celebração do contrato. E só esta, na medida em que a outra parte tinha que ser entregue no ato da constituição da SAD, em que a autora tenha intervindo como outorgante. Daí que a cláusula penal, em si, visasse assegurar, à autora, o reembolso do que tinha adiantado, à espera do cumprimento do contrato, com o acréscimo de igual montante, como sanção pelo incumprimento.

Este contrato já foi qualificado como de promessa, cujo objeto seria o contrato prometido, isto é, a constituição da SAD. A cláusula penal em discussão equivale à restituição do sinal em dobro previsto no artigo 442 n.º 2 do C.Civil.

Estando esta solução prevista na lei, e sendo as situações idênticas, materialmente, com nomes diferentes, julgamos que não se coloca, sequer, a questão da excessividade da cláusula e muito menos manifestamente. Pois o objetivo é sancionar o incumprimento do contrato com a entrega de montante idêntico ao adiantado.

Não se verifica uma situação desproporcionada, chocante, intolerável no plano jurídico. Pelo contrário, o sistema consagra solução idêntica no artigo 442 do C.Civil. Daí que não estejamos perante uma cláusula penal manifestamente abusiva, pelo que nada há a reduzir.

7. Se são devidos juros.

O tribunal recorrido condenou os réus/apelantes em juros moratórios sobre a quantia de 50.000€, desde a citação até integral pagamento.

Estes insurgem-se com o decidido porque o Memorando não previu juros emergentes do incumprimento, apenas o sancionou com a cláusula penal.

Os juros em discussão são moratórios e não convencionais. São devidos por força da lei, mais concretamente do artigo 805 n.º 1 conjugado com o artigo 559 n.º 1 do C.Civil. Daí a sem razão dos apelantes.

Concluindo: 1. Não se verifica a nulidade invocada e prevista no artigo 615 n.º 1 al. d) do CPC porque não está em causa uma questão relacionada com a ou causas de pedir e pedidos, mas antes uma nulidade secundária, não arguida tempestivamente, ficando sanada.
2. O contrato em discussão nos autos é de promessa e não de mútuo, porque dele resulta um compromisso de constituição de um contrato desportivo em que a autora iria participar em 49% do capital social, tendo adiantado 50.000€ para o efeito.
3. Considerou-se que a ativação da cláusula penal não traduz o exercício abusivo de um direito porque não fere o sentimento geral da comunidade jurídica.
4. O TRG manteve as respostas aos pontos de facto impugnados por considerar que correspondem à prova produzida em audiência de julgamento.
5. Da matéria de facto provada resulta que a ré não ilidiu a presunção de culpa no incumprimento do contrato.
6. A cláusula penal não é manifestamente excessiva, assemelhando-se à restituição em dobro do sinal, prevista no artigo 442 n.º 2 do C.Civil.
7. O tribunal condenou os réus nos juros moratórios e não convencionais, pelo que são devidos nos termos conjugados dos artigos 805 n.º 1 e 559 n. º1 do C.Civil.

Decisão

Pelo exposto acordam os juízes da Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.

Custas a cargo dos apelantes.

Guimarães,


Espinheira Baltar
Eva Almeida
Maria Santos