Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
993/14.0T8BCL.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Numa acção em que um condómino pretende a reparação dos defeitos das partes comuns dum prédio em propriedade horizontal, bem como ser ressarcido dos prejuízos sofridos na sua fracção e causados pela existência desses defeitos, parte legítima é o Condomínio desse prédio.

II – Tendo sido demandados como Réus os proprietários das demais fracções autónomas, enquanto tal, são os mesmos partes ilegítimas na acção, sendo irrelevante para esta questão, a inexistência de Administrador do condomínio.

III – Havendo aqui uma situação de ilegitimidade passiva, estava vedado ao tribunal da 1.ª instância ou às partes a regularização da instância através dos mecanismos processuais previstos nos arts. 6º, 261º e 278/2 e 3 do CPC.”
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 RELATÓRIO

Manuela e marido Sebastião intentaram a presente acção(1) de processo comum contra Construções X, LDA., B. C., José, C. F., Manuel, Alberto, Paulo, Fátima, Rogerio, J. M., Albino, João G., Álvaro, J. C., José António, Domingos, Amilcar, M. F., Amélia, Abilio, Adelino, J. L., Júlio F., José C., M. V., César, A. M., M. M., Gabriel, Filipe, Jorge e J. G., peticionando que os Réus sejam condenados a pagar-lhes a quantia necessária para repor a sua fracção no estado em que se encontrava antes do surgimento das humidades descritas em sede de petição inicial, que ascende ao montante de € 15.530 e, ainda, que os Réus sejam condenados a realizar as reparações necessárias nos telhados e nas fachadas do prédio identificado em 1) da petição inicial.

Alegam, para o efeito, que são donos da fracção autónoma designada pelas letras “BH”, destinada a habitação, no Bloco B, nos terceiro e quarto andares (recuados), lado Sul duplex, interligados por uma escada interior, e terraços, um no terceiro andar (recuado) lado poente e dois no quarto andar (recuado), um a Poente e outro a Nascente, descrita na Conservatória de Registo Predial sob o número … e inscrita na matriz urbana sob o artigo ….
Mais alegam que os Réus são os proprietários das restantes fracções que fazem parte da propriedade horizontal do prédio antes mencionado.
Argumentam, depois, que não existe uma administração de condomínio, estando o condomínio atribuído a todos os condóminos.
Dizem, de seguida, que há três anos a esta parte começaram a aparecer humidades em distintas divisões da fracção. E, com o decorrer da época do inverno os vestígios de humidade alastraram, provocando graves danos na fracção. Actualmente, as paredes e tectos da sala, dos quartos e do hall de entrada apresentam manchas escuras de humidade.
Referem, por isso, que a causa de tais humidades é externa à sua fracção autónoma, advindo de infiltrações das fissuras existentes nas fachadas e no telhado.

Em sede de contestação, vieram os Réus Álvaro, B. C., Alberto, Júlio F., Domingos, J. M., Paulo, José C., Jorge, C. F., Manuel, Amílcar Ribeiro Meireles, Construções X, Ldª, João G., João Lopes, César, A. M., M. M., Gabriel, J. G., Filipe e M. V. alegar que são partes ilegítimas, porquanto estamos perante um edifício em propriedade horizontal, sendo que quem deveria ter sido demandado era o condomínio do aludido edifício representado pelo seu administrador.

Por indicação do Tribunal, e em cumprimento do disposto no artigo 3º/3 do Código de Processo Civil, vieram os Autores responder a tal excepção, pugnando pela respectiva improcedência, sustentando que não existe administração de condomínio do prédio em questão.

Conclusos os autos, no despacho saneador, julgou-se procedente a excepção dilatória de ilegitimidade processual passiva e absolveu-se os Réus da instância.
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Inconformados com essa decisão, os Autores interpuseram recurso de apelação contra a mesma, visando a revogação do decidido, cujas alegações finalizaram com a apresentação das seguintes conclusões:

1. As alegações concernem matéria de facto e de direito e visam demonstrar que o tribunal recorrido julgou mal ao decidir proceder a exceção dilatória invocada pelos réus, relativamente à eventual ilegitimidade passiva dos mesmos.
2. Pretende-se com o recurso atentar que não existia, pelo menos à data da entrada da ação, administração de condomínio, não tendo os Autores outra alternativa senão demandar todos os restantes condóminos, a fim de corrigir os defeitos e estragos existentes nas partes comuns e que afetam a sua fração.
3. Mas mesmo que não seja esse o entendimento, sempre deveria o Tribunal convidar os Autores a corrigir eventuais deficiências da petição inicial.
4. O condomínio tem personalidade judiciária, mas no caso em concreto, não havia qualquer interesse, na medida em que não surtia efeito prático, demandar um condomínio sem administração, sendo certo que a ação visa a correção de defeitos nas partes comuns.
5. O administrador de condomínio, que não existia à data da entrada da ação (pelo menos), é um órgão executivo da administração, sendo certo que para a reparação das partes comuns do prédio, as suas funções são extravasadas.
6. Necessita sempre do apoio da assembleia de condomínio.
7. Sempre teriam os Autores de intentar a ação contra todos os condóminos caso pretendessem a correção dos defeitos nas partes comuns.
8. Ainda que os Autores não pudessem demandar os Réus enquanto proprietários das demais frações autónomas, sempre deveria o Tribunal proferir despacho a convidar o aperfeiçoamento da petição inicial, nunca, sem mais, proferir despacho sentença.
9. Estão em juízo todos os condóminos e mesmo que o tribunal entenda que não deveriam estar em juízo “por si” mas “em representação” do condomínio, tal falta seria suscetível de ser suprida e impunha-se que o fosse atendendo aos princípios da lei de processo civil.
10. O despacho sentença aqui recorrido violou o preceito do artigo 30.º do CPC, bem como o artigo 590.º do referido normativo, e ainda o princípio da economia processual.
11. Pretende-se que o mesmo seja substituído por um outro que vá no sentido da improcedência da exceção dilatória de ilegitimidade passiva ou, num outro que vá no sentido do convite de aperfeiçoamento da petição inicial.

Termos em que,
Deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser a sentença proferida nos autos revogada, cumprindo-se assim a almejada Justiça!
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Não consta dos autos terem sido apresentadas contra alegações.
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A Exmª Juíz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas as conclusões formuladas pelos apelantes, estes pretendem que:

I - o despacho sentença seja revogado e substituído por um outro que vá no sentido da improcedência da excepção dilatória de ilegitimidade passiva;
IIou, caso assim se não entenda, se revogue a decisão recorrida e se substitua por nova decisão que vá no sentido do convite de aperfeiçoamento da petição inicial.
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3OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Vejamos as duas questões separadamente.

I - Pretendem os apelantes Autores ter sido incorrecto o entendimento do tribunal a quo que, no despacho saneador, julgou procedente a excepção dilatória de ilegitimidade processual passiva e absolveu os Réus da instância.
Foi decidido na decisão ora em recurso que:
“(…)
Estando nós, no caso em apreço, perante uma acção respeitante às partes comuns do prédio em propriedade horizontal onde se situa a fracção autónoma pertença dos Autores, quem deveria ter sido demandado, como parte passiva, deveria ter sido o respectivo condomínio, ou representado pelo seu administrador ou, em caso de inexistência de administrador do condomínio, por todos os seus condóminos.
Ora, os Autores, alegando inexistir administração de condomínio, demandaram os proprietários das demais fracções autónomas. Mas fizeram-no enquanto tal e não, como se impunha, na qualidade de representantes do condomínio do edifício.

Assim sendo, são os Réus partes ilegítimas na presente acção, já que quem deveria ter sido demandado era o condomínio do prédio em propriedade horizontal onde se situa a fracção autónoma pertencente aos Autores, representada ou pelo administrador do condomínio ou, em caso de inexistência deste, por todos os condóminos.
(…)”
Discordando do entendimento do Tribunal a quo, os apelantes contrapõem que:
“(…)
Portanto, que o condomínio tem personalidade judiciária não há qualquer dúvida, agora, outra questão é a de saber se faz sentido demandar um condomínio sem administração quando está em causa a correção de defeitos nas partes comuns.

Vejamos,
A administração das partes comuns cabe à assembleia de condóminos e ao administrador do condómino. É este último o órgão executivo da administração, cabendo-lhe as funções descritas no artigo 1436.º do Código Civil. Considerando que a reparação das partes comuns do prédio – como é o caso aqui em apreço – constitui um ato de administração que extravasa as funções conferidas pela lei ao administrador do condomínio – sempre teriam os Autores de intentar a acção contra todos os condóminos, caso não existisse deliberação da assembleia de condóminos nesse sentido, no sentido da realização das obras necessárias para corrigir defeitos nas partes comuns.
(…)”
No que não lhes assiste razão.
Com efeito, o conceito de legitimidade consta plasmado no art. 30º do CPC, cujo teor é o seguinte:

1 – O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.
2 – O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 – Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
Logo, a (i)legitimidade das partes será apurada em função do pedido e da causa de pedir (tal como os apresenta o autor) pois só em função desses dois elementos é possível averiguar do interesse directo, da utilidade ou prejuízo resultantes da acção.
«Tal como no campo do direito material, há que a aferir, em regra, pela titularidade dos interesses em jogo (no processo), isto é, como dizem os n.ºs 1 e 2, pelo interesse direto (…) em demandar, exprimido pela vantagem jurídica que resultará para o autor da procedência da ação, e pelo interesse direto em contradizer, exprimido pela desvantagem jurídica que resultará para o réu da sua perda (…).» (2).
Os Autores, alegando serem donos da fracção autónoma designada pelas letras “BH”, destinada a habitação, no Bloco B, nos terceiro e quarto andares (recuados), lado Sul duplex, interligados por uma escada interior, e terraços, um no terceiro andar (recuado) lado poente e dois no quarto andar (recuado), um a Poente e outro a Nascente, descrita na Conservatória de Registo Predial sob o número … e inscrita na matriz urbana sob o artigo …, instauraram a acção contra 32 Réus, que mencionam serem os proprietários das restantes fracções que fazem parte da propriedade horizontal do prédio antes mencionado, argumentando que não existe uma administração de condomínio, estando o condomínio atribuído a todos os condóminos.
Formulando os seguintes pedidos de condenação desses Réus, a saber: pagar-lhes a quantia necessária para repor a sua fracção no estado em que se encontrava antes do surgimento das humidades descritas em sede de petição inicial, que ascende ao montante de € 15.530 e, ainda, realizar as reparações necessárias nos telhados e nas fachadas do prédio identificado em 1) da petição inicial.
Para alicerçar tais pedidos, referem os Autores que há três anos a esta parte começaram a aparecer humidades em distintas divisões da sua fracção e que com o decorrer da época do inverno os vestígios de humidade alastraram, provocando graves danos na fracção, expõem que apresentam actualmente as paredes e tectos da sala, dos quartos e do hall de entrada manchas escuras de humidade. Entendem, por isso, que a causa de tais humidades é externa à sua fracção autónoma, advindo de infiltrações das fissuras existentes nas fachadas e no telhado.

Daqui se conclui que os Autores pretendem ser indemnizados pelos prejuízos entretanto sofridos na sua propriedade, que é uma fracção autónoma integrada num Condomínio, bem como a reparação dos defeitos existentes nas partes comuns (infiltrações das fissuras existentes nas fachadas e no telhado).
Estamos portanto no domínio da responsabilidade civil extracontratual: ao proprietário de um imóvel é reconhecido o direito a que todos respeitem a integridade do seu prédio, sendo que quem o danificar fica responsável pela reposição dessa integridade e pela indemnização dos danos causados: arts. 1305º, 483º, 562º e 566º do CC.

No caso, estamos perante uma propriedade horizontal que, como é sabido, comporta a particularidade da coexistência na mesma pessoa de dois tipos de propriedade: dum lado, um direito de propriedade exclusiva de uma ou mais fracções do edifício e, doutro lado, um direito de compropriedade nas partes comuns desse edifício: arts. 1414º e 1415º do CC.
Ou seja, as partes comuns do edifício são compropriedade (3) do universo de condóminos.
Esse universo dos condóminos, vulgo o Condomínio (4), é quem é o titular de qualquer relação jurídica relativa às partes comuns do prédio.
São os condóminos, no seu conjunto e na proporção das respectivas quotas, os titulares dos direitos ou das obrigações, dos créditos ou dos débitos emergentes de responsabilidade civil quanto às partes comuns do prédio.
Ora, a ser assim, e atenta a forma como os Autores configuraram a acção – as humidades existentes na sua fracção autónoma são causadas pelas deficiências de construção das partes comuns do prédio –, não restam dúvidas que quem tem legitimidade passiva é o Condomínio do prédio enquanto tal.
Na verdade, é sobre o universo de condóminos/Condomínio que recai a obrigação de manter as partes comuns do prédio em condições de não perturbarem ou danificarem a propriedade alheia (de cada uma das fracções, entenda-se), sob pena de incorrer nas consequências do incumprimento de tal obrigação (reconstituição in natura e/ou indemnização em dinheiro).
Tendo todos os Réus sido aqui demandados em nome próprio, são pois parte ilegítima, como bem se decidiu na sentença a quo.
Sendo irrelevante para esta questão, a inexistência de Administrador do condomínio, caso em que o respectivo condomínio é representado por todos os seus condóminos, sendo os AA. um deles.
Não se devendo confundir a questão da representação com a questão da legitimidade.
Com efeito, tal como se tem pronunciado certa jurisprudência que seguiremos de perto (5), a entidade Condomínio integra um órgão deliberativo – a Assembleia de Condóminos – e um órgão executivo – o Administrador –: art. 1430º e ss. do CC.
O Administrador é apenas o “executante” da vontade do Condomínio, ou, mais rigorosamente, das deliberações/decisões tomadas pelo universo dos condóminos reunidos em assembleia. Nessa medida, o Administrador não é sujeito das relações jurídicas que contendam com a (com)propriedade das partes comuns dum edifício constituído em propriedade horizontal. É certo que o art. 1437º/1 e 2 do CC comete ao administrador “legitimidade” activa e passiva para agir em juízo. Contudo, quando este preceito se refere a legitimidade, tal vocábulo deve ser interpretado no sentido de capacidade de representação, enquanto forma de suprimento da incapacidade judiciária. Na verdade, se só as pessoas podem ter personalidade e capacidade jurídicas (cfr. art. 66º e 67º do CC), o Condomínio não a tem.

Ora, consistindo a capacidade judiciária na susceptibilidade de estar por si mesmo em juízo, ela tem “por base e medida a capacidade de exercício de direitos” (art. 15º do CPC), estando portanto em íntima conexão com a personalidade judiciária.
Mas, apesar de não ter personalidade jurídica, a lei entendeu conferir-lhe personalidade judiciária.
Porém, ao Condomínio apenas é reconhecida expressamente personalidade judiciária “relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”: art. 12º, e) do CPC.
Assim, «4. O art. 1437º do CC consagra a capacidade judiciária do condomínio, ao estabelecer a susceptibilidade de o administrador, seu órgão executivo, estar em juízo em representação daquele, nas lides compreendidas no âmbito das funções que lhe pertencem (art. 1436º), ou dos mais alargados poderes que lhe forem atribuídos pelo regulamento ou pela assembleia, sendo que, em qualquer dos casos, as acções deverão ter sempre por objecto questões relativas às partes comuns.
(…)
8. Ao conferir ao administrador a possibilidade de actuar em juízo, o art. 1437º do CC mais não faz do que concretizar uma aplicação do disposto no art. 22º do CPC – que estatui sobre a representação das entidades que carecem de personalidade jurídica – eliminando possíveis dúvidas sobre se aquele poderia, no exercício das suas atribuições, recorrer à via judicial.
9. O art. 1437º não resolve, pois, o problema da legitimidade do administrador, que, aliás, não se coloca, porque este age, em juízo, enquanto órgão do condomínio e, portanto, em representação deste. Do que, no fundo, se trata, é de atribuir ao administrador legitimação para agir em nome do conjunto dos condóminos.
10. Parte no processo, relativamente às partes comuns do edifício, é o condomínio, sendo relativamente a este, e não no tocante ao administrador, que se poderá colocar a questão da legitimidade.» (6).
Em juízo, o Condomínio/universo de condóminos é representado pelo Administrador/órgão executivo do Condomínio.
Repare-se que logo no nº 1 desse art. 1437º se deixa consignado que essa “legitimidade” lhe é cometida apenas no domínio da “(…) execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia”, ou seja, uma legitimidade não própria mas decorrente duma relação de mandato.
Como refere Sandra Passinhas (7), «O legislador não está a tratar da legitimidade processual, no sentido da legitimatio ad causam, porque a legitimidade, que consiste no interesse directo em demandar, é um pressuposto processual que só em concreto pode ser determinado. Só o juiz, e não o legislador, pode decidir sobre a legitimidade ou não das partes. Esta norma respeita à legitimatio ad processum, ou seja, à capacidade processual. É o artigo 1437º que trata do suprimento da incapacidade judiciária do condomínio.».
O que bem se compreende, dado que «Um representante judiciário nunca é, por definição, parte legítima numa acção, nem passiva nem activamente, pois só o seu representado como verdadeiro titular do interesse directo em contradizer ou demandar - nº 1 do artigo 26º do Código de Processo Civil - tem essa qualidade.» (8).
Ainda que o cargo de Administrador possa ser exercido por um dos condóminos (art. 1435º/4 do CC), há que separar essas duas qualidades da pessoa sujeito de direitos em questão: dum lado, a de condómino/comproprietário nas partes comuns e, doutro lado, a de Administrador/gestor dessas partes comuns.
O Administrador-condómino não deixa de ter direito de voto nas Assembleias de condóminos, fazendo-o na vertente de condómino; já o Administrador-terceiro não votará porque carece daquela qualidade.
Como é sabido, é cada vez mais frequente que o exercício da administração dos Condomínios seja entregue a pessoas, singulares ou colectivas, que não são condóminos.
É certo que o Administrador também pode ser, ele próprio e enquanto tal, sujeito de relações jurídicas conexas com um Condomínio.
Porém, tal acontecerá apenas no domínio das “relações internas” (Administrador versus Condomínio).

Assim, por exemplo, sendo o seu cargo remunerado, pode accionar o Condomínio com vista a exigir o pagamento dos honorários em dívida, da mesma feita que pode ser accionado pelo Condomínio pelos prejuízos causados por irregularidades ou negligência no exercício das suas funções, entregar as receitas cobradas, etc.
Neste tipo de casos, ele actua em seu nome, defendendo um interesse próprio (do lado activo ou passivo).
E, como é bom de ver, a causa de pedir encontra assento numa relação jurídica de índole contratual (mandato, prestação de serviços…) e não extracontratual, como é o caso dos autos.
Situação diferente ocorre no domínio das “relações externas” (Condomínio versus um condómino ou um terceiro).
Quando algum prejuízo é causado nas partes comuns do prédio, por um condómino ou por um terceiro, o direito à respectiva indemnização cabe ao Condomínio (universo dos condóminos).
Da mesma feita, quando algum terceiro/ou condómino, se vê prejudicado por qualquer ocorrência causada pelas partes comuns de um prédio, a responsabilidade pelo ressarcimento dos prejuízos cabe ao Condomínio, ou seja, ao universo dos condóminos, na proporção das respectivas quotas.
Num caso e noutro, seja do lado activo ou passivo, o Administrador agirá como representante do Condomínio.
Assim sendo, prefigurando a acção nos termos delineados pelos Autores –pretendem a reparação dos defeitos das partes comuns do edifício e serem ressarcidos dos prejuízos sofridos na sua fracção e causados pela existência desses defeitos - não nos restam dúvidas que a titularidade de tal relação jurídica reside apenas no Condomínio (universo de condóminos) pois nele reside a obrigação de conservação/reparação do prédio, bem como a de indemnizar os prejuízos causados.
Nessa medida, sendo o Condomínio o sujeito jurídico do dever, só ele pode vir a ser prejudicado com a procedência da acção e, portanto, só ele tem interesse directo em contradizer.
Qualquer acção a intentar contra o Administrador, na sua própria pessoa, só terá viabilidade no âmbito da sua gestão, sendo portanto outra a causa de pedir; assim, por exemplo, alegando ter sido a incúria ou negligência do Administrador que provocou a deterioração das partes comuns.
O Administrador do Condomínio, nessa veste, não é comproprietário das partes comuns.
Não sendo titular do direito, não é sujeito da relação jurídica, pelo que não tem legitimidade para ser parte numa acção onde se discute esse direito.
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II - Assente a existência aqui de uma situação de ilegitimidade passiva, resta saber se o tribunal da 1.ª instância andou bem ao absolver os Réus da respectiva instância, ao invés de lançar mão dos mecanismos processuais de regularização da instância previstos nos artigos 6º, 261º e 278/2 e 3 do CPC, como pretendem os apelantes.
Pensamos, contudo, que os recorrentes não têm razão quando pugnam pela possibilidade de regularização da instância no caso dos autos, pois, em rigor, não nos encontramos face a uma situação de ilegitimidade passiva por preterição do litisconsórcio necessário ou doutras situações em que seja exigida a presença adjectiva de diversas pessoas, que, caso não estejam no processo, podem ser facilmente chamadas a intervir no mesmo, mas antes perante a demanda de entidade diversa daquelas que deveriam estar na acção, ou seja, somos confrontados com um caso de substituição da parte incorrectamente demandada por uma outra, legalmente reconhecida como aquela que deve estar nos autos.
Nessa medida, a sanação da situação de ilegitimidade dos autos estava vedada processualmente ao tribunal da 1.ª instância bem como às partes da presente acção (9).

Logo, pelos motivos expostos, bem andou o despacho recorrido em considerar os Réus como parte ilegítima no quadro dos presentes autos. Restando aos Autores instaurar nova acção, desta feita, contra o Condomínio do prédio.
Improcede, pois, a apelação.
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – Numa acção em que um condómino pretende a reparação dos defeitos das partes comuns dum prédio em propriedade horizontal, bem como ser ressarcido dos prejuízos sofridos na sua fracção e causados pela existência desses defeitos, parte legítima é o Condomínio desse prédio.
II – Tendo sido demandados como Réus os proprietários das demais fracções autónomas, enquanto tal, são os mesmos partes ilegítimas na acção, sendo irrelevante para esta questão, a inexistência de Administrador do condomínio.
III – Havendo aqui uma situação de ilegitimidade passiva, estava vedado ao tribunal da 1.ª instância ou às partes a regularização da instância através dos mecanismos processuais previstos nos arts. 6º, 261º e 278/2 e 3 do CPC.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Notifique.
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Guimarães, 08-03-2018

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Maria Cristina Cerdeira)


1. Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Barcelos – JL Cível – Juiz 1.
2. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 3ª edição, Coimbra Editora, 2014, pág. 70/71.
3. Art. 1403º do CC: existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa.
4. Sempre que usarmos este designativo, estaremos a referir-nos ao conjunto/universo dos condóminos.
5. Além de outros, vd. os Acórdãos da RC e da RP de 27-01-2015 e de 27-11-2017 (processos 586/11.4TBACB-A.C1 e 822/17.3T8VFR.P1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
6. Vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 04.10.2007 (processo 07B1875, relator Santos Bernardino), disponível em www.gde.mj.pt/.
7. In “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, 2ª edição, Almedina, pág. 339.
8. Acórdão da Relação de Lisboa (TRL), de 08.02.1990, in Colectânea de Jurisprudência (CJ), Ano XV, Tomo 1, pág. 161.
9. Neste sentido, vd. os Acórdãos da RL e da RG de 12-02-2009 e de 24-11-2016 (processos 271/2009-6 e 130/15.4T8MTR.G1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.