Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
50/14.0TBMLG.G1
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
RECONHECIMENTO DO DIREITO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1- A prescrição, enquanto causa de extinção de direitos, é interrompida pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito possa ser exercido.
2- O referido reconhecimento, todavia, no caso de responsabilidade civil extracontratual, não tem de coincidir com a exata dimensão quantitativa do direito judiciamente perfilhada, na sua faceta indemnizatória.
3- A afetação da integridade produtiva do ser humano é suscetível de contender não só com bens jurídicos de natureza imaterial, mas também patrimonial.
4- Quando a incapacidade funcional diminui diretamente o rendimento do lesado ou quando o lesado só com um esforço acrescido ou em mais tempo consegue realizar as mesmas tarefas que desempenhava antes do evento lesivo da sua integridade produtiva, estamos perante danos pecuniariamente avaliáveis e, portanto, de natureza patrimonial.
5- Mas, provando-se que a referida incapacidade não implica para o lesado qualquer esforço suplementar, a mesma deve ser valorizada no âmbito dos danos não patrimoniais.
Decisão Texto Integral:


Tribunal da Relação de Guimarães
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Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I- Relatório
1- S, instaurou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra, G, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe, com juros moratórios, a quantia global de 77.213,24€, a título de indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em consequência do acidente que sofreu quando, no dia 26/03/2011, circulava na Rua Quinta dos Frades, freguesia de Vila, concelho de Melgaço, com o seu ciclomotor de marca Yamaha DT e caiu ao solo em virtude de um animal de raça canina, segurado na Ré, se ter atravessado, inesperadamente, à sua frente.
2- Contestou a Ré refutando esta pretensão, porquanto o direito em que esta se baseia está prescrito, além de que não reconhece a maioria dos seus pressupostos.
3- O A., em resposta, rejeitou a aludida exceção.
4- Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio e os temas da prova.
5- O processo prosseguiu, depois, para julgamento, após o qual foi proferida sentença que julgou a presente ação parcialmente procedente, por provada e, consequentemente, condenou a Ré a pagar ao A. a quantia de 6.457,91€, a título de danos patrimoniais, e 20.000,00€, a título de danos não patrimoniais (deduzindo embora os valores entretanto pagos pela Ré por conta da indemnização final), bem como juros de mora à taxa de 4%, desde a citação até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos patrimoniais, e desde a data da sentença até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos não patrimoniais.
6- Inconformada com esta sentença, dela recorre a Ré, terminando as suas alegações recursivas concluindo o seguinte:
“I. Por não ter havido reconhecimento por parte da ré ou qualquer outro facto interruptivo da prescrição, prescreveu o direito indemnizatório do autor, o que deverá levar à absolvição da apelante do pedido.
II. Se assim se não entender, deverá sempre ser reduzida para não mais de € 10.000, por equidade, a quantia arbitrada para compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo autor.
III. O tribunal a quo fez, salvo o devido respeito, uma errada aplicação do [direito]”.
Pede, assim, a procedência do presente recurso e a revogação ou alteração da sentença recorrida nos termos apontados.
7- Também inconformado se mostra o A., que conclui as suas alegações de recurso nos termos seguintes:
“1°- Vem o presente recurso da douta sentença do Tribunal “a quo”, na parte em que decidiu não valorar autonomamente, enquanto dano patrimonial, a incapacidade permanente geral de que o Autor/apelante ficou a padecer, na parte em que arbitrou os danos de natureza não patrimonial em tão-somente 20.000,00 €uros, e na parte em que decidiu que aos valores indemnizatórios fixados deveria ser deduzida a quantia global de 12.297,35 €uros.
2°- Com tal decisão, nos segmentos a que supra se alude, não pode o recorrente conformar-se, porquanto a mesma resulta de uma errada apreciação, valoração, e fixação, da prova, assim como de uma errada interpretação e aplicação dos atinentes dispositivos legais, sendo mesmo nula na parte em que ordena a subtração ou dedução de valores presuntivamente pagos, padecendo, outrossim, de erro de julgamento, implicando a sua revisão.
3°- Com o presente recurso visa impugnar-se, igualmente, a decisão proferida sobre a matéria de facto dada como provada, implicando a reapreciação da prova produzida, concretamente a indicada sob os pontos “9” e “40” dos “Factos Provados”, que se defende dever ser alterada, tal como adiante melhor se concretizará.
4°- Na douta sentença em análise, o Tribunal “a quo”, julgou a ação parcialmente procedente, tendo condenado a Ré a pagar ao Autor a quantia de 6.457,91 €uros, a título de danos patrimoniais, e a quantia de 20.000,00 €uros, a título de danos não patrimoniais, acrescidas dos correspondentes juros de mora, mais tendo sido decidido que aos referidos valores indemnizatórios deveriam ser deduzidos os montantes entretanto pagos pela Ré por conta da indemnização final, e melhor descritos em “1.40” dos factos provados.
5°- Quanto à, decidida, operação de subtração, ou de dedução de valores, que nunca deveria ter sido feita ou ordenada, entende-se ter ocorrido erro de julgamento, da matéria de facto, com efeitos diretos na decisão de mérito.
6°- A prova da factualidade que integra os aludidos pontos “9.” e “40” foi-o, única e exclusivamente, com base na carta junta, como documento n° 5, com o requerimento introduzido pelo Autor/apelante nos autos com data de 29 de Junho de 2014, sob a referência eletrónica 17240211.
7°- A dita carta, porém, foi remetida pela Ré em resposta a uma outra que, com data anterior, o mandatário do Autor lhe havia enviado, fazendo alusão à proposta de indemnização pela Ré apresentada, afirmando que não se poderia pronunciar sobre o seu mérito e justeza se e enquanto se não verificasse a estabilização médico-legal das lesões e sequelas do seu constituinte, e, por forma a, oportunamente, se poder pronunciar sobre tal proposta, solicitando à Ré se dignasse informar quais os danos, ou segmentos de danos, discriminando-os, que foram tidos em conta nessa proposta, e qual(ais) o(s) quantitativo(s) parcelar(es) de cada um deles.
8°- A junção da carta que motivou o envio dessa outra (doc. de fls. 159 e ss.), em função da decidida operação de subtração, da flagrante injustiça, ou ofensa da verdade material, que dela decorre, e do objeto ou âmbito deste recurso, justifica-se e mostra-se agora pertinente, por forma a contextualizar, e enquadrar, o porquê daquela missiva de fls. 159 e ss.
9°- Na verdade, as “atas de acordo de liquidação de sinistro”, que constituem os documentos nºs 2, 3 e 4, juntos com o requerimento do Autor/apelante de 29 de Junho de 2014, nunca chegaram sequer a ser assinadas nem devolvidas à companhia de seguros Ré, razão pela qual esta última nunca chegou a enviar os respetivos meios de pagamento.
10°- E que as mesmas nunca chegaram a ser assinadas, nem devolvidas à Seguradora Ré, para que fossem efetivados os pagamentos das quantias nelas inscritas, resulta, desde logo, de os originais de tais atas se encontrarem na posse do Autor/apelante, por ele tendo sido juntas aos autos com data de 29 de Junho de 2016.
11°- Como se sabe, as seguradoras somente depois de terem na sua posse as “actas de acordo de liquidação”, devidamente assinadas e legalizadas, e com cópia do documento de identificação de quem as assinou, é que emitem os correspondentes meios de pagamento.
12°- Sintomático do que acaba de se asseverar está o facto de que o Autor nem sequer chegou a depositar o cheque, de 200,00€uros (junto com a carta que constitui o documento n° 4 daquele requerimento de 29 de Junho de 2016).
13°- E a assinatura, e devolução à seguradora, das tais “actas de acordo ...”, assim como o depósito de tal meio de pagamento, nunca aconteceram porque o Autor nunca concordou com aquele valor, de 12.297,35 €uros, como sendo o que lhe era devido como indemnização dos restantes danos (daqueles cujo pagamento ainda não havia sido feito, a que se alude no artigo 20° da p.i.. desde “tendo ainda suportado” em diante) decorrentes do sinistro.
14°- Quanto acaba de se asseverar vem confirmado no ponto “8.” das doutas “Alegações” expendidas no recurso de apelação interposto pela Ré, aí se exarando, de forma expressa que “... o autor não aceitou a quantia de € 12.297,35 aludida na sobredita carta de 29.08.2011 que, como tal não lhe foi paga pela apelante”.
15°- Naquela carta, de fls. 159-160, o que se discrimina são, pois, os danos ou despesas a que as atas anteriormente enviadas ao sinistrado se reportam, e o que aí se refere é que a soma dos valores, perfazendo 12.297,35 €uros, contemplou as despesas efetuadas bem como a avaliação médica, mas em momento algum aí se afirmando que aquele valor havia sido pago (como, de facto, repete-se, nunca o foi).
16°- Com efeito, nem só o Autor/apelante não procedeu à (na douta sentença em recurso aludida), duplicação (por ter peticionado valores de que já havia sido indemnizado) como a Ré/apelada nunca alegou (nem, em boa-fé, o poderia ter feito), fosse na contestação, fosse em qualquer outra peça processual, ou requerimento, introduzido nos autos, alguma vez ter pago aquela quantia ao Autor.
17°- E sabe-se que, a ter-se verificado o alegado pagamento, e a pretender de tal matéria a Ré servir-se, ou valer-se, o ónus da sua alegação sobre ela impenderia (cfr. positivado no artigo 5°, n° 1, do novo C. P. Civil).
18°- Registe-se, também, que a Ré/apelada foi notificada da reclamação ou pedido de retificação da dita sentença e, apesar do por via dela asseverado pelo Autor (acusando o lapso na consideração da existência do pagamento), jamais o veio a contraditar, ou infirmar, ou a contra essa afirmação se insurgir, alegando, alguma vez que fosse, onde quer que fosse, ter procedido ao pagamento ao Autor daquela importância, porquanto bem sabe que nunca efetivou tal pagamento, como agora expressa e louvadamente reconheceu, nem tem prova alguma de o ter feito.
19°- Nenhuma prova existe nos autos, a mínima que seja, mormente documental, nem tão pouco uma qualquer testemunha o declarou (ou, sequer, a tal, foi perguntada) que ateste o pagamento, por parte da Seguradora Ré, daquele montante de 12.297,35 €uros.
20°- Ao estar a lançar mão de tal documento (de fls. 159 e ss.), para, dele, extrair a prova de pagamento, sem que tal matéria (efetivação do pagamento) tenha sido alegada, ou objeto de prova, o Tribunal “a quo” está a violar o princípio do dispositivo.
21°- Assim como, ao se pronunciar sobre questões de que não podia tomar conhecimento, concretamente aludindo a, e ordenando ou decidindo, uma operação de subtração ou de dedução de valores que nunca foi alegada ou pedida pelas partes, e ao condenar em objeto diverso do pedido, a douta sentença é, nessa parte, nula (cfr. artigo 615°, n° 1, alíneas d) e e), do C. P. Civil).
22°- Nos termos do disposto no artigo 607°, n° 5, do C. P. Civil, a livre apreciação das provas por parte do Juiz “...não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos...”.
23°- Por ter havido erro na apreciação das provas e erro na apreciação dos factos, os referidos pontos “9.” e “40.” dos “Factos Provados” deveriam ter merecido, o que por via deste recurso se propugna e pede, as seguintes respostas (ou outras de idêntico teor ou resultado):
Ponto “9.”: “A Ré disponibilizou-se para indemnizar o Autor extrajudicialmente, relativamente à perda total do ciclomotor, entre outras despesas...” , e mantendo-se o demais teor de tal ponto “9.”; e,
Ponto “40.”: “Ainda nos termos da referida missiva resulta que a Ré até à data de 29/08/2011 havia-se disponibilizado para liquidar ao A. o montante global de ...” e mantendo-se o demais teor de tal ponto “40.”, ou então, quanto a este último ponto, nada, a esse respeito, se dando como provado, dando-se tal matéria, simplesmente, como não escrita.
24°- O Tribunal “a quo” entendeu também, com o que o Autor/apelante discorda, quanto à peticionada indemnização pela incapacidade permanente geral de que o Autor ficou a padecer, que tal incapacidade deverá ser ressarcida através de adequada compensação no âmbito e como dano não patrimonial.
25°- Ora, sendo a incapacidade permanente, “de per si”, um dano patrimonial indemnizável, pela limitação que o lesado sofre na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, deve ser reparado, quer acarrete para o lesado uma diminuição efetiva do seu ganho laboral, quer implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais.
26°- A incapacidade, de dois pontos, de que o Autor ficou a padecer, constitui uma desvalorização efetiva, com expressão patrimonial, devendo a correspondente indemnização ser fixada com recurso à equidade. Efetivamente,
27°- A indemnização a arbitrar pelo dano biológico do lesado deverá compensá-lo também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente refletida no nível de rendimento auferido.
28°- A afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios (como dano biológico) porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado e, especificamente, da sua atividade laboral.
29°- Ao precedentemente defendido nem sequer obsta o facto de o Autor/lesado se não encontrar a exercer uma atividade profissional remunerada, por, à data do acidente, ser estudante.
30°- A jurisprudência é pacífica no sentido de que não é o facto de o sinistrado, na altura da ocorrência do acidente, não exercer qualquer profissão, ou porque se encontrava desempregado, ou porque era estudante, ou porque já estava reformado, que implica que a incapacidade funcional de que venha a padecer não seja indemnizável.
31°- No caso sub judice o recorrente era estudante, mas com todo um futuro pela sua frente, que, com grande margem de segurança, implicaria e redundaria no exercício de uma profissão. E tal exercício será afetado, em maior ou menor medida, com maior ou menor gravidade, pela incapacidade com que ficou afetado.
32°- Não obstante a respetiva fixação dever ser feita com recurso à equidade, entende-se que a indemnização a fixar ao Autor, a este título, e enquanto dano patrimonial, não deverá ser inferior a € 12.000,00 (doze mil euros).
33°- Mesmo que a entender se não venha que a IPG de que o Autor ficou a padecer deva ser indemnizável autonomamente, e enquanto dano patrimonial, sendo, antes, tal dano biológico enquadrado e indemnizado enquanto dano não patrimonial, então os danos não patrimoniais a arbitrar ao Autor/apelante não deveriam sê-lo por montante inferior aos, peticionados, € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros).
34°- De facto, para além dessa IPG, tendo presente toda a matéria de facto dada como provada sob os pontos “10.” a “32.” dos “Factos Provados”, há que atentar em que o Autor foi, e esteve, internado em três diferentes unidades hospitalares, durante três, diferentes, períodos de tempo, temporalmente espaçados, sofreu traumatismo do ombro esquerdo/fratura da clavícula esquerda, contusões/escoriações dispersas e ferida no pé, que foi suturada, foi submetido a múltiplas observações, exames, incluindo radiológicos, foi-lhe aplicada imobilização, esteve presente em inúmeras consultas, em diferentes Instituições de Saúde, fez curativos em dois Centros de Saúde, efetuou múltiplas deslocações, foi intervencionado cirurgicamente, sob anestesia geral, por mais do que uma vez, esteve, durante 15 dias, impossibilitado de frequentar as aulas, esteve durante cerca de dois anos impossibilitado de frequentar as aulas de educação física, que integravam o curso em que estava matriculado, tendo, fruto dessa impossibilidade, transitado de ano mas deixado quatro módulos sem concluir, tendo a consolidação médico-legal das lesões sofridas ocorrido apenas 567 dias após o acidente, tendo, ainda, ficado com cicatrizes e com uma atrofia do deltóide.
35°- Não podem deixar de ter-se, igualmente, em conta as perturbações emocionais e físicas que do acidente resultaram para o recorrente, um jovem de apenas 18 anos de idade à data dessa ocorrência.
36°- Não o entendendo conforme explanado nestas alegações, a douta sentença objeto deste recurso violou, além do mais, o disposto nos artigos 562° e 564° do Código Civil, e artigos 5°, n° 1, e 607°, n° 5, do novo C. P. Civil”.
Pede, assim, que se conceda provimento ao presente recurso e se revogue a sentença recorrida, na parte impugnada.
8- A Ré respondeu ao recurso do A., pugnando pela improcedência do mesmo.
9- Recebidos ambos os recursos e preparada a deliberação, importa tomá-la:
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II- Mérito dos recursos
A- Definição do seu objecto
O objecto dos recursos, em regra e ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (artigos 608.º, n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º1, do Código de Processo Civil).
Assim, observando este critério no caso presente, o objecto dos recursos em apreço reconduz-se às seguintes questões:
1- Em primeiro lugar, saber se a sentença recorrida é nula pelas razões indicadas pelo A.;
2- Em segundo lugar, aferir se deve haver lugar à modificação da matéria de facto, nos termos defendidos pelo A.;
3- Em terceiro lugar, aquilatar se o direito indemnizatório invocado pelo A. se encontra prescrito;
4- E, por fim, em caso de resposta negativa à questão anterior, determinar qual o âmbito e conteúdo do direito indemnizatório do A., na parte impugnada por ambas as partes.
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B- Fundamentação de facto
a) Vem estabelecida a seguinte factualidade provada:
1- No dia 26 de Março de 2011, cerca das 11h30m, pela Rua Quinta dos Frades, freguesia de Vila, concelho de Melgaço, o A circulava com o ciclomotor, de marca Yamaha DT, particular, de sua propriedade.
2- A referenciada Rua Quinta dos Frades é uma via de sentido duplo, sendo que, o preciso local do embate configura uma reta de pequena extensão, sendo o piso em paralelo.
3- Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar prosseguia o A no referido ciclomotor no sentido descendente, isto é, no sentido Lugar de Vale (freguesia de Roussas) - Avenida da Barbosa (dita freguesia da Vila); pela hemi-faixa direita de rodagem, atento o sentido que levava, animado de velocidade não concretamente apurada.
4- Ao assim circular, e quando se aprestava a passar em frente a uma carpintaria existente do lado direito da hemi-faixa prosseguida pelo Autor, contiguamente ao falado arruamento, eis que, de forma perfeitamente inesperada e repentina, a linha de circulação do ciclomotor é cortada ou obstaculizada, por um animal da raça canina, que provinha do interior da dita carpintaria, que se lhe atravessou na frente, e contra o qual acabou por embater, fazendo-o tombar no chão.
5- À data do acidente, o animal era propriedade de M, residente naquela data em casa de sua avó, E, mais propriamente na Rua da Barbosa, da dita freguesia da Vila e concelho de Melgaço.
6- Sendo que a cobertura dos danos que pelo referido cão viessem a ser produzidos a terceiros se encontrava, à data, transferida para a Ré, pela apólice nº ….
7- O Autor, completamente apanhado de surpresa com a aparição, repentina, e o atravessamento daquele animal à sua frente, na via de circulação, sem tempo de reação, nada pôde fazer para evitar o embate.
8- Sendo que, na sequência desse embate, o ciclomotor tombou sobre o pavimento da via, sobre ele deslizando e ficando todo riscado e amolgado, tendo o seu condutor, e ora Autor, sido igualmente projetado para o chão, tombando desamparadamente sobre o paralelo e sobre ele deslizando.
9- A Ré indemnizou o Autor extrajudicialmente, relativamente à perda total do ciclomotor, entre outras despesas, tendo ainda suportado os custos com as deslocações do Autor ao Porto, em veículo de aluguer, vulgo táxi, a consultas, observações e realização de exames, radiológicos e de diagnóstico, por parte da instituição de saúde e do corpo clínico escolhido pela Ré, instituição e corpo clínico que igualmente custeou.
10- Como consequência direta e adequada do descrito sinistro, o Autor sofreu as seguintes lesões: traumatismo do ombro esquerdo / fratura da clavícula esquerda, contusões/escoriações dispersas e ferida no pé que foi suturada.
11- Tendo de ser transportado, de emergência, em ambulância do INEM, para o Centro Hospitalar do Alto Minho, E.P.E. (abreviadamente CHAM), em Viana do Castelo, onde deu entrada nos Serviços de Urgência.
12- Aí foi submetido, logo nesse dia 26/03/2011, a múltiplas observações, por diferentes clínicos, e a exames radiológicos, tendo-lhe sido diagnosticada fratura da clavícula esquerda e aplicada imobilização, tipo “cruzado posterior”, com aparelhos ortopédicos.
13- Regressou, novamente, ao CHAM em 05/04/2011, para realização de consulta externa, com o médico ortopedista Dr. António Rodrigues.
14- No Centro de Saúde de Melgaço, em consequência do relatado sinistro, e das lesões nele produzidas, fez curativos durante cerca de duas semanas, após a alta do CHAM, curativos esses que continuou, depois, no Centro de Saúde de Braga, por em tal cidade (Braga) se encontrar a residir e a estudar à data do acidente.
15- No Centro de Saúde de Melgaço foi também consultado, pelo seu médico de família, Dr. Luciano Sarabando, nos dias 03/05/2011,20/05/2011, 01/06/2011 e 27/01/2012.
16- A pedido e por ordens da seguradora Ré o A. deslocou-se, no dia 2 de Setembro de 2011, ao Hospital Venerável Irmandade Nossa Senhora da Lapa, para consulta de avaliação final do lesado, levada a efeito por parte do Dr. Mateus Esteves, com atribuição de alta a partir do dia 02/09/2011.
17- E ainda, na mesma unidade hospitalar, no dia 14/10/2011, para consulta e observação.
18- O A. marcou ainda presença na “Clipóvoa ...”, nas seguintes datas e para os seguintes atos:
a)- Em 15/04/2011, para consulta de ortopedia, com o Dr. Pinto Oliveira (com a informação clínica de fratura da clavícula esquerda - 1/3 externo -, com não união óssea - pseudartrose -, necessitando de cirurgia), exame de Raios-X à clavícula, e aplicação de ligadura de algodão p/ almofadar de 10 cm e de ligadura elástica de 10 cm;
b)- Em 27/05/2011, para consulta de ortopedia;
c)- Em 17/06/2011, para consulta de ortopedia;
d)- Entre 18/08/2011 e 20/08/2011, com internamento, realização de exames de sangue, Raios-X, eletrocardiograma e, no dia 19/08/2011, intervenção cirúrgica de correção da pseudartrose da clavícula, com enxerto tibial e sob anestesia geral;
e)- Em 22/08/2011, para consulta de ortopedia, com o Dr. Pinto Oliveira, com realização de Raios-X à clavícula (tendo-lhe sido considerado um período de convalescença mínimo, e de I.T.A., de 3 meses);
f)- Em 14/10/2011, para consulta de ortopedia, com vista ao controle da consolidação da fratura da clavícula esquerda; e,
g)- Em 20/02/2012, para consulta de ortopedia, com a informação de que se poderia fazer a remoção da placa e parafusos quando o doente pretendesse, e ainda a informação de que poderia retomar as aulas de Educação física.
19- Por orientação e indicação do corpo médico da Clipóvoa, o Autor foi, entre 18/08/2011 e 20/08/2011, submetido a internamento, a realização de exames de sangue, de Raios-X e eletrocardiograma, tendo, nesse entretanto, concretamente no dia 19/08/2011, sido submetido a intervenção cirúrgica para correção da pseudartrose da clavícula, com aplicação de enxerto tibial e osteossíntese com placa e parafusos, sob anestesia geral, tendo tido alta naquele dia 20/08/2011.
20- Tal intervenção teve lugar porquanto ocorreu uma consolidação de forma muito defeituosa da fratura da clavícula (no ponto de fratura tendo os ossos unido sobrepostos e não alinhados).
21- O Autor foi novamente internado, e submetido a nova intervenção cirúrgica, na Clínica de Santa Tecla, em Braga, entre 31 de Agosto de 2012 e 01 de Setembro de 2012, para extração do material de osteossíntese (placa e parafusos) da clavícula esquerda, tendo tido alta clínica, definitiva, em 12/10/2012.
22- Como decorrência do descrito sinistro, o Autor ficou a padecer das seguintes sequelas ao nível do membro superior esquerdo: cicatriz distrófica com 11x3 cm sobre o eixo da clavícula esquerda não aderente, ligeiramente dolorosa ao toque; ligeira atrofia do deltóide.
23- A data da consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 12 de Outubro de 2012, tendo em conta a data da alta clínica, o tipo de lesões resultantes e o tipo de tratamentos efetuados.
24- Das lesões e sequelas que do relatado sinistro lhe advieram, resultou para o Autor um défice funcional temporário total de 7 dias e parcial de 560 dias.
25- E bem assim tendo sofrido uma repercussão temporária na atividade profissional total de 16 dias e parcial de 551 dias.
26- As sequelas de que o A. ficou a padecer em consequência do acidente provocam-lhe um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos, compatíveis com o exercício da atividade habitual e não implicam esforços suplementares.
27- O autor tinha, na data do acidente 18 (dezoito) anos de idade, pois nasceu em 21/11/1992.
28- Era estudante do curso de Energias Renováveis na Escola Profissional de Braga.
29- Esteve impossibilitado, durante quinze dias, de ir às aulas e, bem assim, durante cerca de dois anos, de frequentar as aulas de educação física, cuja disciplina integrava o aludido curso.
30- Fruto dessa impossibilidade de frequência transitou de ano mas acabou por deixar 4 (quatro) módulos sem concluir.
31- O Autor sofreu, em consequência das lesões advenientes do acidente e tratamentos a que foi submetido, um quantum doloris fixável no grau 4.
32- O Autor era, antes do acidente, uma pessoa completamente saudável, ativa, extrovertida, alegre e feliz, na plena pujança da sua juventude.
33- Em consequência do acidente descrito, e dos ferimentos, lesões e danos nele produzidos, o Autor sofreu os seguintes danos, despesas e prejuízos:
a)- danos em roupas que albergava aquando do acidente: 119,95€;
b)- Refeições, aquando das deslocações para consultas e exames: 17,65€;
c)- Despesas com parqueamento/estacionamento de viatura (aquando das deslocações para consultas e exames): 2,20€;
d)- Despesas com medicamentos: 22,16€;
e)- Despesas com exames de diagnóstico, tratamentos, taxas moderadoras e consultas: 569,03€;
f)- Despesas com combustível em deslocações para consultas, exames, e intervenções: 454,01€;
g)- Despesas com portagens em deslocações para consultas, exames, e intervenções: 110,25€;
h)- Custos com o internamento e intervenção cirúrgica na “Clipóvoa ...”, entre 18 e 20 de Agosto de 2011: 3.063,14€; e,
i)- Despesas com o internamento e intervenção cirúrgica na Clínica Santa Tecla e com anestesista (1.326,91€ + 72,00€): 1.398,91€, tudo perfazendo o montante global de 5.757,91€.
34- Do acidente de viação sofrido pelo resultou a perda total do ciclomotor em que se fazia transportar, cujo valor foi consensualmente fixado entre A. e Ré no montante de 700,00€.
35- O proprietário do animal de raça canina cuja introdução na via pública provocou o sinistro não curou, por si ou através de outra pessoa, de assegurar ter tal animal preso em casa, nalgum anexo, ou nos seus rossios, designadamente aí retido por alguma corrente ou outro sistema de retenção.
36- Não curou de fechar, ou de ter fechadas, as respetivas portas ou portões de acesso, de forma a impedir que ele saísse para a via pública.
37- Não curou de amestrar ou de treinar tal animal para que o mesmo não abandonasse os limites da residência e logradouro e para que o mesmo se não introduzisse, de forma repentina, em tal via pública.
38- Por contrato de seguro, titulado pela apólice nº …, a responsabilidade civil emergente de sinistro provocado pelo canídeo em questão havia sido transferida para a Ré, seguro esse plenamente válido e eficaz na data do acidente.
39. A Ré enviou ao A. a carta de fls. 159 e ss dos autos, entre outras, datada de 29/8/2011, na qual declarou o seguinte:
(...)
Cumpre-nos, no entanto informar que as actas de acordo de liquidação de sinistro emitidas até à presente data, na importância total de € 12.297, 35 devem ser tomadas como adiantamento por conta da indemnização final.
(...)
Pelo que solicitamos que o V. constituinte disponibilize todos os elementos referentes a despesas que tenha incorrido e que não tenham sido ressarcidas, para que, após a sua avaliação médica, possamos efectuar o cálculo indemnizatório final.”
40- Ainda nos termos da referida missiva resulta que a Ré, até à data de 29/8/2011, havia liquidado ao A. o montante global de 12.297,35€ como adiantamento por conta da indemnização final, tendo considerado naquele valor os seguintes danos:
- ciclomotor - 700,00€;
- despesas médicas - 1 04,71€;
- deslocações- 61 ,95€;
- danos materiais (roupas) - 119,95€;
- dano biológico 8.834,24€;
- dano estético 1.651 ,27€;
- quantum doloris - 825,23€.
*
b) Na mesma sentença não se julgaram provados os seguintes factos:
1. Em resultado do período de incapacidade temporária profissional total de que esteve afetado, o Autor viu-se impedido do exercício de qualquer atividade profissional remunerada, com vencimento mensal mínimo de 1.000,00€, tendo deixado de auferir 9.433,33€.
2. Em resultado da incapacidade permanente parcial de que se encontra afetado (4 pontos), o Autor viu reduzida a sua capacidade de ganho.
3. O A., em consequência das lesões sofridas mantém queixas a nível funcional relativas a dores no ombro e dificuldade em transportar pesos sobre o ombro esquerdo.
4. Dores, incómodos e mal-estar que continua a sentir, particularmente com a mudança das condições climatéricas e sempre que exerce alguma atividade física e/ou faz maiores esforços, e que previsivelmente se prolongarão por toda a sua vida.
5. Com as sequelas que lhe advieram do sinistro viu o seu quotidiano e a sua vida completamente alteradas.
6. Não dispondo da plenitude das suas capacidades físicas, sente-se, e vê-se, agora, impossibilitado de exercer certos trabalhos e atividades que habitualmente exercia e que exigem grande esforço físico.
7. Assim como se vê impedido da prática de desportos físicos que praticava com regularidade e gosto, e que são atividades de esforço e de contacto, como seja a natação, o futebol e o ciclismo.
8. Sente-se, ainda, fisicamente diminuído, o que o faz retrair-se socialmente, limitando-o, pois e inclusivamente, nos momentos de lazer de que até então podia desfrutar livremente.
9. O sucedido e as ditas sequelas fizeram-lhe, de resto, perder grande parte da confiança e segurança com que encarava o futuro, grande parte do gosto pela vida ou da chamada “joie de vivre”.
10. Sentindo-se, por isso, triste, angustiado e amargurado.
11. Tais alterações na sua vida causaram-lhe e continuam a provocar-lhe desgosto, preocupação, sentimentos de inferioridade e insegurança.
12. O A. ficou a padecer de um dano estético no grau 3/7, e de um prejuízo de afirmação pessoal no grau 3/5.
13. Em consequência do acidente o A. teve de suportar perda de valores pagos para obtenção de carta de condução e penalidade por falta a exame prático: 322,00€.
*
C- Apreciação dos fundamentos dos recursos
1- Começa por estar em causa a validade formal da sentença recorrida. Isto porque o A. considera que tal sentença é nula, na parte em que ordenou a dedução de valores alegadamente já pagos pela Ré, sem que nenhuma das partes tivesse pedido semelhante abatimento.
E linearmente se pode afirmar que o A. tem razão.
Efetivamente, nem o A., nem a Ré pediram essa subtração de valores.
Ora, o artigo 608.º, n.º 2, 2ª parte, do Código de Processo Civil, é bem explícito ao dispor que, não se tratando de questões de conhecimento oficioso, o juiz não pode ocupar-se senão daquelas que forem suscitadas pelas partes. Se o fizer, ou seja, se exceder este limite, a sentença, nessa parte, é nula (artigo 615.º, n.º 1, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Civil).
Pois bem, como dissemos, o tribunal recorrido ordenou a dedução de valores na indemnização atribuída, sem que tal lhe tivesse sido solicitado.
Por conseguinte, tratando-se de uma matéria que está na livre disponibilidade das partes e nenhuma delas pediu tal dedução, a sentença recorrida, na parte em que a ordenou, é nula.
2- Justamente por causa dessa dedução, mas agora em razão dos seus pressupostos de facto, que alega não estarem comprovados, pede o A. também a modificação da matéria de facto contida nos pontos 9 e 40 do capítulo dos Factos Provados, de tal modo que no primeiro (ponto 9) se consigne apenas que “A Ré disponibilizou-se para indemnizar o Autor extrajudicialmente, relativamente à perda total do ciclomotor, entre outras despesas...”, mantendo o restante teor; e, em relação ao ponto 40, se julgue apenas demonstrado que “Ainda nos termos da referida missiva resulta que a Ré até à data de 29/08/2011 havia-se disponibilizado para liquidar ao A. o montante global de...” e mantendo-se o demais teor de tal ponto “40.”, ou então, quanto a este último ponto, nada, a esse respeito, se dando como provado, dando-se tal matéria, simplesmente, como não escrita”.
Isto porque, no fundo, não estaria comprovado o pagamento de 12.297,35€, como se entendeu na sentença recorrida, uma vez que os documentos de fls. 153 a 160 (juntos com o requerimento apresentado no dia 29/06/2014) só atestam a disponibilidade da Ré para fazer esse pagamento e não a concretização do mesmo.
Ora, analisados os ditos documentos e confrontando-os, inclusive, com as alegações de recurso da Ré, nas quais esta reconhece que “o autor não aceitou a quantia de 12.297,35€ aludida na sobredita carta de 29.08.2011 que, como tal não lhe foi paga pela apelante”, facilmente se verifica que o A. tem razão; ou seja, não se pode julgar comprovado esse pagamento, mas tão só a oferta da Ré nesse sentido.
Por isso mesmo, os indicados pontos da matéria de facto passarão a ter a seguinte redação:
“9- A Ré disponibilizou-se para indemnizar o Autor extrajudicialmente, relativamente à perda total do ciclomotor, entre outras despesas, tendo ainda suportado os custos com as deslocações do Autor ao Porto, em veículo de aluguer, vulgo táxi, a consultas, observações e realização de exames, radiológicos e de diagnóstico, por parte da instituição de saúde e do corpo clínico escolhido pela Ré, instituição e corpo clínico que igualmente custeou”.
“40- Ainda nos termos da referida missiva, a Ré, até à data de 29/08/2011, disponibilizou-se a liquidar ao Autor o montante global de 12.297,35€ como adiantamento por conta da indemnização final, tendo considerado naquele valor os seguintes danos:
- ciclomotor- 700,00€;
- despesas médicas- 1 04,71€;
- deslocações- 61 ,95€;
- danos materiais (roupas)- 119,95€;
- dano biológico- 8.834,24€;
- dano estético- 1.651 ,27€;
- quantum doloris - 825,23€”.
3- Analisemos agora uma outra problemática. Diz ela respeito à alegada prescrição do direito de crédito de que o A. se arroga titular.
Na contestação, a Ré defendeu que este direito se encontra prescrito porque passaram mais de três anos entre a data do sinistro que deu origem à reclamação desse crédito e a sua citação para esta ação.
Mas o A., tal como a sentença recorrida, não aceitaram esta tese. O argumento essencial é que a Ré reconheceu o referido direito com a missiva que dirigiu àquele, datada de 29/08/2011.
A Ré, no entanto, refuta esta tese no seu recurso, reafirmando justamente o contrário; ou seja, que esse reconhecimento nunca teve lugar, uma vez que nem ela aceitou o valor reclamado pelo A., nem este se mostrou satisfeito com a quantia que ela própria lhe ofereceu a título indemnizatório.
A divergência entre as partes cinge-se, pois, à questão de saber se a mensagem incorporada na citada carta implica, ou não, o reconhecimento do direito de crédito em causa nestes autos. Isto partindo do princípio, que já demos como certo, de que não se provou o pagamento da quantia nela referenciada.
Pois bem, que a lei atribui relevância decisiva ao reconhecimento do prescribente, isto é, da pessoa a favor de quem está a correr a prescrição, para interromper esta última, é inequívoco. O artigo 325.º, n.º 1, do Código Civil, estipula-o claramente quando dispõe que a prescrição, enquanto causa de extinção de direitos, se interrompe “pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito possa ser exercido”.
Como acentuava Vaz Serra(1), “se o prescribente reconhece o direito do titular, é razoável que perca o benefício do prazo prescricional já decorrido: tal reconhecimento pode interpretar-se como renúncia da sua parte a prevalecer-se desse prazo, visto supor a vontade de cumprir, além de que o titular pode confiar na opinião manifestada pela outra parte, não tendo, por isso que a demandar”.
Mas o reconhecimento do direito, no caso de responsabilidade civil extracontratual, como é o caso, não tem de coincidir com a exata dimensão quantitativa do mesmo, na sua faceta indemnizatória. Se assim fosse, quando a prestação creditícia reconhecida na sentença ultrapassasse o valor da obrigação aceite pelo devedor, o risco de prescrição, quanto ao excesso, seria real.
Mas não é assim.
O direito que é objeto de prescrição, em tal hipótese, é o de indemnização; ou seja, o direito do lesado a ver reintegrada a sua esfera jurídica pela atuação danosa de terceiro.
Assim, se o devedor reconhece essa obrigação de reparação, é legítimo supor a sua vontade de a cumprir.
Ora, no caso, foi justamente esta a atitude que foi assumida pela Ré. Na carta em apreço, a Ré dispôs-se a ressarcir o A. em relação a determinados danos que, em seu entender, devia reparar.
Por conseguinte, em relação a esses danos, a prescrição do direito indemnizatório do A. foi interrompida. Independentemente dos montantes, o que a Ré declarou, no fundo, foi que reconhecia ao A. o direito a ser indemnizado por tais danos; o que tem implícita a renúncia à invocação da prescrição.
Daí que semelhante invocação, nesta sede, seja contraditória com a anterior conduta da Ré e juridicamente irrelevante. A prescrição em causa não pode, assim, deixar de se ter por interrompida.
Ora, sendo esta a única defesa e mantendo-se válidos os demais pressupostos analisados na sentença recorrida, a mesma, em tal aspeto, é de manter. O que implica a improcedência deste argumento recursivo.
4- Resta, então, por averiguar qual o âmbito e conteúdo do direito indemnizatório do A., na parte impugnada por ambas as partes.
Estão em causa o direito indemnizatório decorrente da incapacidade funcional permanente de que o A. ficou a padecer, que na sentença recorrida, foi englobada nos danos não patrimoniais, e o valor atribuído a este último título, que a Ré sustenta ser exagerado e o A. insuficiente.
No que àquele primeiro direito concerne, defende o A. que a sua incapacidade permanente deve ser avaliada também nas suas implicações patrimoniais. Isto porque, “sendo a incapacidade permanente, “de per si”, um dano patrimonial indemnizável, pela limitação que o lesado sofre na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, deve ser reparado, quer acarrete para o lesado uma diminuição efetiva do seu ganho laboral, quer implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais”.
“A afetação da pessoa do ponto de vista funcional [pois], ainda que não se traduza em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios (como dano biológico) porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado e, especificamente, da sua atividade laboral”.
E a tal não “obsta o facto de o Autor/lesado se não encontrar a exercer uma atividade profissional remunerada, por, à data do acidente, ser estudante”.
É que a “ jurisprudência é pacífica no sentido de que não é o facto de o sinistrado, na altura da ocorrência do acidente, não exercer qualquer profissão, ou porque se encontrava desempregado, ou porque era estudante, ou porque já estava reformado, que implica que a incapacidade funcional de que venha a padecer não seja indemnizável”.
“No caso sub judice o recorrente era estudante, mas com todo um futuro pela sua frente, que, com grande margem de segurança, implicaria e redundaria no exercício de uma profissão. E tal exercício será afetado, em maior ou menor medida, com maior ou menor gravidade, pela incapacidade com que ficou afetado”.
Daí que pugne pela reparação deste dano, a que chama de biológico, na sua vertente patrimonial.
Ora, o que importa salientar, em primeiro lugar, é que, do nosso ponto de vista, o dano biológico não tem qualquer autonomia em termos concetuais.
O dano, efetivamente, em termos normativos, traduz-se sempre na lesão material de um bem juridicamente protegido; ou, dito por outras palavras, na perda ou compressão ilegítima de um direito subjetivo já obtido ou na não aquisição de uma prestação. Em qualquer caso, como decorre do disposto no artigo 483.º, n.º 1, 1ª parte, do Código Civil, o dano corresponde sempre à lesão efetiva de interesses materiais ou imateriais tutelados pelo direito(2). Por isso mesmo, sem essa lesão não há obrigação de reparação, nem, consequentemente, responsabilidade civil, seja ela de cariz obrigacional ou delitual(3).
Estamos a falar, claro, do dano como evento ou dano real; que é particularmente importante, por exemplo(4), para a reconstituição natural, ou para a reparação em substância, imposta pelo artigo 562.º do Código Civil.
O dano, no entanto, pode também ser encarado como consequência; ou seja, no plano das suas implicações na esfera jurídica do lesado. E é neste plano que se situam as maiores dificuldades, uma vez que essas implicações, por regra, têm de ser dimensionadas para lhe fazer corresponder uma compensação justa ou equitativa, para o lesado. Como resulta do disposto no artigo 566.º, n.º 1, do Código Civil, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, a indemnização é fixada em dinheiro; dinheiro cuja porção, tem, em regra, como medida “a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos” (nº2). Só no caso de não poder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal deve julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (nº3).
Assim, por regra, há uma simetria ou equivalência entre a patrimonialidade do dano, ou seja, o reflexo que o dano real tem sobre a situação patrimonial do lesado, e a patrimonialidade do direito indemnizatório de que o mesmo lesado é titular.
Mas essa equivalência não significa que todos os danos sejam suscetíveis de avaliação pecuniária. Como sublinhava Antunes Varela(5), ao lado dos danos pecuniariamente avaliáveis, há outros prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação (…) do que uma indemnização”. São os chamados danos não patrimoniais. Isto por contraposição aos danos patrimoniais em que sucede, justamente, o contrário; ou seja, são passíveis de avaliação pecuniária(6).
Surgiu, entretanto, uma nova figura na linguagem jurídica que parece pretender romper com esta dicotomia entre danos patrimoniais e não patrimoniais. Referimo-nos ao dano biológico, tantas vezes referenciado em processos desta natureza, fundados no instituto da responsabilidade civil.
Entre nós, esse conceito, como nos dá conta Maria da Graça Trigo(7), foi introduzido por influência direta da doutrina e jurisprudência italianas, e, em segunda linha, também por influência do direito francês e do direito espanhol. Mas a respetiva assimilação nem sempre foi feita de modo coerente. Casos há em que esse dano é perspetivado exclusivamente na sua componente não patrimonial(8); outras vezes, é encarado apenas ou predominantemente como dano patrimonial(9); na maioria delas, em termos jurisprudenciais, admite-se que se possa traduzir em qualquer um daquele tipo de danos, consoante as circunstâncias(10); e, por fim, há ainda quem o integre como um dano autónomo, distinto dos danos patrimoniais e não patrimoniais(11).
Mas, do nosso ponto de vista, não é necessário sequer afirmar a referida autonomia em termos concetuais, para compensar todos os danos resultantes de factos ilícitos cujas consequências se repercutem na integridade físico-psíquica do lesado, como sucedeu na situação em apreço.
Efetivamente, tal como muitos outros, o nosso ordenamento jurídico protege plenamente essa integridade, quer no plano constitucional (artigo 25.º n.ºs 1 e 2 da CRP), quer legal (cfr., entre outros, artigo 70.º, n.º 1 do Código Civil).
É inviolável, assim, esse bem jurídico, sendo ilícita qualquer ofensa ou ameaça que lhe seja dirigida. E quando assim falamos, queremos com isto referir-nos a uma integridade absoluta, que compreende não só a constituição físico-biológica, como igualmente a componente psíquica e relacional. É, assim, ilícita toda a conduta que, sem suporte normativo bastante, ofenda esses direitos em qualquer uma das suas múltiplas manifestações; ou seja, por exemplo, o direito à existência, o direito à integridade física e psíquica, o direito à afirmação pessoal na vida de relação, incluindo no plano laboral, o direito à imagem e bom nome, o direito ao laser, o direito à reserva da vida privada e muitos outros que, sem qualquer dúvida, os defensores da autonomia do dano biológico vieram sublinhar.
Mas esse sublinhado não significa, repetimos, que no nosso ordenamento jurídico não tenhamos já instrumentos bastantes para os abordar, inclusive de uma forma integrada. Temos e, talvez até com mais valia relativamente àqueles ordenamentos nos quais se optou por quantificar patrimonialmente esses danos. É que a exata simetria entre esse tipo de danos e os correspondentes direitos do lesado, desvirtua não só a noção clássica de patrimonialidade que já referimos, mas também a de indemnização, uma vez que há danos que, como já dissemos, são insuscetíveis de avaliação pecuniária.
A autonomização conceptual do dano biológico, pois, não é de acolher. Isto, repetimos, sem prejuízo de merecerem tutela os danos que, por regra, são integrados nesse capítulo e até de reconhecermos que o aludido conceito veio contribuir, decisivamente, para a compreensão do âmbito dos prejuízos sofridos pelas vítimas de factos geradores de responsabilidade civil delitual.
Mas, aparte este aspeto, cremos que bastam as categorias primeiramente referenciadas, dos danos patrimoniais e não patrimoniais, para integrar todos os danos provocados pelos citados factos.
Ora, cingindo-nos a essas categorias, fácil é compreender que a afetação da integridade produtiva do ser humano é, por regra, suscetível de contender não só com bens jurídicos de natureza imaterial, mas também patrimonial, posto que pecuniariamente quantificáveis. É o que sucede, por exemplo, quando a incapacidade funcional diminui diretamente o rendimento do lesado. Mas é o que sucede também quando o lesado só com um esforço acrescido ou em mais tempo consegue realizar as mesmas tarefas que desempenhava antes do facto danoso. Em qualquer caso, trata-se de danos que são pecuniariamente avaliáveis e que, portanto, têm natureza claramente patrimonial. Mesmo quando falamos de esforço acrescido para realizar as mesmas tarefas, estamos sempre a considerar que a energia inerente à integridade produtiva do ser humano é um bem jurídico suscetível de ser transacionado e, portanto, passível de expressão pecuniária.
Sucede que, no caso presente, o A., embora tivesse ficado afetado com um défice funcional permanente na sua integridade físico-psíquica, em 2 pontos, já não se provou que o mesmo só com um esforço acrescido ou em mais tempo consiga realizar as mesmas tarefas que desempenhava antes do sinistro em análise. Pelo contrário, provou-se que o referido défice, além de ser compatível com o exercício da atividade habitual do A., que neste momento é a de estudar, também não implica qualquer esforço suplementar (ponto 26).
Assim, uma vez que esta factualidade não vem impugnada neste recurso, deve ter-se por demonstrado que da incapacidade permanente do A. não resulta, direta e necessariamente, qualquer implicação no plano patrimonial para o A.; ou seja, a sua integridade produtiva não se mostra desvalorizada sob esse prisma ou com essas consequências.
Daí que bem se tenha decidido na sentença recorrida ao só valorizar essa incapacidade no plano não patrimonial.
Resta, então, saber apenas se o montante indemnizatório atribuído na sentença recorrida ao A., a esse título, ou seja, 20.000,00€, é o adequado.
Para a Ré, é exagerado. Devia, na sua opinião, cingir-se tal montante a 10.000.00€.
Mas para o A. a posição é a diametralmente oposta. Ainda que não se reconheçam as implicações patrimoniais da sua incapacidade permanente, defende que nunca a indemnização por danos não patrimoniais pode ser inferior a 35.000,00€.
Pois bem, como já referimos, os danos não patrimoniais, pela sua própria natureza, nem são passíveis de reconstituição natural, nem, por outro lado, em rigor, são indemnizáveis, mas apenas compensáveis pecuniariamente. Isto, em relação àqueles que mereçam, pela sua relevância, a tutela do direito (artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil).
Essa compensação, nunca é demais dizê-lo, não é o preço da dor ou de qualquer outro bem não patrimonial, mas, sim, uma satisfação concedida ao lesado para minorar o seu sofrimento. Daí que o valor dessa compensação deva ser obtido por recurso à equidade, tendo em conta as circunstâncias referidas no artigo 494.º do Código Civil (primeira parte do nº 4, do artigo 496.º do Código Civil) e as especificidades da situação em apreço.
Comecemos, então, por recordar essas especificidades.
Já vimos que o A. contava, à data do acidente, 18 anos de idade. Nessa altura, mas antes deste acidente, era uma pessoa completamente saudável, ativa, extrovertida, alegre e feliz, na plena pujança da sua juventude.
Depois, como consequência direta e necessária do acidente em análise, resultaram para o A. traumatismo do ombro esquerdo, ou mais precisamente, fratura da clavícula esquerda, contusões/escoriações dispersas e ferida no pé, que foi suturada.
Entretanto, no seu percurso de recuperação clínica, o A. começou por ser transportado, de emergência, para o Centro Hospitalar do Alto Minho, E.P.E., aí tendo sido submetido, logo no dia 26/03/2011, a múltiplas observações, por diferentes clínicos, e a exames radiológicos, tendo-lhe sido diagnosticada fratura da clavícula esquerda e aplicada imobilização, com aparelhos ortopédicos. E aí regressou, de novo, no dia 05/04/2011.
No Centro de Saúde de Melgaço, por sua vez, para tratamento das referidas lesões, o A. fez curativos durante cerca de duas semanas, após a alta do CHAM, curativos esses que continuou, depois, no Centro de Saúde de Braga, por nesta cidade se encontrar a residir e a estudar à data do acidente.
No Centro de Saúde de Melgaço foi também consultado, pelo seu médico de família, nos dias 03/05/2011, 20/05/2011, 01/06/2011 e 27/01/2012.
Num outro plano, e por ordem da Ré, o A. deslocou-se, no dia 02/09/2011, ao Hospital Venerável Irmandade Nossa Senhora da Lapa, para consulta de avaliação final, tendo-lhe sido atribuída alta clinica nessa data.
Já antes, no entanto, tinha marcado presença na “Clipóvoa”, nas seguintes datas e para os seguintes atos:
a) Em 15/04/2011, para consulta de ortopedia, exame de Raios-X à clavícula, e aplicação de ligadura de algodão para almofadar de 10 cm e de ligadura elástica de 10 cm;
b) Em 27/05/2011, para consulta de ortopedia;
c) Em 17/06/2011, para consulta de ortopedia;
d) Entre 18/08/2011 e 20/08/2011, com internamento, realização de exames de sangue, Raios-X, eletrocardiograma e, no dia 19/08/2011, intervenção cirúrgica de correção da pseudartrose da clavícula, com enxerto tibial e sob anestesia geral;
e) Em 22/08/2011, para consulta de ortopedia, com realização de Raios-X à clavícula (tendo-lhe sido considerado um período de convalescença mínimo, e de I.T.A., de 3 meses);
f) Em 14/10/2011, para consulta de ortopedia, com vista ao controle da consolidação da fratura da clavícula esquerda; e,
g) Em 20/02/2012, para consulta de ortopedia, com a informação de que se poderia fazer a remoção da placa e parafusos quando o doente pretendesse, e ainda a informação de que poderia retomar as aulas de Educação física.
Por orientação e indicação do corpo médico da Clipóvoa, o A. foi, entre 18/08/2011 e 20/08/2011, submetido a internamento, a realização de exames de sangue, de Raios-X e eletrocardiograma, tendo, nesse entretanto, concretamente no dia 19/08/2011, sido submetido a intervenção cirúrgica para correção da pseudartrose da clavícula, com aplicação de enxerto tibial e osteossíntese com placa e parafusos, sob anestesia geral, tendo tido alta naquele dia 20/08/2011.
Tal intervenção teve lugar porquanto ocorreu uma consolidação de forma muito defeituosa da fratura da clavícula (no ponto de fratura tendo os ossos unido sobrepostos e não alinhados).
O A. foi novamente internado, e submetido a nova intervenção cirúrgica, na Clínica de Santa Tecla, em Braga, entre 31 de Agosto de 2012 e 01 de Setembro de 2012, para extração do material de osteossíntese (placa e parafusos) da clavícula esquerda, tendo tido alta clínica, definitiva, em 12/10/2012.
E, assim, como decorrência do descrito sinistro, o A. ficou a padecer das seguintes sequelas ao nível do membro superior esquerdo: cicatriz distrófica com 11x3 cm sobre o eixo da clavícula esquerda não aderente, ligeiramente dolorosa ao toque; ligeira atrofia do deltóide.
Esteve impossibilitado, durante quinze dias, de ir às aulas e, bem assim, durante cerca de dois anos, de frequentar as aulas de educação física, cuja disciplina integrava o aludido curso.
Fruto dessa impossibilidade de frequência, transitou de ano, mas acabou por deixar 4 módulos sem concluir.
No que à intensidade das dores que sofreu em consequência das lesões advenientes do acidente e tratamentos a que foi submetido, verifica-se que foi atingido um nível de grau 4.
No entanto, não se pode também escamotear que não se provaram outros factos; designadamente, que:
a) O A., em consequência das lesões sofridas, mantenha queixas a nível funcional, relativas a dores no ombro e dificuldade em transportar pesos sobre o ombro esquerdo.
b) As dores, incómodos e mal-estar que continua a sentir, particularmente com a mudança das condições climatéricas e sempre que exerce alguma atividade física e/ou faz maiores esforços, e que previsivelmente se prolongarão por toda a sua vida.
c) Com as sequelas que lhe advieram do sinistro, o A. tenha visto o seu quotidiano e a sua vida completamente alteradas.
d) Não disponha da plenitude das suas capacidades físicas e esteja impossibilitado de exercer certos trabalhos e atividades que habitualmente exercia e que exigem grande esforço físico.
e) Assim como está impedido da prática de desportos físicos que jogava com regularidade e gosto, como, por exemplo, natação, futebol ou ciclismo.
f) O A. se sinta fisicamente diminuído e, por causa disso se sinta socialmente limitado, particularmente, nos momentos de lazer.
g) O sucedido e as sequelas de que é portador tenham gerado no A. falta de confiança e segurança com que encarava o futuro, sentindo-se, por isso, triste, angustiado e amargurado.
h) O A. tenha ficado a padecer de um dano estético no grau 3/7, e de um prejuízo de afirmação pessoal no grau 3/5.
Pois bem, perante todo este quadro e tendo presente tudo o já referido a propósito da incapacidade permanente do A. e a necessidade de harmonizar as soluções jurisprudenciais dadas a casos semelhantes, cremos, nos termos conjugados do nº 3 do artigo 496º e do artigo 494º, ambos do Código Civil, que se mostra equitativa uma indemnização, a este título, no montante de 17.000,00€.
*
III- DECISÃO
Pelas razões expostas, acorda-se em conceder parcial provimento aos recursos interpostos e, consequentemente, altera-se a sentença recorrida, condenando a Ré a pagar ao A., sem qualquer dedução, a quantia de 17.000,00€ (dezassete mil euros), a título de danos não patrimoniais.
B- Quanto ao mais, nega-se provimento aos referidos recursos e confirma-se, nessa medida a sentença recorrida.
*
- As custas de cada um dos recursos serão pagas por A. e Ré, na proporção do respectivo decaimento- artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
*

1 - Prescrição Extintiva e Caducidade, BMJ, 106, 220, citado no Ac. RC de 30/11/2010, Processo 637/09.2T2AVR.C1, consultável em www.dgsi.pt
2 - Cfr. neste sentido, entre outros, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 7ª ed., Almedina, pág. 591.
3 - Inocêncio Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª Edição Reimpressão, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, pág. 373.
4 - Mas não só; também para a determinação da causalidade, entre outros aspectos (cfr. neste sentido, Antunes Varela, ob cit., pág. 593.
5 - Ob cit., pág. 595.
6 - Repare-se que o conceito de dano patrimonial é aqui empregue com um sentido diferente daquele que já antes aludimos, em que estava em causa a repercussão do dano real na esfera patrimonial do lesado (dano consequencial).
7 - No artigo intitulado “Adopção do conceito de “dano biológico” pelo direito português”, consultável em www.oa.pt.
8 - Neste sentido, Salvador da Costa, no âmbito da formação contínua do CEJ de 2009/2010, em Abril de 2010: Temas de Direito Civil e Processual Civil, em intervenção subordinada ao tema
9 - Cfr. neste sentido, Ac. STJ de 21/03/2013, Proc. 565/10.9TBPVL.S1, consultável em www.dgsi.pt.
10 - Cfr. neste sentido, Ac. STJ de 27/10/2009, Proc. 560/09.0YFLSB, e Ac. STJ de 26/01/2012, Proc. 220/2001-7.S1, ambos consultáveis em www.dgsi.pt.
11 - Nesse sentido parecem pronunciar-se Cátia Marisa Gaspar e Maria Manuela Ramalho Sousa Chichorro, “A Valoração do Dano Corporal”, 2014, 2ª ed., Almedina, pág.13.