Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5/14.4GFPRT.G1
Relator: JOÃO LEE FERREIRA
Descritores: CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
FASE DA EXECUÇÃO DA SENTENÇA
IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO
SUBSTITUIÇÃO DE PENA DE PRISÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: I) Tendo sido aplicada por sentença final uma pena de prisão efectiva, não é possível determinar em despacho judicial posterior que o cumprimento dessa pena ocorra por dias livres, em regime de semidetenção ou no regime de permanência na habitação.
II) É que a escolha e aplicação de qualquer uma dessas reacções penais depende sempre de um juízo da adequação às finalidades da punição assente em considerações quer de prevenção geral, quer de prevenção especial; esse juízo apenas pode ser formulado na sentença e no momento próprio da escolha da pena, pelo tribunal de julgamento.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães,

1. Nos autos de processo comum com o n.º 5/14.4GFPRT, a Exmª juíza da instância local de Famalicão da Comarca de Braga proferiu o seguinte despacho (transcrição):

“Nos presentes autos, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 10 meses de prisão (efectiva).
Inconformado, interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto que, contudo, confirmou a decisão recorrida.
Vem o arguido agora requerer, invocando a sua integração social e familiar que o cumprimento da pena se faça em prisão por dias livres, em regime de semi-detenção nos termos do art. 46.° do CP ou em regime de permanência na habitação nos termos do art. 44.° do mesmo diploma legal.
O MP pronunciou-se considerando que o acórdão condenatório transitou em julgado, não podendo este Tribunal alterar a forma de cumprimento da pena.
Cumpre apreciar e decidir.
Prevê o art. 45.° do CP que "a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano que não deva ser substituída por pena de outra espécie é cumprida em dias livres sempre que o Tribunal concluir que, no caso, esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição."
O art.° 46.° prevê que a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano que não deva ser substituída por pena de outra espécie, nem cumprida em dias livres, pode ser executada em regime de semi-detenção, se o condenado nisso consentir.
Ora, o artigo 44.°, do Código Penal, com a epígrafe "Regime de permanência na habitação", introduzido pela Lei n." 59/2007, de 4 de Setembro, que entrou em vigor no dia 15 de Setembro de 2007 veio consagrar o regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
Como se refere no nº 1, al. a) da mencionada disposição legal, perante o consentimento do arguido, a pena de prisão aplicada em medida não superior a 1 (um) ano pode ser executada com recurso ao referido regime, desde que o Tribunal conclua que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Todas estas penas configuram penas de substituição detentivas. Porém, tal como se decidiu em Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19705/2010, disponível no site www.dgsi.pt este normativo "veio estabelecer uma nova pena de substituição, a aplicar-se como alternativa ao cumprimento da prisão nos estabelecimentos prisionais, em condenações até um ano, ou quando estejam em causa condenações superiores, mas em que o remanescente a cumprir não exceda um ano, descontado o tempo de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação. Excepcionalmente, pode ser uma alternativa em penas até dois anos.”
E acrescenta-se no referido aresto: "Pode questionar-se se o regime em questão consiste no que podemos chamar de "pena de substituição na execução", ou seja, se o momento da substituição seria a fase de execução da pena e não o da sentença condenatória" - questão que se reconduz, afinal, à dúvida suscitada nestes autos.
Porém, o momento em que a aplicação das penas de substituição deve ser decidida é o da sentença condenatória, enquanto momento da escolha, determinação e aplicação da pena correspondente ao facto.
Neste contexto, a pena de permanência na habitação configura, efectivamente, uma penas de substituição, sendo a sentença condenatória o momento para decidir da sua aplicação, no mesmo sentido em que se consideram como penas de substituição a prisão por dias livres e o regime de semidetenção (cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., p. 335).
Sendo assim, o regime previsto no art. 44.0 do Código Penal constitui uma verdadeira pena substantiva e, por isso, o regime de permanência na habitação tem a natureza de uma nova forma de pena de substituição privativa de liberdade a aplicar como alternativa a um cumprimento de pena em ambiente de estabelecimento prisional, e não um específico regime de execução da pena de prisão.
Por tal razão, aderindo-se à fundamentação do dito Acórdão, "porque se trata de uma pena de substituição, com uma autonomia própria, a sua aplicação deve ser ponderada no momento da condenação e não posteriormente, como se retira da própria redacção do nº 2 do artigo 44.° do Código Penal, que se refere expressamente "à data da condenação".
Também PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, no seu Comentário ao Código Penal, Universidade Católica, em anotação ao art. 44°, refere que o regime de permanência na habitação é uma verdadeira pena de substituição da pena de prisão (conforme também expressamente neste sentido a exposição de motivos da proposta de lei n," 98/X, que esteve na base da Lei n." 59/2007).
Parafraseando Paulo Pinto de Albuquerque "Não se trata, pois, de um mero regime de cumprimento da pena de prisão, que possa ser aplicado em momento posterior ao da condenação. A configuração da permanência na habitação como uma verdadeira pena de substituição é rica em consequências substantivas e processuais. Desde logo, compete ao tribunal de julgamento ordenar a substituição, em função da situação pessoal e familiar do condenado "á data da condenação" como se diz expressamente no nº 2. O termo de referência temporal à data da condenação deixa absolutamente claro o propósito do legislador sobre a natureza desta pena de substituição e, portanto, também sobre a competência exclusiva do tribunal de julgamento para a sua aplicação. "
Por outro lado, refere expressamente este autor que o regime de permanência na habitação não é aplicável a uma pena de prisão que tenha resultado de multa não paga, de pena de prestação de trabalho não satisfeita ou de revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
Daqui resulta que "a permanência na habitação só substitui uma pena de prisão, não sendo um meio de substituir a execução de penas de prisão que resultem do incumprimento de outras penas de substituição", o que significa que "o regime de permanência na habitação não é uma pena de substituição de segunda linha, a que se recorre depois do fracasso de outras de penas de substituição."
Ou seja, como pena de substituição, o momento para decidir da aplicação do regime de permanência na habitação é o da sentença condenatória (tal como ocorre com a prisão por dias livres e o regime de semidetenção), e, por isso, o artigo 44.° não é aplicável aos casos em que tendo sido suspensa a execução de uma pena de prisão que veio a ser revogada, se venha a colocar, posteriormente a tal revogação, a questão do cumprimento domiciliário da prisão.
Em face do exposto, impõe-se indeferir a pretensão do arguido. Sem custas, atenta a simplicidade.

Após trânsito do presente despacho passe os competentes mandados de detenção do arguido.

O arguido Alexandre M. interpôs recurso deste despacho, concluindo que deve ser autorizado o cumprimento da pena de dez meses de prisão em que foi condenado por dias livres, em regime de semidetenção ou no regime de permanência na habitação.

O Exmº procurador-adjunto na comarca de Braga formulou resposta concluindo que o recurso deve improceder.

Neste Tribunal da Relação de Guimarães, a Exmª magistrada do Ministério Público emitiu parecer sufragando a posição expressa pelo magistrado na primeira instância.

Em resposta ao parecer, o arguido reafirmou os fundamentos constantes da motivação de recurso.

Recolhidos os vistos do juiz desembargador presidente da secção e da juíza desembargadora adjunta e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. Questão prévia

O arguido requereu a realização de audiência neste Tribunal da Relação de Guimarães, invocando o disposto no artigo 411.º n.º 5 do Código do Processo Penal.

Porém, esta norma tem de ser conjugada com o n.º 3 do artigo 419.º do mesmo diploma legal, onde se estabelecem, em alternativa, as situações em que o recurso tem de ser julgado em conferência.

Da alínea b) deste n.º 3 do artigo 419.º resulta que será sempre julgado em conferência o recurso que incida sobre decisão que não tenha conhecido, a final, do objecto do processo.

O presente recurso não incide sobre sentença mas sobre um despacho judicial posterior ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto que decidiu do objecto do processo. Assim, não é admissível a realização de audiência no presente recurso, ainda que a requerimento do recorrente.

Pelo exposto, renovando a posição expressa pelo relator, indeferimos a requerida realização de audiência e o julgamento deste recurso terá lugar em conferência.

3. A questão suscitada no recurso consiste em saber se, tendo sido aplicada por sentença final uma pena de prisão efectiva, é possível determinar em despacho judicial posterior que o cumprimento dessa pena ocorra por dias livres, em regime de semidetenção ou no regime de permanência na habitação.

No entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, que também subscrevemos, os institutos ou figuras jurídicas do regime de permanência na habitação, da prisão por dias livres e do regime de semidetenção, previstos, respectivamente, nos artigos 44.º, 45.º e 46.º do Código Penal, têm a natureza jurídica e são espécies autónomas de penas de substituição.

A escolha e aplicação de qualquer uma destas reacções penais depende sempre de um juízo da adequação às finalidades da punição assente em considerações quer de prevenção geral, quer de prevenção especial; esse juízo apenas pode ser formulado na sentença e no momento próprio da escolha da pena, pelo tribunal de julgamento. Não se trata, em qualquer desses casos, de meros regimes de cumprimento da pena de prisão, que possam ser decididos em ocasião processual posterior ao da condenação, numa fase de execução da sentença (neste sentido, vide Figueiredo Dias, Consequências, 1993, p. 326, 506 e 507, sobre a inclusão da prisão por dias livres e do regime de semidetenção na espécie das penas de substituição, e na jurisprudência, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 19-05-2010, proc. 117/07.0GAPFR-A.P, Donas Boto, do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-06-2010, proc. 1441/06.5PSLSB-B.L1-3, Conceição Gonçalves do Tribunal da Relação de Guimarães de 29-03-2011, proc. 1507/09.0TABRG.G1, Fernando Chaves, do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-05-2012, proc 492/10.0GAILH.C1, Alberto Mira, do Tribunal da Relação do Porto de 1-11-2012, proc. 178/11.8GAMUR.P2 Élia São Pedro, do Tribunal da Relação do Porto de 18-09-2013, proc 1781/10.9JAPRT-C.P1, Fátima Furtado, do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-03-2014, proc- 3/13.5SFGRD.C1, do Tribunal da Relação do Porto de 03-12-2014, proc 148/13.1PGGDM, Coelho Vieira, do Tribunal da Relação de Évora de 30-06-2015, proc- 1828/10.9PTM.A.E1, Maria Isabel Duarte, todos acessíveis in www.dgsi.pt )

Na situação concreta destes autos e como o arguido não pode deixar de saber, a possibilidade de aplicação de uma pena substitutiva da prisão foi sucessivamente ponderada e afastada, quer na sentença do juízo criminal de Vila Nova de Famalicão, de 20 de Fevereiro de 2014, quer posteriormente no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Setembro de 2014, proferido a recurso do arguido (cfr. fls. 2 a 21 da presente certidão). A opção agora, alguns meses decorridos, por uma prisão por dias livres, semidetenção ou cumprimento na habitação, significaria total desrespeito pelo acórdão do tribunal da relação, transitado em julgado.

Termos em que deve manter-se a decisão recorrida e o recurso tem de improceder.

4. Em consequência do decaimento, o arguido será responsabilizado pelas custas do recurso (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal). De acordo com o disposto no artigo 8º nº 5 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça a fixar, a final, varia entre três e seis UC.

Tendo em conta a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em quatro UC.

5. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido e em confirmar a decisão recorrida.

Custas do recurso pelo arguido, com quatro UC de taxa de justiça.

Guimarães, 2 de Novembro de 2015.

Texto elaborado em computador e integralmente revisto pelos juízes desembargadores que o subscrevem.

João Carlos Lee Ferreira

Alcina Costa Ribeiro